Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
671/15.3T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
CASO JULGADO
EFEITO NEGATIVO
EFEITO POSITIVO
Nº do Documento: RP20180924671/15.3T8PNF.P1
Data do Acordão: 09/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 680, FLS 265-300)
Área Temática: .
Sumário: I - Em sede de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal da Relação goza dos mesmos poderes e está sujeito às mesmas regras de direito probatório material a que se encontra adstrito o Tribunal de 1ª Instância.
II - No âmbito da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, ainda que esteja em causa a reapreciação de meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, deve o Tribunal da Relação formar a sua própria e autónoma convicção, procedendo à análise crítica, à luz das regras da ciência, da lógica e das regras da experiência humana, dos meios de prova convocados pelo apelante e outros que julgue relevantes para a decisão e se mostrem acessíveis.
III - O caso julgado produz dois efeitos distintos: um efeito negativo exercido através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas idênticas, segundo o critério da tríplice identidade (partes; causa de pedir; pedido); um efeito positivo através da autoridade de caso julgado, impondo a força vinculativa da decisão proferida ao próprio tribunal decisor ou a outro tribunal a quem se apresente a dita decisão anterior como questão prejudicial ou prévia face ao objecto no processo posterior, ainda que neste último não ocorra aquela tríplice identidade.
IV - As presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos indiciários ou factos base) para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349º do Cód. Civil.
V - Estando demonstrado que o réu conduzia no momento do acidente um motociclo tipo «cross», de cor azul, que o mesmo era proprietário nessa data de um motociclo com essas características (SZ), que esse motociclo não tinha seguro à data do acidente, que logo após o acidente o réu removeu do local o motociclo (aproveitando a ausência das autoridades policiais) e o escondeu em local desconhecido, que veio a apresentar como interveniente no sinistro um motociclo com seguro válido (pertencente a um familiar – irmão) e, ainda, que os danos existentes neste outro veículo (ZZ) não são compatíveis com os danos ocasionados no acidente em causa, é plenamente justificado, à luz das regras da experiência e da lógica, ter como provado, por presunção natural, que o motociclo que o réu conduzia era o motociclo que o mesmo retirou do local do acidente, ou seja o motociclo SZ, que lhe pertencia e que, à data, não tinha seguro válido e eficaz.
VI - Age de forma particularmente censurável e de má-fé, em termos substanciais, o réu que invoca factos de ordem pessoal que sabe serem falsos e impugna factos também pessoais que sabe serem verdadeiros, adulterando a verdade e deduzindo oposição cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer.
VII - É justa e equitativa a indemnização de € 100.000,00 (cem mil euros) fixada pelo dano de morte de um menor de 13 anos em acidente de viação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 671/15.3T8PNF.P1. - Apelação
Origem: Juízo Central Cível de Penafiel – Juiz 4.
Relator: Des. Jorge Seabra
1º Adjunto Des. Maria de Fátima Andrade
2º Adjunto Des. Fernanda Almeida
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Sumário (elaborado pelo Relator):
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO:
1. B... e mulher, C..., instauraram a presente acção com processo comum contra D... e contra Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação solidária dos Réus a pagar-lhes € 150.750,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescidos de juros legais de mora desde a citação até integral pagamento, em virtude de acidente em que foi vítima mortal o filho menor de ambos, causado por culpa do aqui 1º Réu, condutor de um veículo motorizado que conduzia na altura do acidente, invocando, ainda, os Autores subsidiariamente, a responsabilidade objectiva.
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2. O réu D... contestou, invocando a sua ilegitimidade, nos termos do artº64º, nº1, do DL 291/2007, de 21-08, alegando para tanto que à data do acidente o veículo com a matrícula ZZ-..-.. encontrava-se seguro na Companhia de Seguros E..., impugnando parte da matéria de facto alegada pelos autores e apresentando uma outra versão do acidente, da qual resulta que a culpa pela produção do mesmo teria sido do filho dos autores.
Concluiu pela improcedência da presente acção.
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3. Também o Fundo de Garantia Automóvel veio contestar, impugnando toda a matéria de facto alegada pelos autores e documentos particulares juntos à petição inicial; para além disso, considerou manifestamente exagerada a liquidação operada pelos autores quanto aos danos peticionados, e invocou que apenas responde “desde que se verifiquem taxativamente as condições descritas no Dec.Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto”, (sic- fls.140), sublinhando os limites especiais à responsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel.
Concluiu pelo julgamento da presente acção “em conformidade com a prova que vier a produzir-se “, (sic-fls.145).
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4. Foi realizada a audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, tendo sido proferida decisão que julgou improcedente a invocada excepção da ilegitimidade do Réu D... (cfr. fls. 335 a 337), foi fixado o valor da presente causa e foi proferido despacho destinado a fixar os factos tidos por assentes, identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, (cfr. fls. 338 a 351).
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5. O Réu D... veio deduzir, a fls. 355 a 358, reclamação do despacho saneador, tendo os Autores pugnado pelo indeferimento da reclamação deduzida, a fls. 375 a 382, tendo a fls. 410 sido proferido despacho que indeferiu a reclamação apresentada.
O aludido Réu interpôs ainda recurso da decisão que julgou improcedente a invocada excepção da ilegitimidade por si invocada, tendo a fls. 14 e 15 do apenso A) sido proferido despacho que indeferiu o requerimento de interposição de recurso apresentado, por a decisão recorrida não admitir recurso de apelação autónoma.
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6. Após tramitação processual, foi efectuado o julgamento, sendo proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenando os RR. a pagar solidariamente aos Autores a importância global de € 109.312,50, acrescida de juros legais de mora sobre quantia de € 108.750,00, a contar da data da sentença e até integral pagamento, e, ainda, juros de mora sobre a quantia de € 562, 50, a partir da citação e até integral pagamento.
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7. Inconformado com a sentença, veio Fundo de Garantia Automóvel (adiante designado apenas por FGA) interpor recurso da mesma, aduzindo alegações e formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES
1. A quantia fixada pelo tribunal a quo, a título de violação do dano da morte, é excessiva.
2. A determinação do montante indemnizatório que corresponde aos danos não patrimoniais calcula-se segundo critérios de equidade, devendo atender-se, não só à extensão e gravidade dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado, assim como a todas as outras circunstâncias que contribuem para uma solução equitativa.
3. Ademais, no exercício da determinação do montante indemnizatório, é fundamental assegurar a igualdade na aplicação da lei, devendo, por isso, atender-se aos valores anteriormente fixados pela jurisprudência.
4. Por tudo, entendemos que a indemnização pelo dano pela supressão do direito à vida da infeliz vítima não deve fixar-se em valor superior a €60.000,00, ao invés de 100.000,00€ arbitrados na douta decisão recorrida.
5. Ao não julgar da forma assinalada, o tribunal a quo violou os artigos 496.º, 562.º e 564.º, n.º 2, todos do CC, tendo incorrido em erro de julgamento.
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8. Também o Réu D... interpôs recurso da mesma sentença, aduzindo alegações e formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES
1. Os recorrentes não se conformam com vários aspectos da decisão da matéria de facto provada e não provada;
2. Não se apurou qual o veículo conduzido pelo Réu;
3. Os factos nº 5 e 9 da matéria provada, colidem com o facto não provado do parágrafo 16 dos factos não provados, pelo que não se apurou qual a via de trânsito seguia o velocípede;
4. O motociclo seguia no sentido contrário ao velocípede, após o embate, ficou caído junto ao muro;
5. Não foi produzida prova para fixar como assente a matéria aí reproduzida quanto às velocidades dos veículos;
6. A sentença não define sequer o local exacto do embate. Sem essa definição não é possível determinar a dinâmica do acidente, não passando as hipóteses apresentadas de meras possibilidades mais ou menos prováveis, mas não de certeza capaz de fixar um facto como provado;
7. Os pressupostos do relatório não se encontram assentes, nem podem ser considerados como fonte de certeza suficiente para proferir decisão quanto à matéria de facto;
8. Não se admitindo como provado o facto nº 8;
9. O tribunal não logrou provar os factos referentes à via de trânsito em que circulava o velocípede, não havendo definição alguma na decisão de facto da parte da via em que ocorreu o embate;
10. O tribunal não descreveu, nem produziu prova que lhe permita fundamentar ou descrever a forma como acidente aconteceu;
11. A estrada não permite boa visibilidade ao condutor que transite no sentido ...-...,
12. Resultante do acidente, fiaram vestígios de sangue do malogrado condutor do velocípede em cima da linha que separa as duas hemi faixas de rodagem;
13. O Réu após o acidente permaneceu no local, até ser aconselhado a recolher com medo de represálias da família do menor;
14. Recolhendo-se em habitação próxima do acidente, ali sendo assistido pelo INEM, e ouvido pela GNR;
Termos em que e nos melhores de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, requer que o presente recurso seja admitido, julgado procedente e por via dele se proceda à:
i. Ser o R. considerado parte ilegítima.
ii. Deve a decisão proferida ser revogada;
iii. Cumulativamente, alteração do facto provado nº 3 (retirando-se o esclarecimento de que se tratava do motociclo com a matricula ..-..-SZ);
iv. Cumulativamente, alteração do facto provado nº 6 (retirando a parte e a uma velocidade entre 10 a 30 km/hora.);
v. Cumulativamente, alteração do facto provado nº 7 (devendo ser substituída a parte que diz com o esclarecimento que circulava a uma velocidade entre 40 a 60 km/hora, por circulava a uma velocidade de 40 km/hora, atento o referido pela testemunha F...);
vi. Devem por errada apreciação da prova produzida ser eliminados dos factos provados, bem como da correspondente fundamentação da decisão recorrida os factos 8º, 9º, 11º e 26º;
vii. Quanto ao facto provado nº 10, não existe qualquer definição da parte da via em que terá ocorrido o embate pelo que o mesmo deve ser retirado do elenco de factos provados;
viii. Os factos provados 12º, 13º e 15º são contraditórios, pelo que não se devem apurar como provados;
ix. Quanto ao facto provado 17º, deve ao mesmo ser acrescentado que os vestígios de sangue se encontravam em cima da linha continua e não na hemi-faixa direita no sentido seguido pelo velocípede;
x. O facto provado 20º, é meramente conclusivo, além de resultante de uma errónea apreciação da prova produzida;
xi. Quanto aos factos 23º, 24º e 25º os mesmos resultam do facto nº 3 pelo que também deverão ser retirados do elenco de facto provados;
xii. Subsidiariamente, revogação da decisão proferida, atenta a nulidade decorrente da falta de fundamentação e errónea apreciação da prova produzida em audiência de julgamento.
xiii. Ser revogada a decisão quanto à litigância de má-fé do Réu D....
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9. O Réu FGA, com ressalva da matéria atinente à litigância de má-fé do Réu D..., veio aderir aos argumentos invocados pelo recorrente, nos termos do art. 634º do CPC.
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10. Os AA. responderam a ambos os recursos, pugnando pela sua improcedência.
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11. Foram cumpridos os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, na redacção emergente da Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC].
Por outro lado, ainda, como é consabido, o tribunal de recurso apenas pode dirimir e conhecer das questões suscitadas e dirimidas perante o tribunal de 1ª instância, pois que, através do mesmo, se visa apenas reapreciar da decisão proferida por este último e não proferir novas decisões, conhecendo de questões novas, isto é, não antes invocadas pelas partes. [1]
Com efeito, como é consabido, os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo, e não a provocar decisões sobre questões que não foram antes invocadas (princípio da preclusão) e submetidas ao contraditório e decididas nesse contexto pelo tribunal recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso.
Dito isto, neste enquadramento, as questões a dirimir nesta instância, em função da sua precedência lógica, são as seguintes:
Recurso interposto pelo Réu D...:
i. Ilegitimidade passiva – decisão interlocutória proferida em sede de despacho saneador.
ii. Nulidade da sentença.
iii. Impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido.
iv. Revogação da sentença proferida em função da alteração da decisão de facto.
v. Litigância de má-fé.
Recurso interposto pelo Réu FGA.
vi. Indemnização pelo dano supressão de vida.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1- Os Autores são pai e mãe do menor G..., nascido a 24 de Setembro de 1998, que veio a falecer em consequência de acidente de viação abaixo descrito.
2- No dia 10 de Março de 2012, por volta das 19H02, na Rua ... na localidade de ..., concelho de Amarante, ocorreu um acidente de viação.
3- Em que intervieram o veículo motociclo, conduzido por D..., com o esclarecimento de que se tratava do motociclo com a matrícula ..-..-SZ.
4- E o velocípede sem motor, sem matrícula, tripulado pelo menor G..., filho dos Autores.
5- O menor G..., filho dos Autores, seguia no sentido .../..., sobre a hemifaixa direita da via, atento o referido sentido de marcha.
6- O menor G... circulava a descer e a uma velocidade entre 10 a 30 km/hora.
7- O veículo motorizado conduzido pelo Réu D... circulava no sentido contrário, ou seja de ... para ..., com o esclarecimento de que circulava a uma velocidade entre 40 a 60 km/hora.
8- Vindo a embater frontalmente no velocípede e no corpo do seu condutor, provocando a queda do velocípede e do menor G....
9- Em consequência directa e adequada desse embate, o tripulante do velocípede, filho dos aqui Autores, ficou prostrado inanimado na via, mais precisamente na hemi faixa por onde circulava.
10- E o seu veículo quedou-se caído também nessa parte da via.
11- E do descrito embate resultaram directamente lesões várias no filho dos Autores que foram causa directa e adequada da sua morte.
12- A parte da estrada onde ocorreu o descrito acidente é uma curva à direita, atento o sentido de marcha do motociclo do Réu, com 36 metros de raio, estando melhor identificada nas fotografias de fls. 645 a 649.
13- Com traçado largo e aberto, permitindo visibilidade ao condutor que transite no sentido .../....
14- A dita via tem de largura 4,75 metros, com bom piso.
15- Na altura do acidente o tempo estava bom, estando-se no período de crepúsculo, sob condições de iluminação insuficientes e no local ficaram vestígios do embate.
16- O velocípede ficou caído transversalmente sobre a hemi faixa direita (atento o sentido seguido pelo malogrado filho dos Autores), a uma distância de 3,50 metros da linha lateral esquerda que assinala o limite da faixa de rodagem e o início da berma, (atento o sentido seguido pelo malogrado filho dos Autores).
17- E a cerca de 1,70m da roda da frente do velocípede ficaram vestígios de sangue derramado pela vítima, com o esclarecimento de que os aludidos vestígios estavam na hemi faixa direita (atento o sentido seguido pelo malogrado filho dos Autores).
18- Atendendo a um poste de iluminação pública, a roda de trás do velocípede dele ficou distanciada 10,35m e a roda da frente 11,00m.
19- Aquando do acidente, a responsabilidade civil por danos causados pelo veículo com a matrícula ..-..-SZ não se achava transferida mediante contrato de seguro.
20- O Réu D..., logo após o acidente, apressou-se a levantar e retirou do local da ocorrência o motociclo que conduzia e que interveio no embate, escondendo-o em local desconhecido.
21- E recolheu-se em casa de pessoa que habita bastante perto do local.
22- Da habitação onde se recolheu o Réu D... foi, logo de seguida, conduzido de ambulância ao Hospital, aí prestando as primeiras declarações às autoridades que registaram a ocorrência.
23- O mesmo Réu deu aos elementos da autoridade policial – GNR – a informação falsa sobre o veículo interveniente no acidente, e apresentou documentos respeitantes a um outro motociclo.
24- Ou seja relativo a um veículo motorizado com a matrícula ZZ-..-.., propriedade do seu irmão H....
25- Desta forma os guardas da GNR, que não viram qualquer veículo motorizado no local, elaboraram o auto da ocorrência, fazendo figurar como sendo o veículo motorizado interveniente no acidente, um outro (ZZ-..-..) que não o verdadeiro, (..-..-SZ).
26- Em consequência do descrito acidente, o G... sofreu graves e várias lesões, que determinaram de imediato a sua observação e internamento no Hospital ..., no Porto para onde foi logo transportado.
27- Aí acabando por falecer, no dia 12 de Março pelas 18:45H, em consequência directa dos ferimentos e lesões provocadas pelo descrito embate, [lesões traumáticas meníngeo-encefálicas e do membro superior esquerdo e ambos os membros inferiores, devidas a violento traumatismo, como pode ser um acidente de viação].
28- As lesões sofridas e constantes do relatório de autópsia são de tal forma graves e indiciadoras do grande sofrimento físico e dores, mais acentuados atenta a idade do falecido, apenas contando 13 anos de idade.
29- O infeliz filho dos Autores era um jovem a entrar na adolescência com toda uma vida promissora à sua frente, cheio de vida, saudável, com bom aproveitamento escolar e um filho carinhoso.
30- A quem os pais dedicavam todo o carinho e amor para além de lhe tentarem proporcionar uma existência harmoniosa e a preparação para um futuro de solidez de carácter e educação.
31- O desgosto e sofrimento sentidos em consequência da perda de seu filho são incomensuráveis e impossíveis de quantificar.
32- Agravados pela forma brutal e inopinada em que ocorreu a sua morte.
33- Dor e saudade de seu filho que se manterão durante toda a vida dos Autores, relembrando constantemente o seu fatídico desaparecimento.
34- Sendo certo que após o acidente os Autores acompanharam o seu filho ao Hospital e assistiram à sua agonia e sofrimento.
35- Desde o dia do terrível acidente a vida dos Autores é quotidianamente acompanhada de saudade, dor e desgosto, que perturbam o seu dia-a-dia e dos restantes filhos que compõem o seu agregado familiar.
36- O funeral do filho dos Autores custou, pelo menos, a quantia de 750.00€.
37- Na sequência da elaboração por parte da autoridade policial do auto do sinistro, foi desenvolvido o competente inquérito para efeitos de determinação de responsabilidade criminal, sempre figurando como o veículo interveniente no acidente o indicado pelo Réu, ou seja o motociclo com a matrícula ZZ-..-...
38- Os Autores que não assistiram ao acidente, tendo como boas as descrições e informações constantes do referido inquérito promovida pela competente autoridade policial, e por entenderem ter o acidente ocorrido por culpa exclusiva do Réu D..., intentaram acção de indemnização emergente de acidente de viação contra a companhia de seguro identificada na apólice fornecida, acção que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Amarante, sob o nº 945/13.8TBAM – 2º Juízo, que mereceu sentença parcialmente procedente, com a condenação da seguradora “E...” no pagamento de quantias a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescidas de juros civis.
39- A seguradora E..., não se tendo conformado com a decisão proferida em sentença, dela recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão, revogou tal decisão com o fundamento de que o veículo motorizado interveniente no acidente e conduzido pelo aqui Réu, não foi o motociclo com a matrícula ZZ-..-.. e segurado na referida Companhia de Seguros E....
40- À data do acidente o veículo matrícula ZZ-..-.. encontrava-se seguro na Cª de Seguros E... por força do contrato de seguro titulado pela apólice nº.............
41- Os factos descritos nos presentes autos não foram participados ao contestante FGA por quem quer que fosse, nomeadamente pelos aqui Autores.
42- Os aqui Autores não receberam qualquer indemnização pelo falecimento de seu filho G..., designadamente prestações concedidas pelo sistema de protecção social.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
IV.I. Decisão Interlocutória – Ilegitimidade passiva:
Conforme resulta do despacho saneador proferido nos autos foi ali julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva suscitada pelo Réu D... (vide acta de audiência prévia a fls. 333-354).
Desta decisão interlocutória e sendo certo que a mesma não consentia recurso autónomo de apelação (como foi, aliás, decidido no apenso A destes autos), em conformidade com o preceituado no art. 644º, n.º 3 do CPC, veio o Réu D..., em sede de recurso de apelação interposto da sentença, a inserir a impugnação de tal decisão, sustentando, nesse conspecto, em termos essenciais, em conformidade com a sua contestação (vide arts. 1º, 6º e 8º desta peça), que o motociclo por si conduzido no momento do sinistro era o motociclo ZZ-..-.., motociclo este que, à data do dito sinistro, encontrava-se seguro na Cª de Seguros E... por força de contrato de seguro titulado pela apólice n.º .............
Destarte, segundo o Réu, à luz do preceituado no art. 64º do DL n.º 291/2007 de 21.08, é ele parte ilegítima, com as devidas consequências legais.
Cumpre decidir.
Segundo o disposto no art. 64º, n.º 1 do DL n.º 291/2007 de 21.08 “as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente:
a) Só contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório. “
Por seu turno, preceitua o art. 62º, n.º 1 do mesmo diploma legal que “As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, são propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade.”
Mais, ainda, dispõe o art. 62º, n.º 2 do dito diploma que “Quando o responsável civil por acidentes de viação for desconhecido, o lesado demanda directamente o Fundo de Garantia Automóvel.”
Em suma, perante o aludido quadro legal, são possíveis quatro hipóteses: - se o alegado responsável civil pelo acidente for desconhecido (e consequentemente, se ignorar a própria existência de contrato de seguro) é directamente demandado o FGA; - se o alegado responsável civil for conhecido e não beneficiar de seguro válido e eficaz são demandados obrigatoriamente (litisconsórcio necessário legal) o responsável civil e o FGA; - se o alegado responsável civil beneficiar de seguro de responsabilidade civil a acção deve ser dirigida apenas contra a empresa de seguros, se o pedido formulado pelo autor se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro automóvel; se o pedido formulado ultrapassar este valor mínimo, a acção tem também que ser dirigida obrigatoriamente contra o responsável civil e contra a empresa de seguros (litisconsórcio necessário legal).
A aplicação destes normativos e das várias hipóteses neles consignadas depende, obviamente, da forma como a acção de responsabilidade civil se mostra estruturada pelo autor, sendo certo que, como é consabido, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor (art. 30º, n.º 3 do CPC).
Ora, no caso em apreço, os autores invocaram na sua petição inicial que o responsável civil do acidente dos autos é conhecido, ou seja, o réu D... e, ainda, que o mesmo conduzia no momento do sinistro um motociclo cuja identificação não conhecem, designadamente matrícula, marca e cilindrada, assim como, necessariamente, desconhecem se o mesmo possuía seguro válido e eficaz no momento do dito sinistro (vide arts. 19º a 21º da petição inicial).
Por conseguinte, neste enquadramento fáctico e atento o quadro legal acima exposto, dúvidas não podem existir, em nosso ver, quanto à legitimidade passiva do réu D... e do próprio Fundo de Garantia Automóvel, em conformidade com a previsão normativa do citado art. 62º, n.º 1 do DL n.º 291/2007 de 21.08.
Com efeito, mostrando-se identificado o responsável civil do acidente, mostrando-se alegado que o motociclo por si conduzido no momento do acidente não usufruía de seguro válido e eficaz, encontram-se, de pleno, à luz da relação material controvertida tal como definida pelos autores, reunidos os elementos da aludida previsão normativa para efeitos da demanda desse responsável civil e do FGA, sendo, assim, manifesta, a legitimidade passiva de ambos.
Nesta perspectiva, a excepção de ilegitimidade passiva teria, em nosso ver, que ser julgada improcedente, como foi, não merecendo, pois, o despacho em apreço e nesse segmento qualquer censura.
Outra questão, mas que em nada contende com o pressuposto processual da legitimidade, mas antes com o próprio mérito da causa, a conduzir a eventual improcedência do pedido, é saber se, de facto, o motociclo que era tripulado pelo Réu D... (sendo certo que é indiscutido que o motociclo – qualquer que ele seja – era conduzido pelo dito D... aquando do acidente) possuía ou não seguro válido e eficaz, pois que, para além dos pressupostos da responsabilidade aquiliana ou pelo risco, aquela última condição, como se expôs, tem de verificar-se para efeitos de condenação do responsável civil e do Réu Fundo de Garantia.
Dito isto, avulta, ainda, a questão de saber de saber se, nos presentes autos, poderão os demandados, e, em especial, o réu D... (que alegou essa matéria na sua contestação) fazer prova de que o motociclo interveniente no acidente foi o motociclo de matrícula ZZ-..-.., sendo certo que é indiscutido que esse outro veículo possuía, à data do acidente, seguro válido e eficaz, sendo seguradora “ Companhia de Seguros E..., SA “.
Esta outra questão – e ainda que ela não releve, em nosso ver, para a questão da legitimidade processual tal como esta decorre da relação material controvertida configurada pelos autores, mas para efeitos do mérito da presente causa – contende, como bem se alcança, com a prévia acção que correu termos entre os aqui AA. e a aludida seguradora (sob o n.º 945/13.8TBAMT) e onde se mostra decidido por Acórdão desta Relação do Porto proferido a 26.02.2015 e já transitado em julgado, que o dito motociclo ZZ não foi o motociclo que interveio no acidente de que tratam os presentes autos e sobre que versavam também os aludidos autos n.º 945/13.8TBAMT, com a consequente absolvição do pedido formulado em tal acção pelos Autores contra a dita Ré seguradora.
Com efeito, importa recordar, neste âmbito, que os AA., tendo por base o acidente de que tratam os presentes autos, intentaram acção declarativa então sob a forma ordinária, contra a dita “Companhia de Seguros E..., SA”, no pressuposto de que o responsável/culpado pelo acidente era o aqui réu D... e de que o mesmo conduzia no momento do acidente o motociclo ZZ, ou seja, no pressuposto de que o dito motociclo possuía, à data do acidente, seguro validamente transferido para a dita Companhia de Seguros.
Sucede, no entanto, como já se referiu, que, depois de sentença de 1ª instância que, tendo por provado que o motociclo ZZ, tripulado pelo ora réu D..., foi o interveniente no acidente, condenou a dita Ré seguradora no pagamento de indemnização a favor dos aqui Autores, veio a ser proferido o aludido Acórdão desta Relação (transitado em julgado) que deu como assente que o motociclo que interveio no acidente não foi o aludido ZZ, mas um outro veículo, em razão do que absolveu do pedido a Ré seguradora.
Suscita-se, pois, a questão de saber se os réus D... e FGA (que não foram partes, nem intervenientes na anterior acção, que veio a culminar com o antes referido acórdão) podem, ainda, demonstrar, nestes autos, que o veículo interveniente no acidente em apreço – em contrário do decidido no citado Acórdão desta Relação – foi o dito veículo ZZ (que possuía seguro válido e eficaz à data do acidente) e, portanto, se, ao fim-e-ao-cabo, vingando essa sua alegação, terão os autores que dirigir nova acção contra a sobredita seguradora.
É, a nosso ver, evidente que tal não pode suceder, sob pena de absoluta contradição com o já decretado no aludido Acórdão desta Relação e, mais grave ainda, sob pena de os Autores, que pretendem ser ressarcidos dos danos emergentes de acidente em que veio a falecer o seu filho menor (e independentemente da questão da culpa ou culpas envolvidas na apreciação da eclosão do acidente), serem remetidos para uma outra acção contra a dita Ré seguradora, acção esta em que essa mesma seguradora, no confronto com os autores, foi já absolvida do pedido, ou seja, dito por outras palavras, remetidos para uma outra acção (terceira) que não poderia deixar de estar votada ao insucesso por força do caso julgado material antes formado com a prolação do acórdão desta Relação, transitado em julgado.
A resposta à questão antes colocada tem, pois, a ver com os efeitos do caso julgado e, em particular, com a autoridade do caso julgado.
A propósito do caso julgado (e da autoridade de caso julgado), e em termos que se podem dizer consensuais, escreveu-se no AC STJ de 28.11.2013 [2]: - «o caso julgado tem como pressuposto a repetição de uma causa decidida por sentença que já não admite recurso ordinário e exerce duas funções: (i) uma função positiva e (ii) uma função negativa.
Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal.
Visa tal excepção, assim, evitar que o tribunal contrarie na decisão posterior o que decidiu na primeira ou a repita; a autoridade do caso julgado é o comando da acção ou proibição de repetição.
O que vale por dizer que a sentença faz caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável (efeito processual do caso julgado) em razão do que o tribunal não pode voltar a pronunciar-se sobre o decidido (excepção do caso julgado) e fica vinculado ao respectivo conteúdo (autoridade do caso julgado).
Em suma, como se refere ainda no mesmo aresto, «a autoridade de caso julgado e a excepção de caso julgado não são duas figuras distintas, mas antes duas faces da mesma figura - consistindo o facto jurídico "caso julgado" em existir uma sentença (um despacho) com trânsito sobre determinada matéria (…). E, caso se encontrem preenchidos os pressupostos do caso julgado, pode distinguir-se entre o caso julgado formal, externo ou de simples preclusão e o caso julgado material ou interno.
Consistindo o primeiro (art. 672.º) em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, nada obstando, porém, em que a matéria da decisão seja diversamente apreciada noutro processo, pelo mesmo ou por outro Tribunal. Correspondendo o mesmo às decisões que versam apenas sobre a relação processual, não provendo sobre os bens litigados. Consistindo o segundo (art. 671.º), geralmente designado como caso julgado "res judicata", em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os Tribunais (e até a quaisquer outras autoridades), quando lhes seja submetida a mesma relação. Todos têm de a acatar, de modo absoluto, julgando em conformidade, sem nova discussão. Competindo o mesmo às decisões que versam sobre o fundo da causa, sobre os bens discutidos no processo, definindo a relação ou situação jurídica deduzida e discutida em Juízo (...). Quando constitui uma decisão de mérito (decisão sobre a relação material controvertida) a sentença produz, também fora do processo, efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se nos planos substantivo e processual, distinguindo-se, neste, como atrás aflorado, o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado) (…).
Enquanto excepção, o caso julgado pressupõe a repetição de uma causa idêntica, repetindo-se a mesma quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (arts. 497.º, n.º 1, e 498.º, n.º 1): (i) há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; (ii) há entidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e (iii) identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico - arts. 497.º, n.º 1, e 498.º, do CPC.» (sublinhados nossos) [3]
Com efeito, a excepção de caso julgado (material) pressupõe a repetição de uma causa – aferida pelas partes, a causa de pedir e pedido - e verifica-se depois de a primeira ter sido decidida, por sentença que já não admite recurso ordinário, destinando-se a evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, atento o estipulado pelo artigo 580º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce, ainda, que o alcance do caso julgado que a sentença constitui, estabelece-se, em conformidade com o disposto pelo artigo 621º, do CPC, “ nos precisos limites e termos em que julga ”, que são, assim, traçados pelos aludidos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença – os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo (causa de pedir).
Em suma, como tem sido afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, a expressão utilizada no art. 621º do CPC, “ nos precisos limites e termos em que julga ”, para definir o alcance ou extensão objectiva do caso julgado, afere-se pelas regras substantivas relativas à natureza da situação que ele define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na acção, compreendendo todas as questões solucionadas na sentença e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor.
Como assim, a mesma jurisprudência tem reafirmado que são abrangidas pelo caso julgado não apenas o segmento decisório final enquanto conclusão a partir de determinados fundamentos, mas, ainda, as próprias questões apreciadas e que constituam antecedente lógico indispensável da conclusão ou parte dispositiva da sentença (ou do despacho). [4]
No que se refere, em concreto, à autoridade de caso julgado, como salienta Miguel Teixeira de Sousa, o caso julgado realiza dois efeitos: - um efeito negativo (que decorre da excepção de caso julgado, antes caracterizada), que se traduz na insusceptibilidade de qualquer tribunal (mesmo, portanto, aquele que decidiu) se voltar a pronunciar sobre a decisão proferida, seja proferindo decisão oposta, seja repetindo a anterior; - um efeito positivo, que resulta da vinculação do tribunal que proferiu a decisão e, eventualmente, de outros tribunais ao que nela foi definido ou estabelecido. [5]
Em suma, de acordo com o Autor, o mesmo instituto do caso julgado produz dois efeitos distintos: um efeito negativo exercido através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas idênticas, segundo o critério já antes referido (identidade de partes; identidade de causa de pedir; identidade do pedido); um efeito positivo através da autoridade de caso julgado, impondo a força vinculativa da decisão proferida ao próprio tribunal decisor ou a outro tribunal a quem se apresente a dita decisão anterior como questão prejudicial ou prévia face ao “thema decidendum” no processo posterior.
Neste mesmo sentido, refere J. Lebre de Freitas que “… pela excepção [de caso julgado] visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito” (…), ao passo que “… a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida ”. [6]
Ainda a este propósito salienta Miguel Teixeira de Sousa que a excepção de caso julgado manifesta-se no sentido de evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, ao passo que quando vigora como autoridade de caso julgado, “… o caso julgado material manifesta-se pela proibição de contradição da decisão transitada: autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior.” [7]
No âmbito da autoridade de caso julgado, vem sendo posição da jurisprudência, em particular do Supremo Tribunal de Justiça, que a mesma, diversamente do que sucede com a excepção de caso julgado, funciona, ainda que a título excepcional, independentemente da verificação da tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir), pressupondo, porém, a decisão de determinada e concreta questão prejudicial ou prévia que não pode voltar a ser discutida. [8]
Neste sentido, refere-se nos antes citados Acórdãos do STJ de 13.12.2007 e 23.11.2011 que “A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto a excepção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o artº 498º do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade de caso julgado de sentença transitada pode actuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão. “ (sublinhado nosso)
No mesmo sentido refere-se no AC STJ de 20.12.2017 que “Enquanto a excepção do caso julgado requer a verificação da tríplice identidade estabelecida no art. 581.º do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade do caso julgado, segundo a doutrina e a jurisprudência actualmente dominantes, pode dela prescindir, estendendo-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado, implicando o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior, cujo objecto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. “ (sublinhado nosso) [9]
Destarte, tendo presente o exposto, e ainda que não exista coincidência total entre os sujeitos e a causa de pedir entre a presente acção e a anterior acção ordinária n.º 945/13.8TBAMT (ainda que esteja em causa o mesmo acidente) o que é, a nosso ver, indiscutido é que, tendo constituído objecto daquela acção, além do mais, apurar se o responsável civil D... conduzia ou não, no momento do acidente em apreço, o motociclo ZZ-..-.., e tendo-se ali (na dita acção n.º 945/13) decidido, por acórdão já transitado, que o D... não conduzia, no momento do acidente, o motociclo ZZ, esta decisão não pode aqui ser novamente esgrimida e posta em causa, sob pena de a relação jurídica ali definitivamente decidida em confronto com a Ré seguradora (no pressuposto de que o veículo interveniente era o ZZ e que, por isso, a responsabilidade pelos danos emergentes da sua circulação estaria validamente transferida para a ali Ré seguradora) poder aqui ser decidida de novo e, eventualmente, em sentido oposto ao antes decidido.
Esse propósito, manifestado pelo réu D... nos presentes autos, não é, em nosso ver, consentido por mor da autoridade do caso julgado formado nestes autos pelo acórdão desta Relação e proferido na acção ordinária n.º 945/13, autoridade essa que é de aplicar reflexamente nestes autos e independentemente de os ora réus D... e FGA não terem intervindo na aludida acção ordinária.
Essa matéria tem, sob pena de absoluta contradição e sob pena de conduzir a uma situação de denegação de justiça (pois que os autores não podem esgrimir, de novo, essa questão perante a ré seguradora, atento o caso julgado material formado quanto à mesma na acção ordinária n.º 945/13), que ter-se por definitivamente assente, impondo-se para efeitos decisórios nestes autos e às respectivas partes.
O que vem, pois, a significar que essa (e apenas essa) concreta matéria de facto deve ser tida por definitivamente assente nos presentes autos, mesmo que a mesma não contenda, como se referiu, com a questão da legitimidade processual passiva do réu D..., a qual, como também já se referiu, é indiscutível em face da relação material controvertida tal como a mesma se mostra definida pelos autores nesta acção e em conformidade com o disposto no art. 62º, n.º 1 do DL n.º 291/2007.

E, assim, à luz do exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pelo Réu D... da decisão interlocutória que o julgou parte legítima nos presentes autos e indeferiu a reclamação deduzida na sequência da fixação dos temas de prova, mantendo-se as aludidas decisões interlocutórias proferidas nos autos.
*
IV.II. Sentença – Nulidades:
A segunda questão que, de um ponto de vista lógico, importa dirimir refere-se à alegada nulidade da sentença.
Neste conspecto, o Réu D... limitou-se, de forma conclusiva, a invocar a alegada nulidade do acto decisório por «falta de fundamentação e errónea apreciação da prova produzida.» (conclusão xii)
Como é consabido, as causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente previstas no art. 615º do CPC; Vale, pois, por dizer que apenas as situações expressamente previstas em tal normativo podem constituir fundamento para a nulidade do acto decisório.
Partindo deste pressuposto, decorre do preceituado no art. 607º, n.º 3 do CPC que na elaboração da sentença, deve o juiz deduzir a respectiva fundamentação do julgado, explicitando «os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.»
Sancionando, por seu turno, o incumprimento desta injunção, prescreve o art. 615º, n.º 1 al. b) do CPC que é nula a sentença que «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.»
Com efeito, não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação do seu mérito substantivo, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz. [10]
Todavia, como é lição pacífica da doutrina e da jurisprudência, para que ocorra esta nulidade da sentença «não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.» [11]
Como ensinava a este propósito de forma lapidar o Prof. Alberto dos Reis [12], «há que distinguir cuidadosamente a falta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.» (sublinhado nosso) [13]
Ora, no caso em apreço, a sentença contém, manifestamente, o elenco dos factos provados que na mesma se consideraram relevantes para a decisão, assim como o quadro normativo-legal que na mesma se julgou aplicável ao caso.
Com efeito, não só se alcança da decisão qual a factualidade considerada provada (e não provada), como, ainda, se alcança, sem particular esforço interpretativo, o quadro legal considerado aplicável e o enquadramento jurídico empreendido na sentença recorrida e que conduziu à aplicação, no caso dos autos, da responsabilidade pelo risco (na ausência de prova de culpa dos intervenientes no acidente) e, bem assim, neste enquadramento, à fixação de um quota de responsabilidade de 75% ao motociclo, tripulado pelo réu D..., e de 25% ao velocípede tripulado pela vítima G..., na eclosão do sinistro em apreço.
Ora, sendo assim, como se constata da mera leitura do acto decisório ora sob reapreciação, é evidente que a sentença recorrida não enferma de nulidade por falta de fundamentação, seja ao nível de facto, seja ao nível de direito.
Questão diversa, que não contende com a nulidade da sentença para efeitos do citado art. 615º do CPC, é o juiz ter apreciado de forma errónea os factos submetidos a julgamento – questão que há-de ser esgrimida em sede de impugnação da decisão de facto (art. 640º do CPC) -, ou, ainda, ter efectuado uma errónea subsunção do direito aplicável ao quadro factual apurado – questão que há-de ser esgrimida em sede de recurso sobre a matéria de direito (art. 639º, n.º 2 do CPC).
Neste sentido, podem, naturalmente, esgrimir-se as razões de facto ou de direito invocadas, manifestando legítima discordância, podem até elas terem-se por escassas, reduzidas ou insuficientes, mas não pode sustentar-se que inexiste fundamentação de facto ou de direito na decisão ora recorrida, sendo que só, nesta perspectiva, seria possível defender-se a procedência da nulidade invocada.
Em tais hipóteses, a questão que se pode suscitar não é, pois, de nulidade do acto decisório por algum dos vícios previstos no art. 615º, n.º 1 do CPC, mas de um eventual erro de julgamentoerror in judicando -, a conhecer nessa específica sede e não nesta outra.
Ora, sendo essa a questão suscitada pelo recorrente, ou seja, discordando o mesmo da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo e da sua consequente subsunção jurídica, no pressuposto dessa alteração da factualidade provada, tal vem, afinal, a significar que não sofre a sentença recorrida de nulidade, mas de um (eventual) erro de julgamento, erro esse que cumpre conhecer nesse estrito âmbito, isto é, da impugnação da decisão de facto e da respectiva subsunção jurídica.
Improcede, assim, a invocada nulidade da sentença recorrida.
*
IV.III. Impugnação da decisão de facto:
Nesta sede, como é consabido, a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, está subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjectiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com toda a precisão dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, dos meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do Recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objecto da impugnação, deduzindo a sua (própria) apreciação crítica da prova.
Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o art. 640º, n.º 1 do CPC que «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»
Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.»
Deve, assim, o recorrente, sob cominação de imediata rejeição do recurso - sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento [14] -, além de delimitar com toda a precisão os pontos de facto que pretende questionar, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões [15], motivar o recurso através da indicação dos meios de prova constantes dos autos ou que neles tenham sido registados e que impõem decisão diversa quanto a cada um dos factos, e relativamente aos pontos da decisão de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, cumpre-lhe, ainda, indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes (sem prejuízo da transcrição de tais excertos, que é facultativa).
Por outro lado, ainda, terá o recorrente de deixar expressa a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos. [16]
Dito isto, resulta, a nosso ver, do corpo das alegações e das conclusões do presente recurso, que o apelante deu cumprimento satisfatório aos ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, tal como estes se descreveram.
Com efeito, o apelante identifica os pontos de facto de cujo julgamento dissente, refere o sentido decisório que para os mesmos propõe e, ainda, invoca os meios probatórios que, na sua perspectiva, fundamentam essa sua diversa convicção, sendo que quanto aos meios de prova pessoal gravados em audiência também indica as passagens da gravação que considera relevantes, procedendo à respectiva transcrição parcial. [17]
Por conseguinte, impõe-se a reapreciação autónoma nesta Relação da factualidade em apreço, mediante a análise dos meios probatórios convocados pelo apelante para efeitos de tal reapreciação, sem olvidar, no entanto, que este tribunal ad quem não está vinculado a proceder apenas à análise e reponderação da prova indicada pelo apelante, antes lhe sendo consentido efectuar, para a formação daquela sua autónoma convicção, a análise e reponderação de todos os meios probatórios produzidos e disponíveis nos autos, máxime os que foram convocados pelo próprio tribunal a quo para a formação da sua convicção.
No caso dos autos, como resulta do teor das conclusões do recurso, o recorrente discorda do julgamento dos factos constantes dos pontos 3, 5, 6, 7 e 17 da factualidade provada, pugnando pela sua alteração do seu teor, do mesmo passo que discorda também do julgamento dos pontos 8, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 20, 23, 24, 25 e 26, pugnando, quanto a estes, pela sua eliminação.
O primeiro ponto posto em causa é o ponto 3. do elenco dos factos provados e onde consta:
“Em que intervieram o veículo motociclo, conduzido por D..., com o esclarecimento de que se tratava do motociclo com a matrícula ..-..-SZ. “
O apelante, neste conspecto, sustenta que não devia o tribunal ter por provado que o motociclo conduzido era o motociclo com a matrícula ..-..-SZ.
Em abono desta sua discordância invoca o apelante que o tribunal se limitou a presumir a identificação do motociclo por o réu D... mesmo ser o proprietário do mesmo, sendo certo, ainda, que é perfeitamente normal e conforme às regras da experiência comum que uma pessoa conduza uma viatura que não está registada em seu nome e, como é o caso, seja propriedade de um irmão (a testemunha H...), ou seja, será perfeitamente normal que o motociclo conduzido seja o ZZ e não o dito SZ.
Invocou, ainda, que o tribunal não valorou correctamente os depoimentos das testemunhas I..., F..., assim como não considerou as fotos constantes do relatório do NICAV, sendo certo, ainda, que os autos da GNR que tomou conta da ocorrência não fazem referência a danos no motociclo SZ, como seria expectável se tivesse sido ele o interveniente no dito acidente.
Nesta matéria, em sede de motivação do dito ponto 3 o tribunal recorrido sustentou a sua convicção nos seguintes termos: (sic) «No relatório técnico-científico sobre acidente de viação de fls. 848 a 882, conjugado com os esclarecimentos prestados pelo senhor perito J..., com o documento junto a fls.95 a 98 (= fls.173 a 176=fls.425 a 428), com o documento junto a fls. 107 a 118 (= fls.185 a 196=fls.246 a 253), com o documento de fls. 207, com o documento junto a fls. 222 a 224 (= fls.441 a 443), com o documento junto a fls. 225 a 227 (=fls.444 a 446), com o documento junto a fls. 228 a 230 (=fls.447 a 449), com os documentos juntos a fls. 239 a 243, com os documentos juntos a fls. 361 e 362, com os documentos juntos a fls. 450 a 456, com os documentos juntos a fls. 472 a 475, com o documento junto a fls. 482 a 488, com o documento junto a fls. 497 a 500, com o documento junto a fls. 501 a 503, com os documentos juntos a fls. 546 a 548, com os documentos juntos a fls. 568 a 576, com o documento junto a fls. 603 e v., com os documentos juntos a fls. 677 a 686, com o documento junto a fls. 700, com os documentos juntos a fls.750 a 758, com os documentos juntos a fls. 759 a 767 v., com o documento junto a fls. 777 a 780, com os depoimentos credíveis e convincentes das testemunhas F..., K..., M... e N..., com a parte que mereceu credibilidade ao Tribunal do depoimento de parte e das declarações de parte do Réu D..., com a parte que mereceu credibilidade ao Tribunal do depoimento da testemunha H..., com a parte que mereceu credibilidade ao Tribunal do depoimento da testemunha I... e com a parte que mereceu credibilidade ao Tribunal do depoimento da testemunha O....
No seu depoimento, credível e convincente, a testemunha F..., referiu, num depoimento claro e consistente, que no dia em que foi o acidente a testemunha saía da casa da sua mãe (que é em ...) e levava a mesma direcção que o Réu D... levava; que a testemunha ia em marcha, tendo já saído do portão da casa dos seus pais, quando o Réu D... ultrapassou a testemunha, indo o aludido Réu D... “a uns 40 km/hora” (sic) e a testemunha circulava a cerca de 30 km/hora; que quando a testemunha chegou ao local do acidente o acidente já tinha ocorrido; que a testemunha viu o Réu D... a levantar a mota e a encostá-la ao muro e a testemunha parou o carro porque a Dª N... fez sinal à testemunha que alguma coisa tinha acontecido; que a testemunha parou a 2 metros, perto da mota do Réu D... (que a testemunha conhecia de vista); que “tem uma vaga ideia de que” “a mota estava na mão do Sr. D....
Estava perto do muro. Estava mais perto do muro que da linha. Estava caída para o lado esquerdo” (sic); que a testemunha disse ao Réu D... para não tirar a mota, tendo-lhe aquele respondido “minha senhora, eu não vou fugir” (sic); que a mota que o Réu D... conduzia e que interveio no acidente era “uma mota tipo cross; a cor era escura; tenho a sensação que era azul. Não reparei se tinha farol”, (sic) e que tem a certeza que a mota não tinha a cor vermelha e preta, tendo a ideia de que a mota era azul.
No seu depoimento igualmente credível e convincente, a testemunha K... referiu num depoimento claro e consistente que seguia no seu carro no sentido ...-... e “quando cheguei, já não passei e estava o miúdo no chão e já se tinha dado o acidente” (sic); que a testemunha saiu do carro e viu o menino no chão; que o Réu também estava no local e a mota estava encostada ao muro do outro lado; que o Réu estava ao pé da mota e que a mota era de “uma cor escura. Não era cor vermelha” (sic).
A testemunha M... referiu, num depoimento credível, convincente e consistente, que no inquérito surgiu-lhe a dúvida se o veículo indicado pelo Réu D... foi o veículo interveniente no acidente e se houve retirada de veículo e que o único vestígio que o motociclo ZZ-..-.. tinha “era apenas aquela protecção de mão no manípulo. Era a única coisa danificada. Não havia qualquer vestígio no veículo do acidente”, (sic).
No seu depoimento claro, exacto e consistente a testemunha N... referiu que na altura do acidente o Réu D... conduzia “uma mota de cross”, (sic) e sabe que “era uma cor escura, ou cinzenta ou azul escura”, “cores carregadas” “Era uma mota alta”, (sic) e que não se lembra de ver letras nem números nela.
Na parte que mereceu credibilidade ao Tribunal do seu depoimento de parte e das suas declarações de parte, o Réu D... referiu que o acidente foi entre si, que tripulava uma mota e o velocípede; que a mota que conduzia caiu; que “a mota era azul” (sic) e admitiu “andar de vez em quando” com o motociclo ..-..-SZ (“uma mota 250 cc”, que “comprou num stand em Amarante”-sic) que é uma Yamaha ..., de 2002; que essa mota não tem luz; que a mota tem matrícula, “não tinha seguro” (sic), tendo o Réu D... acrescentado que “nunca fiz seguro da mota” (sic), que quando foi o acidente o Réu D... tinha essa mota; que “há cerca de um ano vendeu a mota azul ao irmão O...”, (sic) e que actualmente não tem mota nenhuma.
Na parte do seu depoimento que mereceu credibilidade ao Tribunal, a testemunha H... referiu que após o acidente viu a sua mota (ZZ-..-..) em casa dos pais e “não viu danos nenhuns. Não estava nada danificada. Havia uma manete partida. No patim não tinha nada”, (sic); que a sua mota (ZZ) é uma mota com 30 anos, tratando-se de uma mota muito antiga e que o seu irmão tem uma outra mota, de cor azul. Na parte do seu depoimento que mereceu credibilidade ao Tribunal, a testemunha J... referiu que “era uma mota azul” (sic) e que a testemunha tinha visto o Réu D... no monte com essa mota azul. “Era uma mota que dava para ir para o monte. Não conhece mais nenhuma mota ao Sr. D.... Não voltou a ver a mota depois”, (sic).
Na parte do seu depoimento que mereceu credibilidade ao Tribunal, a testemunha O... referiu que a mota ZZ-..-.. apenas estava danificada no punho esquerdo e o escape estava um bocado riscado “mas não era muito” (sic) e que o seu irmão D... tem uma Yamaha ..., tratando-se de “uma mota de monte”, (sic), tendo- a comprado há 6 e 7 anos e que a testemunha comprou ao seu irmão D... há 1 ano.
Assim sendo, tendo em conta as regras da experiência comum destas coisas e a lógica delas, decorre da leitura conjugada dos meios de prova que antecedem que na altura do acidente o Réu D... conduzia o seu motociclo com a matrícula ..-..-SZ, de que o Réu era proprietário e que não tinha seguro.»
Como resulta da impugnação em causa através da mesma pretende o apelante, ainda que de forma ínvia, demonstrar que o motociclo por si conduzido não era o SZ, mas antes um outro motociclo, o motociclo ZZ-..-.., sustentando, nesse âmbito, que não existe prova bastante de que o motociclo por si conduzido no momento do acidente era o SZ.
Neste ponto, como já antes referimos noutro passo deste acórdão, mostra-se definitivamente assente que o motociclo que era conduzido pelo apelante no momento do acidente não era o motociclo ZZ, mas um outro; No entanto, deste facto, não decorre, obviamente, que esse outro motociclo era o SZ, sendo, pois, mister demonstrar-se que assim era.
No entanto, e independentemente do que resulta do já referido acórdão desta Relação e da autoridade de caso julgado que dele decorre (ou seja, mesmo admitindo que se possa discutir nestes autos se o motociclo interveniente foi o ZZ), importa conhecer da impugnação deduzida pelo apelante.
Vejamos.
Neste conspecto, e no caso particular dos autos, a prova do facto em apreço não pode, naturalmente, extrair-se de forma directa da prova produzida.
Com efeito, como resulta do depoimento da testemunha F... (que esteve presente no local logo após a eclosão do acidente e viu o apelante D... a levar o motociclo chamando-lhe a atenção para tal facto e tendo-lhe este referido que “não ia fugir”) e do próprio auto de ocorrência lavrado pela GNR (a fls. 426-428 dos autos), que foi corroborado pelo militar que o elaborou, a testemunha P..., o motociclo interveniente no sinistro em apreço foi retirado do local antes da chegada da autoridade policial.
Desta forma, e sendo certo que, naturalmente, as testemunhas inquiridas e que se deslocaram ao local do acidente, não podem precisar a matrícula do motociclo nele envolvido, a resposta a tal matéria de facto não pode, como se referiu, colher-se de forma directa, antes só pode resultar da ponderação e ilação a extrair dos vários subsídios probatórios produzidos nos autos.
Dito isto, a informação de que o motociclo tripulado pelo réu D... no momento do acidente era o motociclo de matrícula ZZ resulta apenas e só, por iniciativa do próprio apelante, que fornece essa informação à autoridade policial (GNR) na sequência da deslocação desta entidade ao local e da elaboração o respectivo auto de ocorrência e quando, repete-se, nenhum motociclo estava já no local, nomeadamente o dito ZZ ou qualquer outro, por o motociclo interveniente ter sido retirado do local pelo próprio apelante.
Isto mesmo é o que resulta, de forma evidente, do croquis da GNR a fls. 426-428, conjugado este com o depoimento do militar P... que elaborou o mesmo e que foi absolutamente peremptório quanto à circunstância de o motociclo interveniente e tripulado pelo réu D... não se encontrar no local do acidente, tendo sido removido de tal cenário pelo réu ou, no mínimo, por alguém a seu mando.
Esta conduta do apelante suscita, desde logo, sérias dúvidas, por três ordens de razões: - em primeiro lugar, se o acidente ocorreu por culpa exclusiva do outro condutor, o menor G..., que teria invadido a faixa de rodagem oposta por onde circulava o apelante D..., como este invocou no dito auto de ocorrência perante a GNR, não se percebe, em termos lógicos e de normalidade, qual a razão para fazer desaparecer do local do acidente o alegado motociclo interveniente ZZ, sendo certo, não só que este motociclo tinha, à data, seguro válido e eficaz, e, ademais, a sua posição na via e a localização dos seus danos poderiam contribuir, precisamente, para corroborar essa versão do condutor do motociclo, ou seja do ora apelante. Nesta perspectiva, a retirada do dito motociclo ZZ do local do acidente não colhe explicação plausível, a não ser a de permitir a indicação pelo próprio apelante e em função dos seus interesses do motociclo interveniente no sinistro; - em segundo lugar, o dito motociclo ZZ possuía, como se referiu, à data do acidente, seguro válido e eficaz, ao passo que o motociclo SZ, pertença do apelante à data do acidente, não possuía, à mesma data, como o mesmo confirmou no seu depoimento de parte, qualquer contrato de seguro. Ora, em tal contexto, e como infelizmente nos dizem as regras da experiência, o que é normal, o que é corrente, o que é expectável (ainda que de forma altamente censurável e integrando até eventual matéria do foro criminal por ocultação de provas e burla ao seguro) é que, de facto, seja retirado do local esse outro veículo (sem seguro) e seja indicado um outro (com seguro); Por essa forma, o proprietário de tal veículo (sem seguro) evita, a apreensão do veículo e a aplicação da respectiva multa por circular sem seguro, evita que através da posição do veículo e dos danos nele existentes possam as autoridades competentes aferir da dinâmica do acidente e da sua eventual responsabilidade na eclosão do mesmo, mas, ainda, evita também uma qualquer responsabilidade perante o lesado, pois que, em tal enquadramento, a responsabilidade será integralmente assumida pela respectiva seguradora em função da existência de seguro válido e eficaz; Colhe, pois, todo o sentido, em termos de “ normalidade “ que, de facto, ocorra uma troca de veículo, fazendo o responsável civil “ desaparecer “ o seu veículo sem seguro (no caso o SZ) e apresentando, no seu interesse, perante as autoridades policiais um outro veículo (no caso o ZZ) com seguro válido à data do acidente; e, em terceiro lugar, a corroborar o que antes se expôs, ainda avulta, em termos significativos, o próprio relatório de averiguação efectuado na sequência do sinistro a pedido da seguradora E... (a fls. 502-506 dos autos), onde consta, não só a confirmação de que o motociclo interveniente no acidente foi retirado do local, como, ainda, que o mesmo foi recolhido e guardado e, ademais, que não seria permitido ao perito em causa visionar o motociclo ZZ, nem dele tirar fotos, bem como que quer o segurado, quer o condutor do motociclo não iriam prestar declarações, salientando, ainda, que, segundo informações colhidas, o condutor «tinha um motociclo das mesmas características mas de motocross, sem matrícula», referindo, ainda, nesse âmbito, que «poderemos estar perante um caso de troca de viatura» ou, ainda, que, não obstante ter confirmado o sinistro, «várias dúvidas se levantam quanto ao veículo envolvido no sinistro
Ora, tendo presente o circunstancialismo de facto antes exposto, tendo presente o facto de o apelante/condutor D... ser proprietário à data de um motociclo de motocross, matrícula SZ, de cor azul (vide livrete do motociclo a fls. 603 e registo de propriedade de tal veículo a fls. 755), tendo presente que esse motociclo não tinha, à data do acidente seguro válido e eficaz (vide informações oficiais a fls. 782), tendo presente que as testemunhas F..., K... e N... referiram, ainda que naturalmente sem o puderem asseverar de modo absoluto, que o motociclo em apreço era uma mota tipo cross de “cor escura“, “azul“, ponderando em termos lógicos e à luz da experiência comum todos estes subsídios probatórios, afigura-se-nos ser de ter como provado que o motociclo que era tripulado pelo réu D... e interveio no acidente em apreço era, de facto, o motociclo de matrícula ..-..-SZ e, logicamente, não era o motociclo de matrícula ZZ-..-...
Note-se, aliás, ainda, em apoio do antes firmado, que, como se refere no relatório técnico-científico a fls. 848/882 dos autos e foi confirmado pelo perito Eng.º J... em audiência de julgamento os danos existentes no motociclo ZZ (ausência da protecção da óptica e danos na protecção da manete) não se mostram compatíveis com os danos existentes no velocípede e com as lesões causadas ao seu ocupante, sendo “ expectáveis danos mais graves ao nível do farol e no guarda-lamas da roda dianteira, além de indícios de queda no solo na lateral deste
Significa, pois, que, a partir destes factos conhecidos (e que não se reconduzem, como invoca o apelante, apenas ao facto de ser ele o proprietário de tal motociclo ou sequer ao teor dos depoimentos das testemunhas por si invocadas), segundo as regras da lógica e da experiência é, em nosso ver, absolutamente fundado concluir, a partir de uma presunção natural, que o motociclo tripulado pelo réu D... no momento do acidente era o aludido motociclo SZ.
E a admissibilidade de tal presunção natural ou judicial é indiscutida na doutrina e na jurisprudência.
Neste sentido refere Miguel Teixeira de Sousa, “as presunções – tanto as legais como as naturais – não são meios de prova, porque não conduzem à prova do facto presumido, mas à inferência desse facto (que não é provado) de um outro facto (que é provado). A operação que conduz do facto provado ao facto presumido é apenas gnoseológica: o juiz infere, ou é levado a inferir pela lei ou pela experiência, um facto desconhecido de um outro que é conhecido. “ [18]
Em idêntico sentido, refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.11.2016, “as presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base da presunção) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos), nos termos do artigo 349.º do CC. A presunção centra-se, pois, num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência. Tais presunções judiciais são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, conforme o disposto no artigo 351.º do mesmo Código. “ (sublinhado nosso) [19]
Ora, sendo indiscutido que a matéria em causa (qual seja o motociclo interveniente no acidente) pode ser demonstrada por testemunhas, impõe-se a conclusão que nada obsta a que essa matéria se tenha por demonstrada por presunção natural e a partir dos factos conhecidos e acima descritos, os quais, em nosso ver, constituem base suficientemente forte, diríamos até fortíssima, para a sua inequívoca demonstração.
O que nos leva a concluir, pois, que nenhuma alteração se impõe fazer quanto à matéria de facto constante do ponto 3 do elenco dos factos provados, que assim se mantém, improcedendo a impugnação de tal matéria.
O ponto subsequente posto em causa pelo apelante é o ponto 5 do elenco dos factos provados, sustentando o mesmo que esse facto colide com os factos constantes dos pontos 16 e 17 do elenco dos factos não provados e, ademais, não resulta do teor do relatório técnico-científico constante de fls. 848 a 882, nem sequer dos esclarecimentos prestados pelo respectivo subscritor o Eng.º J....
Vejamos.
Sob o dito ponto 5 consta a seguinte matéria:
“O menor G..., filho dos Autores, seguia no sentido ... – ..., sobre a hemi-faixa direita da via, atento o referido sentido de marcha.
Nesse conspecto, é desde logo indiscutido que o menor circulava no dito sentido ... – ..., ou seja em sentido oposto (... – ...) ao que seguia o motociclo tripulado pelo réu D.... É o próprio apelante D... quem o refere de forma expressa no auto de ocorrência elaborado pela GNR após o acidente e o confirmou, de novo, em audiência de julgamento!
A questão põe-se já em saber se o condutor do velocípede, ou seja o filho dos Autores, o fazia pela sua hemi-faixa direita de rodagem, atento o seu dito sentido de marcha.
Nesta matéria, e como já antes se referiu, não existe prova directa sobre esse facto, pois que nenhuma das testemunhas presenciou e visionou o acidente, apenas dele se apercebendo após a ocorrência do mesmo.
No entanto, nesta sede avultam dois elementos de facto que estando provados (como melhor se explicitará em outro segmento deste aresto), em nosso ver, são demonstrativos de que assim acontecia, isto é, que o menor filho dos Autores seguia pela sua hemi-faixa direita, atento o seu sentido de marcha, ainda que não seja possível saber em que local exacto dessa hemi-faixa, quais sejam o facto de o velocípede por si tripulado ter ficado caído nessa hemi-faixa, assim como o seu corpo inanimado e, ainda, a circunstância de terem ficado nessa mesma hemi-faixa, a cerca de 1, 70 mts da roda da frente do velocípede, vestígios de sangue derramado pela própria vítima, sendo certo que o embate entre os dois veículos foi frontal (vide factos provados em 8, 9, 10, 16 e 17, assim como, ainda, o croquis elaborado pela GNR a fls. 426-428).
Ora, de tais elementos – que devem ter-se por provados, como em outro ponto deste acórdão se conhecerá - não resulta o mais pequeno indício, bem pelo contrário, de que o velocípede tripulado pelo filho dos Autores tenha em algum momento circulado pela faixa oposta, ou seja, pela hemi-faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha.
Desta forma, não existindo qualquer evidência objectiva (vestígios do acidente e posição do velocípede – único que permaneceu no local) que o velocípede tenha invadido a hemi-faixa oposta tal significa, logicamente, que o mesmo seguia pela hemi-faixa direita, atento sentido ... – ..., como se mostra provado sob o dito ponto 5.
E, ainda, é de referir que, ao contrário do que invoca o apelante, o que resulta do relatório técnico-científico não desdiz, nem contraria este facto, bem pelo contrário; O que ali se refere é que “ nas simulações computacionais verificou-se uma melhor correlação com as posições de imobilização do velocípede (único veículo que quedou no local, recorde-se, uma vez mais) e condutor nos cenários em que o motociclo invade a via de trânsito contrária.
Dito de outra forma, segundo o relatório em apreço, a hipótese mais plausível, mas consentânea com os elementos objectivos, foi ter o motociclo invadido a faixa por onde circulava o velocípede (hemi-faixa direita, atento o sentido ... – ...) e não o contrário, ou seja, o próprio relatório em apreço afasta a possibilidade de o velocípede circular pela faixa oposta por onde circulava o motociclo tripulado pelo réu D....
E diga-se, ainda, que esse facto não entra em qualquer colisão com os factos não provados em 16 e 17 do respectivo elenco da sentença recorrida. Com efeito, como é consabido, da resposta negativa a um determinado facto não resulta a prova em contrário ou do facto contrário, antes tudo se passando como se esse facto não tivesse sequer sido alegado nos autos; Desta forma, não existe sequer a possibilidade de contradição entre um facto provado e outro não provado. [20]
O que tudo significa, pois, que nenhuma alteração é de introduzir quanto ao ponto 5 do elenco da sentença recorrida, colhendo a prova desse facto apoio integral na prova produzida.
Os pontos subsequentes postos em causa pelo apelante são os pontos 6 e 7, no que se refere à velocidade do velocípede tripulado pelo filho dos Autores e à velocidade do motociclo SZ no momento do acidente.
Nesta matéria mostra-se provado o seguinte:
6. O menor G... circulava a descer e a uma velocidade entre 10 e 30 km/h.
7. O veículo motorizado conduzido pelo réu D... circulava no sentido contrário, ou seja, de ... para ..., a uma velocidade entre 40 e 60 km/h.

Quanto a esta matéria o relatório técnico-científico a que já antes se fez referência mostra-se perfeitamente claro na explicitação e justificação de tais valores de velocidade dos veículos intervenientes no acidente, valores que foram explicitados e justificados também pelo perito Eng.º J... em audiência de julgamento de forma clara, objectiva e credível.
Por outro lado, ainda, e sobretudo em relação ao motociclo SZ e à velocidade a que o mesmo circulava – e sendo certo que nenhuma das testemunhas pode, naturalmente, neste acidente de viação, como em qualquer outro, definir com precisão essa velocidade, com a agravante de, no caso, não existirem sinais ou vestígios de travagem que possam corroborar uma estimativa da velocidade dos veículos intervenientes -, certo é que a testemunha F... (que circulava no sentido do motociclo e por ele foi ultrapassada) refere que a velocidade do dito veículo seria na ordem dos 40 km/h (ou seja, dentro do intervalo de velocidade indicado pela prova pericial acima referida) e o próprio D... refere no seu depoimento em audiência que iria a cerca de 50 km/hora (também dentro do intervalo referido na perícia antes referida) - e ainda que essa sua afirmação deva ser lida e interpretada com particulares reservas, atento o evidente interesse do mesmo quanto a tal versão, inculcando, pois, ao invés, que a velocidade real seria até superior à que o próprio admite.
Ora, perante estes subsídios probatórios, tem de afirmar-se que os resultados que emergem da prova pericial, os quais, repete-se, se mostram devidamente justificados e explicitados em função dos danos verificados no velocípede e das lesões sofridas pelo seu condutor, se mostram também corroborados pelos ditos meios de prova pessoal, em particular o depoimento da testemunha F... e o próprio depoimento de parte do réu D..., pois que os valores de velocidade por estes referidos se situam precisamente dentro dos intervalos da velocidade definidos na perícia realizada nos presentes autos.
O que vale pois por dizer que, não buscando a prova, enquanto reconstrução a posteriori de uma determinada realidade de facto, uma certeza absoluta ou naturalística, mas uma certeza ou um grau de probabilidade bastante para ter como altamente provável o facto controvertido, em nosso ver e segundo a nossa convicção, a factualidade provada nos pontos acima referidos, em particular quanto à velocidade imprimida pelos veículos intervenientes – e não sendo, de todo, possível determinar a exacta velocidade imprimida no momento do embate entre ambos ou nos momentos imediatamente anteriores – colhe pleno apoio na prova técnico-científica produzida nos autos, não se vislumbrando quaisquer razões sérias e ponderosas para dela divergir. Na verdade, não se mostra minimamente demonstrado, bem pelo contrário, que tais factos ou asserções de facto contrariem a prova produzida nos autos ou, ainda, sequer que contrariem ou afrontem as regras da experiência e da lógica.
Improcede, pois, a impugnação dos pontos 6 e 7 da factualidade provada deduzida pelo apelante, sendo de manter a mesma tal como consta da sentença recorrida.
Impugna também o apelante os pontos 8, 9, 10, 11 da factualidade provada.
A matéria em causa é a seguinte:
8. Vindo (o veículo motorizado conduzido pelo réu D...) a embater frontalmente no velocípede e no corpo do seu condutor, provocando a queda do velocípede e do menor G....
9. Em consequência directa e adequada desse embate, o tripulante do velocípede, filho dos aqui Autores, ficou prostrado inanimado na via, mais precisamente na hemi-faixa por onde circulava.
10. E o seu veículo quedou-se caído também nessa parte da via.
11. E do descrito embate resultaram directamente lesões várias no filho dos Autores que foram causa directa e adequada da sua morte.
Vejamos.
Resulta de forma insofismável do depoimento das testemunhas F... (que chegou ao loca do acidente muito pouco tempo após o mesmo ter ocorrido), K... (que também chegou ao local depois do acidente, circulando no sentido em que seguia o velocípede e já não pode passar por força do mesmo), N... (que possui um mini-mercado nas imediações do local do acidente e ali se deslocou após se ter apercebido do mesmo pelo barulho causado pelo choque dos veículos) e, ainda, das declarações de parte do Autor (pai do menor que se deslocou ao local do acidente e viu o seu filho no local e antes de o mesmo ser transportado para o Hospital ...) que o menor estava caído inanimado na hemi-faixa direita de rodagem, atento o seu sentido de marcha, e que o velocípede estava também caído nessa hemi-faixa.
A corroborar esta versão emerge, ainda, o croquis elaborado pela GNR (e já antes referido), sendo que os seus elementos foram confirmados de forma clara, segura e credível pela testemunha P..., militar da GNR que elaborou o dito croquis e que confirmou quer os sinais existentes no local (sangue na hemi-faixa direita, atento o sentido de marcha do velocípede), quer a posição do velocípede, sendo certo que quando se deslocou ao local o menor já tinha sido transportado, atenta a gravidade do seu estado, para o Hospital ..., ao passo que motociclo já tinha sido retirado do local.
Por outro lado, ainda, acrescem as fotos constantes dos autos e atinentes aos danos existentes no velocípede conduzido pelo menor, os quais evidenciam que a sua roda frontal se apresentava empenada e o «garfo» (estrutura metálica conectada ao quadro da bicicleta, situada na sua parte frontal e onde se encontra inserido o respectivo volante) estava quebrado/partido.
Ainda, nesta matéria, avultam as lesões evidenciadas pelo menor, nomeadamente as lesões traumáticas meníngeo-encefálicas (ao nível da cabeça, portanto, ainda que sem fracturas), e as várias fracturas existentes no membro superior esquerdo e de ambos os membros inferiores (vide relatório de autópsia a fls. 482-488).
Por último, ainda, avultam o relatório técnico-científico e os esclarecimentos prestados em audiência pelo perito Eng.º J..., os quais apontam, de forma clara, segundo as regras da experiência e os conhecimentos técnicos do Sr. Perito, por mor da conjugação das lesões evidenciadas pelo menor (antes descritas) e dos danos existentes no velocípede (também já descritos), para um choque violento e frontal entre os dois veículos em apreço.
Ora, sendo assim, conjugados todos os ditos meios de prova e reapreciados os mesmos nesta instância, segundo as regras da lógica e da experiência, não se vislumbra qualquer razão séria e ponderosa para divergir da convicção do tribunal a quo.
Na verdade, a partir de tais meios de prova, e da sua conjugação, resulta, em nosso ver, demonstrado de forma clara, objectiva e segura toda a matéria de facto feita constar dos pontos 8, 9, 10 e 11 do elenco dos factos provados, seja quanto ao modo de eclosão do acidente (choque frontal entre os veículos intervenientes), seja quanto à localização do menor e do velocípede na via e hemi-faixa direita, atento o seu sentido de marcha, como, ainda, quanto às lesões sofridas pelo mesmo menor e que foram, indubitavelmente, à luz do relatório médico de autópsia, a causa directa e necessária do seu infeliz decesso.
Por conseguinte, também neste segmento impugnatório a pretensão do apelante está votada ao insucesso, mantendo-se, pois, a factualidade impugnada e acima referida.
Mais, ainda, impugna o apelante a matéria de facto provada e feita constar dos pontos 12, 13 e 15 da sentença recorrida.
Neste conspecto, invoca o apelante em abono da sua discordância o depoimento da testemunha F... e, ainda, a contradição entre os factos referidos em 12, 13 e 15.
Sobre os ditos pontos da sentença consta a seguinte matéria:
12. A parte da estrada onde ocorreu o descrito acidente é uma curva à direita, atento o sentido de marcha do motociclo do Réu, com 36 metros de raio, estando melhor identificada nas fotografias a fls. 645 a 649.
13. Com traçado largo e aberto, permitindo visibilidade ao condutor que transite no sentido ... – ....
15. Na altura do acidente o tempo estava bom, estando-se no período de crepúsculo, sob condições de iluminação insuficientes e no local ficaram vestígios do embate.
Nesta matéria, a primeira referência que se nos impõe fazer é que, ao contrário do que sustenta, de forma infundada e confusa, o apelante, não se vislumbra qualquer contradição no facto de estar em causa uma curva à direita e, ao mesmo tempo, a estrada nesse local ter um traçado largo e aberto.
Com efeito, ao contrário do que sugere o apelante, a circunstância de se tratar de uma curva não prejudica ou afasta que a estrada nesse local seja larga (largura da estrada na curva em causa) e aberta, por oposição, respectivamente, a curva estreita (de largura diminuta) ou fechada (com ângulo fechado, que não permite a quem nela circula visualizar o trânsito que se efectua em sentido oposto).
Por outro lado, ainda, do facto de no local existir iluminação pública insuficiente não decorre que a curva em apreço não seja, pelas suas características físicas (aberta e larga), uma curva com visibilidade, ou seja, que, independentemente da iluminação existente e da sua suficiência ou insuficiência, a estrada, naquele ponto, ou seja, na zona da curva apresente visibilidade para quem circulava no sentido em que o réu D... circulava.
Por conseguinte, nesta perspectiva, a impugnação deduzida carece de qualquer fundamento, pois que não se vislumbra qualquer contradição entre os factos acima descritos.
Mas mais: as características físicas da curva em causa e a visibilidade que a mesma permitia a quem nela circulava no sentido empreendido pelo réu D... resultam, em nosso ver, de forma evidente das fotos a fls. 645 a 649 ou, ainda, das fotos a fls. 435-440 dos autos, conjugadas com os elementos que constam do croquis elaborado pela GNR e já antes citado (cujo teor foi confirmado em audiência pelo militar P... que o elaborou na sequência da deslocação ao local após o acidente) e, ainda, pelo relatório técnico-científico também já citado, cujos elementos objectivos foram também explicitados e justificados, em termos cabais, pelo Eng.º J... em audiência de julgamento.
O que significa, pois, que, afastada a contradição invocada pelo apelante e reponderados de forma crítica nesta instância os elementos probatórios antes referenciados nenhuma razão se vislumbra também para divergir da convicção firmada pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto em apreço, a qual, consequentemente, é de manter.
Sustenta, ainda, o apelante que a matéria de facto constante do ponto 17 deveria ser alterada, passando a ali constar que os vestígios de sangue do menor encontravam-se “em cima da linha contínua” e não na “hemi-faixa direita no sentido seguido pelo velocípede.”
Em sustento de tal posição invoca o apelante os depoimentos das testemunhas F... e K..., os quais, segundo diz, terão, de alguma maneira, confirmado esse facto.
Não tem o apelante qualquer razão, sendo, aliás, evidente que o apelante, como de resto em outras matérias no presente recurso da decisão de facto, faz uma leitura manifestamente acrítica e parcial da prova produzida, escamoteando a prova que se lhe apresenta como desfavorável.
Desde logo, nenhuma das testemunhas inquiridas e antes citadas situa os vestígios de sangue do menor sobre a linha contínua que separa as hemi-faixas de rodagem da via; Aliás, diga-se, muito se estranharia que perante um acidente com a gravidade que o acidente em apreço evidencia e envolvendo uma criança gravemente ferida e a perder sangue, as testemunhas tivessem a presença de espírito bastante para conseguirem precisar, como pretende o apelante, que o sangue do menor estava sob a linha contínua da faixa de rodagem…; Neste particular, ao invés do que sustenta o apelante ambas as testemunhas referiram que existia sangue na estrada mas nenhuma delas logrou precisar, com o rigor e a segurança exigíveis (como nos parece natural em face do antes exposto e até pelo tempo entretanto decorrido) o local exacto da estrada onde existia o sangue, embora ambas referissem, ainda que de forma genérica e pouco assertiva, que era no lado da estrada por onde circulava o menor, ou seja, na hemi-faixa direita, atento o sentido de marcha do velocípede.
A prova relevante para efeitos de demonstração do facto em causa não é, pois, manifestamente, a invocada pelo apelante, mas outra que foi produzida nos autos e que o mesmo ignora.
Referimo-nos, como é evidente, ao croquis elaborado pela GNR a fls. 426-428 e que expressamente assinala a existência de sangue do menor à distância de 1,70 mts do rodado da frente do respectivo velocípede (que se encontrava imobilizado no local onde caiu após o acidente), tudo na hemi-faixa direita de rodagem, atento o sentido de marcha do mesmo velocípede. Ora, sendo certo que se mostra assinalado no mesmo croquis a linha contínua que separa as duas hemi-faixas de rodagem e não se indica aí (sobre essa linha) a existência de qualquer vestígio de sangue, tal vem a significar que os ditos vestígios só existiam na hemi-faixa direita de rodagem e à aludida distância de 1,70 mts do rodado da frente do velocípede, como se mostra assinalado no aludido croquis, e não como pretende o apelante sobre a linha contínua existente na via.
Note-se, ainda, que estes elementos do croquis foram reafirmados pela testemunha P... – militar que elaborou o dito auto, como já antes referido – e que confirmou a sua exactidão quanto a tais elementos e distâncias ali assinaladas que foram por si tiradas no local e após a deslocação ao local.
O que vem a significar, pois, que, nem a prova pessoal invocada pelo apelante consente a prova do facto que o mesmo invoca, mas, outrossim, a prova antes referida confirma, de forma clara e segura, o facto dado como provado sob o ponto 17 do elenco dos factos provados da sentença recorrida, que assim se deve manter.
Improcede, pois, a impugnação deduzida.
No que se refere, ainda, a matéria provada impugna também o apelante a matéria dos pontos 20, 23, 24 e 25, pugnando no sentido de que a dita matéria deveria ter sido julgada como não provada.
Sob os aludidos pontos consta o seguinte:
20. O Réu D..., logo após o acidente, apressou-se a levantar e retirou do local da ocorrência o motociclo que conduzia e que interveio no embate, escondendo-o em local desconhecido.
23. O mesmo Réu deu aos elementos da autoridade policial – GNR – a informação falsa sobre o veículo interveniente no acidente, e apresentou documentos respeitantes a um outro motociclo.
24. Ou seja, relativo a um veículo motorizado com a matrícula ZZ-..-.., propriedade de seu irmão H....
25. Desta forma, os guardas da GNR, que não viram qualquer veículo motorizado no local, elaboraram o auto de ocorrência, fazendo figurar como sendo o veículo motorizado interveniente no acidente, um outro (ZZ-..-..) que não o verdadeiro (..-..-SZ).
Relativamente a esta matéria, como resulta já da motivação invocada nesta instância no que tange ao ponto 3, e que, por razões de economia aqui se dá por integralmente reproduzida, nenhum fundamento plausível e sério se mostra invocado para que se possa divergir da convicção firmada pelo tribunal recorrido, a qual, aliás, se mostra explicitada de forma exaustiva, clara e objectiva na meritória fundamentação constante da douta sentença proferida em 1ª instância.
De todo o modo, a matéria ora em causa resulta, em nosso ver, absolutamente indiscutida à luz dos meios probatórios que fundamentaram a improcedência da impugnação do ponto 3 da sentença, não se justificando a invocação de qualquer outra consideração suplementar.
Improcede, pois, também neste segmento, a impugnação deduzida, mantendo-se a matéria constante dos pontos de facto ora sob escrutínio.
E o mesmo sucede, ainda, quanto ao ponto 26 da factualidade constante da sentença recorrida, cuja prova resulta, em termos evidentes, da consideração e análise crítica dos meios probatórios já antes convocados para a improcedência da impugnação deduzida pelo apelante quanto ao ponto 8 do elenco dos factos provados da sentença e sendo certo que, como mesmo, aliás, reconhece na sua alegação recursiva, a matéria constante deste ponto 26 não é mais, nem menos do que a matéria que já consta do aludido ponto 8.
Aliás, ainda que assim não fosse, a matéria em apreço resulta demonstrada, de forma clara e inequívoca dos elementos clínicos a fls. 417-418 (atinentes ao estado clínico do menor G... à data da sua admissão no Hospital ...), da informação constante do croquis da GNR já antes citado e, ainda, das informações constantes do relatório de autópsia médico-legal também já antes citada.
O que, em conclusão final, importa a improcedência total da impugnação da decisão de facto constante da sentença recorrida, a qual, reponderada e analisada criticamente nesta instância, em função dos meios de prova produzidos nos autos e antes elencados, deve manter-se integralmente, o que se julga.
*
IV.IV. Do mérito da sentença recorrida:
Improcedendo, pelas razões vindas de expor, a impugnação de decisão de facto recorrida e tendo presente que a revogação da sentença recorrida reclamada pelo apelante partia do evidente pressuposto da alteração daquela decisão de facto, tal significa que, não ocorrendo razões para a alteração da factualidade provada, nem invocando o apelante nas suas conclusões recursivas (que delimitam o objecto do recurso e da actividade jurisdicional deste Tribunal) um qualquer erro ao nível do regime jurídico-legal aplicável ao caso sub judice ou à sua interpretação e aplicação ao quadro factual que emerge da prova produzida, daí decorre que (sem prejuízo da questão suscitada pelo apelante D... quanto à sua condenação como litigante de má-fé e suscitada pelo apelante FGA quanto ao quantum indemnizatório correspondente ao dano por morte da vítima G...) nenhuma alteração se impõe decretar ao decidido em 1ª instância.
Com efeito, para tanto, e precavendo a possibilidade de a impugnação da decisão de facto improceder, teria o apelante que suscitar ao nível da solução jurídica do pleito alguma questão concreta que cumprisse ser reapreciada nesta instância, o que, não sucedendo, importa, logicamente, a manutenção da sentença recorrida, sem prejuízo da análise e decisão das demais questões que em seguida se conhecerão neste acórdão e que antes foram elencadas.
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IV.V. Litigância de má-fé do Réu D...:
Como resulta das conclusões do recurso, o apelante discorda da sua condenação como litigante de má-fé nos presentes autos, sustentando, por um lado, em estrita repetição do já antes convocado em sede de impugnação da decisão de facto quanto ao ponto 3 do elenco dos factos provados, que não existe nos autos prova bastante de que o veículo por si conduzido no momento do sinistro era o motociclo de matrícula ..-..-SZ, que apenas soube do decidido no Acórdão da Relação do Porto (no sentido de que no momento do acidente não conduzia ele o motociclo ZZ-..-.., mas um outro) quando foi citado para os termos da presente acção, não podendo, pois, defender-se perante o ali decidido, e, ainda, que, à luz da interpretação que a jurisprudência vem fazendo dos pressupostos do instituto da litigância de má-fé processual e em face das particularidades do caso concreto não se verificam os pressupostos para a condenação contra si proferida.
Decidindo.
Como resulta da sentença ora sob análise, o Sr. Juiz do Tribunal de 1ª instância estribou a condenação do réu D... tendo por base o pressuposto de que o mesmo alegou e afirmou na sua contestação e na pendência dos autos factos contrários à verdade por si conhecida, ou seja, que alegou que conduzia no momento do acidente o motociclo ZZ quando, de facto, conduzia nesse momento o veículo SZ, violando, assim, com a sobredita conduta processual, de forma censurável, ou seja, com culpa, o dever de verdade e probidade que se lhe impunham à luz do preceituado nas várias alíneas do n.º 2 do art. 542º do CPC.
Segundo este normativo diz-se que litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, «tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar» [alínea a)]; «tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa» [alínea b)]; «tiver praticado omissão grave do dever de cooperação» [alínea c)]; ou, ainda, «tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão» [alínea d)].
Nesta matéria, como é consabido, antes da reforma de 1995/96, era entendimento uniforme na jurisprudência e na doutrina que só a lide dolosa dava lugar à condenação como litigante de má-fé. [21]
Após aquela reforma, e tendo presente o propósito de acentuar os deveres de lealdade, probidade e honestidade processual, decorrentes do princípio da boa-fé, na sua vertente adjectiva, passaram a ser previstas e punidas não só as condutas dolosas, mas também as gravemente negligentes ou grosseiras.
Esta alteração de paradigma resulta, com clareza, em letra de lei, ao definir, no n.º 2 do art. 542º do CPC (correspondente ao art. 456º, n.º 2, do anterior Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo DL n.º 329-A/95), como litigante de má-fé quem, com «com dolo ou negligência grave» adopte alguma das condutas previstas no dito inciso.
Destarte, após este último diploma, passou a sancionar-se, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária. Dito de outra forma, quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje, de forma indiscutida, a litigância de má-fé, com o intuito de atingir uma maior responsabilização das partes. [22]
Este novo regime veio, assim, afirmar uma maior exigência de boa-fé das partes no processo, ao alargar o tipo de comportamentos que podem ser objecto de censura e daquela qualificação.
No domínio da má-fé a doutrina tem distinguido duas variantes: a má-fé material e a má-fé instrumental, abrangendo a primeira os casos das alíneas a) e b) do n.º 2, e a segunda, os das alíneas c) e d) do mesmo n.º 2 do art. 542º. [23]
Todavia, no que ora importa, em qualquer dos casos, para que possa haver tal censura/condenação, exige-se sempre que se trate de litigância consciente (com dolo ou negligência grave) violadora do dever de cuidado e probidade imposto às partes.
De facto, o instituto da litigância de má-fé, tal como se mostra configurado no art. 542º do CPC, visa sancionar comportamentos contrários ao princípio da boa-fé processual, mas exige, para efeitos sancionatórios, que tais comportamentos sejam acompanhados por um específico «animus» da parte do agente.
Na verdade, se se considerar o teor literal das diversas alíneas do n.º 2 do citado normativo – que comportam ou descrevem o elemento objectivo da litigância de má-fé – verificamos que estas se tratam de verdadeiras concretizações do princípio da boa-fé. As mesmas, procurando traduzir o sentido negativo da boa-fé processual, elencam os comportamentos que as partes se devem abster de praticar de molde a não prejudicarem o decurso da relação processual, que deve ser pautado por um espírito de cooperação e consentâneo com o dever de verdade, tendo em vista a justa resolução do litígio.
Contudo, como se referiu, a lei não se basta com o preenchimento do elemento objectivo tal como se mostra descrito nas alíneas do n.º 2 do art. 456º, impondo outrossim que na inobservância desses deveres a parte aja com dolo ou negligência grave.
De facto, a Constituição de República Portuguesa consagra no seu artigo 20.º o direito de acesso aos tribunais, dizendo que a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente. O mesmo, aliás, consagra o legislador ordinário no artigo 2.º, n.º 2 do NCPC.
Por conseguinte, sendo o direito de acesso à justiça, um direito constitucionalmente garantido, dotado da tutela que é própria dos direitos fundamentais, é necessário algum cuidado na responsabilização da parte que toma a iniciativa do processo ou que a ele deduz oposição pelas consequências dessa sua conduta processual.
Como se afirma no Acórdão desta Relação de 16.06.2014 [24], “ O instituto da litigância de má-fé visa que a conduta dos litigantes se afira por padrões de probidade, verdade, cooperação e lealdade. A concretização das situações de litigância de má-fé exige alguma flexibilidade por parte do intérprete, o qual deverá estar atento a que está em causa o exercício do direito fundamental de acesso ao direito (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa), não podendo aquele instituto traduzir-se numa restrição injustificada e desproporcionada daquele direito fundamental. Importa não olvidar a natureza polémica e argumentativa do direito, o carácter aberto, incompleto e autopoiético do sistema jurídico, a omnipresente ambiguidade dos textos legais e contratuais e as contingências probatórias quer na vertente da sua produção, quer na vertente da própria valoração da prova produzida. “(…) Assim, prossegue o dito aresto, “ à semelhança da liberdade de expressão numa sociedade democrática, o direito fundamental de acesso ao direito só deve ser penalizado no seu exercício quando de forma segura se puder concluir que o seu exercício é desconforme com a sua teleologia subjacente, traduzindo-se na violação dos deveres de probidade, verdade e cooperação e numa utilização meramente chicaneira dos meios processuais, com o objectivo de entorpecer a realização da justiça. Por isso, o tipo subjectivo da litigância de má-fé apenas se preenche em caso de dolo ou culpa grave.» (sublinhados nossos)
Em idêntico sentido refere-se, ainda, em Acórdão desta Relação de 12.05.2005 que “ a simples proposição de uma acção ou contestação, embora sem fundamento, pode não constituir uma actuação dolosa ou mesmo gravemente negligente da parte. A incerteza da lei, a dificuldade em apurar os factos e os interpretar, podem levar as consciências honestas a afirmar um direito que não possuem e a impugnar uma obrigação que devem cumprir. O que releva é que as circunstâncias devam levar o tribunal a concluir que a parte apresentou pretensão ou fez oposição conscientemente infundada (em Alberto dos Reis, C.P.C. Anotado, II, 263). Se na vigência da lei processual, anterior à redacção do DL 329-A/95, subjacente ao disposto no artigo 456º do CPC, existia uma intenção maliciosa, ou má-fé em sentido psicológico, e não apenas um a leviandade ou imprudência (má fé em sentido ético), a lei actual apenas exige que exista negligência grave ou grosseira para censurar a parte, quando esta actua com a falta de precaução pela mais elementar prudência que deve ser observada nos usos correntes da vida. Mas só quando o processo fornece elementos seguros da conduta dolosa ou gravemente negligente deverá a parte ser censurada como litigante de má-fé, o que pede prudência ao julgador, sabendo-se que a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro (a verdade absoluta só está ao alcance da divindade e a humana corre o risco da contingência e relatividade) mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico (cfr. Ac. STJ, de 11.12.2003, no proc. 03B3893, em www.dgsi.pt). Não basta que a parte não veja acolhida a sua pretensão ou a sua versão dos factos. Pode defender convicta, séria e lealmente uma posição sem dela convencer o tribunal. As circunstâncias do caso hão-de permitir se conclua que a parte apresentou pretensão ou fez oposição conscientemente infundadas, estar-se perante uma situação em que não deva deixar dúvida razoável sobre a conduta dolosa ou gravemente negligente da parte. Por não se provar determinado facto ou factos, não poderá concluir-se pelo facto contrário (em sede de censura à parte por má fé). Nem será por a parte não provar a veracidade de determinada afirmação que pode concluir-se, só por essa situação negativa, pela falsidade ou desconformidade do alegado com a verdade. Significa apenas que não logrou convencer o tribunal dessa posição. A falta de razão não significa sempre má-fé, a não ser que a parte dela tenha consciência e, apesar disso, formule pretensão ou deduza oposição em juízo.» (sublinhado nosso) [25]
Como assim, vem sendo entendimento pacífico, e a que aderimos, que a mera perda da demanda nunca é suficiente, sem mais, para permitir concluir pela ilegitimidade da iniciativa processual e pela litigância de má-fé ou, ainda, que a não demonstração dos factos alegados pela parte não pode, sem mais, justificar a condenação como litigante de má-fé dessa parte. [26]
É exigível, assim, em sede de litigância de má-fé, uma subjectivização do abuso do direito de acção ou de defesa (a título de dolo ou negligência grave e tendo por referência as condutas tipificadas no art. 542º do CPC), afastando-se, assim, o risco de eliminar ou restringir o direito fundamental de acção ou defesa.
Neste sentido, como refere Paula Costa e Silva, a ilicitude pressuposta pela litigância de má-fé distancia-se da ilicitude civil, não apenas porque se apresenta como um ilícito típico (descrevendo analiticamente as condutas que o integram), mas também porque, ao contrário do que sucede com o ilícito civil, se encontra dependente da verificação de um elemento subjectivo, sem o qual o comportamento da parte não pode ser tido como típico e, consequentemente, como ilícito, aproximando-se nesta medida muito mais do ilícito penal. [27]
Feitas estas considerações, importa, pois, analisar os contornos da situação concreta ora em apreço.
Os Autores alegaram na sua petição inicial que no momento do acidente em apreço o réu D... conduzia um motociclo desconhecido e explicitando que antes tinha intentando acção contra a seguradora E... no pressuposto de que o motociclo envolvido no acidente era o motociclo ZZ, cuja circulação se encontrava coberta por seguro válido e eficaz; Mais, ainda, explicitaram, de forma clara, que na dita acção a seguradora veio, após a sentença de 1ª instância ter sido revogada por Acórdão desta Relação do Porto, a ser absolvida do pedido por ali se ter firmado – na sequência de minuciosa reanálise de toda a prova produzida - que no momento do acidente o réu D... não conduzia o veículo ZZ, mas um outro veículo, sendo certo que o dito réu (ou alguém a seu mando) teria retirado, logo após o acidente, do local o motociclo que nele tinha efectivamente intervindo, apresentando falsamente às autoridades policiais (quando estas se deslocaram ao local) como interveniente um outro veículo – o dito ZZ, que possuía à data seguro válido e eficaz.
Não obstante o expressamente alegado pelos Autores e, logicamente, ciente da relevância da matéria de facto em causa (que tinha já conduzido à revogação da sentença de 1ª instância proferida na dita acção ordinária n. 945/13.8TBAMT e à prolação do acórdão desta Relação de 26.02.2015), veio o Réu impugnar a dita factualidade e alegar em termos expressos no momento do acidente em causa conduzia o dito velocípede ZZ – vide arts. 1º, 6º e 8º da contestação -, não cuidando sequer de alegar que era, de facto, à data do acidente, proprietário de um outro motociclo (de cor azul), o motociclo SZ, que não tinha seguro.
E, como aliás, o demonstram os autos, nomeadamente em sede de excepção de ilegitimidade passiva que invocou, em sede de reclamação quanto aos temas de prova seleccionados e até nesta fase recursiva em sede de impugnação de decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido – sobretudo quanto aos pontos 3, 20, 23, 24 e 25 do elenco dos factos provados -, o réu D... manteve aquela sua versão, ou seja, que o motociclo que tripulava no momento do acidente era o dito ZZ e, ainda, que não removeu, nem escondeu o veículo SZ logo após o acidente e, logicamente, não forneceu elementos falsos.
Sucede que esta outra versão do réu – e independentemente da contradição evidente entre essa versão e a factualidade que foi apurada na anterior acção ordinária e, em particular, no Acórdão desta Relação ali proferida -, que, em nosso ver, não é o que mais releva para efeitos de litigância de má-fé do réu D... -, não veio a colher nestes autos uma qualquer demonstração, mas, sobretudo, foi essa sua versão (atinente a factos estritamente pessoais e que o mesmo não podia deixar de conhecer – como seja o motociclo que tripulava e a remoção e consequente desaparecimento do motociclo SZ) totalmente desmentida, provando-se, precisamente, a factualidade oposta.
Com efeito, como resulta da factualidade provada (e cuja motivação foi exaustivamente exposta na sentença de 1ª instância e foi por nós neste instância pormenorizadamente analisada e confirmada), ficou provado que o veículo que interveio no acidente e que o réu tripulava era o motociclo SZ (e não o dito ZZ), mas, ainda, que o Réu, logo após, o acidente apressou-se a retirar do local o motociclo SZ, escondendo-o em local desconhecido, vindo, nessa sequência, a fornecer aos elementos das forças policiais informação que sabia ser falsa quanto ao motociclo interveniente (atinente ao veículo ZZ, cujos documentos apresentou), procurando, assim, de forma evidente, condicionar e adulterar as consequentes averiguações das entidades competentes, seja quanto ao motociclo que interveio no acidente (e de que não possuía seguro), seja, ainda, quanto às próprias circunstâncias da ocorrência do acidente, sendo certo que nunca o veículo SZ foi, à data, dado a conhecer e, logicamente, não foi visionado, nem sujeito a qualquer perícia.
Ora, em tal contexto, seja em razão da essencialidade do facto em causa para o desfecho desta acção (e da anterior que foi movida contra a seguradora), seja, ainda, em razão da persistência evidenciada pelo réu na manutenção de uma versão que sabe ser falsa (em 1ª instância e já nesta fase recursiva), seja, ainda, da própria gravidade do acidente em causa (do qual decorreu o falecimento de um menor) – o que deveria, no mínimo, ter o condão de forçar a boa consciência do réu -, é, a nosso ver, absolutamente inequívoco que o réu agiu de forma dolosa e particularmente censurável, agindo de má-fé de um ponto de vista substancial, ou seja, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia (agindo com o mínimo de rigor e de prudência) ignorar e, ainda, alterando de forma ostensiva e persistente a verdade de factos essenciais/decisivos para a sorte da acção, adulterando, pois, factos que eram do seu estrito conhecimento pessoal – art. 542º, n.º 1 e 2 al. a) e b) do CPC.
Nesta perspectiva, em nosso ver, justifica-se não só a condenação como litigante de má-fé já proferida em 1ª instância, que, no sobredito contexto, não nos merece, obviamente, qualquer censura, como, ainda, se justifica, em nosso julgamento, o agravamento da multa que ali foi aplicada (em 15 UC) e que nesta instância, em face de todo o exposto e em particular face à intensidade do dolo e, logicamente, do grau de culpa evidenciado pelo réu no decurso e pendência da presente instância, se altera para o montante de 35 UC, atento o limite mínimo de 2 e máximo de 100 UC, previsto no art. 27º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais.
Com efeito, tratando-se a matéria atinente à litigância de má-fé de matéria de conhecimento oficioso por parte do Tribunal e, obviamente, deste Tribunal da Relação, nomeadamente quanto à conduta do apelante nesta instância recursiva, e mostrando-se a questão invocada e esgrimida pelo próprio apelante (que não pode invocar que a decisão de tal questão reveste a natureza de decisão surpresa, no sentido de questão sobre a qual não teve oportunidade de se pronunciar, como fez – art. 3º, n.º 3 do CPC) – nenhum óbice legal existe à decretada alteração do quantum sancionatório ora aplicado, não estando, pois, este Tribunal da Relação limitado, em tal conspecto, pelo princípio da proibição da reformatio in pejus, ou seja, impedido de alterar para mais o montante da multa aplicada em 1ª instância.
O que, neste segmento, conduz à improcedência desta outra questão suscitada pelo apelante, com a inerente improcedência total da sua apelação, o que se decreta.
*
IV.VI. Danos não patrimoniais – Dano da Morte:
A última questão suscitada no presente recurso – em função da apelação interposta pelo réu FGA – refere-se à indemnização pelo dano não patrimonial decorrente da morte do menor G..., sustentando, nesse conspecto, o apelante FGA que o valor de € 100.000,00 fixado na sentença recorrida é excessivo, não devendo ultrapassar o montante de € 60.000,00.
Vejamos.
O menor G... tinha 13 anos à data do seu falecimento, pois que faleceu a 12.03.2012 e o mesmo tinha nascido a 24.09.1998.
O artigo 496º, n.º 3 do Código Civil dispõe que em caso de morte do lesado podem ser atendidos os danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima.
Os danos não patrimoniais sofridos pelo menor falecido abrangem, sem margem para dúvidas, a perda do bem da vida (artigo 24.º da C.R.P. e artigos 70.º e 483.º).
O Prof. Leite de Campos considera que “o direito à vida é um direito ao respeito da vida perante as outras pessoas, é um direito “excludendi alios” e só nesta medida é um direito. É um direito a exigir um comportamento negativo dos outros. Eis o único conteúdo do direito à vida – expressão incorrecta, mas que não rejeitaremos, utilizando-a a par “de direito ao respeito da vida”, por causa da dignidade que obteve em mil combates ao serviço do homem.
Atentar contra o direito ao respeito da vida produz um dano – a morte – superior a qualquer outro no plano dos interesses da ordem jurídica.”
E continua o Ilustre Professor “ O dano da morte é o prejuízo supremo, é a lesão de um bem superior a todos os outros”...” A morte é um dano único que absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais. O montante da sua indemnização deve ser, pois, superior à soma dos montantes de todos os outros danos imagináveis. “
E mais à frente salienta o “imperativo ético de indemnizar o dano da morte”. [28]

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a encontrar, para ressarcir o dano morte, no geral, montantes entre 50.000,00 € e 60.000,00 €, atribuindo, por regra, em decisões proferidas nos anos de 2008 e 2009, o montante de 50.000 €, sendo certo que outras decisões atribuíram indemnizações superiores (num caso 75.000,00 € e noutro 70.000,00 €). [29]
Ainda mais recentemente, a compensação pelo dano morte tem variado entre os 50.000,00 € e os 100.000,00 €, com ligeiras oscilações para mais ou para menos, tendo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.09.2011 fixando a compensação desse dano em 100.000,00 €, estando ali em causa, precisamente, o falecimento de uma criança com 14 anos à data do acidente. [30]
Não pode negar-se que o valor geralmente atribuído pela jurisprudência para indemnizar este dano é fortemente influenciado pelo facto de não se destinar a compensar o lesado, ele próprio, pelo dano sofrido - tal compensação ou reparação é recebida por terceiros (as pessoas mencionadas no artigo 496º, nº 2).
Todavia, o que não pode escamotear-se é que o valor indemnizatório deve ser suficientemente significativo para conter em si a afirmação da validade do bem tutelado, tendo presente que a vida é o bem supremo e irrepetível.
Com efeito, na indemnização devida pela perda do direito à vida, há que atender, não só ao valor do bem da vida, em si mesmo considerado, que é o mais valioso dos bens que integram os chamados direitos de personalidade, como ainda ao apego da vítima à vida, que pode ser aferido, à falta de outros elementos para o efeito relevantes, pela sua idade, o seu estado civil, a sua situação profissional e familiar.
Ora, neste contexto, tendo presente a tenra idade do menor Alberto Ricardo (13 anos), tendo presente que o mesmo, enquanto jovem adolescente teria toda uma vida promissora à sua frente, tendo presente que era um jovem cheio de vida, saudável e com bom aproveitamento escolar, tudo abrupta e violentamente cerceado pelo acidente dos autos, com todo o respeito por opinião oposta e pela posição do apelante FGA, não se nos afigura que o valor arbitrado em 1ª instância (e que como vimos tem apoio na própria jurisprudência do Supremo), se possa ter como excessivo ou em oposição com os valores que, nas mesmas circunstâncias, ou seja, envolvendo menores de idade, têm sido reconhecidos pela nossa Jurisprudência, em particular pelo Supremo Tribunal de Justiça, antes se nos afigurando que, no caso específico em apreço, o aludido montante arbitrado é justo e equilibrado, ou seja, é equitativo.
O que significa, pois, que, em nosso ver, o dito montante fixado na sentença recorrida deverá manter-se, o que se julga, com a consequente improcedência da apelação interposta pelo réu FGA.
* *
V. DECISÃO:
Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos pelo réu D... e Fundo de Garantia Automóvel, mantendo na íntegra a sentença recorrida, salvo quanto à multa por litigância de má-fé do réu D... que se fixa em 35 (trinta e cinco) UC.
*
Custas do recurso por cada um dos apelantes, sendo que ambos ficaram, no que se refere ao seu respectivo recurso, integralmente vencidos – art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC. -, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o apelante D....
*
Notifique.
*
Após trânsito, dê conhecimento ao Ministério Público para os fins previstos no art. 10º, n.ºs 1 al. d) e 3 da Lei n.º 34/2004 de 29.07.
*
Porto, 24.09.2018
Jorge Seabra
Fátima Andrade
Fernanda Almeida

(O presente acórdão não segue as regras do Novo Acordo Ortográfico)
_______________
[1] Vide, neste sentido, por todos, A. ABRANTES GERALDES, “Dos Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] AC STJ 28.11.2013, relator SERRA BAPTISTA, disponível in www.dgsi.pt
[3] Sobre a figura do caso julgado e da autoridade de caso julgado e seus efeitos, vide, ainda, o AC RP de 21.11.2016, por nós relatado, disponível in www.dgsi.pt. [e demais jurisprudência e doutrina ali referidas, que nos escusamos a repetir].
[4] Vide, neste sentido, MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, “Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 580, e, ainda, por todos, AC STJ de 16.02.2016, relator HÉLDER ROQUE, AC STJ de 26.01.2016, relatora MARIA CLARA SOTTOMAYOR, AC STJ de 17.11.2015, relator SEBASTIÃO PÓVOAS, e AC STJ de 12.07.2011, relator MOREIRA CAMILO, todos in www.dgsi.pt.
[5] MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, “Estudos …”, cit., pág. 572.
[6] J. LEBRE de FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO, “Código de Processo Civil Anotado”, II volume, Coimbra Editora, 2001, pág. 325.
[7] MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, “O Objecto da sentença e o Caso Julgado”, BMJ 325º, pág. 49.
[8] Vide, por todos, AC STJ de 7.05.2015, relator GRANJA da FONSECA, AC STJ de 23.11.2011, relator PEREIRA da SILVA, AC STJ de 6.03.2008, relator OLIVEIRA ROCHA e AC STJ de 13.12.2007, relator NUNO CAMEIRA, todos in www.dgsi.pt.
[9] AC STJ de 20.12.2017, relator FERNANDA ISABEL PEREIRA, disponível in www.dgsi.pt (e demais jurisprudência do mesmo Supremo citada no mesmo aresto).
[10] Vide, neste sentido, ALBERTO dos REIS, “Código de Processo Civil Anotado”, V volume, 1984, pág. 139.
[11] Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, “Manual …”, cit., pág. 687;
[12] ALBERTO dos REIS, op. cit., pág. 140.
[13] Vide, ainda, no mesmo sentido, J. LEBRE de FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, op. cit., II volume, pág. 609.
[14] Vide, neste sentido, por todos, A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 134, AC STJ de 14.07.2016, relator ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA, AC STJ de 27.10.2016, relator JOSÉ RAÍNHO, AC STJ de 27.10.2016, relator RIBEIRO CARDOSO, disponíveis in wwwdgsi.pt.
[15] Vide, neste sentido, A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 132 e, por todos, AC STJ de 23.02.2010, relator FONSECA RAMOS, in www.dgsi.pt.
[16] Vide, ainda, A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 132-133.
[17] Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 9.07.2015, relator MARIA dos PRAZERES PIZARRO BELEZA, AC STJ de 6.12.2016, relator GARCIA CALEJO, AC STJ de 8.11.2016, relator FONSECA RAMOS, AC STJ de 28.04.2016, relator ABRANTES GERALDES, todos in www.dgsi.pt.
[18] MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, “As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa”, Lex, 1995, pág. 210. Vide, no mesmo sentido, ainda, LUIS FILIPE PIRES de SOUSA, “A Prova por Presunção no Direito Civil”, 3ª edição, pág. 31-32.
[19] AC STJ de 24.11.2016, relator TOMÉ GOMES, disponível in dgsi.pt. (com indicação de doutrina concordante de ANTUNES VARELA e MANUEL de ANDRADE).
[20] Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 6.06.2006, relator SEBASTIÃO PÓVOAS, disponível in ww.dgsi.pt.
[21] Vide, assim, por todos, no domínio da legislação processual anterior, AC STJ de 8/4/97, CJ, STJ, ano V, Tomo 2, pág. 37; J. ALBERTO dos REIS, “Código de Processo Civil Anotado”, II volume, 3.ª ed., pág. 263 e MANUEL de ANDRADE, “Noções Elementares de Processo Civil ”, 1979, pág. 356.
[22] Vide, neste sentido, C. LOPES do REGO, “Comentários ao Código de Processo Civil”, 199, pág. 308.
[23] Vide, por todos, J. ALBERTO dos REIS, II volume, cit., pág. 264 e J. RODRIGUES BASTOS, “Notas ao Código de Processo Civil”, II volume, Almedina, 3ª edição, pág. 221-222.
[24] AC RP de 16.06.2014, relator CARLOS GIL, in www.dgsi.pt
[25] AC RP de 12.05.2005, relator JOSÉ FERRAZ, in www.dgsi.pt
[26] Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 9.07.98, relator FIGUEIREDO de SOUSA, AC STJ de 11.12.2003, relator QUIRINO SOARES e AC STJ de 5.05.2005, relator FERREIRA GIRÃO, todos in www.dgsi.pt.
[27] PAULA COSTA SILVA, “A Litigância de má-fé”, 2008, pág. 379 e seguintes; No mesmo sentido, ainda, PEDRO de ALBUQUERQUE, “Responsabilidade Processual por Litigância de Má-Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados no Processo”, 2006, pág. 92.
[28] DIOGO LEITE de CAMPOS, in BMJ, n.º 365 (Abril de 1987), pág. 13.
[29] Vide, neste sentido, com referência aos valores arbitrados, AC STJ de 17.12.2009, relator GARCIA CALEJO, disponível in www.dgsi.pt.
[30] AC STJ de 8.09.2011, relator OLIVEIRA VASCONCELOS e, AC STJ de 22.02.2018, relator MANUEL BRAZ, também disponível in www.dgsi.pt