Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
24142/16.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MADEIRA PINTO
Descritores: CONTRATO DE FACTORING
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RP2018101124142/16.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º148, FLS.89-100)
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato de cessão financeira traduz uma relação obrigacional complexa, onde se destaca uma vertente de concessão de crédito (pelo lado do factor), como contrapartida de uma cessão de créditos que o facturizado/aderente tem sobre terceiros, uma remuneração (juros) e prestação de garantias.
II - De acordo com o clausulado do contrato de factoring e com as normas constantes do DL n. 171/95, de 18/07 que o regula, que se conclui que tal contrato não torna o factor, imediata e automaticamente, o cessionário dos futuros créditos do aderente, mas que a cessão de créditos opera-se, apenas e tão só, em relação às facturas que a cessão de créditos opera-se, apenas e tão só, em relação às facturas que vão sendo emitidas após a celebração do contrato de factoring.
III - O contrato de factoring, vincula apenas as partes que o celebram e, quanto ao devedor, apenas na medida em que, mantendo relações comerciais com o “aderente”, foi notificado da celebração do mesmo, nos termos contratualmente estabelecidos e aceitou aquela cedência de créditos da aderente sobre si, embora com “reservas”.
IV - O devedor, perante o factor, pode invocar, como excepções peremptórias, a compensação de créditos com o factorizado/aderente e o pagamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 24.142/16.1T8PRT.P1
Relator: Madeira Pinto
Adjuntos: Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
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Sumário:
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I - RELATÓRIO:
A autora B…, S.A., em 07.12.2016, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra a ré C…, Lda., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de capital no valor de €85.827,00, acrescida de juros de mora vencidos calculados à taxa legal no valor de €28.961,58, tudo perfazendo o total de €114.788,58, bem como nos juros vincendos até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que celebrou com a sociedade D… - Unipessoal, Lda., em 06/09/2011, um contrato de factoring, tendo por base a aquisição dos créditos comerciais derivados da venda de mercadorias ou da prestação de serviços a terceiros, de que aquela sociedade, na qualidade de aderente, fosse titular, sendo considerados devedores as entidades previamente aceites pela Autora e que se encontrassem previamente notificadas pela aderente, nos ternos da cláusula 4ª do contrato celebrado.
A cessão de créditos operada pelo contrato de factoring foi comunicada à Ré pela D…, Ldª, por carta de 06.09.2011 junta a fls 38 (documento 3 com a petição inicial), tendo ficado a Ré a saber que a Autora era a única entidade credora de tais valores e à qual deveriam ser efectuados todos os pagamentos, tendo a Ré declarado, por documento de 15/09/2011, junto sob o número 4 com a petição inicial (fls. 40), ter tomado conhecimento da mencionada cessão de créditos e do mencionado contrato de factoring.
No âmbito do mencionado contrato, a sociedade D…, Lda. submeteu à Autora diversas facturas, que esta aprovou e, em consequência, pagou àquela sociedade o valor dos créditos cedidos.
Entre os créditos cedidos contam-se créditos que a sociedade D…, Lda. detinha sobre a Ré, titulados por diversas facturas cujo valor total ascende a €85.827,00.
A Ré não procedeu ao pagamento de tal valor à Autora, conforme estava obrigada, não obstante interpelação para o efeito que lhe foi dirigida pela Autora.
Regularmente citada, a Ré apresentou contestação reconhecendo que lhe foi comunicada a celebração de um contrato de factoring entre a Autora e a D…, Lda., concluindo não ser devedora das facturas relacionadas pela Autora no artigo 9º da petição inicial e, daí, ser a absolvida do pedido.
Alega para tal, em resumo, que algumas das facturas, que indica, foram pagas por si através de transferência bancária para a conta da E… – … – D…, indicada pela Autora à Ré para tal pagamento; outras facturas foram também pagas por transferência bancária, mas o pagamento foi parcial, uma vez que a Ré procedeu à compensação de um crédito que detinha sobre a D…, Lda., decorrente de um sinistro rodoviário, compensação que a Ré podia opor à Autora por força da condição subordinante que fez constar da declaração de reconhecimento da notificação da celebração do contrato de factoring (documento de fl. 40 dos autos); outras facturas foram pagas directamente à D…, Lda., uma vez que as mesmas não tinham sido cedidas à Autora; finalmente, outras facturas são forjadas, produzidas, preenchidas e emitidas à revelia da Ré.
Foi realizada audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador, foi definido o objecto do litígio e foram fixados os temas da prova.
Veio a ser realizada audiência de julgamento e foi proferida sentença, que julgou a presente acção parcialmente provada e procedente e, em consequência, condenou a ré C…, Lda. a pagar à autora B…, S.A. a quantia de €40.436,07 (€30.564,05 + €9.872,02), acrescida de juros de mora (vincendos), calculados à taxa legal dos juros comerciais sucessivamente aplicável e contados do seguinte modo: (i) sobre a quantia de €30.090,57, contados desde 08/12/2016 até integral pagamento; (ii) sobre a quantia de €473,48, contados desde 06/08/2012 até integral pagamento.
Inconformada a ré interpôs recurso, admitido e processado como apelação, com as seguintes conclusões:
1ª – Vem o presente Recurso da sentença que, julgando parcialmente procedente, por provada, a acção, condenou a Ré, aqui Recorrente, ao pagamento à Autora, aqui Recorrida, da quantia de €30.564,05, acrescida de €9.872,02 de juros de mora vencidos, no total de €40.436,07, mais juros de mora vincendos.
2ª - Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a Recorrente podia opor, como opôs, à Recorrida a compensação que invocou.
3ª - Nos termos e cláusulas do contrato de factoring em causa e do DL n.º 171/95, de 18/07, que o regula, o contrato de factoring não torna o Factor imediata e automaticamente o cessionário dos futuros créditos da Aderente, operando-se a cessão de créditos, apenas e tão só, em relação às facturas que vão sendo emitidas após a celebração do contrato de factoring.
4ª - Decorre do facto provado n.º 5, com reporte para a cláusula 3ª das condições gerais do contrato de factoring em apreço, que a Aderente, neste caso, a D…, ficou obrigada a submeter à apreciação do Factor, no caso, à aqui Recorrida, as propostas de cessão de créditos, obrigatoriamente acompanhadas das facturas ou documentos equivalentes, tendo, por seu turno, o Factor que proceder à apreciação dessas propostas, tomando uma decisão de aprovação ou de não aprovação, no prazo de 48h após a recepção de todas e cada uma das propostas.
5ª - O DL nº 171/95, de 18/07, que regula o contrato de factoring, prevê, no seu artº 7º, nº 2, que:
“A transmissão de créditos ao abrigo de contratos de factoring deve ser acompanhada pelas correspondentes facturas ou suporte documental equivalente, nomeadamente informático, ou título cambiário” (Sic.)
6ª - A cessão dos créditos incorporados em todas e cada uma das facturas é uma operação que se inicia com o acto de aprovação das mesmas por parte do Factor, no caso a aqui Recorrida, e se conclui com o acto de aposição pelo Aderente, no caso, a D…, em cada uma delas (facturas) de menção expressa de que o seu pagamento deve ser efectuado ao Factor, no caso à Recorrida, que assume, então, e só então, a qualidade de cessionária dos créditos.
7ª - Consta expressamente do contrato de factoring, nº 5 da cláusula 3ª, como resulta provado em 7 dos factos provados, que:
“O ADERENTE obriga-se a apor nas facturas remetidas ao DEVEDORES e nos correspondentes duplicados a seguinte menção: “O pagamento do valor deste documento deve ser efectuado somente à B…, SA na morada da sua sede, cessionária do respectivo crédito e única entidade com capacidade legal para dar quitação do seu valor””
8ª - Corroborando a linha de pensamento do presente Recurso, entende-se na sentença recorrida que determinadas facturas cujo pagamento é reclamado nos autos foram regularmente pagas pela Recorrente à Recorrida por não se encontrar nessas mesmas facturas menção expressa de que se tratavam de créditos cedidos e que o seu pagamento deveria ser remetido à Recorrida (cfr. factos provados n.ºs 21, 22 e 23).
9ª - Celebrado o contrato de factoring, a Recorrida não ficou imediata e automaticamente na posição de credora/cessionária em relação a toda e qualquer factura ou documento equivalente que viesse a ser emitido no futuro pela Aderente.
10ª - Sendo emitida uma factura, a Aderente tinha de a encaminhar à Recorrida para que esta procedesse à sua apreciação e decisão de aceitar ou não a cessão.
11ª - A cessão dos créditos incorporados em todas e cada uma das facturas só se concretizava ou materializava mediante ou através da aprovação do Factor, no caso, da Recorrida.
12ª - Concede, e bem, a douta sentença que a Recorrente entendeu, legitimamente, “que tais facturas (rectius, os créditos titulados pelas mesmas) não foram cedidas à Autora”, admitindo, portanto, que a cessão dos créditos incorporados nas facturas não se deu por mero efeito da celebração do contrato de factoring antes celebrado, mas antes pela aposição (pela Aderente) nas facturas da menção de cessão.
13ª - Provado está igualmente (facto 20.2 dos factos provados) que a data do sinistro invocado como fundamento da compensação ocorreu em 11.11.2011.
14ª - Aquando da emissão dessas facturas objecto de compensação já o sinistro tinha ocorrido, não sendo de mais frisar, por óbvio, que a cessão das facturas a favor da Recorrida só se podia dar após essa emissão e consequente aprovação e aceitação dessa cessão por parte dela (Recorrida).
15ª - A Recorrente limitou-se a opor um meio de defesa proveniente de facto anterior à cessão dos créditos incorporados nas facturas objecto da compensação, e, assim, meio de defesa oponível ao cessionário (cfr. artº 585.º do Código Civil).
16ª - O tribunal a quo, salvo o devido respeito, confundiu erroneamente a notificação do contrato de factoring ao Devedor com a cessão dos créditos, circunstâncias radicalmente distintas e com “timings” diversos.
17ª - A notificação à Recorrente, em 06/09/2011, de um contrato de factoring celebrado entre a D… e a Recorrida, não configura a cessão dos créditos incorporados nas facturas a emitir futuramente pela D…, Lda.
18ª - A cessão dos créditos apenas ocorreu quando a D… já no ano de 2012, apôs nas facturas, todas emitidas nesse mesmo ano de 2012, a menção de cessão a favor da Recorrida e o conhecimento da cessão pela Recorrente apenas se dá quando esta recebe as faturas com a aposição da menção de cessão.
19ª - Tendo o sinistro ocorrido em 2011, foi sempre anterior ao conhecimento da cessão dos créditos incorporados das facturas, ainda que seja, de forma inegável, posterior ao conhecimento da celebração de um contrato de factoring, por se tratarem de realidades distintas.
20ª - Quando foi notificada da celebração do contrato de factoring entre a Recorrida e a D…, Lda, a Recorrente declarou, no mesmo documento, que a cedência de créditos emitidos fica subordinada às seguintes condições:
- A cedência é aceite apenas para facturas previamente aprovadas e validadas pela C…;
-A C… reserva-se o direito de invocar os meios de oposição que tenha em relação aos valores incorporados nas facturas que ocorram até à data do seu vencimento.
21ª - Tendo em conta, por um lado, que o sinistro ocorreu em 11.11.2011 e que o vencimento das facturas dadas à compensação ocorreu entre Abril de 2012 e Agosto de 2012, a Recorrente, também por aqui, podia opor esse sinistro como meio de oposição à cessão dos créditos incorporados essas facturas.
22ª - Não se aceita o entendimento do tribunal no sentido de que “..., quanto à condição subordinante constante do documento de fl. 40 dos autos (cfr. factos provados nºs 12 e 13), não logrou a Ré provar que a Autora aceitou tal condição subordinante sem reservas (cfr. facto não provado nº 1)” (Sic.).
23ª - O tribunal não elencou quaisquer factos não provados. Daí que apenas por lapso se pode fazer referência a “facto não provado nº 1”.
24ª - Resulta assente, por acordo das Partes, que a Recorrida aceitou a condição subordinante, pois que não impugnou essa factualidade invocada pela Recorrente, quando, se assim o entendesse, o podia ter feito fosse na Audiência Prévia fosse na Audiência Final.
25ª - Atentas as regras de repartição do ónus da prova, sempre competia à Recorrida ter feito alegação e prova de quaisquer reservas que eventualmente pudesse ter oposto a essa condição subordinante da Recorrente, o que manifestamente não fez.
26ª - A compensação invocada pela Recorrente deve ser dada como legítima, oponível e eficaz à Recorrida, não podendo aquela ser condenada a pagar a esta as facturas objecto dessa compensação.
TERMOS EM QUE deve ser dado provimento à presente Apelação, anulando-se a douta sentença recorrida na parte aqui impugnada e decidindo-se julgar procedente a excepção de compensação invocada pela Recorrente, absolvendo-a integralmente do pedido, tudo com as legais consequências, nomeadamente, a condenação da Recorrida nas custas.
Não foram apresentadas contra alegações.
O recurso foi admitido nesta Relação pelo ora relator e colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - Do Recurso:
Os recursos são balizados pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal superior apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido e que o tribunal ad quem não aprecia razões ou argumentos, antes questões- artºs 627º, nº1, 635º e 639º, nºs 1 e 2, CPC, na redacção da Lei nº 41/2013, de 26.06.2013, aplicável ao presente processo por força do disposto nos artº 8º do diploma preambular.
A apelante não impugna a decisão da matéria de facto da sentença, nem há fundamento para que esta Relação a altere oficiosamente nos termos do artº 662º, nº1, NCPC ou use qualquer dos poderes conferidos nas alíneas do seu nº 2.
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II.1 - Assim, fixam-se definitivamente os seguintes factos provados com interesse para decisão:
1. A Autora é uma Instituição Financeira de Crédito, que tem por objecto a prática de operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos, nas quais se inclui a concessão de crédito particular e empresas, incluindo a realização de operações de factoring.
2. No âmbito da actividade por si exercida, a Autora celebrou com a sociedade D…, Unipessoal, Lda., em 06/09/2011, o contrato denominado «Contrato de Factoring (com recurso) Nº …………» plasmado no documento junto a fls. 313 a 319 dos autos (cujo teor aqui é dado como reproduzido).
3. O contrato em apreço tem por objecto a aquisição, por cessão, de créditos comerciais a curto prazo, derivados da venda de mercadorias ou da prestação de serviços do Aderente (D…, Lda.) a terceiros, designados por Devedores no contrato, nos termos e condições nele estabelecidos (cláusula 1ª das Condições Gerais).
4. Nos termos da cláusula 2ª das Condições Gerais (Devedores), são considerados Devedores as entidades previamente aceites pelo Factor (Autora) e que se encontrarem notificadas nos termos da cláusula 4ª (nº 1), ficando o Aderente obrigado a submeter ao Factor, antes da celebração do contrato ou durante o período de vigência do mesmo, os pedidos de aprovação dos Devedores sobre os quais pretende ceder os seus créditos (nº 2) e decidindo o Factor sobre a aceitação ou recusa dos pedidos de aprovação apresentados (nº 3).
5. Nos termos da cláusula 3ª das Condições Gerais (Cessão de créditos), o Aderente obriga-se a submeter à apreciação do Factor as propostas de cessão de créditos, obrigatoriamente acompanhadas dos duplicados das facturas ou dos documentos equivalentes, neles indicando as condições de venda e de pagamento (nº 1), podendo as facturas ou documentos equivalentes ser discriminados em listagem informática, donde conste o número, o valor, a data de emissão e de vencimento de cada uma das facturas cedidas e a identificação do respectivo Devedor (n º 2), obrigando-se o Factor a apreciar e decidir sobre as propostas de cessão de créditos e a comunicar a sua decisão ao Aderente no prazo de 48 horas após a recepção da respectiva proposta de cessão (nº 3).
6. O nº 4 da referida cláusula 3ª das Condições Gerais estabelece que, em caso de aprovação da cessão, a sua eficácia fica, no entanto, condicionada à confirmação do recebimento pelo Devedor da notificação referida na cláusula 4ª.
7. O nº 5 da referida cláusula 3ª das Condições Gerais estabelece que o Aderente fica obrigado a apor nas facturas remetidas aos Devedores e nos correspondentes duplicados a seguinte menção: “O pagamento do valor deste documento deve ser efectuado somente à B…, SA na morada da sua sede, cessionária do respectivo crédito e única entidade com capacidade legal para dar quitação do seu valor”.
8. Nos termos da cláusula 4ª das Condições Gerais (Notificação dos Devedores), o Aderente obriga-se a notificar o Devedor da celebração do presente contrato, de acordo com o texto facultado pelo Factor (nº 1) e, para efeitos do disposto no número anterior, o Aderente entregará na sede do Factor a notificação, assinada por quem o obrigue, para que o Factor a remeta para a morada do respectivo Devedor por carta registada com aviso de recepção (nº 2).
9. Nos termos da cláusula 7ª das Condições Gerais (Cobrança dos créditos), o Factor empreenderá junto dos Devedores todas as diligências necessárias à cobrança dos créditos cedidos (nº 1) e quaisquer pagamentos feitos directamente ao Aderente, porque indevidos, deverão ser imediata e integralmente entregues ao Factor, não ficando o Devedor eximido do pagamento a esta última (nº 3).
10. Nos termos da cláusula 10ª das Condições Gerais (Factoring com Recurso), as partes expressamente convencionam que o Factor poderá resolver a cessão de créditos relativos a facturas ou documentos equivalentes que não sejam pagos pelos Devedores no prazo de 90 dias a contar da data do respectivo vencimento, mediante envio de notificação escrita ao Aderente (nº 1).
11. A cessão de créditos operada pelo «contrato de factoring» foi comunicada à Ré pela sociedade cedente (D…, Lda.), nos termos plasmados no documento junto a fl. 38 dos autos (cujo teor aqui é dado como reproduzido), datado de 6 de Setembro de 2011, destacando-se o seguinte conteúdo:
“Informamos V. Exas. de que celebrámos um Contrato de Factoring com a B…, SA, pelo qual cederemos a esta entidade financeira créditos decorrentes de vendas e de prestação de serviços a clientes nossos, entre os quais estão V. Exas.
Deste modo, e de acordo com o disposto no referido Contrato, a B…, SA, passará a ser a única entidade que poderá dar quitação dos valores a cobrar aos nossos clientes incluídos no Contrato de Factoring, encarregando-se da cobrança dos mesmos.
Assim, ficam V. Exas. notificados que a partir desta data devem efectuar à B…, SA, todos os pagamentos respeitantes aos nossos créditos sobre a V. empresa, designadamente decorrentes de facturas, notas de crédito e quaisquer outros títulos, sejam quais forem os meios e modalidades de pagamento utilizados. Em consequência, os cheques deverão ser emitidos a favor da B…, SA, e deverão ser acompanhados de carta mencionando que os mesmos serão para pagamento de facturas de factoring, Identificando os números dos documentos/facturas a liquidar.
Relativamente às transferências bancárias, deverão ser efectuadas para o NIB …. …... ……….. .. da E… e deverá ser enviada carta justificativa do valor transferido mencionando-se, igualmente, os números dos documentos/facturas a liquidar. A correspondência deverá ser emitida para a Av. …, nº …, …, …. – … Lisboa.
As presentes instruções, que se aplicam (seleccionar apenas uma das seguintes opções e eliminar as restantes) a todos os créditos emitidos / aos créditos emitidos a partir da factura nº ……….. de 17/08/2011, inclusive, / aos créditos emitidos a partir de 17/08/2011, inclusive, só poderão ser revogadas por carta subscrita pela B…, SA, e nos exactos termos nela estabelecidos.”.
12. Atestando ter sido notificada da celebração do sobredito «contrato de factoring» e das obrigações para si resultantes do mesmo, a Ré, por documento escrito datado de 15 de Setembro de 2011 (documento junto a fl. 40 dos autos, cujo teor aqui é dado como reproduzido), declarou que “foi notificada de que o seu Fornecedor D…, LDA., celebrou um contrato de “factoring” com a B…, SA, em consequência do qual todos os pagamentos a efectuar àquele seu fornecedor serão feitos para a dita B…, SA e que a referida notificação se aplica aos créditos emitidos a partir da factura nº ……….. de 17/08/2011, inclusive.”.
13. Em tal documento, a Ré declarou também que “a cedência de créditos emitidos fica subordinada às seguintes condições:
a) A cedência é aceite apenas para facturas previamente aprovadas e validadas pela C…;
b) A C… reserva-se o direito de invocar os meios de oposição que tenha em relação aos valores incorporados nas facturas que ocorram até à data do seu vencimento.”.
14. Em tal documento, a Ré declarou ainda “[ficar] notificada de que a B…, SA é a única entidade com capacidade legal para dar quitação de qualquer valor referente a facturação emitida pelo seu supracitado fornecedor pelo que, qualquer outro recibo carece de validade legal, com excepção do número anterior”.
15.No âmbito do mencionado «contrato de factoring», a sociedade D…, Lda. submeteu à Autora as facturas a seguir identificadas que, depois de conferidas, mereceram a aprovação da Autora à respectiva cessão:
a) Factura n.º FT ……….., emitida em 28.02.2012 e vencida em 28.04.2012, no valor €2.028,30;
b) Factura n.º FT ……….., emitida em 28.02.2012 e vencida em 28.04.2012, no valor de €2.217,00;
c) Factura n.º FT ……….., emitida em 29.02.2012 e vencida em 29.04.2012, no valor de €2.101,30;
d) Factura n.º FT ……….., emitida em 05.03.2012 e vencida em 04.05.2012, no valor de €1.020,90;
e) Factura n.º FT …………., emitida em 05.03.2012 e vencida em 04.05.2012, no valor de €2.033,40;
f) Factura n.º FT …………, emitida em 09.03.2012 e vencida em 08.05.2012, no valor de €1.377,60;
g) Factura n.º FT …………, emitida em 09.03.2012 e vencida em 08.05.2012, no valor de €1.931,10;
h) Factura n.º FT …………., emitida em 09.03.2012 e vencida em 08.05.2012, no valor de €1.931,10;
i) Factura n.º FT ………….., emitida em 09.03.2012 e vencida em 08.05.2012, no valor de €1.972,42;
j) Factura n.º FT …………, emitida em 16.04.2012 e vencida em 16.06.2012, no valor de €4.975,35;
k) Factura n.º FT ……….., emitida em 20.04.2012 e vencida em 19.06.2012, no valar de €2.510,22;
l) Factura n.º FT …………, emitida em 20.04.2012 e vencida em 19.06.2012, no valor de €4.121,81;
m) Factura n.º FT …………., emitida em 20.04.2012 e vencida em 19.06.2012, no valor de €14.563,20;
n) Factura n.º FT ……….., emitida em 27.04.2012 e vencida em 26.06.2012, no valor de €4.004,94;
o) Factura n.º FT ………., emitida em 27.04.2012 e vencida em 26.06.2012, no valor de €7.373,86;
p) Factura n.º FT ………., emitida em 27.04.2012 e vencida em 26.06.2012, no valor de €2.387,40;
q) Factura n.º FT ……….., emitida em 03.05.2012 e vencida em 02.07.2012, no valor de €1.800,00;
r) Factura n.º FT ……….., emitida em 03.05.2012 e vencida em 02.07.2012, no valor €1.982,54;
s) Factura n.º FT ………, emitida em 04.05.2012 e vencida em 03.07.2012, no valor €2.487,40;
t) Factura n.º FT …………, emitida em 04.05.2012 e vencida em 03.07.2012, no valor de €2.263,20;
u) Factura n.º FT …………,emitida em 08.05.2012 e vencida em 07.07.2012, no valor de €3.567,00;
v) Factura n.º FT …………, emitida em 08.05.2012 e vencida em 07.07.2012, no valor de €984,00;
w) Factura n.º FT …………, emitida em 18.05.2012 e vencida em 17.07.2012, no valor de €4.344,18;
x) Factura n.º FT …………., emitida em 21.05.2012 e vencida em 20.07.2012, no valor de €2.194,70;
y) Factura n.º FT …………., emitida em 04.06.2012 e vencida em 03.08.2012, no valor de €1.968,00;
z) Factura n.º FT ………….., emitida em 04.06.2012 e vencida em 03.08.2012, no valor de €2.214,00;
aa) Factura n.º FT …………., emitida em 06.06.2012 e vencida em 05.08.2012, no valor de €734,61;
ab) Factura n.º FT …………., emitida em 11.06.2012 e vencida em 10.08.2012, no valor de €2.151,01;
ac) Factura n.º FT ………….., emitida em 21.06.2012 e vencida em 20.08.2012, no valor de €1.869,60;
ad) Factura n.º FT ………….., emitida em 21.06.2012 e vencida em 20.08.2012, no valor de €2.184,13;
ae) Factura n.º FT ………….., emitida em 21.06.2012 e vencida em 20.08.2012, no valor de € 1.840,21.
16. O valor total das facturas atrás identificadas ascende a €85.827,00.
17. A Autora pagou à sociedade D…, Lda. o valor dos créditos que lhe foram cedidos (incluídos nas facturas que lhe foram submetidas, atrás identificadas), nos termos contratuais acordados.
18. A Autora enviou à Ré a carta registada com aviso de recepção que constitui o documento junto a fl. 137 dos autos (cujo teor aqui se reproduz), datada de 25/11/2015 e recebida pela Ré, tendo como “Assunto” a “Interpelação para pagamento de facturas vencidas e não pagas. V/ Fornecedor: D…, Unipessoal, Lda.” e destacando-se o seguinte conteúdo:
“Exmos. Senhores,
A facturação emitida pela firma D…, Unipessoal, Lda. à firma C…, Lda. e cedida à B…, SA, ao abrigo do contrato de factoring oportunamente comunicado a V. Exas., encontra-se vencida e em dívida desde 28-04-2012.
As insistentes solicitações dirigidas pela B…, SA a V. Exas. não têm obtido a receptividade esperada, apresentando a vossa conta corrente um saldo devedor de 85.827,00 Euros.
Face ao exposto, vimos pela presente interpelar V. Exas. para o pagamento da(s) factura(s) listadas em anexo, no prazo máximo de 8 dias, sob pena de imediato recurso às vias judiciais.”.
19.As facturas FT ………., FT ……….. e FT ………… (acima identificadas sob as alíneas a), b) e c) do nº 12 dos factos provados), no valor global de €6.346,60, foram pagas, através de transferência bancária para a conta da E… – D…, e que foi a indicada à Ré pela Autora para o pagamento, transferência efectuada em 04.06.2012, que caiu na conta da Autora nessa mesma data, no valor de €7.541,41, pois englobava outra factura, nº ………., de €1.194,81.
20. Quanto às facturas FT ………., FT ………., FT ………., FT ……….., FT ……….. FT ………., FT ………., FT ……….., FT ……….., FT ……….., FT ……….., FT ……….., FT ………… e FT ……….., no valor global de €30.825,18, a Ré procedeu do seguinte modo:
20.1.A Ré reuniu aquelas facturas com outras facturas em débito à D…, Lda. (FT ……….., FT ……….., FT ……….. FT …………, FT ………… e FT ………..), atingindo-se o valor global de €43.496,16;
20.2.A Ré entendeu dever descontar à D…, Lda., por compensação, a quantia de €30.564,05, referente aos danos emergentes de um sinistro ocorrido em 11/11/2011, em que interveio um camião da D…, Lda. e donde resultaram danos nas mercadorias transportadas, no valor de €32.990,47 (sendo que a Ré já havia descontado a quantia de €2.426,42), sendo certo que a Ré entendeu adiantar ao dono das mercadorias, por conta e responsabilidade da D…, Lda., o valor das mercadorias;
20.3.Ao saldo apurado após a compensação, no montante de €12.932,11, a Ré acrescentou o valor de outra factura (FT ………..), no valor de €1.402,20, atingindo-se o valor de €14.334,31, que a Ré pagou à Autora, através de transferência bancária para a conta da E… – D…, e que foi a indicada à Ré pela Autora para o pagamento, transferência efectuada em 28.09.2012, que caiu na conta da Autora nessa mesma data.
21.Quanto às facturas FT ………. e FT …………, no valor global de €4.182,00, apesar de terem sido submetidas à Autora pela D…, Lda., no âmbito do já referido «contrato de factoring», a D…, Lda. não apôs na versão destas facturas que remeteu à Ré a menção que estava obrigada a apor pelo nº 5 da cláusula 3ª das Condições Gerais do «contrato de factoring», pelo que a Ré, entendendo que se tratava de facturas que não tinham sido cedidas à Autora, efectuou o pagamento das mesmas directamente à D…, Lda., através de cheque emitido à ordem desta sociedade e a ela entregue, em 04/06/2012, no valor de €4.056,54 (tendo a Ré descontado a quantia de €125,46, referente a uma nota de crédito que a D…, Lda. tinha de emitir e referente à Nota de Crédito ……….).
22. Quanto às facturas FT ………. e FT ……….., no valor global de €4.053,73, apesar de terem sido submetidas à Autora pela D…, Lda., no âmbito do já referido «contrato de factoring», a D…, Lda. não apôs na versão destas facturas que remeteu à Ré a menção que estava obrigada a apor pelo nº 5 da cláusula 3ª das Condições Gerais do «contrato de factoring», pelo que a Ré, entendendo que se tratava de facturas que não tinham sido cedidas à Autora, efectuou o pagamento das mesmas directamente à D…, Lda., através de transferência bancária para a conta desta sociedade, em 27/06/2012, que caiu na conta desta nessa mesma data, no valor de €3.041,48 (pois que a Ré descontou o valor de uma penhora que teve de efectuar às Finanças por conta da D…, Lda., no valor de €890,64, uma nota de crédito no valor de €121,61 que a D…, Lda. tinha de emitir, referente às Notas de Crédito ……….. e ……….).
23. Quanto à factura FT ……….., no valor global de €1.840,21, apesar de ter sido submetida à Autora pela D…, Lda., no âmbito do já referido «contrato de factoring», a D…, Lda. não apôs na versão desta factura que remeteu à Ré a menção que estava obrigada a apor pelo nº 5 da cláusula 3ª das Condições Gerais do «contrato de factoring», pelo que a Ré, entendendo que se tratava de factura que não tinha sido cedida à Autora, efectuou o pagamento da mesma directamente à D…, Lda., através de transferência bancária para a conta desta sociedade, em 04/07/2012, que caiu na conta desta nessa mesma data, de €1.673,94 (tendo a Ré efectuado um encontro de contas com valores que entendia serem-lhe devidos pela D…, Lda.).
24. As facturas FT ………., FT ………., FT ……….., FT ………., FT ………., FT …………, FT ……….., FT …………. e FT ………… não correspondem a serviços efectivamente prestados pela D…., Lda. à Ré, tendo tais facturas sido forjadas com o propósito de levar a Autora a adiantar e entregar à D…, Lda. as quantias nelas inscritas, no âmbito do «contrato de factoring» acima identificado.
*
II.2-Questão de direito a decidir: compensação de créditos:
A 1.ª instância qualificou o contrato celebrado entre a autora e a D… Unipessoal, Ldª, em 06/09/2011, por documento escrito particular junto de forma incompleta sob documento 1 com a petição inicial e, depois, junto integralmente na audiência de julgamento de 05.07.2017 (fls 313 a 319), como um contrato de factoring, tendo por base a aquisição dos créditos comerciais derivados da venda de mercadorias ou da prestação de serviços a terceiros, de que aquela sociedade, na qualidade de aderente, fosse titular, sendo considerados devedores as entidades previamente aceites pela Autora e que se encontrassem previamente notificadas pela aderente, nos ternos da cláusula 4ª do contrato celebrado. Trata-se, efectivamente, não sendo questionado pelas partes, de um contrato de cessão financeira (factoring), previsto no Decreto-Lei nº 171/95, de 18 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 186/2002, de 21 de Agosto.
Como se explicitou na sentença recorrida, dentro dos vários tipos que pode assumir na óptica dos serviços prestados pela entidade financeira (factor) em função das necessidades das empresas a que se dirige, o contrato de cessão financeira traduz uma relação obrigacional complexa, onde se destaca uma vertente de concessão de crédito (pelo lado do factor), com a contrapartida da cessão dos créditos que o facturizado/aderente tem sobre terceiros, uma remuneração (juros) e prestação de garantias.
No referido contrato a ora autora (Factor) e a cedente D… (Aderente), acordaram livremente e nesses termos devem cumprir- artºs 405º, nº1 e 406º, nº1, do Código Civil de 1966-, que são consideradas Devedores as entidades previamente aceites pelo Factor (Autora) e que se encontrarem notificadas nos termos da cláusula 4ª (cláusula 2ª, nº 1, das Condições Gerais), ficando a Aderente obrigada a submeter ao Factor (Autora), antes da celebração do contrato ou durante o período de vigência do mesmo, os pedidos de aprovação dos Devedores sobre os quais pretende ceder os seus créditos. Nos termos da cláusula 3ª das Condições Gerais das, a Aderente obrigou-se a submeter à apreciação do Factor (Autora) as propostas de cessão de créditos, obrigatoriamente acompanhadas dos duplicados das facturas ou dos documentos equivalentes, neles indicando as condições de venda e de pagamento (nº 1), podendo as facturas ou documentos equivalentes ser discriminados em listagem informática, donde conste o número, o valor, a data de emissão e de vencimento de cada uma das facturas cedidas e a identificação do respectivo Devedor (n º 2), obrigando-se o Factor (Autora) a apreciar e decidir sobre as propostas de cessão de créditos e a comunicar a sua decisão ao Aderente (Ré) no prazo de 48 horas após a recepção da respectiva proposta de cessão (nº 3).
Nos termos da cláusula 10ª das Condições Gerais, as partes expressamente convencionam que o Factor poderá resolver a cessão de créditos relativos a facturas ou documentos equivalentes que não sejam pagos pelos Devedores no prazo de 90 dias a contar da data do respectivo vencimento, mediante envio de notificação escrita ao Aderente (nº 1).
Assim, a assunção do risco por parte da aderente consubstancia uma cessão de créditos com recurso ou direito de regresso.
A este propósito, escreve Pestana Vasconcelos, “Dos Contratos de Cessão Financeira (Factoring)”, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, pg. 333 e ss.: «As cessões de crédito aceites com o recurso ou com o direito de regresso, tal como são definidas pelos factores, abarcam duas figuras diferentes, conforme tenha ou não sido concedido um adiantamento ao facturizado, tendo, em comum, a circunstância de a contraparte do ente Financeiro assumir o risco do inadimplemento do devedor cedido. Deste modo, se o devedor não cumprir na data de vencimento do crédito ou dentro de um prazo extra posteriormente concedido pelo factor, este retransmitirá o crédito ao factorizado e, se lhe tiver atribuído antecipações sobre o valor nominal desse crédito, debitá-las-á, de imediato, na conta corrente do outro contraente. Nada disto obsta a que o factor cobre a comissão de cessão financeira e, tendo concedido adiantamentos, os juros.
(…)
Na verdade, o que o facturizado garante não é a capacidade financeira do devedor cedido, mas antes o cumprimento da prestação debitória deste último, na data estipulada para o vencimento. Trata-se, desta forma, de uma garantia do «bom fim» ou «salvo cobrança», mais exigente do que a mera garantia da solvência. É que ao ente financeiro, para exercer o seu direito face ao factorizado, basta-lhe que o devedor entre em mora, não precisando de recorrer às vias judiciais para provar a falta de meios do devedor para cumprir.
(…)
Note-se, porém, que, se por um lado, o risco que o factorizado corre é mínimo, uma vez que o factor está obrigado a entregar-lhe o montante cobrado (deduzindo a comissão de cessão financeira) ou então retransmitir o crédito, sob pena de incorrer em responsabitidade contratual face à sua contraparte, por outro, em caso de necessidade momentânea, o cedente poderá solicitar uma antecipação ao factor, o que transforma a cessão em cobrança numa cessão com recurso e adiantamento»[1].
Como refere o sumário do Acórdão do STJ (AZEVEDO RAMOS), de 27-05-2004, in www.dgsi.pt:
I - A actividade para bancária de "factoring" consiste na aquisição de créditos a curto prazo, derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços nos mercados interno e externo.
II - Em termos de natureza jurídica, o contrato de "factoring" deve ser qualificado como uma cessão de créditos, eventualmente futuros.
III - A cessão produz efeitos em relação ao devedor, desde que lhe seja notificada, ou desde que ele a aceite.
IV- O devedor pode opor ao cessionário todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão.
V- Os efeitos entre as partes (cedente e cessionário) estão dependentes do tipo de negócio que lhe serve de base.
VI - Em relação ao devedor, que não tem de ser parte no contrato de factoring, a eficácia da cessão depende da respectiva notificação ou aceitação”[2].
Isto posto, fique desde logo claro que o referido contrato de factoring vincula apenas as partes que o celebraram e quanto à ora ré, apenas na medida em que, mantendo relações comerciais com a ali aderente D…, foi notificada do mesmo nos termos e para os efeitos da cláusula 4ª do referido contrato e aceitou aquela cedência de créditos da aderente sobre si (Ré), a partir de 17.08.2011 e mediante as “reservas” que comunicou à sua credora original D…, pelo escrito particular junto pela autora como documento nº 4, com a petição inicial. É o que impõe o disposto no artº 406º, nº 2, CC.
Com efeito somente de acordo com a matéria provada nos pontos 12, 13 e 14, a ré se obrigou perante a autora e a cedente (aderente/factorizada).
Ora, na sentença recorrida apenas foi julgada parcialmente procedente a acção e a ré condenada no pagamento à autora da quantia de €40.436,07, sendo €30.564,05 de capital e €9.872,02 de juros de mora vencidos até à propositura da acção, calculados à taxa legal dos juros comerciais, acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal dos juros comerciais sucessivamente aplicável e contados do seguinte modo: (i) sobre a quantia de €30.090,57, contados desde 08/12/2016 até integral pagamento; (ii) sobre a quantia de €473,48, contados desde 06/08/2012 até integral pagamento.
Isto porque relativamente a várias das facturas em causa a ré logrou provar o alegado pagamento, enquanto excepção peremptória ou a inexistência das respectivas obrigações de pagamento por as facturas em causa terem sido “inventadas” pela D… sem corresponderem a vendas e inerentes transportes de mercadorias por esta à ré.
Aquela parte do capital pedido foi julgada procedente com esta fundamentação da sentença:
A segunda excepção diz respeito à extinção pelo pagamento e à extinção por compensação do crédito titulado por algumas das facturas em causa nos autos
Trata-se das facturas FT ………., FT ……….., FT ……….., FT ………..., FT …………, FT …………, FT ……….., FT …………, FT …………, FT …………, FT …………, FT …………, FT ………… e FT ……….., no valor global de €30.825,18 (identificadas sob as alíneas d) a k), n), q), r), u), v) e aa) do facto provado nº 15).
Quanto a estas facturas, resultou provado que a Ré juntou as mesmas a outras facturas em débito à D…, Lda. (FT ……….., FT ……….., FT ……….., FT …………, FT …………. e FT ………..), atingindo o montante global de €43.496,16, relativamente ao qual a Ré resolveu fazer uma compensação de créditos, pelo valor de €30.564,05, relacionada com um sinistro ocorrido em 11/11/2011, do qual resultaram danos nas mercadorias transportadas, que a Ré teve adiantar ao respectivo dono (por conta e responsabilidade da D…, Lda.), apurando-se o saldo de €12.932,11.
A este valor de €12.932,11, a Ré somou o valor de uma outra factura (FT ………..), no montante de €1.402,20, atingindo-se o valor de €14.334,31, que a Ré pagou à Autora, através de transferência bancária para a conta da Autora, efectuada em 28/09/2012.
A questão que se coloca é a saber se a Ré podia ao não opor tal compensação à Autora.
A Ré alega que podia fazer tal compensação à D…, Lda. e que podia opor tal compensação à Autora, em face da “condição subordinante que fez constar da sua declaração ínsita no documento 4 junto à PI, que a Autora aceitou sem reservas, pois que as facturas em causa se venceram todas após a data do sinistro”.
Ora, quanto à condição subordinante constante do documento de fl. 40 dos autos (cfr. factos provados nºs 12 e 13), não logrou a Ré provar que a Autora aceitou tal condição subordinante sem reservas (cfr. facto não provado nº 1).
Resta a análise da norma do art. 585º do CC (“o devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão”), em ligação com a norma do nº 1 do art. 583º do CC (“a cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que este a aceite”).
Estas normas pretendem tutelar a particular posição do devedor cedido que não conhece a alteração subjectiva no lado activo da relação obrigacional, entendendo-se que o devedor de boa fé não deve ser prejudicado pela cessão que não conhece.
Verifica-se, assim, uma ineficácia relativa da cessão perante o devedor cedido, enquanto este não tem conhecimento da mesma, podendo o devedor usar meios de defesa decorrentes de factos produzidos antes do seu conhecimento da cessão.
No caso dos autos, a Ré invoca como fundamento da compensação de créditos os danos decorrentes de um sinistro ocorrido em 11/11/2011, alegando ainda que as facturas que sofreram a mencionada compensação tiveram vencimento após a data do sinistro.
Ora, mesmo admitindo que o sinistro ocorreu em 11/11/2011 e que o crédito cedido só se “constituiu” (e só teve vencimento) em data posterior a tal sinistro, não pode a Ré pretender opor a compensação à Autora, uma vez que a notificação do contrato de factoring à Ré (e da correspondente cessão de créditos) teve lugar em data anterior à ocorrência do sinistro.
A cessão de créditos pode ter por objecto direitos já existentes na esfera do cedente no momento da conclusão do contrato (créditos já vencidos ou créditos em que o vencimento se opera só depois de decorrido o prazo fixado), assim como pode incidir sobre créditos ainda não existentes, de todo ou tão só na esfera jurídica do alienante, mas que este conta vir a adquirir. Os primeiros são créditos presentes e os últimos são os créditos futuros.
A doutrina não levanta dificuldades à transmissão de créditos futuros, uma vez verificados os requisitos ligados ao objecto negocial, em particular a determinabilidade.
Por outro lado, transmitindo-se um crédito que ainda não tem existência, não haverá dificuldade a que a notificação do futuro devedor cedido seja realizada antecipadamente ao surto desse direito.
Por fim, na cessão de créditos futuros, o direito (futuro) nasce directamente na esfera do cessionário, pelo que o devedor cedido, previamente informado da cessão dos créditos futuros, não tem meios de defesa a opor ao cessionário anteriores ao conhecimento da cessão (cfr. Luís Pestana de Vasconcelos, “A Cessão de Créditos em Garantia e a Insolvência”, pags. 456 e ss.).
Quer dizer, tendo a notificação do contrato de factoring à Ré (e a correspondente cessão de créditos) ocorrido em data anterior à data em que ocorreu o sinistro invocado pela Ré como fundamento para a compensação, não pode este meio de defesa operar perante a Autora.
Como é referido no Ac. STJ, de 04/05/2010 (relator: Hélder Roque; in www.dgsi.pt), não podendo o devedor cedido invocar meios de defesa que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão, a compensação não procederá se, apenas, se tornar invocável após o conhecimento da cessão. Os meios de defesa posteriores ao conhecimento da cessão não operam, porquanto, nessa altura, o cedente já não é credor, pois que tal posição é ocupada pelo factor.
Acresce, como também é referido no citado Acórdão, que a declaração de compensação tem de obedecer às regras contidas nos arts. 847º e 848º do CC.
Ora, no caso dos autos, a Ré não demonstrou (desde logo porque nem sequer alegou a correspondente factualidade) ter dirigido à sociedade D…, Lda. qualquer declaração de compensação de créditos.
Assim, quanto às facturas em análise (facturas FT ……….., FT ……….., FT …………, FT …………., FT ………. FT …………, FT ………….., FT ……………, FT …………., FT …………., FT …………, FT …………., FT ………… e FT …………., no valor global de €30.825,18), a Ré mostra-se devedora da quantia de €30.564,05, correspondente à quantia que a Ré teve em consideração para efectuar a compensação de créditos acima analisada e que se concluiu não poder operar perante a Autora”.
É quanto a esta decisão e respectiva fundamentação jurídica que a ré recorre para esta Relação.
O thema decidendum neste recurso centra-se, então, na questão de saber se devem ou não dar-se por preenchidos os requisitos da compensação de créditos invocada pela Ré, ora recorrente.
Diz a sentença recorrida que “quanto à condição subordinante constante do documento de fl. 40 dos autos (cfr. factos provados nºs 12 e 13), não logrou a Ré provar que a Autora aceitou tal condição subordinante sem reservas (cfr. facto não provado nº 1)”. É evidente o erro de julgamento e não erro vício da sentença nesta parte. Com efeito, essa matéria não resultou do elenco dos factos provados. Provado ficou que a ré apôs essa condição subordinante na declaração de aceitação da obrigação de pagamento dos créditos da D… directamente à autora (factor).
Aquela excepção foi deduzida na contestação, impunha-se à Recorrida que a ela respondesse, fosse na Audiência Prévia, realizada em 26.04.2017, fosse na Audiência Final de Julgamento, o que não fez.
Ou seja, embora tendo tido duas possibilidades para se pronunciar sobre a excepção de compensação – Audiência Prévia e Julgamento – a Recorrida não apresentou resposta ou defesa, pelo que tem a Recorrida que arcar com as consequências legais, de direito substantivo e processual, decorrentes dessa sua não pronúncia. É pois válida e operante essa condição.
A R. não satisfez oportunamente a obrigação de pagar o preço das referidas facturas de mercadoria e transportes que lhe foram fornecidos pela D… e para que foi notificada pela autora por carta registada com aviso de recepção de 25.11.2015 (ponto 18. dos factos provados).
Ficou provado que “20. Quanto às facturas FT …………, FT …………, FT …………., FT …………, FT ………… FT …………., FT ………….., FT …………, FT ……….., FT …………, FT …………., FT …………., FT …………. e FT …………., no valor global de €30.825,18, a Ré procedeu do seguinte modo:
20. 1.A Ré reuniu aquelas facturas com outras facturas em débito à D…, Lda. (FT ……….., FT …………, FT ………… FT ……….., FT ………… e FT ………….), atingindo-se o valor global de €43.496,16;
20.2.A Ré entendeu dever descontar à D…, Lda., por compensação, a quantia de €30.564,05, referente aos danos emergentes de um sinistro ocorrido em 11/11/2011, em que interveio um camião da D…, Lda. e donde resultaram danos nas mercadorias transportadas, no valor de €32.990,47 (sendo que a Ré já havia descontado a quantia de €2.426,42), sendo certo que a Ré entendeu adiantar ao dono das mercadorias, por conta e responsabilidade da D…, Lda., o valor das mercadorias;
20.3.Ao saldo apurado após a compensação, no montante de €12.932,11, a Ré acrescentou o valor de outra factura (FT ……….), no valor de €1.402,20, atingindo-se o valor de € 14.334,31, que a Ré pagou à Autora, através de transferência bancária para a conta da E.. – B… – D…, e que foi a indicada à Ré pela Autora para o pagamento, transferência efectuada em 28.09.2012, que caiu na conta da Autora nessa mesma data”.
Temos aqui uma compensação e pagamento que foram invocados pela ré, enquanto excepções peremptórias- artº 576º, nºs 1 e 3, NCPC- que importam a sua absolvição total do pedido.
Já vimos que a ré, perante a autora, podia exercer essa defesa, invocando como excepções peremptórias a compensação de créditos com a D… e o pagamento das facturas apresentadas pela autora (factor).
Verificam-se os requisitos da compensação?
Conforme estatui o art. 847º do C. Civil, no seu nº 1, "quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor".
A compensação é o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea de crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor[3]. No ensinamento de Antunes Varela "logo que verificados determinados requisitos, a lei prescinde do acordo de ambos os interessados para admitir a extinção das dívidas, compensáveis, por simples imposição de um deles ao outro. Diz-se, quando assim é que as dívidas (ou os créditos) se extinguem por compensação legal (unilateral)"[4].
Os requisitos legais estão estabelecidos nos arts. 847º a 856º do Código Civil:
- a existência de dois créditos recíprocos;
- a exigibilidade do crédito do autor da compensação;
- a fungibilidade e homogeneidade das prestações;
- a não exclusão da compensação por lei;
- a declaração da vontade de compensar.
Esta declaração tem carácter receptício (art. 224º do C. Civil), configuradora de um direito potestativo a exercitar, quer por via judicial quer por via extrajudicial.
Nos termos do nº 3 do artº 847º, do Código Civil, a iliquidez da dívida não impede a compensação.
Finalmente, de acordo com o disposto no artº 847º, nº 2, Código Civil, se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
É assente doutrinal e jurisprudencialmente que, sendo a compensação causa extintiva da obrigação, pode ser invocada como excepção peremptória, caso o contra crédito do réu seja inferior ao crédito peticionado pelo autor, devendo em sede de sentença decidir-se o que for compensável.
Ora, na situação dos autos verificam-se todos os requisitos legais da invocada compensação do contra crédito da ré sobre a D…, nomeadamente os previstos nas alíneas a) e b) do nº1 do artº 847º CC, tendo-se tornado efectiva a compensação com a notificação da contestação à autora, nos termos do artº 848º, nº 1, Código Civil.
Não se pode aceitar a subsunção jurídica da sentença recorrida relativamente à inoponibilidade da compensação de créditos à Recorrida.
Com efeito, a ocorrência do sinistro (em 11.11.2011) que fundamenta o contra crédito da ré sobre a cessionária do crédito à autora referente às facturas em causa (todas emitidas no ano de 2012), é anterior à cessão dos créditos incorporados nas facturas sobre as quais a Recorrente invoca a referida excepção e, consequentemente, anterior ao conhecimento por parte desta da cessão.
É nos termos e cláusulas do contrato de factoring em causa e do DL n.º 171/95, de 18/07, que o regula, que se compreende que o contrato de factoring não torna o Factor imediata e automaticamente o cessionário dos futuros créditos da Aderente, operando-se a cessão de créditos, apenas e tão só, em relação às facturas que vão sendo emitidas após a celebração do contrato de factoring.
Neste sentido, conforme decorre do facto provado n.º 5, com reporte para a cláusula 3ª das condições gerais do contrato de factoring em apreço, a Aderente, neste caso, a D…, ficou obrigada a submeter à apreciação do Factor, no caso, à aqui Recorrida, as propostas de cessão de créditos, obrigatoriamente acompanhadas das facturas ou documentos equivalentes, tendo, por seu turno, o Factor que proceder à apreciação dessas propostas, tomando uma decisão de aprovação ou de não aprovação, no prazo de 48h após a recepção de todas e cada uma das propostas.
Também o citado DL nº 171/95, de 18/07, que regula o contrato de factoring, prevê, no seu artº 7º, nº 2, que: “A transmissão de créditos ao abrigo de contratos de factoring deve ser acompanhada pelas correspondentes facturas ou suporte documental equivalente, nomeadamente informático, ou título cambiário”.
Logo, é possível extrair quer da factualidade assente como provada em 5 dos factos provados, quer da norma legal citada, que a cessão dos créditos incorporados em todas e cada uma das facturas é uma operação que se inicia com o acto de aprovação das mesmas por parte do Factor e se conclui com o acto de aposição pelo Aderente, no caso, a D…, em cada uma delas (facturas) de menção expressa de que o seu pagamento deve ser efectuado ao Factor, no caso à Recorrida, que assume, então, e só então, a qualidade de cessionária dos créditos.
Mecanismo de operacionalizar a cessão de créditos que consta expressamente do contrato de factoring, nº 5 da cláusula 3ª, como resulta provado em 7 dos factos provados:
O ADERENTE obriga-se a apor nas facturas remetidas ao DEVEDORES e nos correspondentes duplicados a seguinte menção: “O pagamento do valor deste documento deve ser efectuado somente à B…, SA na morada da sua sede, cessionária do respectivo crédito e única entidade com capacidade legal para dar quitação do seu valor”.
Aliás, corroborando esta interpretação jurídica, considerou a sentença recorrida que determinadas facturas cujo pagamento é reclamado nos autos foram regularmente pagas pela Recorrente à Recorrida por não se encontrar nessas mesmas facturas menção expressa de que se tratavam de créditos cedidos e que o seu pagamento deveria ser remetido à Recorrida (cfr. factos provados n.ºs 21, 22 e 23).
Conclui, ainda, a sentença recorrida relativamente a algumas outras facturas “que tais facturas (rectius, os créditos titulados pelas mesmas) não foram cedidas à Autora”, admitindo, portanto, que a cessão dos créditos incorporados nas facturas não se deu por mero efeito da celebração do contrato de factoring antes celebrado, mas antes pela aposição (pela Aderente) nas facturas da menção de cessão.
E, como resulta das facturas juntas aos autos, essa menção de cessão era aposta através de um carimbo.
Nestes termos, a cessão dos créditos incorporados em todas e cada uma das facturas só se concretizava ou materializava mediante ou através da aprovação do Factor, no caso, da Recorrida.
Como diz a sentença recorrida e se aplica à situação dos autos:
Com o factoring, dá-se tão só uma modificação subjectiva da relação creditícia pelo seu lado activo, isto é, pelo lado do credor, modificação que só se completa com a notificação da cessão ao devedor ou com a sua aceitação por este (art. 583º, nº 1, do CC).
Feita a transferência dos créditos (e notificada a cessão ou havendo aceitação), o factor passa a ser o credor (assumindo o risco de incumprimento por parte do devedor cedido) e pode exigir o respectivo pagamento ao devedor que era do aderente (factoring pro soluto).
Porém, é admissível que se acorde um factoring pro solvendo (factoring com recurso), em que o factor não corre tal risco, pois o cedente garante a solvência dos devedores cujos créditos foram cedidos.
Da parte do devedor, vê alterada a identidade do credor, mas tal não quer dizer que haja diminuição da sua posição contratual.
Apesar da cessão, vale a regra segundo a qual o devedor conserva todos os meios de defesa e excepções que podia opor ao credor cedente (art. 585º do CC – “o devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão”).
Assim, o devedor pode opor ao factor as excepções que produzam a extinção do crédito, tais como o pagamento ao aderente, a compensação, a novação, a remissão, a confusão, o direito de resolução, de redução ou impugnação do negócio, mas só desde que o facto constitutivo da excepção se tenha verificado antes do conhecimento da cessão.
Contudo, tem sido admitida como válida e plenamente eficaz a declaração emitida pelo devedor perante o factor (cessionário), na qual, aquele, além de confessar a dívida, se compromete genericamente a não invocar quaisquer direitos (perante o factor) que dispusesse contra o anterior credor.
Trata-se de declaração normalmente acoplada à declaração de aceitação da cessão (ou anexa à notificação da cessão), podendo ter uma dupla natureza: confessória ou recognitiva da dívida e abdicativa de meios de defesa.
No caso dos autos, não oferece dúvidas a qualificação do contrato celebrado entre a Autora e a sociedade D…, Lda.: trata-se de um contrato de factoring (com recurso)”.
Mas, depois, na sentença recorrida, o senhor juiz a quo confundiu erroneamente a notificação do contrato de factoring ao Devedor com a cessão dos créditos, que ocorreram em tempos diversos. A Recorrente foi notificada, em 06/09/2011, de um contrato de factoring celebrado entre a D… e a Recorrida. Porém, tal não configura, como acima se desenvolveu, a cessão dos créditos incorporados nas facturas a emitir futuramente pela D…, Lda. Essa cessão apenas ocorreu quando a D… já no ano de 2012, apôs nas facturas, todas emitidas nesse mesmo ano de 2012, a menção de cessão a favor da Recorrida e o conhecimento da cessão pela Recorrente apenas se dá quando esta recebe as faturas com a aposição da menção de cessão.
Como tal, tendo o sinistro ocorrido em 2011, foi sempre anterior ao conhecimento da cessão dos créditos incorporados das facturas, ainda que seja, de forma inegável, posterior ao conhecimento da celebração do contrato de factoring, por se tratarem de realidades distintas.
Tanto basta para a procedência da excepção de compensação e de pagamento parcial invocada pela ora ré recorrente e a sua absolvição total do pedido e não parcial, como determinou a sentença recorrida e foi fundamento deste recurso.
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III - DECISÃO:
Nestes termos, ACORDAM os juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação da ré e, em consequência, revogam a sentença recorrida, absolvendo a ré totalmente do pedido.
Custas da acção e do recurso apenas pela autora.
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Porto, 11-10-2018
Madeira Pinto
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
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[1] No mesmo sentido, ver Acórdão STJ (ANA PAULA BOULAROT), de 13-09-2012, in www.dgsi.pt.
[2] No mesmo sentido o Acórdão do STJ (HÉLDER ROQUE), citado na sentença e disponível in www.dgsi.pt, cujo sumário, em parte, se transcreve: “III - O devedor cedido pode impugnar, perante o adquirente do crédito, a sua existência e todas as excepções a que teria podido recorrer face ao cedente.
IV - Não podendo o devedor cedido invocar meios de defesa que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão, a compensação não procederá se, apenas, se tornar invocável após o conhecimento da cessão, o que significa que o contra-crédito do devedor cedido não se pode vencer depois da data em que o crédito transmitido ao cessionário seja exigível, porquanto, nessa altura, o cedente já não é credor, pois que tal posição é ocupada pelo factor.
V - Dependendo a extinção recíproca dos créditos da declaração compensatória, vindo esta a ser efectuada num momento em que o credor do réu, mercê da cessão financeira, era a autora, e não a cedente, já lhe não é oponível este meio de defesa”.
[3] - Antunes Varela, in "Das obrigações em Geral", vol II, 7ª ed, pág 197.
[4] Obra citada.