Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
692/15.6T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: ACÇÃO DE CONDENAÇÃO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
SUBSTITUIÇÃO
OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
Nº do Documento: RP20161011692/15.6T8PNF.P1
Data do Acordão: 10/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 733, FLS. 64-74)
Área Temática: .
Sumário: I - A substituição “ex tunc” decorrente da procedência da acção de preferência, respeita tão só à titularidade do direito, fundada na lei, e não constitui o substituto (preferente) em qualquer obrigação perante o substituído, mormente a de repor o “status quo ante” que ele tinha se não tivesse celebrado o negócio que veio a ser objecto da acção de preferência triunfante.
II – Entre o preferente e o terceiro/adquirente não existe qualquer relação jurídica concreta que vincule o primeiro a algum tipo de prestação a favor do segundo e, para além de não existir qualquer contrato entre o preferente e o adquirente, o exercício da preferência não representa um facto gerador de qualquer responsabilidade do primeiro relativamente ao segundo.
III- É sobre a vendedora que recai a obrigação de reembolsar a adquirente, desde que verificados os demais pressupostos da respectiva responsabilidade, que julgamos ser uma responsabilidade pré-contratual, cfr. art.º 227.º do C.Civil, por violação do princípio da boa-fé negocial, pelas despesas realizadas e não recuperáveis – como sejam as despesas com a realização da escritura e respectivo registo da aquisição, etc.
IV - A eficácia retroactiva da preferência não torna inexistente, não neutraliza ou apaga a posse efectiva do adquirente do bem durante o tempo em que o negócio esteve pendente da condição resolutiva, pelo que sendo durante esse período a adquirente a legítima possuidora do imóvel, em termos de sua proprietária, exercendo os poderes inerentes ao seu direito de propriedade sobre o prédio, tendo assim isso o uso e fruição do mesmo, logo, por força do disposto no art.º 8.º do CIMI, ela é a legitima sujeita passiva do pagamento do respectivo IMI.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 692/15.6T8PNF.P1
Comarca do Porto Este – Penafiel - Instância Central – Secção Cível – J3
Recorrente – B…, Unipessoal, Ld.ª
Recorridos – C… e D…
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Maria do Carmo Domingues
Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – B…, Unipessoal, Ld.ª, com sede em Cascais, intentou a presente acção declarativa comum contra C… e D…, pedindo que:
a) os réus sejam condenados a restituir à autora a quantia de €163.555,88, correspondente às despesas por ela suportadas com o imóvel sobre que incidiu o direito de preferência invocado e reconhecido aos réus, tendo em vista colocar a autora na posição em que esta se encontrava no momento em que foi celebrada a escritura de compra e venda do mesmo imóvel;
Sem prescindir, e caso assim não se entenda,
b) os réus sejam condenados a restituir à autora a quantia de €163.555,88, tendo em vista restituir à autora as quantias com que os réus injustificadamente e ilegitimamente se locupletaram e de que os réus beneficiaram, na medida em que também eles a teriam suportado se a venda lhe tivesse sido feita directamente;
Em qualquer dos casos,
c) os réus sejam condenados a restituir à autora os juros vincendos desde a data da citação, calculados à taxa supletiva legal prevista para as operações civis, bem como juros à taxa de 5% ao ano, a título de sanção pecuniária compulsória, desde a data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida, devendo em ambos os casos os juros ser calculados sobre o capital em dívida e até efectivo pagamento;
d) o reconhecimento que o direito de crédito que venha a ser reconhecido à autora sobre os réus se encontra garantido pelo direito de retenção sobre o imóvel melhor descrito na petição inicial.
Alega, para tanto, e em síntese, que numa acção de preferência, por sentença que homologou uma confissão, foi julgada procedente a pretensão dos aqui réus, naquela acção autores, no sentido de se verem substituídos à aqui autora, ali ré, na compra e venda que esta havia formalizado através de escritura pública e que tinha por objecto o imóvel melhor descrito na petição inicial; a referida sentença transitou em julgado, sendo os réus, em consequência da sentença daquela acção e à presente data, os proprietários daquele imóvel e tendo a autora já recebido, no âmbito daquela mesma acção, o valor aí depositado pelos aqui réus, de €2.500.000,00; esse valor recebido corresponde exactamente ao preço, em singelo e, sem mais, pago pela aqui autora tendo em vista a aquisição do mencionado imóvel; todavia, a ré, além dessa despesa, teve que suportar, tendo em vista a aquisição do imóvel, despesas referentes à realização da escritura e requisição dos registos a seu favor, no valor global de €947,31; suportou o cumprimento das obrigações fiscais, no valor global de €155.991,20 e, liquidou o pagamento do IMI referente aos anos de 2010 a 2103, tudo no valor global de €6.617,37.
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Os réus, pessoal e regularmente, citados vieram contestar pedindo a sua absolvição dos pedidos e deduziram, ainda, pedido reconvencional.
Para tanto, impugnaram, no essencial, alguns dos factos alegados pela autora e, sustentaram ainda que não existe fundamento legal para serem os réus a ressarcirem a autora das despesas que ela alega ter feito.
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A autora apresentou a réplica.
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Posteriormente, a autora reduziu o seu pedido, no montante de €1.453,40 respeitante ao IMI de 2011; no montante de €1.808,66 no que se refere ao IMI de 2012 e; no montante de €1.901,91 no que respeita ao IMI de 2013.
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Foi proferido despacho saneador, fixou-se a matéria de facto assente e selecionaram-se os temas da prova.
O pedido reconvencional não foi admitido e, em consequência, a autora/ reconvinda foi absolvida da instância reconvencional.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com gravação em sistema audio dos depoimentos aí prestados, após o que foi proferida a seguinte decisão: Pelo exposto, julgando-se a acção totalmente improcedente, decide-se absolver os réus C… e D… dos pedidos deduzidos pela autora B…, Unipessoal, Ld.ª”.
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Inconformada com tal decisão dela veio a autora recorrer de apelação, pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue procedente os pedidos por si formulados e condene os recorridos no pagamento da quantia global de €158.391,91, acrescido dos juros também peticionados, mais se reconhecendo que esse direito de crédito se encontra garantido por direito de retenção sobre o imóvel objecto da preferência.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. A autora, ora recorrente, intentou contra os réus C… e mulher D…, ora recorridos, acção declarativa de processo comum peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de €163.555,88 (cento e sessenta e três mil quinhentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos), valor este correspondente às despesas suportadas pela autora com a aquisição de imóvel, sobre o qual veio – posteriormente - a incidir direito de preferência invocado e reconhecido aos réus.
2. Mais peticionou fossem os réus condenados ao pagamento dos juros vencidos e vincendos sobre a quantia peticionada, bem como o reconhecimento de um direito de retenção sobre o imóvel objecto de preferência até que tal crédito se encontre pago e/ou garantido.
3. Não obstante a factualidade provada (que aqui não se discute) considerou o julgador que tais factos não tinham a virtualidade de fazer proceder o pedido da autora, que, por isso, agora assume a posição de recorrente.
4. Fundamentou o Tribunal a quo a sua decisão na circunstância de considerar que “a única obrigação dos preferentes para o exercício daquele direito, relacionada com a própria natureza desse direito, é o depósito do preço da aquisição, no sentido de que a defendemos”, a saber, o seu sentido mais restrito.
5. E que “todas as despesas que estão para além daquela preço, designadamente aquelas que a autora comprovadamente suportou, apenas poderão ser exigidas, verificando-se os demais pressupostos da responsabilidade, quer seja pré-contratual, contratual ou extracontratual, junto do vendedor, pessoa que violou ilicitamente o direito de preferência dos réus”.
6. S.m.o. e com o respeito que nos é devido por opinião contrária, não podemos concordar nem conformar-nos com a interpretação de direito feita pelo Tribunal a quo e que constitui objecto do presente recurso.
7. Desde logo porque, a noção de preço para efeitos do válido exercício do direito de preferência – seja ela a mais ampla ou a mais restrita – não tem a virtualidade de restringir o direito da recorrente em se ver ressarcida de outras despesas que comprovadamente efectuou por efeito da aquisição do imóvel objecto da preferência.
8. Depois porque, tudo quanto fica dito na sentença recorrida vale, efectivamente, para quaisquer despesas, danos e/ou prejuízos ocorridos na esfera patrimonial da autora, ora recorrente, que tivessem decorrido do facto ilícito em sentido estrito e que nunca pudessem ser imputadas aos preferentes na medida em que estes nunca as teriam de suportar caso adquirissem primitivamente o imóvel.
9. Tal não sucede, porém, com as despesas reclamadas nos autos, as quais não têm o seu fundamento directo no (in)cumprimento da comunicação de intenção de venda por parte da sociedade vendedora aos preferentes, mas na realização do acto de aquisição em si mesmo considerado e cujo pagamento sempre os preferentes teriam de suportar, ainda que tivessem validamente exercido o seu direito de preferência em virtude de comunicação de intenção de venda por parte da sociedade vendedora.
Com efeito,
10. Caso a sociedade vendedora tivesse efectuado a comunicação de intenção de venda aos recorridos e estes tivessem exercido primitivamente o seu direito de preferência, sempre os recorridos teriam incorrido nas despesas referentes à realização da escritura de compra e venda, do registo de aquisição a seu favor, do pagamento do Imposto de Selo, Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóvel e Imposto Municipal sobre Imóveis.
11. Nos termos do art.º 878.º do C.Civil as despesas do contrato de compra e venda de imóvel, bem como outras despesas acessórias, como sejam as despesas de registo, são da responsabilidade da compradora, pelo que sempre os recorridos teriam de suportar tais despesas caso tivessem adquirido o imóvel no exercício válido e primitivo do seu direito de preferência.
12. De igual forma, ainda que os recorridos tivessem validamente exercido o seu direito de preferência sobre o imóvel em virtude de comunicação de intenção de venda que lhes fosse dirigida por parte da sociedade vendedora, estariam estes obrigados a suportar as despesas com as obrigações legais decorrentes do Código do Imposto de Selo, suportando o imposto legalmente devido - v.g. art.º 1.º, n.º 1, do Código do imposto de Selo.
13. Também nos termos do número 1 dos artigos 1º e 2º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, seriam os recorridos responsáveis pelo pagamento desse imposto, pelo mesmo valor em que o foi a recorrente.
14. Tanto mais que não podia o Tribunal a quo atestar sem mais o isenção dos recorridos no que respeita ao pagamento deste imposto, uma vez que tal isenção sempre dependeria de certidão junta aos autos em que a Autoridade Tributária declarasse tal isenção ou, pelo menos, da alegação de factos que permitissem ao Tribunal a quo concluir por tal isenção ao abrigo do normativo legal em vigor à data da celebração da escritura de compra e venda do imóvel, a saber o art.º31.º, n.º 7, do DL n.º 394/2009, de 13 de Outubro.
15. Assim não pode, com a certeza e segurança juridicamente necessárias, atestar-se a isenção dos recorridos no pagamento do imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis, nem tão pouco a possibilidade de a recorrente se ver ressarcida do imposto por si pago a esse título, nos termos do artigo 24.º do Código do I.M.T.
16. Seguindo a mesma linha de raciocínio, os recorridos seriam igualmente chamados a liquidar o imposto municipal sobre imóveis referentes ao ano de 2010, porquanto teriam adquirido a propriedade plena desse imóvel em data anterior a 31.12 desse ano – v.g. art. 8.º, n.º 1, do Código de I.M.I.
17. Como resulta da sentença recorrida, “a procedência da acção de preferência intentada pelos réus contra a autora e a vendedora teve como resultado a substituição, com eficácia ex tunc, da adquirente, aqui autora, e essa substituição fez nascer a obrigação de repor o status quo ante que a adquirente, aqui autora, detinha antes da celebração da escritura”.
18. Tal obrigação recai, porém, sobre os aqui recorridos – e não sobre a parte vendedora – no que às despesas peticionadas respeita.
19. No caso sub iudice não pode olvidar-se que as verbas suportadas pela recorrente, com a celebração da escritura, a requisição dos registos, o pagamento do Imposto de Selo e do IMT, resultaram necessariamente da compra por si efectuada, sendo certo que sem essas despesas não haveria concretização do negócio jurídico, celebrado pela recorrente, a quem os aqui recorridos se vieram, posteriormente, substituir.
20. Por outro lado, reconhecido que foi, judicialmente, o direito de preferência, na competente ação instaurada para o efeito pelos recorridos, os seus efeitos retroagem à data da realização da alienação do bem, tudo se passando, juridicamente, quanto à titularidade do direito transmitido, como se o contrato de alienação tivesse, desde o início, sido celebrado com os preferentes, donde decorre a obrigação dos recorridos no pagamento do competente Imposto Municipal sobre Imóveis.
21. Sem prescindir, e caso assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, sempre se impunha, como impõe, a condenação dos recorridos ao pagamento à recorrente das despesas por esta, efectuadas, nos termos do Instituto do enriquecimento sem causa.
22. Com efeito, a factualidade demonstrada e julgada provada nos autos traduziu-se na obtenção de uma vantagem para os recorridos, que, assim, enriqueceram.
23. Esse enriquecimento foi obtido à custa e na exacta medida do empobrecimento da recorrente, sendo certo que tal enriquecimento carece, igualmente, de causa justificativa.
24. Acresce que, ao contrário do que defende a decisão recorrida, encontra-se cumprido o requisito da subsidiariedade do Instituto do enriquecimento sem causa,
25. …não colhendo igualmente o argumento de que os recorridos não enriqueceram, bem atentas as despesas por eles suportadas na acção de preferência, uma vez que as mesmas integram o conceito de custas de parte e encargos, exigíveis da parte vencida.
26. Nesta conformidade, os recorridos enriqueceram injustificadamente à custa da recorrente, pelo que estão os mesmos obrigados a restituir aquilo com que injustificadamente se locupletaram, nos termos e para os efeitos do art.º 474.º do Cód.Civil, reembolsando, para o efeito, a recorrente das despesas por esta feitas para a celebração do negócio, no valor global peticionado.
27. Por último, e caso venha a ser – como se espera – reconhecido a favor da recorrente um direito de crédito sobre os recorridos, nos termos supra expostos, deve, ainda, reconhecer-se que tal crédito se encontra garantido por direito de retenção sobre o imóvel preferido até que o mesmo se encontre pago e/ou garantido, nos termos do art.º 754.º do C.Civil.
28. Ao decidir como decidiu violou o Tribunal a quo (entre outros) os artigos 878.º, 474.º, 754.º e 1410.º do C.Civil; o artigo 1.º/1 do Código do Imposto de Selo; o número 1 dos artigos 1.º e 2.º, bem como o artigo 24.º/2 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis; o artigo 8.º do Código do imposto Municipal sobre Imóveis e o artigo 31.º/7 do DL. 294/2009, de 13 de Outubro, razão pela qual deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedentes os pedidos deduzidos pela recorrente nos termos supra expostos.
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Os réus/apelados juntaram aos autos as suas contra-alegações onde pugnam pela confirmação da decisão recorrida, formulando ainda, subsidiariamente, formularam pedido de ampliação da matéria de facto, terminando com as seguintes conclusões:
Q. (…)
R. No caso de assim não se entender e o Tribunal ad decida julgar procedente o recurso interposto pela recorrente, o que não se concede, os recorridos requerem, nos termos dos artigos 636.º, n.º 2 e 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC, que os seguintes factos sejam aditados à matéria de facto provada, por os mesmos resultarem provados por documentos, serem notórios ou terem sido admitidos por acordo e os mesmos serem relevantes para a decisão da causa (nomeadamente para o alegados nos pontos 59.º a 69.º, 77.º a 79.º, 153.º a 168.º das presentes contra-alegações):
(i) Na data de 15.11.2001 os réus celebraram contrato de arrendamento rural, que esteve na origem da acção de preferência referida em 5.º dos factos provados (cfr. doc. n.º 4 da P.I.).
(ii) Na cláusula 6.ª desse contrato ficou consignado que nem tudo quanto for omisso, o presente contrato rege-se pelos usos e costumes da região e pelo disposto no Decreto- Lei 385/88, de 25 de Outubro (cfr. doc. n.º 4 da P.I.)
(iii) Em 29.01.2015 foi proferida sentença de indeferimento liminar da acção executiva para entrega de coisa certa referida em 13.º, alínea c) dos factos provados, da qual foi interposto recurso pelos aqui réus, o qual foi admitido com efeito meramente devolutivo, por despacho de 27.02.2015 (cfr. documentos n.ºs 1 e 2 ora juntos).
(iv) Por despacho 27.02.2015, proferido na acção executiva para entrega de coisa certa referida em 13.º, alínea c) dos factos provados, o Tribunal ordenou a citação da aqui autora (aí executada) "para os termos do recurso e para os da causa – art.ºs 629.º, n.º 3, al. c) e 641.º, n.º 7 CPC." (cfr. Doc. 2, ora junto)
(v) Para além das despesas referidas em 18.º dos factos provados, os réus terão de suportar os honorários dos seus mandatários judiciais no âmbito da acção de preferência (cfr. facto alegado em 55.º e 58.º da contestação, que para além de ser notório, foi admitido por acordo).
Termos em que:
(i) (…)
Sem prescindir,
(ii) Para o caso de assim não se entender, o que não se concede, requer-se a ampliação da matéria de facto provada, nos termos dos artigos 636.º, n.º 2 e 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC.
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A apelante veio responder pugnando pelo indeferimento da requerida junção de documento e pela improcedência da requerida ampliação da matéria de facto.

II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1. A autora é uma sociedade unipessoal por quotas que tem por objecto (entre outros) a compra e venda de imóveis, e revenda, administração e arrendamento dos imóveis adquiridos para esse fim, bem como consultoria, gestão e investimento de imóveis.
2. No dia 09 de Agosto de 2010, a autora adquiriu a propriedade, livre de quaisquer ónus e encargos, do prédio misto correspondente à “Casa Grande de Habitação”, denominada Casa E…, sito em …, freguesia de …, concelho do Marco de Canaveses, descrito na Conservatória de Registo Predial de Marco de Canaveses sob o n.º 501, da referida freguesia, inscrito na matriz predial rústica sob os artigos 256.º e 791.º e na matriz predial urbana sob os artigos 65.º, 66.º, 67.º, 68.º, 69.º e 70.º, por escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial do Dr.º F…, em Lisboa.
3. O preço da aquisição ascendeu a €2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros).
4. Esse acto foi levado a registo e averbado na competente ficha da Conservatória de Registo Predial do prédio em causa, tendo sido o respectivo imóvel registado em nome da autora pela Apresentação 3104 de 2010/08/09.
5. Em 30 de Março de 2011, C… e mulher, D…, aqui réus, intentaram contra a aqui autora (entre outros) acção de preferência sobre o prédio em questão, a qual correu termos, com o n.º 480/11.9TBMCN, no Juiz 3 da Instância Central de Penafiel do Tribunal Judicial de Comarca do Porte Este.
6. Peticionavam os então autores, ora réus:
a) a substituição dos autores (aqui réus) à ré (aqui autora) B…, Unipessoal, Ld.ª na compra e venda formalizada por escritura pública outorgada em 09.08.2010, que teve por objecto o prédio misto sito em …, freguesia de …, concelho do Marco de Canaveses, descrito na Conservatória de Registo Predial de Marco de Canaveses sob a ficha n.º 501 da referida freguesia, e inscrito nas matrizes prediais urbanas da referida freguesia sob os arts. 65.º, 66.º, 67.º, 68.º, 69.º e 70.º, e nas matrizes prediais rústicas da referida freguesia sob os artigos 256.º e 791.º, por virtude do exercício do direito legal de preferência que lhes assiste nos termos do artigo 28.º do Regime do Arrendamento Rural, aprovado pelo DL n.º 385/88, de 25.10, alterado pelo DL n.º 524/99, de 10.12;
b) o cancelamento da inscrição correspondente à apresentação n.º 3104, de 2010/08/09, que foi lavrada no seguimento da outorga da escritura de compra e venda da mesma data.
7. Tais pretensões foram julgadas procedentes por sentença que homologou a confissão do pedido, feita pelos réus.
8. Sentença que foi proferida em 04.04.2014 e que se encontra devidamente transitada em julgado.
9. Em face dessa circunstância, os aqui réus procederam ao depósito do preço da aquisição, a saber os já aludidos €2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros), ao abrigo do disposto no artigo 28.º do DL n.º 385/88, de 25.10, alterado pelo DL 249/2009, de 13.10.
10. Esse depósito foi considerado liberatório e constitutivo do direito de preferência dos aqui réus por despacho, devidamente transitado em julgado, proferido na aludida acção de preferência em 28.05.2014.
11. São, pois, os aqui réus, à presente data, os proprietários do prédio em causa, com registo predial a seu favor datado de 02.11.2011, convertido em definitivo em 09.06.2014.
12. Entretanto, a autora recebeu já, no âmbito dessa acção, o valor depositado à ordem dos autos pelos aqui réus, no valor de €2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros), após confirmação da nota de pagamento em 11.12.2014.
13. A autora esteve na posse do imóvel desde 09.12.2010 até 06.03.2015, altura em que o mesmo foi entregue aos réus, tendo essa entrega ocorrido no seguinte contexto:
a) por decisão de 24.09.2014, proferida em 1.ª instância no âmbito do processo n.º480/11.9TBMCN, foram julgados improcedentes os pedidos da autora, designadamente o reconhecimento do direito de crédito aí peticionado, e bem assim o direito de retenção que visava a sua garantia. (cfr. doc. de fls. 286 a 313 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
b) por despacho de 16.12.2014, foi atribuído ao recurso da referida decisão, interposto pela aqui autora efeito meramente devolutivo. (cfr. doc. de fls. 553 e 554 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
c) no dia 3 de Março de 2015, a aqui autora foi citada no âmbito da acção executiva para entrega de coisa certa, intentada pelos réus, tendo aí ocorrido aquela entrega nos termos do documento de fls. 317 a 322 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (cfr. doc. de fls. 555 a 560 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
14. A autora suportou as despesas referentes à realização da escritura e requisição dos registos a seu favor, no valor global de €947,31 (novecentos e quarenta e sete euros e trinta e um cêntimos), assim discriminadas:
a) €697,31 (seiscentos e noventa e sete euros e trinta e um cêntimos) para celebração da escritura de compra e venda e entrega de uma certidão da mesma;
b) €250,00 (duzentos e cinquenta euros) para registo do imóvel a favor da entidade compradora, a aqui autora.
15. Como pressuposto e condição da realização da escritura de compra e venda, a aqui autora, na qualidade de adquirente, cumpriu ainda com as obrigações fiscais legalmente exigidas, a saber o pagamento do valor global de €155.991,20 (cento e cinquenta e cinco mil novecentos e noventa e um euros e vinte cêntimos), assim discriminado:
a) €19.999,99 (dezanove mil novecentos e noventa e nove euros e noventa e nove cêntimos), referentes à liquidação do Imposto de Selo calculado à taxa legalmente prevista sobre o valor da aquisição;
b) €135.991,21 (cento e trinta e cinco mil novecentos e noventa e um euros e vinte e um cêntimos), referentes à liquidação do Imposto Municipal das Transmissões onerosas de bens imóveis calculado à taxa legalmente prevista sobre o valor da aquisição.
16. Acresce que, em virtude de ser proprietária desse imóvel, com titularidade de registo a seu favor, a aqui autora viu-se compelida a proceder à liquidação e pagamento do Imposto Municipal sobre os Imóveis referente aos anos de 2010 a 2013, tendo, a esse título, despendido as seguintes quantias:
a) €1.453,40 (mil quatrocentos e cinquenta e três euros e quarenta cêntimos) referente ao IMI do ano de 2010;
b) €1.453,40 (mil quatrocentos e cinquenta e três euros e quarenta cêntimos) referente ao IMI do ano de 2011;
c) €1.808,66 (mil oitocentos e oito euros e sessenta e seis cêntimos) referente ao IMI do ano de 2012;
d) €1.901,91 (mil novecentos e um euros e noventa e um cêntimos) referente ao IMI do ano de 2013.
17. Por decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira foi promovido a revisão oficiosa da liquidação de imposto municipal sobre imóveis incidente sobre o imóvel em causa nos autos e respeitante aos anos de 2011, 2012 e 2013, resultado dessa revisão da Autoridade Tributária a devolução à autora da quantia global €5.163,97 (cinco mil cento e sessenta e três euros e noventa e sete cêntimos).
18. Os réus tiveram também de suportar despesas com a supra referida acção de preferência n.º 480/11.9TBMCN, nomeadamente, pelo menos, despesas com taxas de justiça, bem como com o registo dessa acção:
a) em taxas de justiça os réus despenderam a quantia de €6.375,00. (cfr. DUC n.ºs 702 080 015 609 090, 702 780 020 905 106, 702 580 038 919 494, 702 880 039 922 251, 702 980 040 009 017, n.º 702 580 042 376 653 e n.º 702 380 039 844 064, bem como os respectivos comprovativos de pagamento juntos com a contestação como documentos n.º 5 a 11 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
b) com registos os réus suportaram a quantia de €560,00. (cfr. documentos nºs 12 a 15 juntos com a contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da apelante e da apelada, são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª – Da alegada obrigação dos réus em restituir à autora as quantias reclamadas, quer a título dos efeitos do exercício do direito de preferência, quer a título de enriquecimento sem causa.
2.ª – Do alegado direito de retenção.
3.ª – Da ampliação da decisão da matéria de facto (esta subsidiariamente).
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Decorre dos autos que a autora/apelante, no dia 9.08.2010, adquiriu por compra à Sociedade Agrícola E…, SA, formalizada por escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial do Dr.º F…, em Lisboa, e pelo preço de €2.500.000,00, livre de quaisquer ónus e encargos, o prédio misto correspondente à “Casa Grande de Habitação”, denominada Casa E…, sito em …, freguesia de …, concelho do Marco de Canaveses, descrito na Conservatória de Registo Predial de Marco de Canaveses sob o n.º 501, da referida freguesia, inscrito na matriz predial rústica sob os artigos 256.º e 791.º e na matriz predial urbana sob os artigos 65.º, 66.º, 67.º, 68.º, 69.º e 70.º.
Em 30.03.2011, os ora réus/apelados, arrogando-se, além do mais, arrendatários rurais do imóvel acima referido, intentaram contra a autora/apelante e outros, acção de preferência relativamente ao supra referido negócio, a qual correu termos, com o n.º 480/11.9TBMCN, no Juiz 3, da Instância Central de Penafiel, do Tribunal Judicial da Comarca do Porte Este.
A supra referida acção veio a ser julgada parcialmente procedente, tendo sido declarada a substituição dos aí autores (ora réus/apelados) à aí ré (ora autora/apelante) na compra e venda acima referida, assim como foi ordenado cancelamento do respectivo registo de aquisição. Tal sentença encontra-se devidamente transitada em julgado. Os ora réus/apelados procederam ao depósito do preço da aquisição, (€2.500.000,00) ao abrigo do disposto no art.º 28.º do DL n.º 385/88, de 25.10, alterado pelo DL n.º 249/2009, de 13.10, o qual, por despacho proferido na acção de preferência em 28.05.2014, devidamente transitado em julgado, foi considerado liberatório e constitutivo do direito de preferência dos ora réus.
Entretanto, a ora autora/apelante já recebeu, no âmbito dessa acção, o valor assim depositado à ordem dos autos, (€2.500.000,00).
Está, também, assente nos autos que a autora/apelante por via da supra referida aquisição suportou as despesas referentes à realização da escritura de compra e venda; suportou as despesas referentes à realização do registo de aquisição; suportou o Imposto de Selo devido pela compra e venda; suportou o IMT devido pela compra e venda; e ainda suportou o IMI dos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, por virtude da titularidade do imóvel.
Ora, é exactamente o reembolso destas despesas que a autora/apelante agora reclama dos réus, no valor global de €158.391,91, arrogando-se ainda ao direito de retenção sobre o imóvel em causa para garantia do alegado crédito.
A 1.ª instância julgou a acção improcedente, para o que considerou que: “(…)Entre o preferente e o terceiro não existe qualquer relação jurídica concreta que vincule o primeiro a algum tipo de prestação a favor do segundo e, para além de não existir qualquer contrato entre o preferente e o adquirente, o exercício da preferência não representa um facto gerador de responsabilidade e não há qualquer enriquecimento sem causa do titular do direito à custa do adquirente: o preferente limita-se a exercer o direito de adquirir certo bem, com prioridade sobre terceiros, pagando o preço livremente aceite pelo sujeito passivo.
A relação jurídica de onde poderão emergir pretensões relativas a reembolso de despesas ou ressarcimento de prejuízos é a estabelecida entre o obrigado à preferência e o adquirente, resultante do contrato de alienação, contrato do qual, por ser ineficaz em relação ao preferente, não poderão resultar deveres para este: é, portanto, do sujeito à obrigação de preferência que o adquirente deverá reclamar as despesas efectuadas por causa da aquisição, desde que para isso disponha do necessário fundamento.
Aceitar que o preferente tenha de satisfazer, além do preço, as despesas efectuadas pelo adquirente com a aquisição, criaria uma situação de grave incerteza quanto ao valor do depósito a realizar pelo preferente, dado que compromete a definição clara do ónus que este deve observar para não perder irremediavelmente o seu direito.
(…) o termo preço, usado na lei, designa, neste contexto, o valor em dinheiro a pagar pelo preferente como contrapartida da aquisição do bem sujeito a preferência, valor que corresponde ao sacrifício económico ajustado entre o sujeito passivo e adquirente, como contrapartida da alienação do bem, não abrangendo, por isso, as despesas realizadas pelo adquirente em vista dessa alienação nem os impostos pagos por força dela (...).
(…)
(…) não faz sentido estar a exigir ao preferente, na respectiva acção preferência, o depósito de tudo quanto o adquirente preferido suportou com a aquisição do mesmo bem, para que este fosse colocado na posição em que estaria se não tivesse adquirido tal bem, quando aquele preferente não é o sujeito passivo dessa obrigação, pois que não foi ele quem praticou o facto ilícito que determinou aquelas despesas.
(…)
Todas as despesas que estão para além daquele preço, designadamente aquelas que a autora comprovadamente suportou, apenas poderão ser exigidas, verificando-se os demais pressupostos da responsabilidade, quer seja pré-contratual, contratual ou extracontratual, junto do vendedor, pessoa que violou ilicitamente o direito de preferência dos réus.
(…)
Tudo quanto fica dito é inteiramente válido para as despesas suportadas pela autora relativamente às despesas referentes à realização da escritura de compra e venda, às despesas respeitante à realização do registo de aquisição, ao Imposto de Selo devido pela compra e venda e do IMT devido pela compra e venda.
(…)
Existindo, de acordo com as soluções plausíveis de direito, a possibilidade da autora ser reembolsada das despesas que reclama nesta acção, junto da respectiva vendedora, arredada está a possibilidade de funcionar o instituto jurídico em análise, atenta a sua natureza subsidiária.
(…)
Torna-se, portanto, desnecessário averiguar exaustivamente da verificação dos pressupostos para o reconhecimento do direito de retenção do prédio, a favor da autora, como esta invoca, pois que o mesmo visaria apenas garantir o pagamento da indemnização peticionada (…)”.
*
Vejamos então.
1.ªquestão - Da alegada obrigação dos réus em restituir à autora as quantias reclamadas, quer a título dos efeitos do exercício do direito de preferência, quer a título de enriquecimento sem causa.
Começa a apelante por afirmar que o que está em causa nos autos, “(…) não é a noção de preço (e seu alcance) para efeitos da obrigação de depósito de preço enquanto requisito substancial da validade do exercício do direito de preferência. Essa questão poderia - sim - ter-se colocado no âmbito da própria acção de preferência e não nos presentes autos”.
De seguida defende que “(…) a procedência da acção de preferência intentada pelo preferente contra o preferido (in casu pelos recorridos contra a recorrente) tem como resultado a substituição, com eficácia ex tunc, da adquirente (aqui recorrente) pelos preferentes (aqui recorridos). Essa substituição constitui os preferentes - os recorridos - na obrigação de repor o status quo ante que a adquirente preferida - a recorrente - detinha antes da celebração da escritura, obrigação que resulta da própria natureza do direito de preferência reconhecido. Ora, tal só sucederá integralmente no momento em que a adquirente preferida - recorrente - se vir (re)embolsada de todas as despesas por si suportadas a título de celebração de escritura, registos subsequentes e impostos inerentes ao acto de transmissão em que foi substituída pelos preferentes – aqui recorridos.”
Ou seja, funda a autora/apelante o invocado direito de reembolso das referidas quantias por parte dos réus/apelados, na obrigação em que estes se acharão constituídos perante si, de repor a situação “quo ante” que detinha antes da celebração da escritura. Assim, chama a autora/apelante à colação o princípio da reposição natural, previsto no art.º 562.º do C.Civil - dever de reposição das coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano.
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Vejamos então se os réus/apelantes estão obrigados a reconstituir a situação que existiria se a autora/apelante não tivesse celebrado a supra referida escritura pública.
Parece-nos evidente que tal obrigação não recai sobre os apelados.
Ora, o dano é um dos elementos da obrigação de indemnizar, a qual tem por sujeito activo o lesado, passivo aquele a quem é imputado o dano; por conteúdo o dever de suprimir o dano; por fonte o facto ilícito, o risco, ou, em determinados casos, um facto lícito e tem por finalidade principal a reposição do “status quo ante”. Conceitualmente, como defende a Doutrina, o dano é a extinção ou diminuição de um bem ou interesse tutelado pela ordem jurídica.
In casu” nenhum facto ilícito, aliás a própria apelante assim o afirma nas suas alegações, pode ser imputado à conduta dos réus. Na realidade, eles limitaram-se a exercer legitimamente um direito que lhes assistia, - exercer o seu direito de preferência sobre a referida compra.
Logo, pelo dano causado à autora/apelante – consistente nas referidas despesas que a mesma realizou em virtude de ter celebrado escritura de compra e venda do imóvel em causa com a Sociedade Agrícola E…, SA - não podem ser os réus chamados a responder a título de responsabilidade civil, mormente, por facto ilícito.
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Mas segundo a apelante, devem os réus indemnizá-la/reembolsá-la pela realização de tais despesas, pois são “Despesas em cujo pagamento os recorridos (réus) sempre teriam de incorrer caso tivessem exercido o seu direito de preferência na aquisição do imóvel e ainda que o exercício desse direito de preferência tivesse decorrido de comunicação de intenção de venda que houvesse sido efectuada pelo vendedor do imóvel, a saber a Sociedade Agrícola E…, SA”
É evidente que não releva para a decisão da questão dos autos o que poderia ter sucedido, mas tão só o que ocorreu na realidade.
Na verdade, e segundo Pires de Lima e Antunes Varela in ”Código Civil Anotado”, vol. III, anotação 10, apesar de a procedência da acção ter como resultado a substituição, com eficácia “ex tunc”, do adquirente pelo preferente, o “contrato celebrado entre o alienante e o adquirente produz a sua eficácia translativa normal, mas em virtude da existência de um direito de opção, a posição jurídica do adquirente fica sujeita, por força da lei, a uma “condição” (conditio juris) resolutiva (…): ele perderá o direito que adquiriu se a preferência vier a ser triunfalmente exercida”.
E exercido o direito de preferência, a coisa a ele sujeita passou a ser objecto de dois contratos de compra e venda incompatíveis: o que foi celebrado entre os primitivos vendedor e comprador e o que resultou do exercício, pelo preferente, do seu direito de opção, cfr. Henrique Mesquita in ”Obrigações Reais e Ónus Reais”, pag. 227, nota 151. Pois que na verdade, o direito que assiste ao preferente é o de se sub-rogar ou substituir ao terceiro adquirente na posição que esta ocupa no contrato celebrado com o obrigado à preferência, tudo se passando juridicamente, após a substituição e pelo que respeita à titularidade do direito transmitido, como se o contrato de alienação houvesse sido celebrado com o preferente, cfr. Henrique Mesquita, in obra citada, pág.220.
Como se vê a substituição respeita tão só à titularidade do direito, fundada na lei, e não constitui o substituto (preferente) em qualquer obrigação perante o substituído, mormente a de repor o “status quo ante” que ele tinha se não tivesse celebrado o negócio que veio a ser objecto da acção de preferência triunfante. Ou seja, como se retira dos ensinamentos de Henrique Mesquita in “Obrigações Reais e Ónus Reais”, pág. 220, o efeito “ex tunc” associado à preferência significa que o preferente se subroga ou substitui ao terceiro adquirente na posição que este ocupa no contrato celebrado com o obrigado à preferência, tudo se passando juridicamente e pelo que respeita à titularidade do direito transmitido, como se o contrato de alienação houvesse sido celebrado com o preferente. No mesmo sentido, Antunes Varela, in “Direito das Obrigações” pág. 387, afirma que a procedência da acção de preferência tem como resultado a substituição do adquirente pelo preferente no contrato celebrado, com efeito retroativo, tudo se passando (e mesmo assim só em princípio), como se o contrato tivesse sido celebrado “ab initio” entre o alienante e o preferente. Portanto, o que esta eficácia retroativa significa é apenas que o titular do direito de preferência, substituindo-se ao sujeito preferido, é encabeçado na propriedade da coisa, com efeitos desde o momento do acto negocial sobre que veio preferir, tudo se passando como se a venda lhe tivesse sido directamente feita, de forma que lhe são inoponíveis os actos jurídicos praticados pelo adquirente na sua pressuposta condição de proprietário (trata-se assim de actos a non domino).
Atentos os argumentos da apelante, também é certo que não fora a realização do negócio entre a Sociedade Agrícola E…, SA e a autora/apelante, formalizado na escritura pública de compra e venda do imóvel em apreço, e também os réus não teriam de ter despendido, o que despenderam, com a acção de preferência que se viram obrigados a intentar para defesa do direito que lhes assistia, para além do reembolsado a título de custas de parte e encargos. Ou seja, é para nós óbvio que as referidas despesas que os réus se viram obrigados a fazer decorreram não só do facto ilícito da referida vendedora, consistente em não ter comunicado, nos termos que a lei lhe impunha que fizesse, aos réus, a sua intenção de vender o imóvel à ora apelante, como também do facto de a própria apelante ter concretizado a referida compra, não sendo crível que os réus viessem a demandar, além do mais, a autora/apelante pelo reembolso das mesmas, alegando que as não teriam feito se a autora/apelante não tivesse formalizado aquela compra...
Em resumo, porque entre o preferente e o terceiro/adquirente não existe qualquer relação jurídica concreta que vincule o primeiro a algum tipo de prestação a favor do segundo e, para além de não existir qualquer contrato entre o preferente e o adquirente, o exercício da preferência não representa um facto gerador de qualquer responsabilidade do primeiro relativamente ao segundo.
Destarte, é manifesto que tendo os réus adquirido a propriedade do imóvel em causa pelo exercício do direito de preferência que lhes assistia em acção que se viram na necessidade de intentar para o efeito, arredado fica o argumento de que se a vendedora lhes tivesse comunicado a intenção de vender e eles tivessem, então, exercido o direito de preferência, sempre teriam de suportar as despesas da necessária escritura, imposto de selo, IMT, registos, etc. pois que os réus suportaram as despesas normais e necessárias à actuação que tiveram na realidade e não em qualquer hipotética realidade.
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Por outro lado, não olvidamos que a autora/apelante despendeu com a compra do referido imóvel à Sociedade Agrícola E…, SA a quantia global de €€158.391,91, na expectativa de se tornar a legítima proprietária do imóvel em causa e, neste momento viu essa sua expectativa absolutamente gorada pelo exercício do direito de preferência naquela aquisição por parte dos réus, ou seja, não é titular do direito de propriedade relativo a tal bem, tendo sido apenas reembolsada (pelos réus) pelo preço de €2.500.000,00 que havia pago pela aquisição, mantendo-se, contudo, desembolsada do que mais despendeu com o referido negócio (€158.391,91).
Há que apurar quem deu causa a tal situação e quem será o responsável por repor o “status quo ante”, na medida do possível.
Os réus, como acima já se deixou consignado, não deram causa à situação em que hoje a apelante se encontra, com o negócio frustrado e, principalmente, desembolsada de tal avultada quantia, pois que eles próprios, perante todo o circunstancialismo criado, se viram na necessidade de intentar uma acção de preferência para exercer e defender o seu legítimo direito, suportando as respectivas despesas.
É sabido que querendo-se vender certa coisa, o obrigado à preferência deve comunicar ao titular do direito de preferência o projecto do contrato de venda que se propõe efectuar e as cláusulas do respectivo contrato, cfr. art. 416.ºn.º1 do C.Civil. Ou seja, a lei exige que, estando disposto a vender, o obrigado à preferência leve ao conhecimento do preferente o projecto de venda e as cláusulas do contrato, relevantes para o beneficiário do direito se decidir, de forma esclarecida, pelo exercício do direito ou não. Essa comunicação ao titular do direito deve incluir, sob pena de violação ilícita do direito do preferente e se considerar incumprida a obrigação, os elementos essenciais da alienação. E elementos essenciais são “todos os factos capazes de influir na formação da vontade de preferir ou não ou todos os elementos reais do contrato que pudessem influir num sentido ou noutro”, cfr. Pires Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, I, pág.372 e Carlos Lacerda Barata, in “Da Obrigação de Preferência”, pág. 120.
O incumprimento desse dever pelo obrigado à preferência faculta ao titular do direito o recurso à acção de preferência, nos termos do art.º 1410.ºn.º1 do C.Civil.
Não cumprido o dever de comunicação ou, apesar do aviso ao preferente para preferir, a coisa for vendida a outrem, não obstante o preferente ter manifestado a vontade de preferir, pode este propor acção de preferência para haver para si o bem alienado, o que terá de o fazer dentro dos seis meses subsequentes à data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação e depositar o preço o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.
A acção de preferência funda-se, assim, no incumprimento, num acto ilícito do sujeito passivo - o obrigado a ela – e visa proteger os interesses do preferente, assegurando-lhe o exercício do seu direito, desde logo em face do sujeito passivo. Nesta acção, o preferente exerce o direito de haver a coisa alienada, um direito a comprar o bem sujeito à preferência, correspondente ao dever de alienar esse mesmo bem, imposto ao sujeito passivo, pelas regras da preferência. Na acção de preferência, o preferente continua a exercer o direito a adquirir o bem sujeito a ela, o mesmo direito que se constituiu em relação ao sujeito passivo e, que, dada a sua eficácia, prevalece sobre eventuais direitos adquiridos por terceiros, constituídos sobre esse mesmo bem.
Na sequência do acima afirmado, pode concluir-se que quem deu causa à realização das despesas realizadas pela apelante e em apreço nos autos foi efectivamente a vendedora, ou seja, a Sociedade Agrícola E…, SA, a qual não só cometeu um ilícito ao não ter comunicado aos ora apelante a sua intenção de vender, como também incorreu, por isso, perante a apelante em responsabilidade pré-contratual, dando azo à efectivação de uma escritura de compra e venda sujeita a condição resolutiva, caso os apelados exercessem, como o vieram a fazer, o seu legitimo direito de preferência. Por isso, é sem dúvidas essa vendedora a responsável por repor na situação em que se encontraria a ora apelante caso não tivesse concretizado com ela e nessas circunstâncias o negócio.
Assim é sobre essa vendedora que recai a obrigação de reembolsar a adquirente, ora apelante, desde que verificados os demais pressupostos da respectiva responsabilidade, que julgamos ser uma responsabilidade pré-contratual, cfr. art.º 227.º do C.Civil, por violação do princípio da boa-fé negocial, pelas despesas realizadas e não recuperáveis – como sejam as despesas com a realização da escritura e respectivo registo da aquisição, pois que no que respeita ao IMT e imposto de selo pagos, sempre a apelante poderá pedir a sua anulação à luz do disposto no art.º 24.º do CIMT, “Direito de preferência”, segundo o qual: “1 - Se, por exercício judicial de direito de preferência, houver substituição de adquirentes, só se liquidará imposto ao preferente se o que lhe competir for diverso do liquidado ao preferido, arrecadando-se ou anulando-se a diferença. 2 - Se o preferente beneficiar de isenção, procede-se à anulação do imposto liquidado ao preferido, e aos correspondentes averbamentos” e, por força do disposto nos art.ºs 9.º n.º3 e 100-º da LGT e art.º 41.º, 42.º, 45.º e 46.º do CIMT “ex vi” do art.º 49.º do CIS, respectivamente.
A apelante pede ainda o reembolso das quantias que pagou devido à titularidade de propriedade do imóvel em apreço, durante o tempo em que o negócio esteve pendente de condição resolutiva, a título de imposto municipal sobre imóveis – IMI - ou seja, relativo aos anos de 2011, 2012 e 2013.
Todavia e na sequência do que acima já se deixou dito, a eficácia retroactiva da preferência não torna inexistente, não neutraliza ou apaga a posse efectiva do adquirente do bem durante o tempo em que o negócio esteve pendente da condição resolutiva que se veio a verificar apenas com a decisão da acção de preferência. Ou seja, durante os referidos anos de 2011, 2012 e 2013, a ora apelante foi a legítima possuidora do imóvel em causa, em termos de sua proprietária, exercendo os poderes inerentes ao seu direito de propriedade sobre o prédio, tendo assim isso o uso e fruição do mesmo, logo, por força do disposto no art.º 8.º do CIMI, ela foi a legitima sujeita passiva do seu pagamento.
Destarte e em conclusão, nada devem os ora apelados à apelante a título de reembolso das despesas peticionadas nos autos, pois que nenhuma relação jurídica foi estabelecida entre ambos geradora de tal responsabilidade, sendo que a relação jurídica de onde poderão emergir pretensões relativas ao reembolso de tais despesas foi a estabelecida entre o obrigado à preferência - Sociedade Agrícola E…, SA - e a adquirente, ora apelante, resultante do contrato de compra e venda, o qual, por ser ineficaz em relação aos preferentes, ora apelados, dele não poderão resultar quaisquer obrigações para estes. Ou seja, é à Sociedade Agrícola E…, SA que a apelante deverá reclamar as despesas efectuadas por causa da aquisição.
Improcedem as respectivas conclusões da apelante.
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Todavia sempre se dirá que de acordo com o princípio geral fixado no art.º 473.º, n.º 1 do C.Civil, aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. Sendo requisitos da actuação do regime do enriquecimento sem causa:
a) que exista um enriquecimento;
b) que tal enriquecimento se obtenha à custa de outrem e;
c) que falte uma causa justificativa. Portanto, o núcleo essencial do enriquecimento sem causa centra-se no enriquecimento, e não tanto no empobrecimento (este apenas funciona como condição e como limite, no sentido de que, seja qual for o enriquecimento, só há lugar à restituição se tiver havido um empobrecimento e até ao limite desse empobrecimento).
O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, podendo essa vantagem consistir no uso ou exercício de direitos alheios, como é o caso da instalação em casa alheia ou o apascentamento de rebanho no lameiro de outrem, cfr. Antunes Varela, in “Das Obrigações”, I, pág. 481.
O enriquecimento poderá resultar de várias situações. A doutrina vem referindo que pode existir enriquecimento por prestação, por intervenção, por despesas efectuadas e por desconsideração de património, cfr. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, pág. 395.
Mas, de acordo com o disposto no art.º 474.º do C.Civil “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outros meios de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”. Sabe-se que se trata de uma regra que é contestada por muitos, com a invocação de que constitui uma injustificada intromissão na lógica do direito civil, na medida em que este, em homenagem ao princípio da liberdade e da autonomia privada, não haveria qualquer impedimento para um interessado eleger o instituto que melhor entendesse ser mais conveniente, cfr. Menezes Cordeiro in ”Tratado de Direito Civil Português”, vol.III, pág.250.
Ora, de acordo com esta norma, o empobrecido só pode socorrer-se das regras do enriquecimento sem causa quando a lei não faculte aos empobrecidos outros meios de reação. Ou seja, se alguém obtém um enriquecimento à custa de outrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse meio que ele deverá recorrer.
Finalmente, é a quem pede a restituição (o empobrecido) que compete alegar e provar a falta de causa da deslocação patrimonial e a existência do enriquecimento patrimonial, cfr. art.º 342.º n.º 1 do C.Civil.
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Vejamos o caso dos autos.
Desde logo, a apelante não alegou, nem provou que os réus/apelados tenham tido um enriquecimento e que esse enriquecimento tenha sido obtido à sua custa (à custa da apelante), à excepção do que fez quanto ao seu alegado empobrecimento – despesas realizadas. O enriquecimento, como é sabido, supõe que o beneficio se projectou no património do enriquecido, influiu no seu conteúdo, tornou-o mais valioso ou impediu que o mesmo se desvalorizasse. Pois que a vantagem em que o enriquecimento consiste pode ser encarada sob dois prismas, susceptíveis de produzir efeitos diferentes: o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida (projecção concreta do acto na situação patrimonial do beneficiário); e o do enriquecimento patrimonial, que reflete a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido, e que é determinada pela comparação entre a sua situação efectiva que apresenta e, aquela em que se encontraria se a deslocação não tivesse ocorrido. Consequentemente, o valor de restituição de “tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido”, cfr. art.º 479.º n.º1 do C.Civil, pode ser alcançado com referência ao valor objectivo da aquisição, ou com referência ao aumento patrimonial por ela causado. Assim, o objecto da obrigação de restituição encontra-se balizado pelo enriquecimento e pelo empobrecimento, já que a obrigação de restituição não pode exceder a medida do locupletamento nem a do empobrecimento, cfr. art.º 479.º n.º 2 do C.Civil.
Depois destas linhas gerais, atento tudo o que acima ficou consignado e a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, é manifesto que a apelante tem ou tinha ao seu dispor outros mecanismos legais para ser reembolsada das despesas efectuadas, querendo, v.g. agindo junto da vendedora - Sociedade Agrícola E…, SA e da Autoridade Tributária.
Pelo que sem necessidade de outros considerandos, nada devem os apelados à apelante a título de enriquecimento sem causa.
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2.ªquestão - Do alegado direito de retenção.
Por fim, peticionou a apelante que lhe sendo reconhecido um direito de crédito sobre os apelados, se reconhecesse que tal crédito se encontrava garantido por direito de retenção sobre o imóvel em causa nos autos, até que o mesmo se encontre pago e/ou garantido, nos termos do art.º 754.º do C.Civil. Mais alegando que as despesas cujo reembolso peticiona, foram despesas que suportou por conta do imóvel, maxime, para efeitos da respectiva aquisição e encontrava-se na posse do mesmo imóvel à data da propositura da presente acção e que a entrega que entretanto fez do mesmo não ocorreu de forma voluntária.
Como se sabe, o direito de retenção traduz-se no direito conferido ao credor, que se encontra na posse de coisa que deva ser entregue a outra pessoa, de não a entregar enquanto esta não satisfizer o seu crédito, verificada alguma das relações de conexão entre o crédito do detentor e a coisa que deva ser restituída a que a lei confere tal tutela, cfr. art.ºs 754.º e 755º C.Civil.
É um direito real de garantia, não sujeito a registo, em virtude da qual o credor fica com um poder sobre a coisa de que tem a posse, com o direito de a reter, direito que, por resultar apenas de uma certa conexão apontada pela lei, e não, por exemplo, da própria natureza da obrigação, e representa uma garantia directa e especialmente concedida pela lei. Pelo que se o credor tiver um crédito relacionado, nos termos previstos na lei, com a coisa retida, reconhece-se-lhe o direito real de garantia, válido erga omnes e atendível no concurso de credores
Não obstante estar provado nestes autos que:
- a autora/apelante esteve na posse do imóvel desde 9.12.2010 até 06.03.2015, altura em que o mesmo foi entregue aos réus porque, por decisão de 24.09.2014, proferida em 1.ª instância no âmbito do processo n.º480/11.9TBMCN, foram julgados improcedentes os pedidos da autora, designadamente o reconhecimento do direito de crédito aí peticionado, e bem assim o direito de retenção que visava a sua garantia, não obstante a ora autora/apelante ter interposto recurso da referida decisão, ao mesmo foi atribuído efeito meramente devolutivo e, porque no dia 3 de Março de 2015, a ora autora/apelante foi citada no âmbito da acção executiva para entrega de coisa certa, intentada pelos ora réus/apelados, tendo então ocorrido aí a entrega do imóvel a estes, certo é que vendo o que acima já se deixou consignado, sem necessidade de outros considerandos, uma vez que se não reconhece à apelante qualquer direito de crédito, mormente pelas despesas em apreço nos autos, sobre os apelados, nenhum direito de retenção para garantia de pagamento lhe assiste sobre o imóvel em causa.
Improcedendo as respectivas e derradeiras conclusões da apelante.
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3.ªquestão - Da ampliação da decisão da matéria de facto.
Por fim, face à total improcedência da apelação, fica prejudicado o conhecimento do peticionado, a título subsidiário, pelos apelados.

Sumário:
I- A substituição “ex tunc” decorrente da procedência da acção de preferência, respeita tão só à titularidade do direito, fundada na lei, e não constitui o substituto (preferente) em qualquer obrigação perante o substituído, mormente a de repor o “status quo ante” que ele tinha se não tivesse celebrado o negócio que veio a ser objecto da acção de preferência triunfante.
II – Entre o preferente e o terceiro/adquirente não existe qualquer relação jurídica concreta que vincule o primeiro a algum tipo de prestação a favor do segundo e, para além de não existir qualquer contrato entre o preferente e o adquirente, o exercício da preferência não representa um facto gerador de qualquer responsabilidade do primeiro relativamente ao segundo.
III- É sobre a vendedora que recai a obrigação de reembolsar a adquirente, desde que verificados os demais pressupostos da respectiva responsabilidade, que julgamos ser uma responsabilidade pré-contratual, cfr. art.º 227.º do C.Civil, por violação do princípio da boa-fé negocial, pelas despesas realizadas e não recuperáveis – como sejam as despesas com a realização da escritura e respectivo registo da aquisição, etc.
IV - A eficácia retroactiva da preferência não torna inexistente, não neutraliza ou apaga a posse efectiva do adquirente do bem durante o tempo em que o negócio esteve pendente da condição resolutiva, pelo que sendo durante esse período a adquirente a legítima possuidora do imóvel, em termos de sua proprietária, exercendo os poderes inerentes ao seu direito de propriedade sobre o prédio, tendo assim isso o uso e fruição do mesmo, logo, por força do disposto no art.º 8.º do CIMI, ela é a legitima sujeita passiva do pagamento do respectivo IMI.

IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 2016.10.11,
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues