Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1895/20.7T8OVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
MÚTUO
OBRIGAÇÃO UNITÁRIA
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP202112151895/20.7T8OVR-A.P1
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: SENTENÇA CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O direito de crédito da exequente resulta da obrigação de restituição da quantia mutuada através do referido contrato, a realizar mediante 360 prestações mensais e sucessivas predeterminadas, que incluíam capital e juros remuneratórios, a pagar no prazo de 30 anos, originando uma prestação unitária e global.
II - Não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações.
III – Atentos os factos provados nos autos, é aplicável o prazo da prescrição de cinco anos ao direito de crédito exigido coercivamente pela exequente/embargada, já que os mutuários entraram em situação e incumprimento contratual desde 24.05.2011 e a exequente apenas em 24.05.2019, remeteu aos fiadores carta interpelando-os para o pagamento do montante em dívida, e nada tendo sido pago, apenas em 4.06.2019, intentou a execução de que este é uma apenso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 1895/20.7T8OVR-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo de Execução de Ovar
Recorrente – B..., SA
Recorridos – C... e D...
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Maria do Carmo Domingues



I – Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que a B..., SA, com sede em Lisboa, intentou em 2.12.2020, no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo de Execução de Ovar, contra C... e D..., dando à execução dois instrumentos de contrato (PT …………….. e PT ……………..) nos quais os executados intervieram na qualidade de fiadores e principais pagadores, para cobrança da quantia de €56.993,86, acrescida de juros de mora, às taxas contratualizadas, sobre o capital em dívida, até efectivo e integral pagamento, bem como imposto de selo sobre aqueles juros, vieram estes executados, em 18.01.2021, deduzir a presente oposição à execução por meio de embargos de executado pedindo a extinção da execução.
Alegaram, para tanto e, em suma, a prescrição do capital e dos juros de mora convencionados.
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Liminarmente admitidos os embargos, foi a exequente notificada para contestar o que veio fazer, pedindo a sua improcedência, invocando, em suma, a inaplicabilidade do invocado prazo de prescrição de 5 anos relativamente ao crédito exequendo.
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Foi proferido despacho enunciando o objecto do litígio e os temas de prova, e ponderando o tribunal conhecer do mérito da causa, concedeu-se a palavra às partes, facultando-lhes a discussão de facto e de direito.
A embargada veio apresentar as suas alegações por escrito.
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Proferiu-se despacho saneador e após proferiu-se sentença de onde consta: “Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, julgo procedentes os Embargos do Executado e, em consequência, determino a extinção da execução quanto aos embargantes (…)”.

Inconformada com a tal decisão, dela veio a exequente/embargada recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue os embargos improcedentes e determine o prosseguimento da execução.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
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Não há contra-alegações.

II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
a) Por escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança (PT ……………..), outorgada no dia 2 de Agosto de 2000, os mutuários E... e mulher F..., entretanto declarados insolventes, constituíram a favor da exequente B..., S.A., que aceitou, hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “J” – Entrada Dois -, correspondente ao rés-do-chão direito, destinada a habitação, com uma garagem na cave designada pela mesma letra, integrada no prédio urbano, sito na Rua … – …, freguesia e concelho de …, inscrito na matriz predial urbana sob o número …. e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o artigo 5566.
b) A quantia emprestada foi entregue, na data da celebração da aludida escritura pública, à parte devedora através de crédito lançado na conta de depósito à ordem número 0 0 .. ….. …, por eles titulada junto do Banco exequente.
c) Os ora executados C... e mulher D... responsabilizaram-se como fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido à B… em consequência do empréstimo aqui titulado tendo dado, desde logo, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que viessem a ser convencionadas entre a B... e os mutuários e aceitado que a estipulação relativa ao extracto da conta e aos documentos de débito fossem também aplicáveis à fiança.
d) Por escritura pública de contrato de empréstimo e fiança (PT ……………..), confessaram-se os mutuários E... e mulher F... solidariamente devedores ao Banco exequente de um empréstimo de €9.975,96, (à data, ESC: 2.000.000$00), que na data da celebração do referido contrato declararam ter recebido, por crédito na conta n.º …. …… …, por eles titulada, junto da ora exequente.
e) Os ora executados C... e mulher D..., nos termos da cláusula 13.ª do contrato a que se vem de fazer referência, responsabilizaram-se como fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido à B... credora em consequência do empréstimo aqui titulado tendo dado, desde logo, o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que viesse a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora e aceite que a estipulação relativa ao extracto da conta e dos documentos de débito fossem também aplicáveis à fiança.
f) Em relação ao contrato n.º PT …………….., o vencimento do capital em dívida ocorreu em 02.07.2011; e em relação ao contrato n.º PT …………….., o vencimento do capital em dívida ocorreu em 02.11.2011.
g) O imóvel referido na antecedente alínea a) foi objecto de venda no âmbito do processo de insolvência n.º 2060/12.2T2AVR, que correu termos no Juízo de Comércio de Aveiro – Juiz 3, no qual foi reclamante a aqui exequente.
h) No âmbito do referido processo de insolvência, o aludido bem foi adjudicado à aqui exequente em 20.04.2015, por €55.000,00.
i) O valor que coube à exequente do produto da venda do imóvel já foi devidamente aplicado na redução do valor em dívida, não tendo permitido a liquidação integral dos créditos da exequente.
j) À data de 30.11.2020, encontram-se em dívida, relativamente a cada uma das operações reclamadas os seguintes valores:
- operação PT ……………..: €54.262,38, valor ao qual acrescem, ainda, os juros calculados à taxa contratual e as comissões vincendas até efectivo e integral pagamento; a partir de 30.11.2020, exclusive, a referida dívida será agravada diariamente em €7,25, encargo correspondente a juros calculados à taxa de 10,246%, acrescida das despesas extrajudiciais;
- operação PT ……………..: €2.731,48, valor ao qual acrescem, ainda, os juros calculados à taxa contratual e as comissões vincendas até efectivo e integral pagamento; a partir de 30.11.2020, exclusive, a referida dívida será agravada diariamente em €0,17, encargo correspondente a juros calculados à taxa de 10,246%, acrescida das despesas extrajudiciais.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da exequente/apelante são questões a apreciar no presente recurso:
-1.ª – Da ampliação da matéria de facto.
- 2.ª - Da alegada inexistência de prescrição do direito de crédito exequendo em relação aos executados/embargantes.
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Como se viu, a 1.ª instância julgou procedentes os presentes embargos do executado e, em consequência, determinou a extinção da execução quanto aos executados/embargantes.
Para tanto, considerou-se, além do mais, que: “(…) O artigo 310.º do Código Civil, que estabelece um prazo curto de prescrição (5 anos), apenas abrange as prestações duradouras e, dentro destas, as que se renovam com periodicidade temporal certa (cfr. al. g) deste normativo).
(…)
A alínea e) do mencionado preceito legal diz respeito a quotas de amortização do capital pagáveis com os juros. Esta é inquestionavelmente uma hipótese que abrange obrigações de prestação fraccionada, dado que a mesma dívida é repartida por várias parcelas, compostas por uma parte de capital e outra parte pelos juros correspondentes, pagáveis conjuntamente, que se vencem em momentos temporais sucessivos, com igual periodicidade ou não.
De acordo com os instrumentos de contrato juntos em anexo à petição executiva, os negócios em causa nos autos respeitam aquelas especificidades.
Com efeito, naqueles contratos encontra-se convencionado que os empréstimos serão amortizados em prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros.
(…)
(…) existe consenso na jurisprudência e na doutrina em considerar que a alínea e) do artigo 310.º do Código Civil abrange as prestações vencidas e não pagas, que se encontram em mora, do plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, composto por diversas prestações periódicas, sendo aplicável aquele prazo curto de prescrição a cada uma dessas prestações; já é discutível que esse prazo especial de prescrição também se aplique ao contrato que prevê idêntico plano de pagamento prestacional que tenha sido resolvido pelo credor, por incumprimento definitivo do devedor.
A argumentação é a seguinte: se, em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos. Isto porque, resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo, o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida global (…)
A sociedade exequente alega que o incumprimento determinou, nos termos legais e contratuais, o direito de considerar vencida toda a dívida, reportada à data da última prestação paga, e, por via disso, o direito de exigir o pagamento imediato de todo o capital em dívida, à data da última prestação paga.
Por conseguinte, há que entender que a embargada considerou vencida a totalidade da dívida, pelo menos, em 2011 (cfr. art.º 27.º da contestação), momento em que as prestações deixaram de ser pagas (cfr. art.º 306.º, n.º 1, CC) e, consequentemente, exigível todo o seu crédito (cfr. as duas notas de débito juntas em anexo ao requerimento executivo).
Posta a questão nestes termos, o que importa, então, discutir é saber se a obrigação de restituição do capital mutuado por força do vencimento antecipado [cláusula 16.ª, alínea d) do documento complementar anexo ao contrato junto sob o número 1 na petição executiva; e cláusula 15.ª, alínea d), anexo ao documento complementar do contrato junto sob o número 2 na petição executiva] é qualitativamente idêntica (embora possa ser quantitativamente diferente) à obrigação contraída pela parte devedora (os mutuários) quando as partes acordaram a amortização fraccionada do capital emprestado.
A nossa resposta é no sentido de que o débito (global) reclamado pela exequente, na sequência do vencimento antecipado dos dois contratos, mais não é do que o resultado da soma das várias parcelas, compostas por capital e juros. Basta atentar no disposto no art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 de maio, para concluir que a taxa de juros moratórios é composta pela taxa de juros remuneratórios aplicável à operação, a que acresce uma sobretaxa anual máxima, que presentemente é de 3%, e que a taxa assim obtida incide sobre o capital vencido e não pago. Vale dizer, o total do capital em dívida e dos respectivos juros corresponde à soma do capital de cada uma das quotas não pagas, de acordo com o plano inicial de amortização, e dos juros correspondentes, a que acresce a referida penalidade (cfr. as duas notas de débito anexas à petição executiva).
Sendo assim, há que entender que a obrigação de restituição do capital mutuado, embora qualitativamente idêntica, é quantitativamente diferente da obrigação contraída pelos mutuários quando as partes acordaram a amortização fraccionada do capital, dado que a parcela relativa aos juros nas diversas fracções deixa de ter carácter remuneratório e passa a ter natureza indemnizatória, e por isso os juros são (ou podem ser) devidos a uma taxa diferente. Mas continua a subsistir uma parte de capital, sobre a qual incidem juros.
Nesta base [vale dizer, se a obrigação de restituição do capital mutuado é qualitativamente semelhante à obrigação contraída pelos devedores quando as partes acordaram o plano de amortização], a aplicação do prazo especial quinquenal ao caso dos autos não ofende a previsão do artigo 310.º do Código Civil – no sentido de que este apenas abrange as prestações duradouras e, dentro destas, as que se renovam com periodicidade temporal certa –, dado que a prescrição curta também só opera em relação a cada uma das parcelas, compostas por dívida de capital e juros correspondentes, e não em relação às quotas em dívida como um todo.
Disto resulta que a situação prevista na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil reporta-se também aos casos de uma única obrigação cujo cumprimento é efectivado em prestações fraccionadas no tempo, como é o caso das prestações mensais sucessivas que constam de um plano de amortização, acordado entre as partes, compostas por uma parte de capital e outra parte pelos juros correspondentes (…)
Do que se expôs resulta que o vencimento antecipado das prestações para amortização do contrato de mútuo bancário em nada altera o enquadramento jurídico da questão a solucionar.
Com efeito, a solução preconizada é também válida na hipótese de ter sido alegada (em princípio, pelo credor) a resolução do contrato de crédito, porque, neste caso, “a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização [do capital mutuado pagável com juros] não ao todo em dívida”(…)
(…)
É pacífico que num contrato de financiamento para aquisição de crédito estamos perante um caso de obrigação fraccionada ou repartida, que é única mas cujo cumprimento, normalmente por conveniência do devedor, se protela no tempo, através de sucessivas prestações, a pagar em datas diferidas, que não têm de ser regulares no tempo, até que o montante da dívida se encontre completamente liquidado, pelo que, como se decidiu no acórdão de RL 09/05/2006 (1815/2006-1), “considerando as finalidades supra referidas prosseguidas com o curto prazo de prescrição fixado neste artigo [artigo 310.º do CC], parece-nos que as mesmas são atendíveis para os dois tipos de situações, não se vislumbrando fundamento para limitá-las aos casos de obrigações periodicamente renováveis «stricto sensu».”
Em suma: a situação prevista na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil reporta-se também aos casos de uma única obrigação cujo cumprimento é efectivado em prestações fraccionadas no tempo, como é o caso das prestações mensais sucessivas que constam de um plano de amortização, acordado entre as partes, compostas por uma parte de capital e outra parte pelos juros correspondentes, mesmo que se verifique o vencimento antecipado das mesmas.
(…)
A embargada alega que em 30.11.2020, como expõe no requerimento executivo, procedeu à liquidação do montante em dívida dos dois contratos, e que, estando a dívida incorporada em título executivo, fica a mesma sujeita ao prazo ordinário de prescrição, nos termos do art.º 311.º, n.º 1, do Código Civil (cfr. art.ºs 29.º e 31.º da contestação).
Ficamos na dúvida sobre qual o documento a que se refere: se à sentença homologatória da lista de créditos reconhecidos no domínio do processo de insolvência dos mutuários, ou se às duas notas de débito juntas com a petição executiva.
Quanto a estas últimas, a circunstância de os fiadores terem declarado que aceitaram que a estipulação relativa ao extracto da conta e aos documentos de débito fossem também aplicáveis à fiança não confere exequibilidade àqueles documentos para efeitos de aplicação do n.º 1 do art.º 311.º do CC, dado que eles não se subsumem à factispecie do n.º1 do art.º 703.º do CPC. O elenco fechado ou taxativo dos títulos executivos impede que as partes atribuam força executiva a um qualquer outro documento.
Por conseguinte, a liquidação efectuada pelo credor mutuante não é relevante para converter um prazo curto de prescrição no prazo ordinário.
Para a hipótese de a embargada se estar a referir à sentença homologatória da lista de créditos reconhecidos no domínio do processo de insolvência dos mutuários, igualmente se deve entender que aquela decisão, ainda que passada em julgado, não consiste num título executivo contra os fiadores, que não foram parte naquele processo nem nele intervieram na qualidade de credores sub-rogados, pelo que aquela decisão não tem, contra esses garantes, força de caso julgado.
Com efeito, o elemento sistemático de interpretação (cfr. art.º 9.º, n.º 1, CC) impõe que o n.º 1 do art.º 311.º do CC deva ser interpretado em total coerência e respeito pelo âmbito subjectivo do caso julgado. Daí vem que a convolação do prazo de prescrição, nos termos daquele normativo, só se verifica em relação ao devedor (principal, subsidiário ou solidário) que tenha sido convencido na decisão (superveniente ao início do decurso desse prazo) que reconheceu o direito do credor. Por isso, nenhuma decisão que reconheça o crédito constitui título executivo contra um devedor que não tiver sido convencido (o que pressupõe que ele tenha tido a possibilidade de se defender) nessa pronúncia judicial (cfr. art.º 233.º, n.º 1, al. c), do CIRE, que apenas se refere ao devedor declarado insolvente).
O caso dos autos é paradigmático do que se acaba de afirmar: o título executivo que fundamenta a execução contra os fiadores não é a sentença homologatória da lista de créditos reconhecidos no domínio do processo de insolvência dos mutuários, mas antes os instrumentos de contrato em que aqueles declararam dever.
Se não fosse assim, de nada lhes valeria o prazo curto quinquenal de prescrição, dado que podiam ser demandados com base num título no qual os fiadores não interviessem, não sendo tal documento, por isso, nem constitutivo, nem recognitivo de dívida.
(…)
(…) há que considerar que o prazo curto de cinco anos decorreu por completo antes da instauração da execução.
Com efeito, a última prestação paga pelos mutuários ocorreu em 2011, sendo que a embargada considerou vencido o capital nessa data (cfr. art.º 27.º da contestação) e, consequentemente, exigível todo o seu crédito.
Uma vez que a totalidade da dívida se venceu, pelo menos, em 2011, conforme se expôs, e tendo em conta que entre aquela data e a instauração da execução (02.12.2020) o prazo de prescrição quinquenal não foi interrompido ou ficou suspenso, dado que não foi alegado pela embargada uma causa de interrupção ou de suspensão daquele prazo, há que concluir que o crédito exequendo se encontra prescrito (…)”.
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1.ªquestão – Da ampliação da matéria de facto.
Começa a exequente/apelante por defender que para uma correcta interpretação e enquadramento do caso dos autos, verifica-se que o teor da cláusula 16.ª do documento complementar anexo ao primeiro contrato de mútuo (PT ………………) e da cláusula 15.ª do segundo contrato (PT ……………..) de onde consta que “à credora fica reconhecido o direito de considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato”, que não foram impugnados pelos embargantes, deveriam ser incluídos na matéria de facto provada, o que agora requere.
Vejamos.
É certo que as decisões da matéria de facto podem sofrer de diversas patologias, entre elas, a situação de se revelarem total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladoras de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso.
Nesses casos pode este tribunal mesmo oficiosamente actuar, como resulta do preceituado no art.º 662.º n.º2, al. c), do C.P.Civil, ou seja, “A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.
Assim, verificando-se uma das supra referidas patologias da decisão da matéria de facto, atentos os poderes conferidos ao Tribunal da Relação como verdadeiro tribunal de instância – além do poder tem o dever, por um lado, de deles conhecer oficiosamente (independentemente da existência ou não de impulso da parte interessada) e, por outro, de os poder suprir imediatamente, desde que, naturalmente, constem do processo (ou da gravação) os elementos probatórios indispensáveis para esse suprimento.
Ou seja, pode o Tribunal da Relação ser confrontado com uma decisão de facto deficiente, exigindo-se a sua ampliação, por exemplo, por terem sido desconsiderados nos temas de prova factos alegados pelas partes e essenciais para a resolução do litígio ou, ainda por terem sido desconsiderados na decisão factos que se revelem essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem um enquadramento ou fundamentação jurídica diverso do que foi suposto pelo Tribunal a quo.
Depois destas linhas gerais e analisando o caso concreto dos autos, neles não vislumbramos qualquer deficiência no elenco factual julgado provado em 1.ª instância, ou seja, não vislumbramos que tenham sido desconsiderados factos que se revelam essenciais para a boa e justa decisão do presente litígio.
É certo que as cláusulas contratuais chamadas à colação pela exequente/apelante não foram objecto de impugnação por parte dos executados/ /embargantes, assim como não foram os dois contratos de mútuo onde as mesmas se inserem, assim como não impugnaram o incumprimento dos mesmos por parte dos mutuários, nem impugnaram o facto de a exequente/apelante ter, em consequência desse incumprimento, o direito a considerar os empréstimos vencidos. Pois que, como bem se vê da petição dos presentes embargos, o que os executados/embargantes (fiadores) vêm por em causa é o facto de a exequente/embargante não os ter interpelado, aquando do incumprimento por parte dos mutuários, para realizarem o pagamento dos empréstimos assim vencidos.
E além disso, vendo o elenco factual julgado provado em 1.ª instância, dúvidas não restam de que: “Em relação ao contrato n.º PT …………….., o vencimento do capital em dívida ocorreu em 02.07.2011; e em relação ao contrato n.º PT …………….., o vencimento do capital em dívida ocorreu em 02.11.2011”, e manifestamente em decorrência do accionamento pela exequente/apelante do seu direito potestativo de considerar todo o empréstimo vencido, ou seja, por força do funcionamento das cláusulas 16.ª e 15.ª dos respectivos contratos.
Deste modo e sem necessidade de mais considerações, não se verificada a necessidade e/ou oportunidade de ampliação da matéria de facto julgada provada em 1.ª instância com vista à justa decisão do presente litígio, desde logo porque os referidos contratos não foram impugnados e todo o seu teor pode ser consultado e tido em consideração nos autos, pelo que nesta parte improcedem as conclusões da apelante.
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2.ªquestão - Da alegada inexistência de prescrição do direito de crédito exequendo em relação aos executados/embargantes.
Vendo o complexo fáctico provado nos autos e o que correctamente está vertido na fundamentação da decisão recorrida, é manifesto que não assiste razão à exequente/ apelante.
Senão vejamos.
A exequente/embargada/apelante deu à execução de que este é um apenso como títulos executivos dois contratos de mútuo, (PT ................. e PT .................) nos quais aqueles executados intervieram na qualidade de fiadores e principais pagadores, para cobrança da quantia de €56.993,86, acrescida de juros de mora, às taxas contratualizadas, sobre o capital em dívida, até efectivo e integral pagamento, bem como imposto de selo sobre aqueles juros.
Na realidade por via da escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança (PT .................), outorgada no dia 2.08.2000, a exequente concedeu aos mutuários E... e mulher F..., entretanto declarados insolventes, a quantia de €74.819,68, os quais para garantia do cumprimento do contrato constituíram a favor da exequente, que aceitou, hipoteca sobre determinado bem imóvel dos mutuários, tendo ainda os ora executados/embargantes, se responsabilizado como fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido à exequente em consequência do dito empréstimo, tendo dado, desde logo, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que viessem a ser convencionadas entre a exequente e mutuários e aceitado que a estipulação relativa ao extracto da conta e aos documentos de débito fossem também aplicáveis à fiança.
Por incumprimento por parte dos mutuários, - ou seja, tendo os mutuários deixado de efectuar o pagamento das prestações a que se haviam vinculado através do referido contrato de mútuo, o que se verificou em 2.07.2011, ocorreu então o vencimento do capital em dívida por força do referido contrato. E o imóvel dado em hipoteca, atenta a declaração de insolvência dos mutuários, foi objecto de venda no âmbito do respectivo processo de insolvência, no qual a exequente foi credora/reclamante, e em 20.04.201 o imóvel foi-lhe adjudicado pelo valor de €55.000,00, sendo que o valor que coube à exequente do produto da venda do imóvel já foi devidamente aplicado na redução do valor em dívida, não tendo permitido a liquidação integral dos créditos da exequente.
Mais está provado nos autos, que a exequente por escritura pública de contrato de empréstimo e fiança (PT .................), concedeu aos mutuários E... e mulher F... um empréstimo de €9.975,96, os quais se confessaram solidariamente devedores da exequente por tal quantia, e por via do constante da cláusula 13.º desse contrato, os ora executados/embargantes, responsabilizaram-se como fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido à credora em consequência de tal empréstimo, tendo dado, desde logo, o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que viesse a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora e aceite que a estipulação relativa ao extracto da conta e dos documentos de débito fossem também aplicáveis à fiança.
Também por incumprimento contratual dos mutuários - ou seja, tendo os mutuários deixado de efectuar o pagamento das prestações a que se haviam vinculado através do referido contrato de mútuo, o que se verificou em 2.11.2011, ocorreu então o vencimento do capital em dívida respeitante a este contrato.
Da liquidação feita pela exequente/apelante à data de 30.11.2020, encontram-se em dívida, relativamente a cada um dos contratos, os seguintes valores:
- €54.262,38, valor ao qual acrescem os juros calculados à taxa contratual e as comissões vincendas até efectivo e integral pagamento; a partir de 30.11.2020, exclusive, a referida dívida será agravada diariamente em €7,25, encargo correspondente a juros calculados à taxa de 10,246%, acrescida das despesas extrajudiciais (contrato PT .................).
- €2.731,48, valor ao qual acrescem, ainda, os juros calculados à taxa contratual e as comissões vincendas até efectivo e integral pagamento; a partir de 30.11.2020, exclusive, a referida dívida será agravada diariamente em €0,17, encargo correspondente a juros calculados à taxa de 10,246%, acrescida das despesas extrajudiciais (contrato PT .................).
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A execução de que este é um apenso foi intentada em 2.12.2020 e os executados/embargantes foram citados para a mesma em 18.12.2020. Pelo que atentas as datas de incumprimento dos supra referidos contratos por parte dos mutuários invocadas pela própria exequente, os executados/embargantes vieram excepcionar a prescrição do direito de acção e da obrigação de juros, concretamente invocaram que todo o crédito exequendo invocado pela exequente/embargada se encontra prescrito.
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A 1.ª instância dando inteira razão aos executados/embargantes julgou os embargos procedentes e consequentemente declarou extinta a execução de que eles são um apenso.
A exequente/apelante insurge-se contra o assim decidido.
Vejamos então.
Como bem se referiu no Acórdão desta Relação de 11.04.2019, (da 1.ª Adjunta deste Colectivo) e como é também o caso dos presentes autos “A obrigação assumida pelo executado no dito contrato de mútuo é uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais. É certo que não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações. As obrigações de prestação fraccionada ou repartida não se confundem com as chamadas obrigações duradouras. Nas obrigações duradouras a prestação é satisfeita ou continuadamente (v.g. fornecimento de electricidade) ou renova-se em prestações sucessivas ou parcelares (v.g. obrigações do locatário).
As obrigações de prestação fraccionada ou repartida são aquelas em que “apesar do seu cumprimento se prolongar no tempo, não podem ser consideradas obrigações duradouras. Com efeito, a obrigação de pagar o preço a prestações cumpre-se em fracções sucessivas durante um certo período de tempo, mas o tempo não exerce influência no seu montante - o que é nota característica das obrigações duradouras” (Teoria Geral do Direito Civil, Mota Pinto, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 638).
No caso, tendo em conta que a obrigação engloba a restituição do capital mutuado e os juros e demais encargos, as prestações em que as partes fraccionaram tal obrigação configuram a restituição fraccionada do capital, acrescido dos juros pelo que se mostra preenchida a previsão da citada alínea e) do artigo 310.º, relativa a quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
É que o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser também um prazo mais curto.
Tem sido este o entendimento do STJ – v.g. Ac. de 29.09.2016, proc. 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, in www.dgsi.pt – onde se consignou: ”Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art.º 310.º, já que – por explícita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição. Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art.º 310.º”.
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Aplicando estes ensinamentos ao caso concreto, haverá naturalmente que se considerar a situação dos autos subsumível ao prazo prescricional de cinco anos previsto no art.º 310.º, al. e) e também na al. d) do C.Civil, esta respeitante aos juros.
Na realidade considerando a factologia provada nos autos e o teor dos documentos a eles juntos, está provado nos autos que:
- por documento denominado “compra e venda, mútuo com hipoteca”, e documento complementar, datado de 2.08.2000, a exequente/embargada vendeu aos mutuários E... e mulher F... vendeu a estes determinando bem imóvel para pagamento do respectivo preço emprestou aos mesmos a quantia de €74.819,68, pagável em 30 anos, amortizável em prestações mensais de capital e juros. Também os ora embargantes outorgaram tal documento, na qualidade de “fiadores”, responsabilizando-se, solidariamente, como principais pagadores de todas as obrigações emergentes do citado contrato; e que,
- por documento denominado “contrato de empréstimo” datado de 25.07.2000, a exequente/embargada emprestou aos mutuários E... e mulher F... a quantia de €9.975,96, os quais se confessaram solidariamente devedores por tal quantia, pagável em 30 anos, mediante 360 prestações mensais de capital e juros, tendo igualmente os ora executados/embargantes, se responsabilizado como fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido à credora em consequência de tal empréstimo.
Os mutuários deixaram de cumprir o acordado (entraram em situação e incumprimento) desde 2.07.2011 e 2.11.2011, respectivamente.
A exequente/embargada apenas, por cartas de 26.10.2020, que remeteu aos referidos fiadores (embargantes), os interpelou para o pagamento do montante em dívida, e nada tendo sido pago, intentou a mesma em 2.12.2020, a execução de que este é um apenso para a qual foram os ora embargantes citados em 18.12.2020. Pelo que não tendo ocorrido qualquer interrupção do prazo prescricional que começou a correr em Julho e Novembro de 2011, respectivamente.
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O direito de crédito da exequente/embargada resulta da obrigação de restituição das quantias mutuadas através dos referidos contratos, a realizar mediante 360 prestações mensais e sucessivas predeterminadas, que incluíam capital e juros remuneratórios, a pagar no prazo de 30 anos, originando uma prestação unitária e global. Ou seja, em rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações com periodicidade mensal.
Trata-se das denominadas obrigações híbridas ou mistas, normalmente acordadas no mútuo bancário. Não são nem obrigações de reembolso de capital e nem obrigações de pagamento de juros. São obrigações unitárias – e não autónomas -, ainda que se destinem a cumprir uma dupla função: restituição e remuneração do capital mutuado. Ou seja, de uma obrigação unitária, em que o pagamento do capital tem lugar ao mesmo tempo que o pagamento dos juros vencidos, aplica-se-lhe o prazo quinquenal de prescrição, cfr. Acs. do STJ de 18.10.2018, de 5.06.2018, de 29.06.2016, 16.06.2020 e 26.01.2021, todos in www.dgsi.pt.
Ora, no caso em apreço nos autos, dúvidas não restam de que a obrigação de pagamento assumida pelos executados/embargantes, na qualidade de ”fiadores”, responsabilizando-se solidariamente, como principais pagadores de todas as obrigações emergentes dos referidos contratos face à exequente/embargada, engloba capital e juros, tendo-se convertido em várias prestações periódicas, mensais, de uma quantia global que foi fraccionada. Quantia esta que, face ao acordo celebrado, ia sendo amortizada à medida que ocorresse o pagamento de cada uma das prestações. E dúvidas também não restam de que embargantes/executados prestaram fiança, mas podem, nessa qualidade invocarem, como meio de defesa, a prescrição da dívida dos mutuários para com a exequente/apelada, cfr. art.ºs 627.º, 634.º e 637.º, todos do C. Civil.
Temos presente o que o STJ no Ac. de 27.03.2014, in www.dgsi.pt, se entendeu - em hipótese em que estava igualmente em causa a efectivação de direitos emergentes de um mútuo bancário - que: “1. O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C.Civil); todavia, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros - art.º 310.º, alínea e), do C. Civil. 2. O débito concretizado numa quota de amortização mensal de 24 prestações (iguais, mensais e sucessivas) referentemente ao capital de 7.326.147$00, enquadra -se na previsão legal do disposto no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil”.
Mais se consignou em tal Ac. que “Na verdade, se é certo que a disciplina legal estatuída na alínea e) do art.º 310.º do C.Civil se não estenderá aos casos em que se verifica “uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo”, o certo é que a realidade circunstancial que envolve o relacionamento contratual estabelecido entre o exequente e os executados se não propaga nesta realidade jurídico-substancial.
Convenhamos que das considerações, difundidas por Ana Filipa Morais Antunes, insertas nos “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia; volume III; página 47” se retira lição diferente daquela que o recorrente pretende divulgar.
Como nelas se contêm “…na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida
Prosseguindo nesta análise, completa este estudo que constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.
A obrigação assumida pelos signatários do contrato, confirmamos nós, compartimentada num mútuo e respectivos juros, converteu-se numa prestação mensal de fraccionada quantia global que, desta forma, iria sendo amortizada na medida em que se processasse o seu cumprimento; e esta facticidade está abrangida pelo regime jurídico descrito no artigo 310.º, alínea e), do C. Civil”.
E no mais recente Ac. do STJ de 6.06.2019, in www.dgsi.pt, escreveu-se que “I - A previsão da al. e) do art.º 310.º do CC exige que o vencimento das prestações remuneratórias coincida temporalmente com o vencimento das prestações de amortização do capital – em suma, exige a natureza unitária das prestações –, impondo ao credor um dever de diligência na cobrança dos seus créditos e tutelando, paralelamente, o interesse do devedor em não ser confrontado, a destempo, com a acumulação de dívidas menores mas com vencimentos sucessivos e periódicos. II - A previsão da al. g) reporta-se unicamente a prestações periodicamente renováveis, usualmente emergentes de contratos de fornecimento de energia, gás e água”.
E ainda nesta mesma linha de entendimento pode ler-se no Ac. do STJ de 29.09.2016, in www.dgsi.pt que: “I - Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art.º 310.º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos. II - Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.”
E mais recentemente escreveu-se ainda no Ac. do STJ de 4.05.2021 que: “I. Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização. II. Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil. III. A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil”.
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Ora, considerando a factualidade apurada nos autos, dela resulta, de uma forma clara, que estão verificados os requisitos que poderiam permitir o preenchimento da al. e) do art.º 310.º do C.Civil, aplicável aos casos em que, para além de ser estipulada a amortização do capital através do pagamento de prestações, estas se vençam em simultâneo com o vencimento da prestação de juros remuneratórios, sendo aplicável o prazo da prescrição de cinco anos ao direito de crédito exigido coercivamente pela exequente/embargada, ou seja, à totalidade das prestações em dívida e que constituem a quantia exequenda.
Como é sabido, o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos, cfr. art.º 309.º do C.Civil, existindo ainda um prazo comum de cinco anos, aplicável nomeadamente às prestações periódicas, pois que prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, cfr. al. e) do art.º 310.º do C.Civil. E na contagem do prazo, a regra é começar a correr a partir do momento em que o direito pode ser exercido, cfr. art.º 306.º n.º 1 do C.Civil.
Na verdade, a al. e) do art.º 310.º do C.Civil exige que as prestações que representem a amortização do crédito principal coincidam temporalmente com o vencimento da obrigação de pagamento de juros, visando o legislador, com o estabelecimento de uma prescrição com um prazo mais reduzido do que o prazo geral de 20 anos constante do art.º 309.º do C.Civil, impor ao credor um dever de diligência no sentido da cobrança dos créditos dessa natureza, ao mesmo tempo que tutela os devedores no sentido de não serem confrontados a destempo com uma dívida resultante da acumulação de dívidas menores mas com vencimentos sucessivos e periódicos. Ou dito de outro modo, de modo a evitar que a acumulação da dívida que o retardamento na cobrança das prestações que incluem capital e juros por parte do credor conduzisse à impossibilidade de pagamento por parte do devedor. E mesmo que se considere vencido todo o capital, tal preocupação com o devedor mantém-se.
Assim sendo, mesmo que o crédito cuja amortização acordada em prestações de capital e juros se tenha vencido antecipadamente pelo incumprimento, nos termos clausulados, como no caso em apreço, ou nos termos supletivos do disposto no art.º 781.º do C. Civil, não se altera a natureza da dívida, porquanto o que é devido é a totalidade das fracções, isto é, como se afirma no Ac. do STJ, de 10.09.2020 in www.dgsi.pt, “todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida. E o facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros (cfr. AUJ 7/2009, in DR. I, de 5.05.2009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere, em nosso modo de ver, com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é altera elas vicissitudes do incumprimento”.
Na verdade e no que respeita àquela norma supletiva inserta no art.º 781.º do C.Civil, ou seja, que: “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”, o que está em causa é a perda de benefício do prazo pelo devedor, mas a consequência prevista neste artigo não é a constituição automática do devedor em mora pela totalidade das prestações em falta.
Nas dívidas a prestações ou fraccionadas, faltando o devedor ao cumprimento de uma prestação, o credor pode exigir imediatamente as restantes prestações, antes do tempo acordado para a sua sucessiva exigibilidade. Ou seja, fica na disponibilidade do credor fazê-lo ou não, mas se quiser usar o benefício que a lei lhe concede tem de manifestar a sua vontade, interpelando o devedor para cumprir imediatamente as prestações vincendas. Ou como se refere no Ac. do STJ de 26.01.2021, in www.dgsi.pt(…) o incumprimento de uma prestação de uma dívida pagável em prestações acarreta apenas a exigibilidade antecipada das restantes prestações e não o seu vencimento automático. É, por isso, necessário que o credor interpele o devedor para que se produza o vencimento de todas as prestações e, deste modo, exigir antecipadamente o pagamento das restantes prestações. Reitere-se: o art.º 781.º apenas atribui ao credor o poder de exigir o cumprimento da obrigação - ainda que essa exigência, nos termos do acordo das partes, apenas pudesse ser feita mais tarde –, não colocando automática e imediatamente, independentemente da respectiva interpelação, o devedor numa situação de incumprimento.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sufragado a última tese, sustentando que o vencimento imediato de todas as prestações, nos termos do art.º 781.º, do CC, pressupõe a interpelação do devedor”. E mais adiante, “As obrigações híbridas ou mistas em apreço – que não se limitam a reembolsar fraccionadamente o capital mutuado, visando também remunerar a disponibilização do capital - não se subsumem à hipótese do art.º 781.º, que apenas comtempla prestações fraccionadas ou repartidas (…) Portanto, da aplicação por analogia do art.º 781.º às obrigações híbridas ou mistas em apreço resultaria, como consequência do incumprimento de uma prestação que visasse parcialmente a amortização do capital mutuado, o “vencimento antecipado” das restantes parcelas do capital”.
Também como vem sendo jurisprudência firmada no Supremo Tribunal de Justiça, cfr. Ac. do STJ, de 18.10.2018, in www.dgsi.pt, mostra-se equiparada “a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fraccionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art.º 310.º, alínea e), do CC”, pois o que “justifica a prescrição dos juros decorridos o prazo de cinco anos, tem igual cabimento, no caso do referido pagamento fraccionado, não obstante a restituição do capital mutuado possa corresponder a uma obrigação unitária”.
Dúvidas não restam de que quando a exequente intentou a execução já haviam decorrido mais de cinco anos sobre a data do início do incumprimento contratual (Julho e Novembro de 2011) e tendo decorrido o prazo de cinco anos, sem qualquer interrupção, o direito de crédito exequendo encontra-se prescrito em relação aos fiadores ora executados/embargantes, pelo que estes podem recusar o cumprimento da prestação e opor-se à exigência coerciva do direito do direito de crédito.
Assim sendo e sem necessidade de outros considerandos improcedem as restantes conclusões da apelante, havendo de se confirmar a decisão recorrida.

Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela exequente/apelante.

Porto, 2021.12.15
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues