Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
133/12.0TTBCL.6.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: REMIÇÃO DE PENSÃO
PRATICANTE DESPORTIVO
ESTRANGEIRO
Nº do Documento: RP20200217133/12.0TTBCL.6.P1
Data do Acordão: 02/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O legislador da Lei nº8/2003 de 12.05 não pretendeu regular as condições de remição (obrigatória ou facultativa parcial) das pensões atribuídas aos praticantes desportivos profissionais mas apenas salvaguardar a situação daqueles praticantes, de nacionalidade estrangeira, que pretendam deixar Portugal. E assim sendo, ao caso era aplicável a Lei nº100/97 de 13.09, e respectivo regulamento, como é aplicável, atendendo à data do acidente dos autos, a Lei nº98/2009 de 04.09, nomeadamente os requisitos previstos no artigo 75º desta Lei para a remição obrigatória e para a remição parcial [actual LAT], tendo em conta o que dispõe o artigo 6º da Lei nº8/2003.
II - Tendo o sinistrado formulado pretensão no sentido de “remir parcialmente o valor de €30.000,00 da sua pensão anual”, os limites previstos no artigo 75º, nº2 da LAT devem incidir sobre a pensão total fixada ao sinistrado, ou seja, devem ter em conta a totalidade da pensão anual e não apenas uma parte/fracção da mesma [a al. a) do nº1 do artigo 75º da LAT já previne o valor do montante da pensão “sobrante”, a significar que a remição é parcial, e não parcial de fracção de pensão anual], precisamente porque o legislador da LAT não admite a remição parcial nos casos em que a pensão anual é muito elevada e que, por isso, origina cálculos de capital de remição de montantes excessivamente altos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº133/12.0TTBCL.6.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1641
Adjuntos: Dr. Domingos José de Morais
Dra. Paula Leal de Carvalho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
Nos presentes autos de acidente de trabalho, iniciados em 2012, no então Tribunal do Trabalho de Barcelos, secção única, em que é sinistrado B… e entidade responsável C… – Companhia de Seguros S.A., aquele veio declarar pretender remir parcialmente o valor de €30.000,00 da sua pensão anual a que corresponde um capital de remição de €496.650,00. A Seguradora veio opor-se.
Em 27.06.2019 foi proferido despacho que autorizou a remição parcial da quota-parte da pensão no montante de €30.000,00.
A Ré Seguradora, inconformada, veio recorrer, pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por outra que indefira o pedido de remição parcial, concluindo do seguinte modo:
1. Ao sinistrado, sendo um futebolista profissional, é aplicável o regime resultante da Lei nº8/2003 de 12.05, a qual determina, no seu artigo 2º, a limitação das pensões devidas em dois momentos temporais consecutivos “a) 14 vezes o montante correspondente a 15 vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da fixação da pensão, até à data em que o praticante desportivo profissional complete 35 anos de idade e b) 14 vezes o montante correspondente a oito vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido aos trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da alteração da pensão, após a data referida na alínea anterior”.
2. Ou seja, fixada a incapacidade do trabalhador sinistrado, nestes casos, segue-se a fixação de uma primeira pensão que, não sendo vitalícia, mas temporária, tem uma duração determinada até um termo certo – a data em que o trabalhador complete 35 anos de idade e, completados os 35 anos de idade, então a pensão é reduzida para o limite previsto na alínea b), essa sim, de fixação vitalícia, ainda que sujeita às actualizações anuais.
3. De modo que, até o trabalhador perfazer 35 anos a pensão está fixada e limitada por um período de tempo limitado e definido e não vitalício.
4. A remição de uma pensão consiste no pagamento das pensões devidas, ou parte destas, sob a forma de um capital único que considere o valor anual da pensão e a idade do sinistrado, para que possa estimar a sua projecção na vida previsível do beneficiário, dada a natureza vitalícia com que é fixada.
5. Atenta a especificidade do regime destes trabalhadores, e no que respeita à pensão temporária vigente até aos 35 anos do trabalhador, não pode ter lugar a remição parcial por aplicação subsidiária do artigo 75º, nº2 da LAT.
6. Daí, na regulamentação especial do artigo 5º da Lei nº8/2003, não estar contemplada essa faculdade, mas tão só a possibilidade de a remição ser acordada se o trabalhador passar a residir no estrangeiro.
7. Um dos pressupostos da remição parcial prevista no artigo 75º, nº2 da LAT é que a pensão a remir parcialmente seja uma pensão anual vitalícia, o que não acontece com uma pensão que apenas vai receber até perfazer os 35 anos de idade, como no caso em apreço.
8. As restrições à remição de uma pensão destinam-se a proteger o trabalhador e não a conferir-lhe um ganho indevido extra, o que acontece se lhe for permitido receber antecipadamente o capital de remição calculado para toda a sua vida previsível quando ela está fixada nesse montante apenas até aos 35 anos.
9. O recurso a uma faculdade processual da remição parcial destinada a antecipar o capital vitalício de uma prestação, como forma de contornar, violando, os limites máximos que o legislador fixou para a pensão desta categoria de trabalhadores, configura fraude à lei impondo-se a sua neutralização pela negação da pretensão aplicando-o por analogia o regime dos artigos 280º, 281º e 294º do CC.
10. Violou a decisão recorrida, o disposto no artigo 2º, nº2, 5º, 6º da Lei nº8/2003 de 12.05, artigos 75º, nº2, 76º da LAT e 280º, 281º e 294º do CC.
Não foram apresentadas contra-alegações e o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Admitido o recurso cumpre decidir.
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II
Matéria de facto a ter em conta no presente recurso
[para além da já referida].
1. Por sentença datada de 05.01.2015 foi fixado ao sinistrado a IPP de 30,355%, por aplicação da tabela de comutação específica para a actividade de praticante de desporto profissional prevista pela Lei nº8/2003 de 12.05, e condenada a Ré seguradora a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia de €42.497,85, actualizável, com início em 31.12.2012, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde essa data e até integral pagamento.
2. Em 18.08.2016 o sinistrado veio requerer a revisão da sua incapacidade com o fundamento de que a mesma se agravou.
3. O sinistrado e a Ré seguradora vieram celebrar transacção nos seguintes termos: “1. A Ré Seguradora reconhece que, em consequência do acidente de trabalho que o sinistrado sofreu em 29.01.2011, a situação de incapacidade do sinistrado é de 20% TNI com IPATH (incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual). 2. Nos termos da Lei nº8/2003 de 12 de Maio, e considerando a idade do sinistrado (30 anos) à data do pedido de revisão de incapacidade, as partes reconhecem que a essa IPP de 20% corresponde, em termos de comutação, a IPP específica de 34,37%. 3. As partes reconhecem que, actualmente, o sinistrado está afectado de IPP específica de 34,37%, com IPATH, ou seja, o sinistrado encontra - se incapacitado para o exercício da sua profissão habitual de praticante profissional de futebol. 4. A Ré Seguradora obriga-se a pagar ao sinistrado uma pensão anual devida desde 18.08.2016 – data da apresentação do requerimento para revisão – e nos montantes máximos legais previstos no nº2 do artigo 2º da Lei nº8/2003 de 12 de Maio. 4.1. Pensão anual de €111.300,00 (cento e onze mil e trezentos euros) até aos 35 anos do sinistrado. 4.2. A partir dessa idade, uma pensão anual e vitalícia com limite máximo de 14 vezes o montante correspondente a oito vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da alteração da pensão, conforme alínea b) do nº2 do artigo 2º da Lei nº8/2003 de 12 de Maio. 4.3. As prestações já vencidas serão pagas de uma só vez, com a primeira vincenda e a indemnização, deduzidas das pensões entretanto pagas, acrescidas de juros de mora, à taxa legal (artigo 135º do CPT). 4.4. Às pensões anuais calculadas nos termos dos nºs.1 e 2 anteriores aplicam-se as regras de actualização anual das pensões previstas no nº1 do artigo 6º do DL nº142/99 de 30 de Abril” (…)
5. Em 23.04.2018 foi proferido o seguinte despacho: (…) “Considerando que a IPP acordada (20% com IPATH) coincide com a atribuída em sede de junta médica e o valor pelo qual as partes pretendem transigir não implica qualquer renúncia a direitos indisponíveis, considero a transacção válida, quer quanto ao objecto, quer pela qualidade das pessoas que nela intervieram, pelo que a homologo por sentença condenando as partes e absolvendo-as, nos precisos termos aí exarados e aqui dados por reproduzidos” (…).
6. O sinistrado nasceu em 24.01.1986.
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III
Objecto do recurso.
1. Da não aplicação subsidiária do determinado no artigo 75º da Lei nº98/2009 de 04.09 (LAT).
2. Da não verificação dos pressupostos da remição parcial previstos no artigo 75º, nº2 da LAT.
3. Da fraude à lei e do uso anormal do processo.
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IV
Da não aplicação subsidiária do determinado no artigo 75º da LAT.
Na decisão recorrida, a respeito da Lei nº8/2003, de 12.05, diz-se o seguinte: (…) “Nada vem especificadamente regulado em sede de remição das pensões, à excepção do artigo 6º (aliás igualmente previsto no regime geral – nº3 do artigo 75º da Lei nº98/2009 de 04.09). De referir, contudo, que tal norma, ao contrário do entendimento da seguradora, apenas permite a remição dentro daquele condicionalismo, apenas se refere a uma situação específica de estar em causa um praticante desportivo profissional de nacionalidade estrangeira que pretende deixar o país, permitindo resolver definitivamente a sua situação, recebendo a totalidade do capital que teria direito ao longo da sua vida, evitando manter um vínculo com este país, onde esteve temporariamente apenas por motivos profissionais, com todas as vicissitudes daí decorrentes. Aliás, permitir a remição de uma pensão a um praticante desportivo apenas pela circunstância do mesmo ser estrangeiro, seria uma clara violação do direito à igualdade relativamente aos nacionais, que em tudo o mais estivessem numa situação idêntica. O artigo 5º apenas poderá ser interpretado como um regime específico de remição para os praticantes desportivos estrangeiros que pretendam deixar Portugal, não coarctando o direito aos demais (praticantes desportivos) poderem ver a sua pensão remida ainda que parcialmente desde que verificado o condicionalismo previsto no artigo 75º da Lei nº98/2009, de 04.09, em vigor à data do acidente. Portanto, tendo regulado especificamente a remição para aquele conjunto de casos e nada tendo estabelecido para os restantes, apenas se pode aplicar subsidiariamente a Lei nº98/2009, de 04.09 como expressamente o definiu o artigo 6º da mesma Lei nº8/2003, de 12.05” (…) “Cremos que para o efeito é irrelevante o valor da pensão. A mesma será remível se e na medida em que se verifique o condicionalismo previsto no citado artigo 75º” (…) “tendo em conta que o sinistrado padece de uma IPP de 20% com IPATH, o salário mínimo nacional é, neste momento, de € 600 e a pensão é actualmente de €115.691,84 por força da respectiva actualização, a parte sobrante não pode ser inferior a 3.600,00 (€600 x3). Sendo o valor da pensão calculada com base numa incapacidade de 30% de €42.000,84 (considerando o vencimento do sinistrado de € 200.004,00) o capital de remição corresponderia a €695.323,91, considerando a idade do sinistrado à data do pedido de remição (33 anos) e que o factor de multiplicação seria de 16.555 de acordo com a Portaria nº11/2000 de 13.01. A pensão que o sinistrado pretende remir no montante de €30.000,00 corresponde a um capital de remição de €496.650,00, inferior ao limite da alínea b) do nº2 do citado normativo. A pensão sobrante corresponde ao valor de €85.691,84 portanto superior ao limite da alínea a) do nº2 do citado normativo. Assim sendo, autorizo a remição parcial requerida da quota-parte da pensão no montante de €30.000,00” (…).
Diz a apelante que a possibilidade de remição da pensão está especialmente regulada no artigo 5º da Lei nº8/2003 de 12.05 a determinar a não aplicação, ao caso, do disposto no artigo 75º da LAT.
Cumpre dizer que o acidente ocorreu em 29.01.2011 sendo aplicável ao caso a Lei nº8/2003 de 12.05 [a Lei nº27/2011 de 16.06 aplica-se tão só aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor – 17.06.2011 – artigo 13º desta Lei] e a Lei nº98/2009 de 04.09.
Nos termos do artigo 5º da Lei nº8/2003 de 12.05 – sob a epígrafe “Remição da pensão” – “Em caso de acidente de trabalho sofrido por um praticamente desportivo profissional de nacionalidade estrangeira do qual resulte a incapacidade permanente ou morte, a pensão anual vitalícia devida pode ser remetida em capital, por acordo entre a empresa de seguros e o beneficiário da pensão, se este optar por deixar Portugal”.
A Lei nº8/2003 entrou em vigor no dia 13.05.2013. Nesta data estavam em vigor a Lei nº100/97 de 13.09 e o DL nº143/99 de 30.04. O estabelecido no artigo 5º da Lei nº8/2003 constituía regime especial, para os praticantes desportivos profissionais de nacionalidade estrangeira, posto que o artigo 33º da Lei nº100/97 de 13.09 e o artigo 56º do DL nº143/99 de 30.04 eram omissos neste particular [a actual LAT já regula essa situação, precisamente no nº3 do seu artigo 75º, razão pela qual a Lei nº27/2011 de 16.06 deixou de fazer qualquer referência ao que estabelecia o artigo 5º da Lei nº8/2003 de 12.05].
Do acabado de referir decorre, sem margem para dúvidas, que o legislador da Lei nº8/2003 não pretendeu regular as condições de remição (obrigatória ou facultativa parcial) das pensões atribuídas aos praticantes desportivos profissionais mas apenas salvaguardar a situação daqueles praticantes, de nacionalidade estrangeira, que pretendam deixar Portugal.
E assim sendo, ao caso era aplicável a Lei nº100/97 de 13.09, e respectivo regulamento, como é aplicável, atendendo à data do acidente dos autos, a Lei nº98/2009 de 04.09 [actual LAT], tendo em conta o que dispõe o artigo 6º da Lei nº8/2003 [«À reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais são aplicáveis as normas do regime jurídico geral dos acidentes de trabalho, aprovado pela Lei nº100/97, de 13 de Setembro, bem como toda a legislação regulamentar, em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente lei»].
Na verdade, o legislador não poderia desconhecer que a LAT estabelecia os requisitos de que dependia a remição obrigatória e a remição facultativa parcial da pensão, pelo que se quisesse excluir essa possibilidade o deveria ter dito expressamente, o que não aconteceu, pois que apenas regulou, em matéria de remição, a situação daqueles específicos trabalhadores (os estrangeiros).
Deste modo, improcede a pretensão da apelante no sentido de se considerar não aplicável ao caso o disposto no artigo 75º da LAT.
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V
Da não verificação dos pressupostos da remição parcial previstos no artigo 75º, nº2 da LAT.
Refere a apelante: no caso não se verificam os pressupostos da remição parcial dado que o sinistrado não veio requerer a remição de uma pensão anual vitalícia mas de uma pensão que apenas vai receber até perfazer os 35 anos de idade, e por isso, temporária. E como na data do requerimento de remição parcial da pensão tinha 33 anos, o sinistrado está a requerer a remição de uma pensão que só vai receber por mais 2 anos, que é temporária e não vitalícia, o que só acontecerá quando atingir os 35 anos de idade e a pensão for reduzida por força do disposto no artigo 2º, nº2 da Lei nº8/2003. Mais refere: não sendo a pensão auferida pelo sinistrado vitalícia não se pode proceder à sua remição pelo montante que está a auferir e muito menos aplicando os coeficientes da Portaria nº11/2000, de 13.01, que pressupõem a capitalização antecipada do valor da pensão a receber até ao fim da vida.
Vejamos então.
O sinistrado só atinge os 35 anos no dia 24.01.2021. A pensão por ele auferida era, em 01.01.2019, no montante anual de €115.691,84.
Dispõe o nº2 do artigo 2º da Lei nº8/2003 o seguinte: “Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ou uma incapacidade permanente parcial, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei nº100/97, de 13.09, obedecem aos seguintes limites máximos: a) 14 vezes o montante correspondente a 15 vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da fixação da pensão, até à data em que o praticamente desportivo profissional complete 35 anos de idade; b) 14 vezes o montante correspondente a oito vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da alteração da pensão, após a data referida na alínea anterior”.
A Lei nº27/2011 de 16.06 [não aplicável ao caso] ajuda-nos na resposta a dar à questão em apreço.
Dispõe o nº2 do artigo 3º da Lei nº27/2011 “Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei nº98/2009, de 4 de Setembro, só são devidas até à data em que o praticante complete 35 anos de idade e tem como limite máximo 14 vezes o montante correspondente a 15 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data da fixação da pensão” [sublinhado da nossa autoria].
Decorre do citado normativo que as pensões por IPATH são devidas apenas até à data em que o sinistrado completar os 35 anos, a significar que até este momento a pensão é meramente temporária e não vitalícia [na exposição dos motivos da Proposta de Lei nº43/XI, a qual foi praticamente transporta para a Lei nº27/2011, pode ler-se: «eliminou-se a possibilidade de atribuição de reparação de acidentes incapacitantes para o trabalho habitual, depois dos 35 anos, por se entender não ser expectável o exercício da profissão depois daquela idade»].
Mas se assim é relativamente à Lei nº27/2011 o mesmo já não acontece na vigência da Lei nº8/2003.
Na verdade, da conjugação das alíneas a) e b) do nº2 do artigo 2º da Lei nº8/2003, resulta, tão só, a imposição de limites máximos das pensões, até aos 35 anos e após essa idade, sendo que neste último caso o legislador operou uma redução da pensão.
Ou seja, na vigência da Lei nº8/2003 [por inexistência de disposição legal idêntica à prevista no artigo 3º, nº2 da Lei nº27/2011] a pensão é sempre anual e vitalícia sofrendo a partir dos 35 anos uma redução no seu montante anual, caso ultrapasse 14 vezes o montante correspondente a oito vezes o salário mínimo nacional mais elevado em vigor à data da alteração da pensão.
Deste modo, é aplicável, ao caso, o disposto no artigo 75º da LAT, concretamente, o que se dispõe relativamente à remição parcial da pensão a requerimento do sinistrado.
Contudo, e ainda que por fundamentos diversos dos expostos pela apelante, a remição parcial não é, no caso, admissível, como vamos explicar de seguida.
Nos termos do artigo 75º da Lei nº98/2009 de 04.09 “ 1. É obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida ao sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30% e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte. 2. Pode ser parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal, a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30% ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal desde que, cumulativamente, respeite os seguintes limites: a) A pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição; b) O capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%” [sublinhado da nossa autoria].
O nº1 do artigo 75º da LAT não corresponde ao regime estabelecido no artigo 56º, nº1, al. b) do DL nº143/99 de 30.04 [«São obrigatoriamente remíveis as pensões anuais b) devidas a sinistrados, independentemente do valor da pensão anual, por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%»].
Enquanto no artigo 56º, nº1, al. b), ora citado, a pensão é obrigatoriamente remível desde que a IPP atribuída ao sinistrado fosse inferior a 30% [sem curar do valor da pensão], actualmente, para que seja admissível a remição obrigatória, é necessário que o montante da pensão anual nunca ultrapasse 6 vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor no dia seguinte à data da alta.
E que dizer no caso da remição parcial prevista no nº2 do artigo 75º da LAT?
Cumpre aqui transcrever o que se refere a este respeito no Prontuário nº85, páginas 89 e seguintes, a saber: “a questão que ora se coloca, face à interpretação sistemática deste artigo 75º, é a seguinte: este capital de remição por IPP de 30%, ficcionado, para verificar o montante limite do valor da remição, está, ou não, limitado aos requisitos do nº1 para a remição obrigatória? Da redacção do preceito e face ao regime anterior o que sobressai, desde logo, é que parece que o legislador transpôs os requisitos do nº2 do artigo 56º da RLAT” – o DL nº143/99 de 30.04 – “esquecendo-se que alterou os requisitos para a remição obrigatória do nº1 do artigo 75º (os quais, como se viu, não coincidem com os do nº1 do artigo 56º RLAT” (…) “Cada um dos números dos preceitos legais deve ser interpretado no âmbito da norma na qual se insere, pelo que, no caso, no mínimo, não parece curial que se possa deixar remir, parcialmente, uma pensão que não poderia ser remível pelo nº1. Assim, parece-me que tem de reportar esse valor da IPP ficcionada na al. b) do nº2 do artigo 75º aos requisitos estabelecidos no nº1, de forma a que o valor da pensão não seja superior aquele que resultaria de uma IPP de 30% e desde que não exceda 6 x rmm. É certo que aqui se poderá defender que restará sempre uma parte da pensão por remir, o que não acontecerá no caso do nº1, mas também se pode contrapor que os valores, em termos de montante do capital de remição serão assim muito superiores aos que decorreriam da aplicação do nº1” (…).
Acolhemos aqui tais argumentos, que se nos afiguram pertinentes, tendo em conta a referida interpretação sistemática.
Cumpre, deste modo, apurar se a diferença entre o valor da pensão do sinistrado e o valor de 6 vezes a remuneração mínima mensal é inferior ao valor deste último. Se a diferença for superior a 6 vezes aquela remuneração mínima mensal a pensão não poderá ser parcialmente remida.
A pensão anual que o sinistrado aufere está fixada, por força das actualizações, em €115.691,84. O pedido de remição parcial foi formulado em 23.05.2019. Logo, a pensão sobrante é no valor de € 3.600,00 [corresponde a seis vezes o salário mínimo nacional em vigor, €600,00 x 6 – artigo 75º, nº2, al. a) da LAT] e a parte remível da pensão é no valor de €112.091,84 [€115.691,84 - €3.600,00]. Verifica-se, pois, o requisito previsto na al. a) do nº2 do artigo 75º da LAT.
Resta averiguar se, no caso, se verifica a situação referida na al. b), nº2, do artigo 75º [«o capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%»], com os limites referidos no nº1 do mesmo artigo.
A pensão calculada com base numa IPP de 30% monta ao valor anual de €42.000,84 [a este valor se chega multiplicando o salário anual do sinistrado, no montante de €200.004,00, por 70% e por 30%].
Seguidamente, multiplica-se o valor da pensão anual de €42.000,84 pela taxa de 16,555 [tendo em conta a idade do sinistrado à data do pedido de remição] o que dá €695.323,91.
Ora, o capital a remir [€112.091,84 x 16,555 = €1.855.680,41] ultrapassa, em muito, o valor de €695.323,91, a significar que não se mostra preenchida a situação prevista na referida alínea e como tal a remição parcial não é admissível. E, ainda, a parte remível da pensão - €112.091,84 - é muito superior ao montante correspondente a seis vezes o salário mínimo nacional - €3.600,00.
É certo que o sinistrado veio formular pretensão no sentido de “remir parcialmente o valor de €30.000,00 da sua pensão anual”. Contudo, os limites previstos no artigo 75º, nº2 da LAT devem incidir sobre a pensão total fixada ao sinistrado. Ora, a pensão do sinistrado não é no valor anual de €30.000,00, mas de valor muito superior e, repete-se, o preenchimento dos requisitos exigidos pelo citado artigo deve ter em conta a totalidade da pensão anual e não apenas uma parte/fracção da mesma [a al. a) do nº1 do artigo 75º da LAT já previne o valor do montante da pensão “sobrante”, a significar que a remição é parcial, e não parcial de fracção de pensão anual].
Mesmo admitindo, por hipótese, que o valor da pensão anual do sinistrado era no valor de €30.000,00, nunca se verificaria o requisito da al. b) do nº2 do artigo 75º da LAT, em conjugação com o nº1 do mesmo artigo, na medida em que o montante da pensão a remir [€30.000.00 - €3.600,00 = €26.400,00] é superior àquele limite de €3.600,00.
De qualquer modo, reitera-se, aqui, que os requisitos para a remição parcial da pensão devem ser ponderados partindo da totalidade da pensão auferida precisamente porque o legislador da LAT não admite a remição parcial nos casos em que a pensão anual é muito elevada [como é o caso da pensão auferida pelo sinistrado] e que, por isso, origina cálculos de capital de remição de montantes excessivamente altos.
Assim sendo, procede o recurso, ainda que por fundamento não totalmente coincidente com o invocado pela apelante.
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VI
Da fraude à lei e do uso anormal do processo.
Face à conclusão a que se chegou no item anterior fica prejudicado o conhecimento de tal questão.
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Termos em que se julga a apelação procedente, se revoga a decisão recorrida e se substitui pelo presente acórdão indeferindo-se a requerida remição parcial da pensão.
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Custas a cargo do apelado.
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Porto, 17.02.2020
Fernanda Soares
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho