Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1553/17.0T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES
Descritores: BANCO DE PORTUGAL
JUROS BANCÁRIOS
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RP201905221553/17.0T8MTS.P1
Data do Acordão: 05/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º174, FLS.207-218)
Área Temática: .
Sumário: A Lei Orgânica do Banco de Portugal de 1999 ao revogar a anterior de 1990, deixou de conferir habilitação legislativa ao Aviso 3/93 do referido Banco Central, não existindo desde então fundamento legal para que as taxas de juro das operações bancárias e equivalentes sejam livremente fixadas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 1553/17.0T8.MTS.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjuntos; Filipe Caroço; Judite Pires
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
1.1 No processo 21744/17.2T8 do Juízo Local Cível de Matosinhos, J3, da Comarca do Porto, em que são:

Recorrente/autor: B…, Sucursal Portugal

Recorrida/ré: C…
Réu: D…

foi proferida sentença em 09/nov./2018 nos seguintes termos: “julga-se improcedente a presente acção, absolvendo-se a ré do pedido.”
1.2 O A. na sua petição inicial apresentada em invocou a celebração com os RR e por escritos de 28/nov./2013 e 11/mar./2015 de dois contratos de mútuo respeitante a, respectivamente, um empréstimo de €5.735,99 e €12.609,65, tendo o primeiro um aditamento contratual, sendo o segundo para a aquisição de um veículo automóvel, nos termos melhor constantes nos documentos juntos. Os segundos outorgantes obrigaram-se a pagar tais quantias nos termos melhor referenciados nos documentos juntos, acrescidos de outros valores, sendo estabelecidos juros remuneratórios e juros moratórios. Mais sustentaram que os segundos relativamente ao primeiro contrato não pagaram a prestação vencida em 15/out./2016 e as seguintes, enquanto no que concerne ao segundo contrato deixaram de liquidar a prestação de 15/abr./2016 e todas as seguintes, acrescentando que interpelou os mesmos por carta registada para pagar, sendo aquelas devolvidas com indicação de “Mudou-se”. Terminou concluindo que os RR. devem a quantia global de €22.364,01, respeitantes às prestações vencidas e às que se venceram, sendo no 1.º contrato de €6.565,04 e no segundo de €15.798,97, acrescidos de juros que atualmente é, respectivamente de 13,913 % e de 6.802 %, bem como no imposto de selo, que contabilizou em €170,97 e €6,84 para o primeiro e €231,61 e €9,26 para o segundo, acrescendo àquele total juros de mora e imposto de selo.
1.2 O R. D… foi citado editalmente, mantendo-se em revelia absoluta, e a R. C… embora citada não apresentou contestação.
1.3 Por despacho proferido em 11/jan./2018, decidiu-se o seguinte:
“Face à citação edital do réu D…, o qual se encontra em situação de revelia absoluta, todos os factos alegados na petição que não dependam em exclusivo de prova documental se encontram controvertidos (cfr. art.º 568, a), do CPC).
Assim sendo, em conformidade com o disposto no art.º 593, n.º 2, aplicável por força do art.º 592, n.º 2, do mesmo diploma, determina-se a simplificação processual dos presentes autos, dispensando-se a fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.”
1.4 Por despacho proferido em 25/mai/2018 foi decidido o seguinte:
“Face ao exposto [decretamento de insolvência], julgo extinta a instância, no que ao réu D… se refere, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277, e), do CPC.
Ora, a excepção da al. b) do art.º 568 ao regime normal da revelia constante do art.º 567, ambos do CPC, deve ser interpretada no sentido de citado editalmente um qualquer de vários réus, e mantendo-se esse mesmo réu na situação de revelia absoluta, não se têm por confessados os factos articulados pelo autor. E não se têm por confessados quanto a todos os réus e não apenas quanto ao réu que foi citado editalmente.”
2. A A. insurgiu-se contra a referida sentença, tendo interposto recurso da mesma em 17/dez./2018, terminando sustentando “Termos em que o presente recurso deve merecer provimento e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por, aliás douto, Acórdão que, contemplando as conclusões aqui elaboradas, faça … JUSTIÇA”, apresentando as seguintes conclusões:
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3. A R. que ainda se mantém nesta ação não apresentou contra-alegações.
4. Admitido o recurso, foi o mesmo remetido a esta Relação, onde foi autuado em 21/fev./2019, cumprindo-se os vistos legais, nada obstando a que se conheça do mérito do recurso.
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O objecto deste recurso passa pelo reexame da matéria de facto (a) e na sua procedência o contrato de concessão de crédito ao consumo e o seu incumprimento (b)
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. A Sentença recorrida
“Factos provados
1. O E…, SA, alterou a sua denominação para Banco B…, SA.
2. Por escritura pública realizada em 28-11-2016 procedeu-se à fusão transfronteiriça do Banco B…, SA com a sociedade de direito francês B…, SA, tendo-se operado a transferência global do património da sociedade incorporada para a sucursal em Portugal da B…, SA.
Não se provaram os seguintes factos:
3. A autora, no exercício da sua actividade, e os réus celebraram os dois contratos a seguir identificados:
a. Em 28-11-2013, um contrato de mútuo, ao qual foi atribuído o nº …….., mediante o qual aquele concedeu a este um empréstimo no montante de €5.735,99, reduzido a escrito, do qual aqueles se confessaram devedores, conforme documento de fls. 12 e ss, que aqui se dá por reproduzido.
b. Em 11-03-2015, um contrato de mútuo, ao qual foi atribuído o nº …….., mediante o qual aquele concedeu a este um empréstimo no montante de €12.609,65, o qual se destinou à aquisição de um veículo automóvel marca FORD, modelo …, com a matrícula .. – OJ - .., conforme documento de fls. 19 e ss, que aqui se dá por reproduzido.
4. O réu obrigou-se, nos termos daqueles contratos, a restituir ao autor o montante mutuado acrescido de juros à taxa contratual sobre o montante em dívida, mediante o pagamento de:
i. no contrato de mútuo n.º ……., 72 prestações mensais e sucessivas de EUR 122,22 cada uma, acrescidas das despesas de cobrança de EUR 2,60 e do seguro de vida/acidentes pessoais no valor mensal de EUR 2,58 e do seguro de Protecção Total no valor mensal de EUR 7,35, com vencimento ao dia 15 de cada mês, com início em 15-01-2014 e termo previsto em 15-12-2019;
ii. no contrato de mútuo n.º ……., 120 prestações mensais e sucessivas de EUR 150,51 cada uma, acrescidas das despesas de cobrança de EUR 2,60 e do seguro no valor mensal de EUR 3,20, com vencimento ao dia 15 de cada mês, com início em 15-04-2015 e termo previsto em 15-03-2025.
5. O contrato de mútuo n.º …….. foi objecto de um aditamento no qual foi alterado pelas partes o valor da prestação mensal de €122,22 para €102,75, sendo que a data de vencimento da primeira prestação no valor de €102,75 seria efectuado a 15-04-2014 e as restantes no mesmo dia dos meses subsequentes.
6. Alteraram ainda o prazo do dito contrato de 72 para 96 meses/prestações, mantendo-se no restante em vigor o estipulado no contrato originário, conforme documento de fls. 27 que aqui se dá por reproduzido.
7. O montante financiado por força dos contratos em apreço, venceria juros remuneratórios, no contrato …….. à taxa nominal anual fixa de 13.913% e no contrato ……. à taxa nominal anual de 6.864%, variável e indexada à taxa Euribor a 3 meses, a qual seria calculada, aplicada e revista trimestralmente, nos termos do artigo 4º das condições gerais do contrato.
8. Os réus não pagaram a prestação que se venceu em 15-10-2016 e todas as seguintes no contrato ……. e a prestação que se venceu em 15-04-2016 e todas as seguintes no contrato ……..
9. Face ao exposto em 8, o autor remeteu aos réus cartas registadas com aviso de recepção datadas de 03-01-2017 nas quais interpelava os réus para que pusessem fim à mora no prazo de 20 dias, sob pena de serem consideradas vencidas as demais prestações por perda do benefício do prazo contratual, conforme documentos de fls.30 e ss, aqui dados por reproduzidos.
10. Cartas essas expedidas para a morada indicada pelos réus no contrato, tendo as mesmas sido devolvidas com a indicação de ”Mudou-se”.
11. O réus nada pagaram até à presente data.
12. No contrato ……., €6.565,04, correspondem às rendas vencidas de 15-10-2016 a 15-12-2016 e ao somatório das prestações 37ª à 96ª, inclusive.
13. No contrato …….., €15.798,97, correspondem às rendas vencidas de 15-04-2016 a 15-15-12-2016 e ao somatório das prestações 22ª à 120ª, inclusivé.
14. A taxa contratualmente prevista para os juros de mora era, à data da propositura da acção, 13.913% (no contrato ……..) e 6.802% (no contrato ……..), acrescida de 3% a título de mora (nos termos do ponto c) da Cláusula 8. das Condições gerais do contrato.
Não se teve em conta o articulado conclusivo (de facto ou de direito), nem aquele que não revestia interesse para a decisão.
Os factos 1 e 2 foram dados como provados com base nos documentos de fls. 6 v.º e ss (documento autêntico que assim, faz prova plena dos factos que dele constam, nos termos e limites previstos no art. 371º, do CCivil) e de fls. 94 e ss (consulta de certidão comercial de Banco B…, SA, documento que também faz prova para todos os efeitos legais e perante qualquer autoridade pública, nos termos do preceituado no art. 75º, do Código do Registo Comercial).
Quanto à demais factualidade invocada pela autora, tendo o réu sido citado editalmente para a presente acção, face ao disposto no artigo 485º/b), do CPC, mostravam-se controvertidos todos os factos alegados pela autora.
Tal questão já se mostra decidida nos autos, pelo que a respeito da mesma não se tecerão aqui mais considerações, remetendo-se para o que consta de tal douta decisão da colega que nos precedeu na tramitação dos autos e para o douto Ac. do STJ
na mesma mencionado.
Cumpria, portanto, à autora fazer a prova destes factos.
Quanto a estes, limitou a autora, no entanto, a sua actividade probatória à junção dos documentos particulares que acompanham a petição inicial.
E considera-se que estes documentos, desacompanhados de qualquer outra prova que os confirme e contextualize (nomeadamente testemunhal) não são suficientes para fazer a pretendida prova.
Não se olvida, quanto aos contratos, que os mesmos estão alegadamente assinados pelas partes.
Mas o certo é que a citação edital do réu (contra quem também são apresentados) impede que as ditas assinaturas sejam tidas como não impugnados e, consequentemente, como aceites para efeitos do disposto no art. 374º, do CCivil pelo que nem esta factualidade pode ser tido como provada.
Assim, julga-se não ter feito a autora prova suficiente dos pontos 3 a 14 que, por isso, foram dados como não provados.”
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2. Fundamentos do recurso
a) Reexame da matéria de facto
O Novo Código de Processo Civil (NCPC) estabelece no seu artigo 640.º, n.º 1 que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”. Acrescenta-se no seu n.º 2 que “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. Nesta conformidade e para se proceder ao reexame da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente: (i) indicar os factos impugnados; (ii) a prova de que se pretende fazer valer; (iii) identificar o vício do julgamento de facto, o qual se encontra expresso na motivação probatória. Nesta última vertente assume particular relevância afastar a prova ou o sentido conferido pelo tribunal recorrido, demonstrando que o julgamento dos factos foi errado, devendo o mesmo ser substituído por outros juízos, alicerçados pela prova indicada pelo recorrente.
Assim, tal reexame passa, em primeiro lugar, pela reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente (recurso de apelação limitada). Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia, possibilitando-se o seu conhecimento pela Relação, que formará a sua própria convicção sobre a factualidade impugnada (Acs. STJ de 04/mai./2010, Cons. Paulo Sá; 14/fev./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt). Porém, fica sempre em aberto, quando tal for admissível, a possibilidade do tribunal de recurso, designadamente por sua iniciativa e perante o mesmo, renovar ou produzir novos meios de prova (662.º, n.º 2, al. a) e b) NCPC), alargando estes para o reexame da factualidade impugnada (recurso de apelação ampliada). Mas em ambas as situações, sob pena de excesso de pronúncia e de nulidade do acórdão (666.º, 615.º, n.º 1, al. d) parte final), o tribunal de recurso continua a estar vinculado ao ónus de alegação das partes (5.º) e ao ónus de alegação recursiva (640.º) – de acordo com a primeira consideram-se como não escritos o excesso de factos que venham a ser fixados, face à segunda o tribunal superior não conhece de questões não suscitadas, salvo se for de conhecimento oficioso (Ac. STJ de 11/dez./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt).
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O NCPC ao disciplinar a apreciação probatória, consagrou o modelo da livre convicção estatuindo no seu artigo 607.º, n.º 5 que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto;”. Mas logo acrescentou que “a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. A este estreitamento da livre apreciação da prova, acrescem ainda outros constrangimentos, tanto constitucionais, como legais, com destaque para a inadmissibilidade da prova ilícita (417.º, n.º 3 NCPC). No que concerne às compressões constitucionais, temos desde logo aquelas que são resultantes dos direitos humanos e dos direitos fundamentais, as quais têm desde logo expressão no amplo direito a um processo justo e equitativo, nas suas mais diversas vertentes (20.º, n.º 4 Constituição; 10.º, DUDH; n.º 14.º, n.º 1 PIDCP; 6.º, n.º 1 CEDH; 47.º § 2 CDFUE). Relativamente às condicionantes legais de prova, temos as de natureza substantiva (a), como as de natureza adjetiva (b). As primeiras estão essencialmente elencados no Código Civil, como sucede, por exemplo, com a exigência legal de documento escrito para certas situações (364.º) – mais à frente iremos tecer algumas considerações mais específicas sobre a prova documental – ou a realização de prova pericial, nos casos em que se exige conhecimento especializado (388.º). As segundas estão expostas na lei do processo civil, como seja a atendibilidade proeminente de certos factos (412.º), a plenitude das provas em geral (413.º), as regras a atender em caso de dúvida (414.º) ou a necessidade de prévia audiência contraditória (415.º).
Nesta conformidade, podemos assentar que a livre apreciação da prova está delimitada pelo regime da legalidade da prova, enquanto “imperativo de integridade judiciária”, o qual versa sobre os meios de prova, que correspondem aos elementos formadores da convicção judicial dos factos submetidos a julgamento, como sobre os meios de obtenção de prova, que são os instrumentos legais para recolha de prova. Daí que o princípio da livre apreciação das provas esteja constitucional e legalmente vinculado, não tendo carácter arbitrário, nem se circunscrevendo a meras impressões criadas no espírito do julgador. Acresce, que o mesmo deve ser fundamentado, tratando-se de uma expressa exigência constitucional (205.º Constituição) e legal (154.º NCPC), mediante o qual se expressa a racionalidade do julgamento da matéria de facto, indicando-se a razão de ciência das provas em apreço, qual a sua relevância e credibilidade. Em suma, podemos afirmar que o princípio da livre apreciação da prova está comprimido pelas correspondentes proibições de produção ou valoração de prova, estando ainda subordinado à sua fundamentação racional.
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No que concerne à disciplina da prova documental, convém ter desde logo presente a noção legal constante no artigo 362.º do Código Civil, segundo o qual “Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”, estabelecendo-se no subsequente 363.º, mais precisamente no n.º 1 e n.º 2, as suas modalidades: autênticos e particulares, integrando ainda esta última modalidade os autênticos.
A propósito das regras legais da prova documental temos de distinguir as gerais e as específicas respeitantes a cada modalidade de documento. No que concerne às primeiras, será de recordar o já citado artigo 364.º do Código Civil relativo à exigência legal de documento escrito, enunciando no n.º 1 que “Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”, acrescentando-se no n.º 2 que “Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório”. Estipula-se mais adiante no artigo 366.º que “A força probatória do documento escrito a que falte algum dos requisitos exigidos na lei é apreciada livremente pelo tribunal”. Relativamente às segundas referentes aos documentos particulares, preceitua-se no artigo 373.º, n.º 1 do Código Civil que “Os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu rogo, se o rogante não souber ou não puder assinar”. No que concerne à autoria da letra e da assinatura, precisa-se no seguinte artigo 374.º n.º 1 que “A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas, pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras” – sendo nosso o negrito. Mais determina-se no n.º 2 que “Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade”. Por último e de acordo com o artigo 376.º, n.º 1 “O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”.
Por sua vez, relativamente aos efeitos da revelia preceitua-se no artigo 567.º, n.º 1 do NCPC que “Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor” – sendo nosso o negrito. Adiante artigo 568.º indicam-se as excepções àqueles efeitos operantes da revelia, preceituando-se que “Não se aplica o disposto no artigo anterior: b) Quando o réu ou algum dos réus for incapaz, situando-se a causa no âmbito da incapacidade, ou houver sido citado editalmente e permaneça na situação de revelia absoluta” – sendo também nosso o negrito – ... d) Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito”.
Como se pode constatar deste quadro legal, temos diferenciado um regime legal substantivo da prova documental, por um lado, e um regime processual cominatório da revelia, distinguindo-se neste a revelia operante (567.º, n.º 1 NCPC), daquela outra que é inoperante (568.º NCPC), tendo cada um deles a sua disciplina própria. Por outro lado, aquele regime legal substantivo da prova documental vincula o julgador, restringindo o princípio da livre apreciação da prova e da convicção íntima. E no caso em apreço, extraímos três consequências: (i) o tribunal perante a exigência escrita de documento particular está subordinado à sua existência para a correspondente demonstração; (ii) um documento particular não autenticado, mas cuja assinatura é imputada à parte, tem um força probatória presumida quando não é posto em causa a sua autenticidade; (iii) tal não acontece quando relativamente a esse mesmo documento for impugnada a sua genuinidade, cabendo, no entanto, esse ónus de prova impugnativo à parte subscritora desse documento.
Ora o tribunal recorrido ao estabelecer a sua motivação probatória, prolongou o regime processual cominatório da revelia inoperante para o regime legal substantivo da prova documental, condicionando este àquele, quando tal não resulta da lei. Aliás, ao estabelecer a necessidade de outro meio de prova que não a existência de documento escrito, reduzindo este a um nível zero, subverteu todo o regime legal substantivo da prova documental, fazendo implodir este.
Daí que esta Relação tenha de corrigir a matéria de facto, partindo das mencionadas regras substantivas da prova documental, passando a considerar como provado o seguinte:
1. O E…, SA, alterou a sua denominação para Banco B…, SA.
2. Por escritura pública realizada em 28-11-2016 procedeu-se à fusão transfronteiriça do Banco B…, SA com a sociedade de direito francês B…, SA, tendo-se operado a transferência global do património da sociedade incorporada para a sucursal em Portugal da B…, SA.
3. A autora, no exercício da sua actividade, e os réus celebraram os dois contratos a seguir identificados:
a. Em 28-11-2013, um contrato de mútuo, ao qual foi atribuído o n.º ……., mediante o qual aquele concedeu a este um empréstimo no montante de €5.735,99, reduzido a escrito, do qual aqueles se confessaram devedores, conforme documento de fls. 12 e ss, que aqui se dá por reproduzido.
b. Em 11-03-2015, um contrato de mútuo, ao qual foi atribuído o n.º ……., mediante o qual aquele concedeu a este um empréstimo no montante de €12.609,65, o qual se destinou à aquisição de um veículo automóvel marca FORD, modelo …, com a matrícula .. – OJ - .., conforme documento de fls. 19 e ss, que aqui se dá por reproduzido.
4. O réu obrigou-se, nos termos daqueles contratos, a restituir ao autor o montante mutuado acrescido de juros à taxa contratual sobre o montante em dívida, mediante o pagamento de:
i. no contrato de mútuo n.º ……., 72 prestações mensais e sucessivas de EUR 122,22 cada uma, acrescidas das despesas de cobrança de EUR 2,60 e do seguro de vida/acidentes pessoais no valor mensal de EUR 2,58 e do seguro de Protecção Total no valor mensal de EUR 7,35, com vencimento ao dia 15 de cada mês, com início em 15-01-2014 e termo previsto em 15-12-2019;
ii. no contrato de mútuo n.º ……., 120 prestações mensais e sucessivas de EUR 150,51 cada uma, acrescidas das despesas de cobrança de EUR 2,60 e do seguro no valor mensal de EUR 3,20, com vencimento ao dia 15 de cada mês, com início em 15-04-2015 e termo previsto em 15-03-2025.
5. O contrato de mútuo n.º …….. foi objecto de um aditamento no qual foi alterado pelas partes o valor da prestação mensal de €122,22 para €102,75, sendo que a data de vencimento da primeira prestação no valor de €102,75 seria efectuado a 15-04-2014 e as restantes no mesmo dia dos meses subsequentes.
6. Alteraram ainda o prazo do dito contrato de 72 para 96 meses/prestações, mantendo-se no restante em vigor o estipulado no contrato originário, conforme documento de fls. 27 que aqui se dá por reproduzido.
7. O montante financiado por força dos contratos em apreço, venceria juros remuneratórios, no contrato …….. à taxa nominal anual fixa de 13.913% e no contrato …….. à taxa nominal anual de 6.864%, variável e indexada à taxa Euribor a 3 meses, a qual seria calculada, aplicada e revista trimestralmente, nos termos do artigo 4º das condições gerais do contrato.
8. Os réus não pagaram a prestação que se venceu em 15-10-2016 e todas as seguintes no contrato …….. e a prestação que se venceu em 15-04-2016 e todas as seguintes no contrato ……...
9. Face ao exposto em 12, o autor remeteu aos réus cartas registadas com aviso de recepção datadas de 03-01-2017 nas quais interpelava os réus para que pusessem fim à mora no prazo de 20 dias, sob pena de serem consideradas vencidas as demais prestações por perda do benefício do prazo contratual, conforme documentos de fls.30 e ss, aqui dados por reproduzidos.
10. Cartas essas expedidas para a morada indicada pelos réus no contrato, tendo as mesmas sido devolvidas com a indicação de ”Mudou-se”.
11. O réus nada pagaram até à presente data.
12. No contrato …….., €6.565,04, correspondem às rendas vencidas de 15-10-2016 a 15-12-2016 e ao somatório das prestações 37ª à 96ª, inclusive.
13. No contrato ……., €15.798,97, correspondem às rendas vencidas de 15-04-2016 a 15-15-12-2016 e ao somatório das prestações 22ª à 120ª, inclusivé.
14. A taxa contratualmente prevista para os juros de mora era, à data da propositura da acção, 13.913% (no contrato ……..) e 6.802% (no contrato ……..), acrescida de 3% a título de mora (nos termos do ponto c) da Cláusula 8. das Condições gerais do contrato.
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b) O contrato de concessão de crédito ao consumo e o seu incumprimento
O regime jurídico do contrato de crédito aos consumidores está estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02/jun., considerando-se no seu artigo 4.º, n.º 1, alínea c) como “«Contrato de crédito» o contrato pelo qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartão de crédito, ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante”, sendo de acordo com a antecedente alínea a), “«Consumidor» a pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangidos pelo presente decreto-lei, actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional” e perante a alínea b) “«Credor» a pessoa, singular ou colectiva, que concede ou que promete conceder um crédito no exercício da sua actividade comercial ou profissional”. Por sua vez, consigna-se no artigo 12.º, n.º 1 que “Os contratos de crédito devem ser exarados em papel ou noutro suporte duradouro, em condições de inteira legibilidade”, acrescentando-se no n.º 2 que “A todos os contraentes, incluindo os garantes, deve ser entregue, no momento da respectiva assinatura, um exemplar devidamente assinado do contrato de crédito”, sendo que, de acordo com o artigo 13.º, n.º 1, “O contrato de crédito é nulo se não for observado o estabelecido no n.º 1 ou no n.º 2 do artigo anterior, ou ...”.
Por sua vez, no caso do pagamento da dívida em prestações, regula-se no artigo 781.º do Código Civil que “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”, estando a obrigação de juros reguladas nos artigos 559.º a 561.º.
Ao disciplinar a eficácia da declaração negocial através do seu artigo 224.º, estabelece no seu n.º 1 que “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada”, acrescentando no seu n.º 2 que “É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”, salvaguardando no n.º 3 que “A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder conhecida é ineficaz”.
Tratando-se de responsabilidade contratual, consagra-se desde logo no artigo 799.º, n.º 1 que “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”, acrescentando-se no n.º 2 que “A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil”, o que nos remete para o preceituado no artigo 487.º, n.º 2, mediante o qual “A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”, tomando-se como padrão os cuidados de uma pessoa razoável. A propósito, convém relembrar que aquela presunção de culpa do devedor estende-se a todo o programa contratual, designadamente quando está em causa a exigência de certos deveres ao devedor, como sejam os deveres acessórios e não apenas quanto à prestação principal.
Tendo havido falta de pagamento das prestações assinaladas em 8.º dos factos provados e sendo remetida carta com A/R interpelando as partes a pagar as mesmas, sob pena de serem consideradas vencidas as demais prestações por perda do benefício do prazo contratual, ainda que tenham sido devolvidas com a indicação de que os RR. Mudaram de residência (9.º e 10.º factos provados), temos de considerar como válida essa comunicação e vencidas as prestações em causa e a obrigação das mesmas serem pagas à A.
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O Código Civil consagra nos artigos 559.º a 561.º o regime jurídico geral dos juros, sendo certo que mais à frente, de acordo com o artigo 806.º, n.º 1, estabelece que “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora”, estipulando-se no n.º 2 que “Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal”. Mais será de referir que os juros simples (559.º) podem ainda ser exponenciais como juros usurários, pois de acordo com o artigo 559.º-A do Código Civil “É aplicável o disposto no artigo 1146.º a toda a estipulação de juros ou quaisquer outras vantagens em negócios ou actos de concessão, outorga, renovação, desconto ou prorrogação do prazo de pagamento de um crédito e em outros análogos”. Este artigo 1146.º consagra no seu n.º 1 que “É havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real”, precisando-se no n.º 2 que “É havida também como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição de empréstimo relativamente ao tempo de mora mais do que o correspondente a 7% ou a 9% acima dos juros legais, conforme exista ou não garantia real”. Mais acrescenta-se no n.º 3 que “Se a taxa de juros estipulada ou o montante da indemnização exceder o máximo fixado nos números precedentes, considera-se reduzido a esses máximos, ainda que seja outra a vontade dos contraentes” e no n.º 4 que “O respeito dos limites máximos referidos neste artigo não obsta a aplicabilidade dos artigos 282.º a 284.º”. Poderá ainda haver juros por anatocismo, os quais estão consagrados no artigo 560.º, n.º 1 “Para que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização”. Como decorre daqui, temos duas modalidade de juros, os simples, os quais incidem sobre o capital devido, abrangendo ainda os juros usurários, e os compostos, que recaem sobre os juros capitalizados.
Por sua vez, os juros comerciais estão regulados através do artigo 102.º do Código Comercial, consagrando-se no seu proémio que “Haverá lugar ao decurso e contagem de juros em todos os actos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados no presente Código”, complementando-se no § 1.º que “A taxa de juros comerciais só pode ser fixada por escrito”, no § 2.º que “Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559.º, 559.º-A e 1146.º do Código Civil” e no § 3.º que “Poderá ser fixada por portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano uma taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas”. A propósito surgiu a Portaria n.º 277/2013, de 26/ago., que veio ordenar a taxa de juros moratórios de que sejam “titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas”, calendarizando a taxa supletiva de juros para cada um dos semestres e tomando como referência “a taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1.º dia de janeiro ou de julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais” (artigo 2.º, n.º 1), salvaguardando o acréscimo de 8 pontos percentuais para as transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10/mai. – este diploma veio estabelecer as medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais. A divulgação da taxa de juros moratórios mediante aviso da Direção-Geral do Tesouro e Finanças é publicado no Diário da República (artigo 3.º).
No âmbito da atividade bancária e equivalente, que são desenvolvidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras (Decreto-Lei n.º 298/92, de 31/dez., sendo sucessivamente alterado), os designados juros bancários passaram a ter o seu regime jurídico preferencialmente definido pelo Decreto-Lei n.º 58/2013, de 08/mai., atento o que consta no seu artigo 2.º, o qual fixou o seu objecto – aí se diz que “O presente diploma é aplicável às instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições de pagamento, instituições de moeda electrónica e outras entidades legalmente habilitadas para a concessão de crédito e que estejam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”. Tal diploma entrou em vigor 90 dias após a sua publicação, salvo no que concerne aos artigos 7.º a 9.º que entraram em vigor 120 dias após esta publicação, ou seja, a 06/set./2013 (artigo 14.º). Relativamente à sua aplicação no tempo, consagrou-se no artigo 13.º n.º 1 que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o presente decreto-lei aplica-se às operações e contratos de crédito que venham a ser celebrados após a sua entrada em vigor”, mas no seu n.º 2 salvaguardou que “O disposto nos artigos 7.º a 11.º aplica-se às situações de mora relativas a contratos de crédito em curso e que se verifiquem após a entrada em vigor das referidas normas, ainda que, nesses contratos, tenha sido estipulada cláusula penal moratória”.
Seguindo a política legiferante de estabelecer definições prévias, de nítida influência do direito europeu insular ou anglo-saxónico, que por via comunitária tem sido crescentemente assimilada, no artigo 3.º deste Decreto-Lei n.º 58/2013, considerou-se que são juros remuneratórios aqueles que “constituem remuneração do capital ou como tal sejam convencionados” (alínea d)), mas já serão juros moratórios “os que visam indemnizar os prejuízos da instituição em resultado da mora do devedor no cumprimento das obrigações contratuais” (alínea e)).
No que concerne à capitalização de juros passou a regular no seu artigo 7.º o seguinte: “1 - A capitalização de juros remuneratórios, vencidos e não pagos, depende de convenção das partes, reduzida a escrito, não podendo os mesmos ser capitalizados por períodos inferiores a um mês. 2 - A eficácia da capitalização de juros remuneratórios não depende de notificação ao devedor. 3 - Para efeitos de aplicação de juros moratórios, os juros remuneratórios que integram cada prestação vencida e não paga só podem ser capitalizados uma única vez. 4 - Nos contratos em que tenha sido estipulada carência de pagamento de juros, não pode haver capitalização de juros remuneratórios correspondentes a períodos inferiores a três meses. 5 - Só é admissível a capitalização de juros moratórios mediante acordo das partes, reduzido a escrito, e no âmbito de reestruturação ou consolidação de contratos de crédito.” – sendo nosso o negrito.
Por sua vez, relativamente aos juros moratórios, passou a estipular-se no seu artigo 8.º, n.º 1 que “Em caso de mora do devedor e enquanto a mesma se mantiver, as instituições podem cobrar juros moratórios, mediante a aplicação de uma sobretaxa anual máxima de 3%, a acrescer à taxa de juros remuneratórios aplicável à operação, considerando-se, na parte em que a exceda, reduzida a esse limite máximo” e no seu n.º 2 que “A taxa de juros moratórios a que se refere o número anterior incide sobre o capital vencido e não pago, podendo incluir-se neste os juros remuneratórios capitalizados, nos termos do artigo anterior.” - sendo também nosso o negrito.
Como se pode constatar, deixou de ter relevância no âmbito das operações bancárias a jurisprudência uniformizada pelo STJ, através do seu Acórdão n.º 7/2009 (DR I, n.º 86), de que “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”, o qual tinha incidido precisamente sobre uma operação bancária de concessão de crédito.
Retomando o regime jurídico do contrato de crédito aos consumidores constante no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02/jun., também podemos constatar que o seu artigo 4.º, n.º 1 estabelece a definição de certas taxas, como seja a TAEG, considerando como tal “a taxa anual de encargos efectiva global” (alíneas i)), que diz respeito ao custo total do crédito, englobando os juros, as despesas de cobrança de reembolsos, impostos, comissões, seguros obrigatórios, etc. E logo de seguida enuncia como TAN ou “taxa nominal” a “taxa de juro expressa numa percentagem fixa ou variável aplicada numa base anual ao montante do crédito utilizado” (alínea j)).
Mas este Decreto-Lei n.º 133/2009 consagrou um normativo específico quanto à usura, começando por estabelecer no seu artigo 28.º o seguinte:
1 - É havido como usurário o contrato de crédito cuja TAEG, no momento da celebração do contrato, exceda em um terço a TAEG média praticada no mercado pelas instituições de crédito ou sociedades financeiras no trimestre anterior, para cada tipo de contrato de crédito ao consumo.
2 - A identificação dos tipos de contrato de crédito ao consumo relevantes, a TAEG média praticada para cada um destes tipos de contrato pelas instituições de crédito ou sociedades financeiras e o valor máximo resultante da aplicação do disposto no número anterior, são determinados e divulgados ao público trimestralmente pelo Banco de Portugal, sendo válidos para os contratos a celebrar no trimestre seguinte.
3 - Considera-se automaticamente reduzida ao limite máximo previsto no n.º 1, a TAEG que os ultrapasse, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal.
4 - Os efeitos decorrentes deste artigo não afectam os contratos já celebrados ou em vigor.
Posteriormente com o Decreto-Lei n.º 42-A/2013, de 28/mar., este artigo 28.º passou a ter a seguinte redação:
“1 - É havido como usurário o contrato de crédito cuja TAEG, no momento da celebração do contrato, exceda em um quarto a TAEG média praticada pelas instituições de crédito no trimestre anterior, para cada tipo de contrato de crédito aos consumidores.
2 - É igualmente tido como usurário o contrato de crédito cuja TAEG, no momento da celebração do contrato, embora não exceda o limite definido no número anterior, ultrapasse em 50% a TAEG média dos contratos de crédito aos consumidores celebrados no trimestre anterior.
3 - A identificação dos tipos de contrato de crédito aos consumidores relevantes e a definição do valor máximo resultante da aplicação do disposto nos números anteriores são determinados e divulgados ao público trimestralmente pelo Banco de Portugal, sendo válidos para os contratos a celebrar no trimestre seguinte.
4 - Considera -se como usurário o contrato de crédito sob a forma de facilidade de descoberto, que estabeleça a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês, cuja TAEG, no momento da sua celebração, exceda o valor máximo de TAEG definido, nos termos dos números anteriores, para os contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito em prazo superior a um mês.
5 - É ainda havido como usurário o contrato de crédito na modalidade de ultrapassagem de crédito cuja TAN, no momento da sua celebração, exceda o valor máximo de TAEG definido, nos termos dos números anteriores, para os contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito em prazo superior a um mês.
6 - Considera -se automaticamente reduzida a metade do limite máximo previsto nos n.ºs 1, 2, 4 e 5 a TAEG, ou, no caso de ultrapassagem de crédito, a TAN, que os ultrapasse, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal.
7 - Os efeitos decorrentes deste artigo não afectam os contratos já celebrados ou em vigor.”
Como se pode constatar, este normativo respeitante à usura incide essencialmente sobre a TAEG, sendo residual quanto à TAN ou taxa nominal, pelo que quanto aos contratos de concessão de crédito ao consumidor, temos o seu regime maioritariamente fixado no âmbito do regime jurídico dos juros bancários previsto pelo Decreto-Lei n.º 58/2013.
No entanto, este último nada nos diz quanto à taxa de juro nominal, designadamente qual a taxa legal em vigor, o que é relevante para estabelecermos os limites dos juros usurários em conformidade com o regime jurídico dos juros bancários, designadamente quanto aos juros usurários que incidam sobre os juros remuneratórios, os juros moratórios e também os juros de anatocismo.
*
A propósito, a generalidade da jurisprudência tem considerado com base no Aviso n.º 3/93, mormente através do seu artigo 2.º, que “São livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal” – neste sentido o Ac. STJ de 27/mai./2003 (Cons. Moreira Alves), Ac. TRP de 11/nov./2017 (Des. Ana Lucinda Cabral), ambos acessíveis em www.dgsi.pt. Convém ter presente que a lei habilitante então em vigor, que está devidamente citada nesse Aviso, era o Decreto-Lei n.º 337/90, de 30/out., de 30/out. (DR I, n.º 251; LOBP 1990), o qual ao estabelecer a Lei Orgânica do Banco de Portugal dispunha no seu artigo 18.º, n.º 1 que “Como banco central, compete especialmente ao Banco [Portugal], tendo em conta as orientações do Governo” – sendo nosso o negrito – “Colaborar na definição e executar a política monetária e cambial” (alínea a)), para além de outras. Quanto a estas dispunha o então artigo 22.º n.º 1 que “Para orientar e fiscalizar os mercados monetários, financeiro e cambial, cabe ao Banco [Portugal]: a) Regular o funcionamento desses mercados, ..., em particular no que se refere ao comportamento das taxas de juro e de câmbio”.
No entanto este paradigma do Banco de Portugal como agente da política económica e financeira do Governo deixou de existir com a integração deste Banco Central no Sistema de Europeu de Bancos Centrais, o que sucedeu com a sua nova lei orgânica introduzida pela Lei n.º 5/98, de 31/jan. (DR I, n.º 26). Mas convém relembrar e precisar que esta Lei 5/98, veio consagrar três leis orgânicas distintas para o Banco de Portugal, uma para o período antecedente de adesão à moeda EURO (LOBP 1998) e outras duas condicionais para o período pós moeda EURO caso Portugal aderisse ou não à moeda EURO. Essa destrinça está bem patente nesta Lei 5/98, através do seu artigo 1.º, o qual introduz alterações na LOBP 1990 (Decreto-Lei n.º 337/90, com as alterações do Decreto-Lei n.º 231/95, de 12/set. e Lei n.º 3/96, de 05/fev.), artigo 2.º o qual revogava esta última legislação no caso de adesão de Portugal ao EURO, passando a vigorar uma nova Lei Orgânica constante no seu anexo ou então e como consta no subsequente artigo 3.º, para o caso de não haver essa adesão seria reformulada a LOBP 1998.
Assim, tendo havido desde logo a adesão de Portugal ao EURO passou a vigorar a Lei Orgânica constante no anexo da Lei n.º 5/98, (LOBP 1999) e no seu artigo 3.º, n.º 1 passou a constar que “O Banco [Portugal], como banco central da República Portuguesa, faz parte integrante do Sistema Europeu de Bancos Centrais, adiante abreviadamente designado por SEBC”, tendo o mesmo como uma das suas funções gerais (artigo 12.º, alínea d)), “Aconselhar o Governo nos domínios económico e financeiro, no âmbito das suas atribuições” – e não já de ser orientado pelo Governo. Tanto é assim que relativamente à política monetária e cambial e no que concerne às taxas de juro, passou a constar no seu artigo 16.º o seguinte: “Para orientar e fiscalizar os mercados monetário e cambial, cabe ao Banco, de acordo com as normas adaptadas pelo BCE: a) Adoptar providências genéricas ou intervir, sempre que necessário, para garantir os objectivos da política monetária e cambial, em particular no que se refere ao comportamento das taxas de juro e de câmbio;”.
Como se pode constatar no confronto das Leis Orgânicas do Banco de Portugal a mais recente já não estabelece que este Banco Central segue as orientações do Governo (LOBP 1990), porquanto está agora veiculado às normas adaptadas pelo BCE (LOBP 1999). E quanto a isto parece-nos que não podem existir quaisquer dúvidas. Na sequência da mudança deste paradigma na Lei Orgânica do Bando de Portugal, o transcrito anteriormente nos citados artigos 18.º, n.º 1 e 22.º, n.º 1 da LOBP 1990 deixou de ter qualquer correspondência na LOBP 1999, estando aqueles normativos simplesmente revogados pelo artigo 2.º da Lei n.º 5/98, de 31/jan. – aí preceitua-se que “A partir do dia em que Portugal adoptar o euro como moeda, a Lei Orgânica do Banco de Portugal passará a ter a redacção constante do anexo ao presente diploma, que dele faz parte integrante, sendo simultaneamente revogada a Lei Orgânica aprovada pelo Decreto-Lei n.º 337/90, de 30 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 231/95, de 12 de Setembro, pela Lei n.º 3/96, de 5 de Fevereiro, e pelos n.º 1 e 2 do artigo 1.º e, caso entre em vigor, pelo artigo 3.º do presente diploma”, sendo nosso o negrito. Deste modo, o fundamento legislativo habilitante do Aviso n.º 3/93 do Banco de Portugal, deixou simplesmente de existir, pelo que actualmente não se pode continuar a considerar que as taxas de juros para as operações bancárias e equivalentes são estabelecidas livremente pelas instituições de crédito e sociedades financeiras – neste sentido também se tem pronunciado certa doutrina, entre outros, veja-se: inicialmente Silva Loureiro, Carlos Gabriel, “Juros usurários no crédito ao consumo”, Tékne – Revista de Estudos Politécnicos, Vol. V, n.º 8, 2007, pp. 265-280; ultimamente Vasconcelos, Miguel Pestana, “Os limites máximo das taxas de juro das instituições de crédito e das sociedades financeiras”, in Revista de Direito Comercial, 2018, pp. 629-664 (648-654), acedido em www.revistadedireitocomercial.com. E tanto não faz sentido, quando o próprio regime jurídico do juro bancário e o regime jurídico de concessão de crédito ao consumo vêm estabelecer limites de juros, pelo que se fossem livres não havia necessidade de instituir as referenciadas barreiras legais.
Nesta conformidade, as operações bancárias ou equivalentes, por se tratarem de especificidades da atividade comercial em geral e na insubsistência do Aviso n.º 3/93 do Banco de Portugal, têm como referência as taxas de juros comerciais (102.º, § 3.º Código Comercial), as quais podem ser acrescidas das taxas de juros usurárias (1146.º Código Civil ex vi 102.º, § 3.º Código Comercial), sendo reduzidas a esse limite máximo caso ultrapassem o mesmo. No caso de mora podem ser ainda acrescidos de uma taxa de juros de 3 % prevista para os juros bancários (8.º, n.º 1 artigo 3.º deste Decreto-Lei n.º 58/2013). Por sua vez e quanto aos juros por anatocismo, tanto os seus limites, como as respectivas regras estão igualmente sujeitas à disciplina dos juros bancários (artigo 3.º deste Decreto-Lei n.º 58/2013).
Seguindo este posicionamento, vejamos então como aplicamos o mesmo ao caso concreto, tendo por base as taxas de juros comerciais.

Avisosperíodotaxa juros comercialTaxa Juros
usurá-
ria
TJ remunera-
tória
Valor máximo
TJ Mora
+ 3%
…/201301/01/2013 30/06/20137,55%3%10,55%13,55%
…/201301/07/2013 31/12/20137,5 %3%10,50%13,50%
../201401/01/2014
30/06/2014
7,25%3%10,25%13,25%
../201401/07/2014
31/12/2014
7,15 %3%10,15%13,15%
…/201501/01/2015
30/06/2015
7,05%3%10,05%13,05%
…/201501/07/2015
31/12/2015
7,05 %3%10,05%13,05%
…/201601/01/2016
30/06/2016
7,05%3%10,05%13,05%
…/201601/07/2016
31/12/2016
7,00 %3%10%13%
…/201701/01/2017
30/06/2017
7,00%3%10%13%
…/201701/07/2017
31/12/2017
7,00 %3%10%13%
…/201801/01/2018
30/06/2018
7,00%3%10%13%
…/201801/07/2018
31/12/2018
7,00 %3%10%13%

Tendo por base os factos provados, mormente o item 7.º podemos constatar que a taxa de juros remuneratória do contrato de ……., que corresponde a uma taxa nominal anual fixa de 13.913%, ultrapassa a taxa de juros usurários legalmente permitida, pelo que deverá ser reduzida ao valor máximo da taxa remuneratória constante no quadro anterior. O mesmo sucederá quanto ao acréscimo da taxa de juro de mora de 3%, reduzindo o seu valor total ao limite máximo constante no quadro anterior. Assim, nesta parte o recurso não merece provimento, mas já merece pleno provimento no que concerne ao contrato …….
No que concerne àquele primeiro contrato importa proceder à liquidação das prestações em dívida, com base na taxa legal máxima anteriormente referenciada, nada impedindo que se condene desde já no montante apurado relativamente ao segundo contrato, atento o preceituado no artigo 609.º, n.º 2 do NCPC – aqui preceitua-se que “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
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No cumprimento do disposto no artigo 663.º, n.º 7 do NCPC apresenta-se o seguinte sumário:
...........................................................
...........................................................
...........................................................
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As custas deste recurso, assim como da ação fixam-se na proporção do decaimento – cfr. 527.º, n.º 1 e 2 NCPC.
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso interposto por B…, Sucursal Portugal, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se a R. C… a pagar €15.798,97, acrescidos de juros de mora que atualmente são de 6.802 % a incidir exclusivamente sobre o capital devido, acrescidos de juros vencidos de €231,61 e de imposto de selo no valor de €9,26, remetendo-se o apuramento do restante respeitante ao contrato ……. para liquidação em execução de sentença.
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Custas deste recurso e da ação na proporção do decaimento.
*
Notifique
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Porto, 22 de maio de 2019
Joaquim Correia Gomes
Filipe Caroço
Judite Pires