Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0710905
Nº Convencional: JTRP00040136
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
MAUS TRATOS ENTRE CÔNJUGES
Nº do Documento: RP200703140710905
Data do Acordão: 03/14/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 479 - FLS 20.
Área Temática: .
Sumário: O regime especial do nº6 do artº 281º do CPP98 não dispensa a verificação dos requisitos do nº 1 do mesmo preceito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
1. Findo o inquérito nº …/06.0GDGDM, que corre termos na .ª secção dos Serviços do Ministério Público de Gondomar, no qual foi constituído arguido B………., o Magistrado do Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 281 do CPP, suscitou judicialmente a suspensão provisória do processo, nos seguintes termos:
“O Ministério Público requer, nos termos do art. 281°, do Cód. Proc. Penal, suspensão provisória do processo quanto ao arguido B………., melhor identificado nos autos porquanto:
O arguido B………. é companheiro da ofendida C………., estando juntos há cerca de 14 anos.
Desde há seis anos a esta parte que o arguido tem vindo a maltratar a sua esposa, dirigindo-lhe palavras susceptíveis de ferirem a sua honra e consideração, agredindo-a ainda frequentes vezes.
Tais episódios de agressões ocorriam no interior da residência daqueles, nesta Comarca de Gondomar, tendo a ofendida sido agredida no dia 27/03/2006 com bofetadas, pontapés e empurrões, que lhe causaram dor e mau estar físico, e lhe demandaram 5 dias de doença.
O arguido por vezes bebe imoderadamente bebidas alcoólicas, altura em que os episódios de agressão são mais violentos e frequentes.
Tais factos são susceptíveis de integrar a prática de um crime de maus tratos a cônjuge, p. e p. pelo art. 152°, n°s 1 e 2, do Cód. Penal.
Analisando o processo, parece-me que se encontram reunidos todos os pressupostos e requisitos de aplicação do art. 281° do Cód. Proc. Penal.
Na realidade, o caso sobre o qual ora nos debruçamos é merecedor das chamadas soluções de diversão previstas na nossa legislação processual penal, as quais correspondem a um novo paradigma alternativo ao até agora imobilismo próprio do carácter absoluto das reacções punitivas próprias do positivismo, pretendendo responder a uma certa crise da política criminal, que já não encontra soluções no mero castigo, e anseia percorrer os caminhos da “defense sociale”[1].
Longe de pretender usar este mecanismo processual para, de algum modo, forçar ou condicionar a reacção penal ou diminuir as garantias de defesa[2], pretende-se antes uma alternativa simples de desjudicialização do processo penal, que todavia não abdique da censura ético-penal que o desvalor da conduta dos arguidos encerra.
Neste contexto, penso que estes mecanismos de verdade consensuada[3] encontram campo fértil nesta área tão sensível como sejam as relações familiares, que, tal como outras, só têm a ganhar com a simplicidade e celeridade do procedimento.
Na verdade:
- o crime em causa é punido com prisão de um a cinco anos;
- o arguido tem antecedentes criminais (fls. 32-33) pelo crime de condução ilegal;
- não há lugar a medida de segurança de internamento;
- não obstante a culpa não ser ligeira, as consequências dos actos do arguido não foram ainda gravosas;
- é de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta respondam suficientemente às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir,
- a vítima requereu a suspensão provisória do processo nos termos exarados a fls. 39, verificando-se assim os requisitos cumulativos previstos no art. 281°, n°6 do Cód. Proc. Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 7/2000, de 27/05.
Na verdade, e salvo o devido respeito por opinião contraria, com a Lei nº 7/2000, quis o legislador fazer depender, no caso do crime de maus tratos, a suspensão, da vontade exclusiva da vítima, retirando do poder do arguido a sua vontade de anuência, face ao então existente regime geral.
O n° 6 do art. 281°, do Código de Processo Penal tratar-se-á assim de um regime especial a aplicar no caso dos crimes de maus tratos, o qual prescindirá da vontade do arguido, e bem assim do requisito geral relativo à existência de antecedentes criminais.
Ainda assim, e por força do disposto no art. 52°, n°2, do Código Penal, e uma vez que o tribunal só pode determinar a sujeição do arguido a tratamento médico com o seu assentimento, deverá colher-se previamente a aceitação do arguido ao tratamento de desintoxicação, o que se fez — cfr. fls. 39.
Nestes termos, pelo que se expõe e igualmente resulta dos autos, determino, se tal colher a concordância do Mm° Juiz de Instrução, no que respeita às injunções propostas e à duração da suspensão, a suspensão provisória do presente processo por um período de 18 (dezoito) meses, nos termos no art. 281° do Cód. Proc. Penal, mediante as seguintes injunções:
a) não bater nem injuriar a sua esposa durante o prazo de suspensão (18 meses);
b) submeter-se naquele período a tratamento de desintoxicação alcoólica, com acompanhamento pelo IRS, incluindo sujeição a exames para detecção de álcool.
Conclua os autos ao Mmº Juiz de Instrução.
Proferido despacho judicial de concordância (e se):
a) Notifique o arguido do presente despacho, advertindo-o expressamente para o período de suspensão de 18 meses e da obrigatoriedade de cumprir com as injunções impostas, sob pena de, não as cumprindo, poder ser deduzida acusação e submetido o processo a julgamento (art. 282°, n° 3 do Cód. Proc. Penal);
b) Comunique superiormente, com envio de cópia do presente despacho e do judicial.”

2. Em face de tal requerimento, o Mmº Juiz de Instrução proferiu a seguinte decisão:
“Em face dos elementos indiciários colhidos, e tendo por referência o teor do auto de notícia de fls. 2 a 4, está em causa nos presentes autos a eventual prática pelo arguido B………. de um crime de maus tratos a cônjuge, previsto e punido pelo art. 152°, n.° 1 e 2 do Código Penal, a que corresponde pena de prisão de 1 a 5, se o facto não for punível pelo art. 144° do mesmo diploma legal.
O Digno Procurador Adjunto decidiu-se pela suspensão provisória do processo por um período de 18 meses, com a obrigação do arguido não bater nem injuriar a sua esposa durante o prazo de suspensão e submeter-se naquele período a tratamento de desintoxicação alcoólica, com acompanhamento pelo I.R.S., incluindo sujeição a exames para detecção de álcool.
O art. 281°, n.° 1 do Código de Processo Penal (CPP) permite ao Ministério Público decidir-se pela suspensão provisória do processo se, para além do mais, o crime, ou crimes (em situações de cúmulo), não for punido com pena de prisão superior a 5 anos ou for punido com sanção diferente da prisão.
O instituto da suspensão provisória do processo, previsto nos arts. 281° e 282° do CPP, é uma manifestação dos princípios da diversão, informalidade, cooperação, celeridade processual e da “oportunidade”, princípios estes que assumem uma importância crescente no processo penal.
Sempre que possível, deve evitar-se o uso do processo penal, pois a própria sujeição do arguido a um julgamento pode ter efeitos socialmente estigmatizantes, não obstante a presunção de inocência de que beneficia durante o julgamento, nos termos do disposto no art. 32°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa.
Por outro lado, a eventual aplicação de uma pena de prisão pode ter ainda efeitos criminógenos e, por isso mesmo, contrários aos que se pretendem atingir (interiorização do desvalor da conduta e subsequente preparação para a ressocialização).
Há ainda que considerar a importância deste instituto pelo papel que desempenha na pacificação social, privilegiando soluções de consenso em detrimento de um aprofundamento da conflituosidade social, sem que simultaneamente a confiança da comunidade nas normas jurídicas violada seja abalada ou sem que os bens jurídico-penais deixem de ser penalmente tutelados.
Extrai-se do art. 281°, n.° 1 do CPP que são requisitos legais de cuja verificação depende a possibilidade de recurso à suspensão provisória do processo:
1. Estar-se perante um crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com pena diferente da prisão;
2. Concordância do arguido, do assistente (quando haja) e do juiz de instrução;
3. Ausência de antecedentes criminais do arguido;
4. Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
5. Carácter diminuto da culpa; e,
6. Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
Nos termos acima enunciados é da competência do Ministério Público desencadear os mecanismos necessários à aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, cabendo ao Juiz de Instrução “fiscalizar o juízo de oportunidade e a adequação da iniciativa protagonizada pelo Ministério Público, devendo a sua posição ter como referência valorações político-criminais substantivas que lhe impõem a obediência a critérios objectivos que permitam obter a solução mais justa e apropriada ao caso concreto” (Fernando Pinto Torrão — A relevância Político-Criminal da Suspensão Provisória do Processo, pág. 276).
Apesar do instituto da suspensão provisória do processo assentar no princípio da oportunidade, impõe-se que se tenha presente um dos princípios basilares do direito processual penal — o da legalidade — daí que aquele princípio (o da oportunidade) não possa deixar de estar condicionado aos requisitos e pressupostos enunciados no n.° 1 do artigo 281° do CPP.
Também a concordância do Juiz não pode deixar de estar vinculada pelo princípio da legalidade, daí que a decisão deva obedecer aos requisitos exigidos por lei, impondo-se que o Juiz indique e fundamente os motivos e razões da sua não concordância.
No caso em apreço, entendo porém não poder manifestar a minha concordância, pelas razões que passo a explicar.
Conforme tem sido entendido pela nossa mais recente Jurisprudência (cfr., por todos, Acórdão da Relação do Porto, de 12/07/2006, Relator Jorge Jacob, processo n.° 0542060, in www.dgsi.pt), confrontado com a decisão do Ministério Público de suspender provisoriamente o processo, nos termos do art. 281° do CPP, o Juiz de Instrução Criminal deverá indagar se estão reunidos os pressupostos em que aquela decisão necessariamente se deve fundar, verificando se o crime indiciado é punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão; se existe concordância do arguido e do assistente; se o arguido não tem antecedentes criminais; se no caso não há lugar a medida de segurança de internamento; se a culpa apresenta carácter diminuto; e se é de prever, face às circunstâncias do caso, que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
Alguns destes requisitos são de verificação objectiva (por exemplo, a ausência de antecedentes criminais), enquanto que a verificação de outros é de natureza subjectiva (por exemplo, a verificação do carácter diminuto da culpa).
Relativamente aos requisitos objectivos, não se levantam problemas de maior. Ou estão ou não estão verificados.
Já no que concerne aos requisitos subjectivos, pode haver divergência entre o Ministério Público e o Juiz de Instrução Criminal. Por exemplo, poderá este último, face ao concreto circunstancialismo do caso, entender que a culpa não se apresenta como diminuta; ou que as injunções e regras de conduta impostas não satisfazem as exigências de prevenção. Nesse caso poderá e deverá, obviamente, discordar da suspensão, com fundamento na ausência de pressupostos; mas terá necessariamente que fundamentar tecnicamente a sua decisão, posto que a atribuição de competência jurisdicional para verificação da legalidade da decisão de suspensão não se traduz numa competência discricionária, mas sim num dever tecnicamente vinculado.
Em síntese:
- Verificados cumulativamente todos os pressupostos legais, o Juiz de Instrução Criminal tem apenas que manifestar a sua concordância.
- Faltando algum dos pressupostos, o Juiz de Instrução Criminal manifestará fundadamente a sua discordância.
Conforme resulta claro dos autos, o arguido apresenta antecedentes criminais, ainda que por crime de condução ilegal (cfr. fls. 32 e 33).
Não olvido o que ultimamente tem vindo a ser dito e escrito, nomeadamente nos círculos mais próximos do Ministério Público, quanto ao requisito de ausência de antecedentes criminais do arguido (tem vindo a ser escrito que tal requisito constitui um impedimento legal que, muitas vezes, impossibilita a aplicação da suspensão provisória do processo; e que não fará muito sentido se se considerar que o facto de o arguido não ser primário é impeditivo de uma suspensão provisória do processo, perante a situação, por exemplo, de o crime que motivou o antecedente criminal do arguido ter uma natureza diferente, ou tutelar um bem jurídico diferente, daquele crime em investigação no inquérito em que se pretende aplicar a suspensão provisória do processo — cfr. Texto publicado no sítio www.pgdlisboa.pt/pgdl/textos. sob o título Institutos de Conciliação no Processo Penal e da autoria de Ana Cristina Matono Afonso).
Sucede, porém, que tal posição, um tanto ou quanto isolada, não encontra qualquer fundamento legal, pelo menos enquanto se mantiver assim a redacção do aludido art. 281° do CPP, nomeadamente a sua alínea b).
Por conseguinte, e se nada mais houvesse para dizer, já o que se disse seria, pelo menos a meu ver, suficiente para não poder dar o meu consentimento a suspensão provisória do processo.
Mas há mais.
Diz-se no douto despacho em apreço que com a Lei n.° 7/2000 quis o legislador fazer depender, no caso de crimes de maus tratos, a suspensão da vontade exclusiva da vítima, retirando do poder do arguido a sua vontade de anuência, face ao então existente regime geral.
São tantas as razões de discordância quanto a este argumento que tentarei ordená-las de forma a que se torne perfeitamente perceptível a óbvia improcedência do mesmo.
Em primeiro lugar, o argumento avançado nem a posição do Ministério Público favorece.
Na verdade, a ser como se escreveu, a deixar-se nas mãos da vítima a decisão de suspender ou não provisoriamente o processo e daquela maneira, então também o Ministério Público teria de seguir a vontade da vítima e obrigatoriamente suspender provisoriamente o processo. O titular da acção penal ficaria assim totalmente cerceado no seu poder/dever legalmente consagrado de exercer a acção.
Por outro lado, tendo o arguido o direito a ser julgado em processo penal, podendo inclusive opor-se a uma desistência de queixa ou de acusação particular sem qualquer tipo de fundamentação, não compreendo muito bem como poderia aquele ser “obrigado” a aceitar uma suspensão provisória do processo, ainda para mais da vontade exclusiva da vítima, quando aquela suspensão significa ficar sujeito a determinadas injunções e/ou regras de conduta e impedido de conhecer uma decisão final, que em última instância pode até ser o arquivamento do processo ou a sua absolvição em sede de julgamento.
Mas mais ainda. É que o legislador ao introduzir o famigerado n.° 6 do art. 281° do CPP, através da aludida Lei n.° 7/2000, foi claro e fez constar daquela norma a seguinte expressão: “sem prejuízo do disposto no n° 1”, aliás não poderia deixar de ser.
Ou seja, o legislador concedeu ao Ministério Público o poder de optar pela suspensão provisória do processo quando estiverem em causa crimes como o em apreço nos presentes autos, a livre requerimento da vítima, desde que, e para além do mais, se mostrem preenchidos os requisitos previstos no nº 1 do referido art. 281°.
Parece-me, por conseguinte, eivado desde o seu início, e manifestamente improcedente, o entendimento vertido no douto despacho em apreço, que não encontra sequer fundamento no preâmbulo da Lei em questão.
Acresce ainda, e para a eventualidade de ter efectuado uma incorrecta interpretação daquela norma, que o legislador exige um carácter diminuto da culpa para que se possa suspender provisoriamente um processo penal (cfr. art. 281°, n.° 1, alínea d) do CPP).
A propósito da culpa diminuta escreveu esclarecedoramente o Sr. Prof. Figueiredo Dias: “o carácter diminuto da culpa não pode resultar, sem mais, da circunstância de aquela se referir a uma bagatela penal; é esta, antes, uma questão que o Tribunal só poderá resolver em concreto de acordo com o disposto no artigo 72 nº 1 do Código Penal: jogam pois aqui o seu papel todas as circunstâncias que, pela via da culpa, são relevantes para a medida da pena. Deste modo, não fica completamente excluída a possibilidade de se concluir por uma culpa diminuída só por no caso se verificar a existência de um qualquer factor ou circunstância agravante. O que importa é apenas que, sopesados todos os factores atenuantes e agravantes que relevam para a culpa, se deva concluir através da imagem global que eles fornecem, que a culpa do agente do ilícito típico cometido é pequena ou diminuta” (Direito Penal Português — Consequências Jurídicas do Crime — 1993 — págs. 318 e 319).
Seguindo de perto estes ensinamentos, e partilhando até a posição manifestada pelo Digníssimo Procurador Adjunto no despacho em apreço, cumpre evidenciar que o comportamento do arguido se insere num quadro de anormalidade negativa, quando o que se pretende distinguir com a atenuante do bom comportamento é a actuação acentuadamente superior ou pelo menos melhor do que a dos restantes cidadãos. A conduta delituosa do arguido manifestou-se reiteradamente por um período de tempo significativo (seis anos); violou de forma grosseira os deveres a que se vinculou pelos laços do casamento.
Acresce ainda que durante todo o inquérito o arguido não demonstrou qualquer ressentimento ou assunção da sua responsabilidade, procurando pelo contrário negar as evidências e desculpar a sua conduta (cfr. fls. 39).
Por outro lado, a motivação que decorre dos autos para a atitude do arguido (consumo excessivo de álcool), em meu modesto ver, está longe de caracterizar uma situação de diminuta culpa e ainda mais longe de justificar a sua actuação, tanto mais que o arguido nem sequer reconhece que bebe em excesso.
Posso concordar que a eventual submissão do arguido a um tratamento de desintoxicação será essencial quer para a vida desta, quer essencialmente para o sossego e tranquilidade da vítima. Mas tal resultado, que não passa de urna mera probabilidade, não justifica, por si só, o recurso à suspensão provisória do processo.
Daí que, e até no seguimento do entendido pelo Digno Magistrado do Ministério Público, opine no sentido de não estar preenchido o pressuposto do carácter diminuto da culpa.
Mas mais, com excepção daquele tratamento, o tipo de injunções que lhe foram aplicadas, não bater nem injuriar a sua esposa durante o prazo suspensão, para além de não poder ser qualificada como tal (mais não é do que o arguido cumprir a lei), está longe de poder responder às necessidades de prevenção geral, na medida em que o sinal dado à comunidade em geral é de excessiva brandura.
Nestes termos, por tudo o exposto e sem necessidade de outras considerações, decido não dar a minha concordância à suspensão provisória do processo - art. 281° do Código de Processo Penal.
Devolva os autos ao Ministério Público.”

3. Inconformado com essa decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso (fls. 58 a 71), concluindo a sua motivação nos seguintes termos:
a) O Mm° Juiz de Instrução considerou na sua douta decisão que não se encontravam reunidos os pressupostos para proferir decisão de concordância à suspensão do processo promovida pelo Ministério Público, estando em causa um crime de maus tratos a cônjuge, p. e p. pelo art. 152°, n°1 e 2, do Código Penal;
b) O Ministério Público discorda de tal decisão pugnando pela revogação de tal decisão e substituição por uma outra que considere verificados os pressupostos para a aplicação de tal Instituto;
c) Na verdade, quanto ao requisito previsto no art. 281°, n°1, b), do Código de Processo Penal - ausência de antecedentes criminais - quis o legislador com as alterações introduzidas pela Lei n° 7/2000, de 27/05, criar para o crime de maus tratos um regime especial com a introdução de um número “6” no art° 281°, do Código de Processo Penal, o qual prescindirá da vontade do arguido, e bem assim do requisito geral relativo à existência de antecedentes criminais;
d) A não se entender assim, poríamos em causa a razão de ser do instituto, em situações, como a dos autos, em que a condenação anterior - por crime de condução ilegal - impediria a solução que, em concreto, melhor satisfaz quer o interesse da vítima, quer as razões de prevenção geral e especial;
e) Verifica-se igualmente o requisito previsto no art. 281°, n°1, d), do Código de Processo Penal - carácter diminuto da culpa.
f) Com efeito, o próprio legislador ordinário ligou umbilicalmente a noção de “culpa” com razões de prevenção geral.
g) Daí que, para o efeito, se deva entender “culpa” em concreto e de acordo com os mesmos critérios que se aplicam à determinação do grau de culpa para determinação de uma pena;
h) In casu, temos que o arguido maltrata a sua esposa há seis anos, mas tais situações são mais intensas e frequentes quando o mesmo se coloca estado étilico;
i) Ora, tal situação, acompanhada da ausência de lesões graves não pode deixar de relevar para o conceito de culpa ‘ligeira” ou “diminuta.
j) Por último, discorda-se igualmente do despacho do Mm° JIC na parte em que este não aceita a injunção proposta e aceite pelo arguido de não maltratar a sua esposa durante o prazo de suspensão;
k) Com efeito, e pese embora tal facto derive já de lei geral, a sua presença no rol de injunções (quando acompanhada de outras) tem o efeito de reforçar o carácter da suspensão e relembrar ao arguido os seus deveres, e por isso, sendo processualmente inócua, não vemos razões para que dela se discorde.
1) Assim, ao não concordar com as injunções propostas, o Tribunal violou assim os arts. 281° e 282°, do Código de Processo Penal.”
Termina pedindo que o recurso seja declarado totalmente procedente, substituindo-se a decisão recorrida por uma outra que acolha a proposta de suspensão provisória do processo decidida pelo Ministério Público.

4. O arguido não respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público.
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Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apor visto.
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Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos legais realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412 nº 1 do CPP).
Assim, incumbe a este Tribunal da Relação pronunciar-se sobre as seguintes questões:
1ª – Apreciar se o regime especial contido no art. 281 nº 6 do CPP, na redacção da Lei nº 7/2000 de 27/5, prescinde da vontade (anuência) do arguido e, bem assim, do requisito geral relativo à inexistência de antecedentes criminais;
2ª – Verificar que está preenchido o requisito do carácter diminuto da culpa, aludido no art. 281 nº 1-d) do CPP;
3ª – Apurar se o Sr. Juiz de instrução pode ou não discordar das injunções propostas e aceites pelo arguido, mormente, quando as mesmas são processualmente inócuas.
Passemos então a apreciar cada uma das questões colocadas no recurso aqui em apreço.
1ª Questão
Sustenta o recorrente que o regime especial contido no art. 281 nº 6 do CPP, na redacção da Lei nº 7/2000 de 27/5, prescinde da vontade (anuência) do arguido e, bem assim, do requisito geral relativo à inexistência de antecedentes criminais.
No texto da motivação de recurso alega que a expressão “sem prejuízo do nº 1” contida no nº 6 do art. 281 do CPP significa que, no caso especial dos maus tratos, se prescinde dos requisitos gerais previstos no nº 1 do mesmo dispositivo legal.
De esclarecer, porém, que no caso em apreço, consoante resulta do teor do auto de acareação de fls. 39, não foi a vítima que requereu a suspensão provisória do processo, antes foi o Técnico de Justiça Auxiliar que, após ter efectuado a acareação entre a queixosa C………. e o arguido B………., fez constar o seguinte: “Foi-lhes explicado o instituto da suspensão provisória do processo, pelo período de 18 meses, mediante a concordância pelo arguido para efectuar tratamento de desintoxicação alcoólica, com acompanhamento pelo IRS, e acordo do arguido para se sujeitar a acompanhamento médico e exames. Pela 1ª e 2º acareados foi dito que concordam com o Instituto da Suspensão Provisória do Processo”.
Ou seja, o recorrente parte de um pressuposto errado na medida em que a vítima C………. apenas concordou com a suspensão provisória do processo que lhe foi explicada mas não requereu, por sua livre iniciativa, a sua aplicação.
E, como é evidente a anuência ou o acordo não significa, nem equivale a requerer a aplicação de tal instituto.
Por isso, podia o Ministério Público decidir-se pela suspensão provisória do processo mas, por sua iniciativa, ou seja, ao abrigo do art. 281 nº 1 do CPP e, consequentemente, desde que verificados os respectivos pressupostos legais.
Pretender transformar a anuência da ofendida (que não assistente) em requerimento para invocar a aplicação do disposto no art. 281 nº 6 do CPP (fazendo depois a construção teórica de que aquele regime especial, prescinde dos pressupostos contidos no nº 1 do mesmo artigo) é que não encontra apoio no texto do auto de fls. 39, por si invocado.
Nessa medida não se compreende a razão pela qual assenta o seu recurso no disposto no art. 281 nº 6 do CPP.
De qualquer modo, não deixaremos de apreciar as questões que suscita.
Dispõe o art. 281 (suspensão provisória do processo) do CPP na redacção da Lei nº 7/2000 de 27/5:
1. Se o crime for punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão, pode o Ministério Público decidir-se, com a concordância do juiz de instrução, pela suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, se se verificarem os seguintes pressupostos:
a) Concordância do arguido e do assistente;
b) Ausência de antecedentes criminais do arguido;
c) Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
d) Carácter diminuto da culpa; e
e) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
2. São oponíveis ao arguido as seguintes injunções e regras de conduta:
a) Indemnizar o lesado;
b) Dar ao lesado satisfação moral adequada;
c) Entregar ao Estado ou a instituições privadas de solidariedade social certa quantia;
d) Não exercer determinadas profissões;
e) Não frequentar certos meios ou lugares;
f) Não residir em certos lugares ou regiões;
g) Não acompanhar, alojar ou receber certas pessoas;
h) Não ter em seu poder determinados objectos capazes de facilitar a prática de outro crime;
i) Qualquer outro comportamento especialmente exigido pelo caso.
3. Não são oponíveis injunções e regras de conduta que possam ofender a dignidade do arguido.
4. Para apoio e vigilância do cumprimento das injunções e regras de conduta podem o juiz de instrução e o Ministério Público, consoante os casos, recorrer aos serviços de reinserção social, a órgãos de polícia criminal e às autoridades administrativas.
5. A decisão de suspensão, em conformidade com o n.º 1, não é susceptível de impugnação.
6. Em processos por crime de maus tratos entre cônjuges, entre quem conviva em condições análogas ou seja progenitor de descendente comum em 1º grau, pode ainda decidir-se, sem prejuízo do disposto no nº 1, pela suspensão provisória do processo a livre requerimento da vítima, tendo em especial consideração a sua situação e desde que ao arguido não haja sido aplicada medida similar por infracção da mesma natureza.
O instituto da suspensão provisória do processo pressupõe que no inquérito se tenham recolhido indícios suficientes do crime e do seu agente e, portanto, que o Ministério Público dispõe dos elementos necessários para deduzir acusação[4].
Porém, em nome do consenso e da oportunidade, como forma de resolver o conflito penal, acaba o MºPº por não ter de cumprir esse dever de deduzir acusação.
A suspensão provisória do processo é uma medida de “diversão com intervenção”, sendo expressão do princípio da oportunidade, entendido este como “uma liberdade de apreciação do MP relativamente ao se da decisão (…) de acusar apesar de estarem reunidos os pressupostos legais (gerais) [do dito dever]”[5].
Essa liberdade de apreciação do Ministério Público está sujeita, ainda assim, ao princípio da legalidade, embora este se encontre limitado pelo princípio da oportunidade (“sendo os tópicos político-criminais os da intervenção mínima, da não estigmatização do agente, do consenso e da economia processual”[6]).
«Privilegiando o diálogo e o consenso», reconduz-se este instituto a um «quadro de ilicitude, culpa e exigências de prevenção de baixa intensidade», assim se viabilizando «“o arquivamento do processo, com força de caso julgado material, sem fazer passar o arguido à fase do julgamento (art. 282 nº 3 CPP)”»[7].
A solução da suspensão provisória do processo, definida nos termos do art. 281 do CPP, contém 2 regimes, sendo um geral (nº 1) e outro especial (nº 6).
O regime geral (previsto no nº 1 do citado art. 281) depende da verificação dos seguintes pressupostos:
- o crime for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão;
- concordância do juiz de instrução, do arguido e do assistente;
- ausência de antecedentes criminais do arguido;
- não haver lugar a medida de segurança de internamento;
- carácter diminuto da culpa;
- ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
Por sua vez, no caso do regime especial previsto no nº 6 do mesmo dispositivo legal, pode ainda decidir-se da suspensão provisória do processo a livre requerimento da vítima, em processos por crime de maus tratos entre cônjuges, entre quem conviva em condições análogas ou seja progenitor de descendente comum em 1º grau, tendo em especial consideração a sua (da vítima) situação desde que, anteriormente, ao arguido não haja sido aplicada medida similar por infracção da mesma natureza.
Quanto a nós não se suscitam dúvidas que o segmento (“sem prejuízo do disposto no nº1”) contido no nº 6 do art. 281 do CPP quer significar que, além dos particulares requisitos exigidos por esse normativo (“especial consideração da situação da vítima” e “não ter sido anteriormente aplicada ao arguido medida similar por infracção da mesma natureza”) é necessário que se verifiquem os pressupostos indicados no nº 1 do mesmo dispositivo[8].
O argumento literal aponta nesse sentido, sendo certo que se essa não fosse a intenção do legislador, uma vez que se presume que consagra as soluções mais acertadas, sabendo exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9 nº 3 do CC), tomaria uma de duas atitudes: ou pura e simplesmente não faria referência ao “sem prejuízo do disposto no nº1” ou então diria “independentemente do disposto no nº 1”[9].
Tal solução é a única admissível não só apelando ao argumento literal e histórico, como também é a única que se adequada com a interpretação teleológica do art. 281 do CPP e com a sua própria ratio essendi, cujo objectivo claro é apenas suspender provisoriamente o processo, mesmo no caso especial previsto no nº 6, desde que se verifiquem igualmente os pressupostos exigidos pelo seu nº 1.
Aliás, só essa interpretação está de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 9 do CC, considerada “a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
Pretender, como o recorrente, que o regime especial contido no art. 281 nº 6 do CPP, prescinde da anuência do arguido seria uma clara violação do princípio do contraditório e das próprias regras da solução de consenso[10], além de comprometer o êxito da medida de diversão em questão.
Sustentar que não é aplicável o requisito da “inexistência de antecedentes criminais” seria contrariar frontalmente a própria exigência legal e os objectivos de prevenção especial.
É bom lembrar que os magistrados não se podem substituir ao legislador pelo facto de, na prática judiciária, verificarem que os requisitos da “inexistência de antecedentes criminais” e/ou da “culpa diminuta” restringem em demasia o âmbito de aplicação do referido instituto da suspensão provisória do processo, inviabilizando soluções preferíveis de consenso e de resolução de conflito nos casos, por exp., de violência familiar.
Só o legislador pode modificar a lei, não sendo consentidas interpretações correctivas que atentam contra o princípio da legalidade.
Aliás, repare-se que na Proposta de Lei nº 109/X, que aprova a revisão do Código de Processo Penal[11], altera-se o disposto no art. 281, esclarecendo-se no preâmbulo que “a suspensão provisória do processo passa a poder ser aplicada a requerimento do arguido ou do assistente. Ainda no âmbito da suspensão, restringe-se o requisito de ausência de antecedentes criminais passando a exigir-se apenas que não haja condenação ou suspensão provisória anteriores por crime da mesma natureza. Também o requisito da culpa diminuta é transformado em previsão de ausência de culpa elevada. Nos crimes de violência doméstica e contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravados pelo resultado permite-se que o Ministério Público determine o arquivamento independentemente da pena aplicável, em nome do interesse da vítima, desde que não haja, de novo, condenação ou suspensão provisória anteriores por crime da mesma natureza. Através destas alterações pretende alargar-se a aplicação deste instituto processual de diversão e consenso”.
Ou seja, o legislador pretende alargar a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo mas, para tanto, tem que alterar a lei processual penal em vigor.
De resto, a própria posição do recorrente é incoerente e ilógica na medida em que, se não fosse aplicável o disposto no nº 1 do 281 ao seu nº 6, como sugere, não faria sentido tentar, como o fez, obter a concordância do juiz de instrução (requisito este contido no nº 1 do referido normativo).
E, também não cabe na letra da lei, atendendo ao seu efeito útil, o que exige uma compreensão racional do argumento histórico e mesmo do literal, numa interpretação “funcionalmente justificada”, aplicar parcialmente o disposto no nº1 do art. 281 ao seu nº 6, como sucederia no caso de ser adoptada a interpretação do recorrente[12].
Concluímos, por isso, que nos processos indicados no nº 6 do art. 281 do CPP (por crime de maus tratos entre cônjuges, entre quem conviva em condições análogas ou seja progenitor de descendente comum em 1º grau), para a decisão sobre a suspensão provisória do processo, requerida livremente pela vítima, é necessário que se mostrem preenchidos cumulativamente os requisitos particulares contidos nesse normativo (nº 6), bem como os requisitos gerais previstos no nº 1 da mesma disposição legal.
Assim, no caso dos autos, ainda que se verificasse a hipótese contida no nº 6 do art. 281 do CPP e não obstante ter sido obtida a anuência do arguido, a verdade é que o Sr. Juiz de Instrução não podia tomar decisão diferente da que exarou nos autos visto que o arguido tem antecedentes criminais (como o próprio recorrente reconhece, resulta do CRC de fls. 33 que o arguido foi condenado, em 18/3/2004, por crime de condução sem habilitação legal, p. e p. no art. 3 nº 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3/1, cometido em 12/4/2003, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 3,00, a qual posteriormente pagou).
Perante a falência da argumentação do recorrente (por não estar preenchido o requisito expresso no art. 281 nº 1-b) do CPP) mostra-se prejudicado (por inutilidade) a apreciação das restantes questões suscitadas.
Todavia, sempre se dirá, que não merece censura o entendimento do Sr. Juiz de Instrução quando conclui que também não se verifica o requisito do “carácter diminuto da culpa”, aludido no art. 281 nº 1-d) do CPP, desde logo “ponderando todos os factores, atenuantes e agravantes que relevam para a culpa” e considerando a imagem global dos factos objecto do inquérito[13].
Finalmente, refira-se que também o Sr. Juiz de instrução pode manifestar a sua discordância quanto às injunções propostas e aceites pelo arguido, não se compreendendo qual a utilidade, em termos de eficácia e de boa utilização do instituto em questão, de fixar (como defende o recorrente) injunções ou regras de conduta “processualmente inócuas”[14], v.g. quando resultam do próprio cumprimento da lei.
Assim, sem necessidade de mais dilatadas considerações, conclui-se pela improcedência do recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação, em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, confirmar a decisão judicial proferida nestes autos.
Sem custas por delas estar isento o MºPº.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94 nº 2 do CPP)
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Porto, 14 de Março de 2007
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
António Augusto de Carvalho
António Guerra Banha

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[1] A propósito, não podemos deixar de lembrar as palavras de Muñoz Conde, Doc. Penal, 2, (1979), p. 625-6 “Reeducatión, reinserción social, llevar en el futuro en responsabilidad social una vida sin delitos, en una palabra: resocialización del delincuente; de un modo u outro todas estas expressiones coinciden en asignar a Ia ejecución de Ias penas y medidas privativas de libertad una misma función correctora y aun de mejora del delincuente. Una función que, ya desde los tiempos de Von Lizst, se considera como fundamental entre Ias diviersas funciones se asignam hoy a Ia pena y, en todo caso, como principio rector y básico de todo o sistema penitenciário moderno”.
[2] Não se trata aqui de um “plea-bargain”, de uma negociação sobre a pena a aplicar, antes uma cedência ao princípio da oportunidade e consenso que não abdica da concordância efectiva do arguido, e que se funda em critérios de legalidade e objectividade estritos.
[3] Cfr. José dos Santos Pintos Torrão, A relevância político-criminal da suspensão provisória do processo, Almedina, 2000, pg. 141.
[4] Neste sentido, entre outros, José Souto de Moura, “Notas sobre o objecto do processo (a pronúncia e a alteração substancial dos factos)”, in RMP nº 48 (Out/Dez. 1991), p. 43.
[5] Pedro Caeiro, «Legalidade e oportunidade: a perseguição penal entre o mito da “justiça absoluta” e o fetiche da “gestão eficiente” do sistema», in RMP nº 84 (Out/Dez. 2000), p. 32.
[6] Pedro Caeiro, ob. cit., p. 39. Com interesse, entre outros, Acs. do TC nº 67/2006, DR II de 9/3/2006, nº 116/2006 (consultado em www.tribunalconstitucional.pt) e nº 144/2006, DR II de 3/5/2006.
[7] Ana Paula Guimarães, «Da impunidade à impunidade? O crime de maus tratos entre cônjuges e a suspensão provisória do processo», in Liber discipulorum para Figueiredo Dias, pp. 865 e 866. Acrescenta a mesma Autora (ob. cit., p. 867) que “a suspensão provisória do processo em caso de crime de maus tratos só será exequível a solicitação da vítima, o que se compreenderá se corresponder a um desejo de reconciliação do casal. É pressuposto para apresentação do requerimento que esta, quando o formula, esteja a agir de forma livre e consciente, que a capacidade de determinação da vitima não esteja minimamente afectada ou desequilibrada”. Há que não esquecer que o agressor pode manipular a vítima.
[8] No mesmo sentido, entre outros, Ana Paula Guimarães, ob. cit., p. 866.
[9] Neste sentido, também, Ac. do TRP de 5/7/2006, proferido no proc. nº 1685/06 (relatado por Brízida Martins), consultado no site do ITIJ- Bases Jurídico-Documentais.
[10] Também nesta área se pode afirmar, que o acordo do agressor vai permitir uma melhor aceitação e cumprimento das injunções e regras de conduta que venham a ser impostas no âmbito da suspensão provisória do processo.
[11] Consultar a referida Proposta de Lei nº 98/X no portal do Ministério da Justiça, em www.mj.gov.pt.
[12] Desenvolvidamente, sobre esta matéria, o Ac. do TRC de 27/9/2006, proferido no processo nº 226/06, relatado por Luís Ramos (consultado no mesmo site do ITIJ).
[13] Conferir a argumentação utilizada no despacho sob recurso quando refere: “A conduta delituosa do arguido manifestou-se reiteradamente por um período de tempo significativo (seis anos); violou de forma grosseira os deveres a que se vinculou pelos laços do casamento. Acresce ainda que durante todo o inquérito o arguido não demonstrou qualquer ressentimento ou assunção da sua responsabilidade, procurando pelo contrário negar as evidências e desculpar a sua conduta (cfr. fls. 39). Por outro lado, a motivação que decorre dos autos para a atitude do arguido (consumo excessivo de álcool), em meu modesto ver, está longe de caracterizar uma situação de diminuta culpa e ainda mais longe de justificar a sua actuação, tanto mais que o arguido nem sequer reconhece que bebe em excesso.” Aliás, a conclusão de que a culpa não é diminuta é em parte reconhecida pelo recorrente quando, no seu requerimento feito ao abrigo do disposto no art. 281 do CPP, admite que “a culpa não é ligeira”. De resto, era precisamente no inquérito, que deviam ter sido recolhidos os elementos necessários que permitissem aferir, no caso concreto, do grau de culpa do arguido. Casos sensíveis como o do crime de maus tratos justificam a própria intervenção do Magistrado nas diligências processuais consideradas pertinentes para a investigação e solução do caso concreto (v.g. quando é admissível a suspensão provisória do processo). Sobre o conceito de culpa diminuta ver também Rui do Carmo Moreira Fernando, “O Ministério Público face à pequena e média criminalidade”, RMP nº 81 (Jan/Mar 2000), pp. 145 e 146.
[14] Em sede de inquérito, o Ministério Público sempre pode solicitar a avaliação do risco no caso concreto (a realizar por equipa multidisciplinar) e, bem assim, pode solicitar ao IRS a elaboração de relatório social para melhor aferir e adequar as injunções e regras de conduta a opor ao arguido, caso se verifiquem todos os pressupostos que justifiquem a aplicação da suspensão provisória do processo.