Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20/19.1T9AMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: LEI DE PREVENÇÃO DO TABAGISMO
TRANSPORTES PÚBLICOS
AFIXAÇÃO DE DÍSTICO
INTERDIÇÃO DE FUMAR
CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA
Nº do Documento: RP2019052220/19.1T9AMT.P1
Data do Acordão: 05/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º801, FLS.177-184)
Área Temática: .
Sumário: I - A Lei 37/2007, de 14 de Agosto, aprova normas para a protecção dos cidadãos da exposição involuntária ao fumo do tabaco e medidas de redução da procura relacionadas com a dependência e a cessação do seu consumo.
II - O bem jurídico protegido é a saúde dos cidadãos.
III - Nos transportes colectivos é obrigatória a colocação de um dístico publicitando a interdição de fumar.
IV - É mais grave a omissão desse dever do que a violação da obrigação de não fumar pelo fumador individual no seu espaço.
V - Não viola o princípio da proporcionalidade, antes se conforma com a CRP, a punição constante da norma do art.º 25º, n.º 1, al. c) da Lei 37/2007, de 14 de Agosto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 20/19.1T9AMT.P1
Comarca do Porto Este.
Juízo Local Criminal de I….

Acordam em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório.
Nos autos de Recurso de Impugnação Judicial de Decisão Administrativa n.º 20/19.1T9AMT do juízo local criminal de I…, no recurso de contraordenação interposto da decisão da ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, onde é recorrente B…, S.A., foi proferida decisão judicial no dia 27.02.2019 (fls. 84 a 89) cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
«Nestes termos e face ao exposto, julga-se improcedente o presente recurso de impugnação judicial interposto por B…, S.A., mais se julgando inverificada a inconstitucionalidade da norma da alínea c) do art. 25º da Lei 37/2007, de 14 de Agosto, mantendo-se, assim, a coima aplicada pela entidade administrativa.
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Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 U.C. – art. 8.º n.º 7 e Tabela III do R.C.P.
(…)»
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Inconformada a recorrente interpôs recurso apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões:
«1º- A moldura sancionatória deve ser a da al. a) do n.º1, do artigo 25º da lei n.º 37/2007
2º O artigo 25, n.º1 alínea c) da lei n.º 37/2007 é materialmente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade e do disposto nos artigos 18º, n.º1 e n.º2 e 266º, n.º2 da CRP.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida.»
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O recurso foi liminarmente admitido por despacho constante de fls. 99.
O Mº Pº junto do Tribunal da 1ª instância apresentou resposta, onde pugna pela manutenção da sentença recorrida dada a assertividade e clareza da sentença relativamente à argumentação da arguida que é a mesma que é expendida no presente recurso.
Nesta Relação, o Exmo. PGA emitiu Parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
Foi cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo a recorrente apresentado resposta onde esgrimiu novos argumentos e citou o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 47/2019, de 23 de Janeiro de 2019, 3ª Secção, Processo 678/2016 que, a seu ver, foi proferido em questão em tudo idêntica à alegada e discutida nos presentes autos.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.-Questões a decidir.
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, é a seguinte a questão a apreciar e decidir:
- Inconstitucionalidade material da norma do art. 25º, n.º1 al. c) da Lei 37/200, por violação do princípio da proporcionalidade e do disposto nos artigos 18, n.º 1 e n.º2 e 266º, n.,º2 da CRP, pretendendo ser punida apenas dentro da moldura da coima prevista no artigo 25º, n.º1 al. a) da lei n.º 37/2007, reduzida a metade por infracção negligente.
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2. Decisão em recurso.
«I – RELATÓRIO
A Recorrente B…, S.A. apresentou recurso contra-ordenacional da decisão da ASAE que a condenou no pagamento de uma coima no valor de 2.000€, pela prática de uma contra-ordenação, na modalidade negligente, p. e p. no nº1 do art. 6º e 25º, nº1, alínea c) da Lei nº 37/2007, de 14 de Agosto, por ter veículos de transporte público urbano a circular sem afixação do aviso de proibição de fumar.
Alega, em síntese, que o autocarro dispunha de dístico de proibição de fumar, que o motorista, de acordo com as instruções de serviço, é obrigado a verificar a afixação do dístico no início do serviço e, ainda, que a empresa tem à disposição dos motoristas, nos terminais, dísticos para reposição dos que se verifique estarem em falta, sendo que a falta de dístico não foi reportada à Recorrente.
Por fim, alega a Recorrente que a moldura sancionatória deve ser a da alínea a) do art. 25º da Lei 37/2007, de 14 de Agosto, invocando a inconstitucionalidade da alínea c) do mesmo normativo por violação do princípio da constitucionalidade.
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O recuso de contra-ordenação foi recebido por despacho de fls. 65, no âmbito do qual se considerou que inexistiam questões prévias ou incidentais que obstassem ao conhecimento do mérito da causa, tendo-se agendado audiência de discussão e julgamento.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, de acordo com o formalismo legal, conforme consta da acta que antecede.
Não existem questões outras prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos provados
Resultaram provados os seguintes factos, de cariz não conclusivo e com relevância para a decisão a proferir:
1) No dia 18 de Junho de 2015, pelas 08:45 horas, a GNR de I… levou a cabo uma acção de fiscalização rodoviária na Rua D. C…, em I…, aos veículos de transporte público urbano, no caso em concreto ao veículo de categoria pesado de passageiros, com a matrícula .. - MR- .., que estava, ao serviço da Recorrente, a ser conduzido pelo motorista D….
2) O veículo referido em 1) não possuía o dístico que publicita a interdição de fumar.
3) A Sociedade Recorrente agiu de forma agiu livre, não actuando com o dever de cuidado que devia e era capaz, ao permitir a circulação do veículo referido em 1) sem o dístico, bem sabendo que a conduta adoptada é proibida e punida por lei.
4) Reportado ao ano de 2015, a Sociedade Recorrente declarou, em sede de IRC, um lucro tributável no valor de €1.946 813,54.
5) De acordo com instruções de serviço da Recorrente, o motorista deverá verificar a afixação de dístico no início do serviço.
6) A Recorrente tem à disposição dos motoristas, na Oficina E…, dísticos para reposição.
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Factos não provados
Com relevância para a boa decisão da causa, não se provou que:
a) O motorista do veículo referido em 1) não tenha reportado à Recorrente a falta de dístico.
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Motivação da Decisão sobre a Matéria de Facto
Os factos dados como provados resultam, essencialmente, da análise da prova produzida em juízo concatenada com os documentos juntos aos autos.
Assim, o vertido em 1) 2) resultou do teor do auto de notícia de fls. 3, concatenado com o depoimento das testemunhas F… e G…, os militares autuantes, à data, a prestar serviço na GNR de I…
As testemunhas prestaram depoimentos escorreitos, que o Tribunal reputou como isentos e credíveis. A primeira das aludidas testemunhas declarou que na parte da frente do autocarro não existia dístico e, questionado que foi o motorista, o mesmo nada acrescentou. A testemunha não logrou recordar-se se verificaram a parte de trás do veículo mas afirmou em juízo que, tendo sido quem procedeu à elaboração do auto de contra-ordenação de fls. 3, tendo declarado a inexistência do dístico, terá sido verificado tal.
Por outro lado, a testemunha G…, com visível memória do sucedido (até porque na altura estava em funções em regime de estágio) referiu que verificaram todo o autocarro à procura do dístico, que não existia. Mais referiu a testemunha, de forma muito impressiva, que o motorista confirmou a falta de dístico e nunca falou de qualquer dístico de reserva, sendo convicção da testemunha que o motorista parecia, inclusive, não saber que teria que possuir dístico.
Ora, o que antecede, conjugado com o teor do auto de notícia, que faz fé em juízo, não tendo resultado infirmado por qualquer meio probatório permitiu que o Tribunal concluísse, sem margem para dúvidas, que a factualidade vertida em 1) e 2) resulta demonstrada.
Note-se que a testemunha arrolada pela Defesa, H…, Director de Serviços da Recorrente, prestou um depoimento muito completo mas descreveu, sobretudo, procedimentos abstractos que deverão ser idealmente adoptados pelos trabalhadores. Quanto ao caso concreto em apreço, a testemunha referiu que o veículo id. em 1) inicia o percurso às 7h no terminal e segue para o Hospital (serviço das escolas), sendo tal trajecto vulgarmente apelidado de “Via I…”, efectuando as deslocações I…/J…. Explicou que, quando o equipamento está em falta, ocorre reposição na Oficina E… e que o motorista deverá, 15 minutos antes de iniciar o serviço, fazer essa fiscalização e pedir à Oficina elementos que estejam em falta.
Disse, ainda, a testemunha que veículos da tipologia do id. em 1) possuem dois dísticos: um à frente e outro mais atrás. Referiu, ainda, que a verificação dos dísticos é da competência dos motoristas antes de iniciarem o serviço e que, após saber do sucedido (donde resulta a não provado do vertido em a)), falou com o motorista que lhe disse que havia verificado tudo de manhã e “estava lá tudo”. A testemunha disse, ainda, que só faltava o dístico da frente e que o dístico de trás estava colocado.
Ora, tal depoimento da testemunha quanto ao alegado “dístico de trás” contrasta frontalmente com o declarado em juízo pelas testemunha militares e com o vertido no auto de notícia.
Por outro lado, a testemunha pareceu demonstrar alguma confusão conceptual na destrinça entre o que é definido como normas procedimentais pela Recorrente e o que sucede na realidade, demonstrando, afinal, no cômputo do seu depoimento, desconhecer o que se passou na realidade com o veículo em causa nos autos.
É que, não resultou, de todo, crível, ao contrário do afirmado pela testemunha que o veículo possuísse qualquer dístico que fosse (desde logo o de trás), não só porque tal expressamente foi infirmado em juízo pela testemunha G… mas, sobretudo, porque não é compatível com as regras da experiência e juízos de normalidade que militares em fiscalização não consignassem tal no auto, caso isso tivessem constatado.
Em face do exposto, o Tribunal ficou com a certeza que inexistia, naquele veículo qualquer dístico, sendo certo que, existindo exemplares para reposição (conforme declarou a testemunha H…) na Oficina E… (donde resulta provado o facto vertido em 5) e 6) e sendo pela Recorrente dadas instruções para os motoristas isso verificarem, no caso vertente, o veículo simplesmente circulava sem qualquer dístico colocado.
Apelando às regras da experiência e juízos de normalidade e uma vez que o autocarro em questão efectuava um transporte por conta e ao serviço da Recorrente, é evidente que a mesma, ao permitir a circulação do mesmo nessas condições, violou um dever de cuidado, assim se considerando provado o vertido em 3).
Note-se que é irrelevante que tal violação se deva a actuação incauta do motorista, sendo certo que não resultou demonstrado que tenha sido, sequer o caso. A Recorrente tem obrigação de determinar que os seus trabalhadores cumpram as normas legais vigentes, podendo, sendo o caso, agir disciplinarmente contra os mesmos.
No mais, dir-se-á que o constante de 4) resultou provado em face do teor da declaração de IRC de fls. 11 e ss. E que os antecedentes criminais resultaram demonstrados em face do registo da Recorrente junto da entidade administrativa, de fls. 80.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Enquadramento Jurídico-Penal
Vem imputada à Recorrente a prática de uma contra-ordenação, na modalidade negligente, p. e p. no nº1 do art. 6º e 25º, nº1, alínea c) do Decreto Lei 37/2007, de 14 de Agosto, por ter veículos de transporte público urbano a circular sem afixação do aviso de proibição de fumar. A Lei 37/2007 de 14 de Agosto aprovou normas para a protecção dos cidadãos da exposição involuntária ao fumo do tabaco e medidas de redução da procura relacionadas com a dependência e a cessação do seu consumo.
Dispõe o art. 6.º, n.º 1 da citada Lei que “A interdição ou o condicionamento de fumar no interior dos locais referidos nos artigos 4.° e 5.º devem ser assinalados pelas respectivas entidades competentes, mediante a afixação de dísticos com fundo vermelho, conformes ao modelo A constante do anexo I da presente lei e que dela faz parte integrante, sendo o traço, incluindo a legenda e a cruz, a branco e com as dimensões mínimas de 160 mm x 55 mm”. Nos termos do preceituado no art. 4.º, n.º 2, é proibido fumar designadamente nos transportes públicos de passageiros.
A violação das citadas normas constitui contra-ordenação e é punida, conforme resulta do disposto no artigo 25.º, n.º 1, c) do mesmo diploma, com coima de €2.500 a €10.000.
Por sua banda, a negligência é punível com coima reduzida a metade, nos termos do n.º 2 do art. 25.º, passando a moldura abstracta a situar-se entre os €1.250,00 e os €5.000,00.
Atendendo à matéria de facto dada como assente, resulta demonstrado que, no dia referido em 1), o veículo aí id., pertencente à Recorrente, efectuava serviço de transporte de passageiros sem que o mesmo estivesse munido de dístico a que alude o nº1 do art. 6º da Lei referida. Mais resulta provado que a Sociedade Recorrente agiu de forma agiu livre, não actuando com o dever de cuidado que devia e era capaz, ao permitir a circulação do veículo referido em 1) sem o dístico, bem sabendo que a conduta adoptada é proibida e punida por lei. Encontram-se, pois, verificados os elementos objectivo e subjectivo do tipo contraordenacional em apreço, razão pela qual a Recorrente terá que ser punida em conformidade.
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Determinação e medida da coima
Importa conhecer da verificação dos critérios de determinação da medida da coima.
Como vimos, a violação das citadas normas constitui contra-ordenação e é punida, conforme resulta do disposto no artigo 25.º, n.º 1, c) do mesmo diploma, com coima de €2.500 a €10.000. Por sua banda, a negligência é punível com coima reduzida a metade, nos termos do n.º 2, do art. 25.º, passando a moldura abstracta a situar-se entre os €1.250,00 e os €5.000,00. Nesta sede, temos que a decisão administrativa aplicou a coima de €:2.000,00.
Veio a Recorrente, em sede de conclusões de recurso, alegar que a moldura sancionatória deve ser a da alínea a) do art. 25º da Lei 37/2007, de 14 de Agosto, invocando a inconstitucionalidade da alínea c) do mesmo normativo por violação do princípio da proporcionalidade.
Cumpre, pois, apreciar da referida inconstitucionalidade.
Da inconstitucionalidade da alínea c) do art. 25º da Lei 37/2007, de 14 de Agosto
Preceitua o art. 18º da Constituição da República Portuguesa que:
“1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”
O princípio da proporcionalidade é um “princípio geral de direito, constitucionalmente consagrado, conformador dos actos do poder público e, em certa medida, de entidades privadas, de acordo com o qual a limitação instrumental de bens, interesses ou valores subjectivamente radicáveis se deve revelar idónea e necessária para atingir os fins legítimos e concretos que cada um daqueles actos visam, bem como axiologicamente tolerável quando confrontada com esses fins” - Vitalino Canas, «Proporcionalidade (Princípio da)», 591 s..
Conforme referido nos Acórdão n.º 634/93 e n.º 187/2001 do Tribunal Constitucional (disponíveis em www.dgsi.pt), a ideia de proporção ou proibição do excesso - que, em Estado de direito, vincula as acções de todos os poderes públicos - refere-se fundamentalmente à necessidade de uma relação equilibrada entre meios e fins: as acções estaduais não devem, para realizar os seus fins, empregar meios que se cifrem, pelo seu peso, em encargos excessivos (e, portanto, não equilibrados) para as pessoas a quem se destinem.
O segundo dos referidos arestos consignou que “o Princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: O Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).”
Ora, pretende, nesta sede, a Recorrente que o Tribunal adopte a moldura sancionatória prescrita na alínea a) do art. 25º da Lei 37/2007, de 14 de Agosto, invocando a inconstitucionalidade da alínea c) do mesmo normativo por violação do princípio da constitucionalidade.
Desde logo, dir-se-á que a moldura sancionatória prescrita na alínea a) do referido normativo visa destinatários da norma muito distintos.
Vejamos:
Prescreve a norma sancionatória em apreço: “Constituem contraordenações as infrações ao disposto nos artigos 4.º a 6.º, no n.º 2 do artigo 7.º e nos artigos 8.º a 19.º, as quais são punidas com as seguintes coimas:
a) De (euro) 50 a (euro) 750, para o fumador que fume nos locais previstos nas alíneas a) a bb) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 4.º ou fora das áreas ao ar livre ou das áreas para fumadores previstas nos n.ºs 1 a 9 do artigo 5.º;” (sublinhado nosso)
b) De (euro) 50 a (euro) 1.000, para os proprietários dos estabelecimentos privados, pessoas coletivas, sociedades ainda que irregularmente constituídas, ou associações sem personalidade jurídica, bem como para os órgãos diretivos ou dirigentes máximos dos organismos, estabelecimentos ou serviços da Administração Pública que violem o disposto no n.º 2 do artigo 7.º;(sublinhado nosso)
c) De (euro) 2.500 a (euro) 10.000, para entidades referidas na alínea anterior que violem o disposto nos n.os 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 do artigo 5.º e no artigo 6.º; “(sublinhado nosso)
Ora, a própria norma punitiva distingue, no que ora releva, os utentes dos serviços em que é proibido fumar das entidades prestadoras de serviços onde é proibido fumar. Ressalta à vista que o âmbito de protecção da norma é distinto num e noutro caso, ainda que convirjam num mesmo sentido finalístico, o da protecção dos cidadãos da exposição involuntária ao fumo do tabaco e medidas de redução da procura relacionadas com a dependência e a cessação do seu consumo.
Assim e sob pena de violação de outro princípio constitucional, o Tribunal não pode acolher a tese da Recorrente. Na verdade, a pretensão da Recorrente passa pela equiparação, neste âmbito, aos utentes do serviço que presta. Tal pretensão é violadora do princípio da Igualdade, que prevê, numa das suas vertentes, um tratamento igual para casos iguais e tratamento desigual para casos desiguais.
A Recorrente, enquanto sociedade anónima prestadora de serviços de interesse público não pode ser equiparada à pessoa singular ou aos cidadãos que usam os seus serviços. São realidades distintas, que se revelam distintas em todas as suas dimensões e que demandam regulamentação distinta.
E a norma que versa a regulamentação da proibição de fumar em relação aos cidadãos e a cominação para o seu incumprimento, utentes do serviço público prestado pela Recorrente é proporcional ao circunstancialismo que visa acautelar, tendo os destinatários da própria norma como referência.
Por outra banda, a norma que institui a obrigação de a entidade que presta serviços dar a conhecer aos cidadãos a proibição de fumar e a coima aplicável no caso de incumprimento é perfeitamente proporcional, por um lado, à realidade que regulamenta e, por outro, ao universo de destinatários que visa abranger (entidades colectivas públicas ou privadas que prestam serviços).
Por outro lado além da abissal diferença de destinatários das normas referidas, não se confunde, sequer a estatuição de uma e outra: a que a Recorrente pretende, inutilmente por em crise, regulamenta (e pune a falta de cumprimento) as condições de publicidade da proibição de fumar e a outra norma (que em nada se relaciona com o caso concreto) regulamenta e pune os fumadores em locais proibidos.
São realidades que em nada se poderão relacionar para efeitos da pretensão da Recorrente.
Por fim, cumpre evidenciar que a norma que prevê a punição a título doloso da obrigação de publicitar a obrigação legal de proibição de fumar não se aventa, de per se, desproporcional, seja em relação à realidade que regulamenta, seja em relação ao contexto mediado dos seus destinatários: estes últimos sempre serão pessoas colectivas de direito público ou privado, com presumível relevante capacidade financeira. A realidade que a norma regulamenta também não suscita questões de proporcionalidade em relação à sanção pelo seu incumprimento porque se traduz num facere de impressionante simplicidade: a colocação de dísticos. Não se trata de uma actuação dispendiosa, penosa ou de difícil acesso ou alcance, outrossim, de uma acção perfeitamente configurável como elementar no seio de qualquer organização com abertura ao público.
No caso vertente, muito mais se evidenciará que assim é, já que a Recorrente é uma sociedade por quotas, com um lucro tributável apurado no ano do cometimento da infracção muito assinalável.
Considera-se, pois, que a punição prescrita na norma sancionatória posta em crise não contende, por qualquer forma, com o Princípio da Proporcionalidade ou qualquer outro Princípio constitucionalmente previsto e protegido, razão pela qual se declarada a não verificação da inconstitucionalidade invocada.
Mais se considera improcedente, por falta de cabimento legal, a pretensão da Recorrente no sentido de ser punida pela norma e moldura sancionatório prescrita na alínea a) do art. 25º da Lei 37/2007, de 14 de Agosto, porque, como vimos, a mesma não é destinatária dessa norma.

Cumpre, por fim, proceder à análise da sanção aplicada à Recorrente no caso concreto.
Dispõe o art. 18.º n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações (R.G.C.O.) que “a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra – ordenação”.
Assim, há, nos presentes autos, que considerar a gravidade da conduta praticada pela Recorrente é atendível, pois que que a falta de aposição de dístico foi verificada em pleno período útil de circulação urbana do veículo referido em 1), abrangendo, pela hora da prática dos factos, um feixe de utentes relevante.
Quanto à culpa da Recorrente a mesma, na modalidade negligente, não resulta muito acentuada.
Por outro lado, a situação socio - económica da Recorrente é muito superior à média, atento o valor de lucro tributário apurado no ano da prática da infracção.
Tudo o que antecede considerado, considera-se que a fixação, pela entidade administrativa, da coima em €:2.000,00 (valor mais aproximado do mínimo legal) se revela perfeitamente adequada, não logrando merecer qualquer censura, razão pela qual terá o recurso apresentado pela Recorrente que improceder.
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IV – DECISÃO
Nestes termos e face ao exposto, julga-se improcedente o presente recurso de impugnação judicial interposto por B…, S.A., mais se julgando inverificada a inconstitucionalidade da norma da alínea c) do art. 25º da Lei 37/2007, de 14 de Agosto, mantendo-se, assim, a coima aplicada pela entidade administrativa.
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Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 U.C. – art. 8.º n.º 7 e Tabela III do R.C.P.
(…)»
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3. Apreciação.
3.1.- Inconstitucionalidade material da norma do art. 25º, n.º1 al. c) da Lei 37/2007, por violação do princípio da proporcionalidade e do disposto nos artigos 18, n.º 1 e n.º2 e 266º, n.,º2 da CRP, pretendendo ser punida apenas dentro da moldura da coima prevista no artigo 25º, n.º1 al. a) da lei n.º 37/2007, reduzida a metade por infracção negligente.

A recorrente argumenta:
- que foi punida por violação negligente do n.º1 do artigo 6º, punível nos termos do art. 25º, n.º1 al. c) da lei n.º 37/2007, sendo a moldura sancionatória de 1.250,00 e 5.000,00€;
- que a lei que estabelece a proibição de fumar é de aplicação geral, não estabelecendo que essa proibição esteja dependente de qualquer aviso;
- que o aviso afixado é apenas um meio de divulgação da lei;
- que a falta de aviso é punida com coima de 1.250,00 e 5.000,00€, mas a violação da proibição punida com coima de 50,00 a 750,00€, conforme artigo 25º, n.º1 al. a) da lei n.º 37/2007;
- que a infracção menos grave – falta de afixação de aviso – não pode ser punida cinquenta vezes mais do que a infracção mais grave – fumar em local proibido por lei;
Para concluir que a arguida apenas poderia ser punida com coima de 50,00 a 750,00€, reduzida a metade por infracção negligente.
Além disso, limita-se a enunciar os três subprincípios em que se desdobra o princípio da proporcionalidade; a fazer considerações sobre o referido princípio e argumentar que o princípio foi invadindo vários domínios materiais, acabando por vincular todos os actos dos poderes públicos aos quais se aplica, quer seja o poder administrativo, legislativo ou judicial (arts. 18, n.º1 e 266º, n.º 2 da CRP)
Termina, defendendo que o disposto no artigo 25º, n.º1 al. c) da lei n.º 37/2007, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade e do disposto nos artigos 18, n.º1 e n.º2 e 266º, n.º 2 da CRP.
Vejamos.
Da argumentação expendida pela recorrente verifica-se que na prática o único argumento que usa para a sua pretensão é o de que a falta de afixação de aviso é uma infracção menos grave do que a infracção de fumar em local proibido por lei, por isso não pode ser punida, como diz, cinquenta vezes mais do que a infracção mais grave, por tal importar violação do princípio da proporcionalidade.
Todavia, verifica-se que não desenvolve um só argumento no sentido de demonstrar a este Tribunal que a infracção por si cometida é menos grave que a de fumar em local proibido por lei.
Vejamos, então.
«Quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, (…) o Tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18º, nº 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há de gozar de uma razoável liberdade de conformação [cf. os acórdãos nºs 13/95 e 83/95], até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é - no dizer de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal II, 1988, policopiado, página 271) -"uma conditio iuris sine qua non de legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social", aqui, não faz exigências tão fortes.
De facto, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais - para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social» - vide Ac. do TC n.º 574/95.
Posto isto, como se sabe no plano internacional o Estado português encontra-se vinculado à Convenção Quadro da Organização Mundial de Saúde para o Controlo do Tabaco, adoptada em Genebra em 21 de Maio de 2003, na sequência da aprovação da mesma pelo Decreto n.º 25-A/2005, de 8 de Novembro, do Conselho de Ministros e da posterior assinatura pelo Presidente da República.
Do preâmbulo do Decreto n.º 25-A/2005, de 8 de Novembro, decorre o seguinte: “Considerando que a propagação da epidemia do tabagismo constitui um problema mundial com sérias consequências de saúde pública, sociais, económicas e ambientais, causadas pelo aumento a nível mundial do consumo e da produção de cigarros e outros produtos originários do tabaco, em particular nos países em vias de desenvolvimento”.
No preâmbulo da Convenção afirma-se: “Reconhecendo, igualmente, que os cigarros e outros produtos que contêm tabaco são produtos altamente sofisticados, que visam criar e manter a dependência, que muitos dos compostos que contêm o fumo que produzem são farmacologicamente activos, tóxicos, transgénicos e cancerígenos e que a dependência do tabaco é objecto de classificação própria, como perturbação, dentro das grandes classificações mundiais das doenças
No artigo 8º, n.º 1, da Convenção Quadro escreve-se: “As partes reconhecem estar cientificamente provado, de forma inequívoca, que a exposição ao fumo do tabaco provoca doenças, incapacidade e morte”.
A lei em causa, 37/2007, no seguimento da aprovação daquela Convenção quadro, visou aprovar normas para a protecção dos cidadãos da exposição involuntária ao fumo do tabaco e medidas de redução da procura relacionadas com a dependência e a cessação do seu consumo.
Como afirma JORGE MIRANDA, referindo-se à Lei nº 37/2007, esta lei culmina, pois, um já longo processo de defesa da saúde pública, desde logo por declarar como princípio ou objectivo geral “estabelecer limitações ao consumo de tabaco em recintos fechados destinados à utilização colectiva de forma a garantir a protecção de exposição involuntária ao fumo do tabaco (artigo 3º)” (JORGE MIRANDA,Lei do tabaco e princípio da igualdade, O Direito, 2008, p. 505), citado no Ac. do TC n.º 423/08, acedido in: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080423.html
Assim, nos termos do art. 4º, n.º2, da lei 37/2007, “É … proibido fumar nos veículos afetos aos transportes públicos urbanos, suburbanos e interurbanos de passageiros, bem como nos transportes rodoviários, ferroviários, aéreos, marítimos e fluviais, nos serviços expressos, turísticos e de aluguer, nos táxis, ambulâncias, veículos de transporte de doentes e teleféricos.”(sublinhado nosso)
Por sua vez, a norma do artigo 6º da lei diz que:
1 - A interdição ou o condicionamento de fumar no interior dos locais referidos nos artigos 4.º e 5.º devem ser assinalados pelas respetivas entidades competentes, mediante a afixação de dísticos com fundo vermelho, conformes ao modelo A constante do anexo i da presente lei e que dela faz parte integrante, sendo o traço, incluindo a legenda e a cruz, a branco e com as dimensões mínimas de 160 mm x 55 mm.
(...)
4 - O dístico referido no n.º 1 deve ainda conter o montante da coima máxima aplicável aos fumadores que violem a proibição de fumar.
E o artigo 25º da Referida lei, sob a epígrafe “contraordenações” dispõe:
1 - Constituem contraordenações as infrações ao disposto nos artigos 4.º a 6.º, no n.º 2 do artigo 7.º e nos artigos 8.º a 19.º, as quais são punidas com as seguintes coimas:
a) De (euro) 50 a (euro) 750, para o fumador que fume nos locais previstos nas alíneas a) a bb) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 4.º ou fora das áreas ao ar livre ou das áreas para fumadores previstas nos n.ºs 1 a 9 do artigo 5.º;
b) (…) para os proprietários dos estabelecimentos privados, pessoas coletivas, sociedades ainda que irregularmente constituídas, ou associações sem personalidade jurídica, bem como para os órgãos diretivos ou dirigentes máximos dos organismos, estabelecimentos ou serviços da Administração Pública (…)
c) De (euro) 2.500 a (euro) 10.000, para entidades referidas na alínea anterior que violem o disposto nos n.ºs 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 do artigo 5.º e no artigo 6.º;
(…)
2 - A negligência é punível, sendo os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis reduzidos a metade.
3 - Nos casos previstos na alínea e) do n.º 1, a tentativa é punível, sendo os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis reduzidos a metade.
4 - Quando a infração implicar forma de publicidade oculta ou dissimulada, é aplicável a punição prevista nas normas gerais sobre a atividade publicitária.
5 - Às contraordenações previstas na presente lei, e em tudo quanto nela se não encontre especialmente regulado, é aplicável o regime geral das contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.

Pois bem, das normas transcritas resulta desde logo que a infracção praticada pela arguida é mais grave que a do fumador isolado, porquanto, enquanto exploradora de um meio de transporte que pode transportar múltiplas pessoas, fumadores e não fumadores, a sua obrigação visa vários objectivos, fazer cumprir a obrigação do fumador individual, dissuadir o fumador de o fazer naquele espaço e evitar que o cidadão não fumador seja involuntariamente exposto ao fumo do tabaco, no caso, no transporte colectivo, que o cidadão normalmente usa porque disso tem necessidade dando com isso ganhos à empresa cujo objecto é o do transporte de pessoas [o já citado art. 8º do Decreto n.º 25-A/2005, que aprova a Convenção Quadro de OMS para o Controle do Tabaco, no seu nº2, escreve: “- Cada Parte adoptará e implementará, em áreas da competência do Estado nos termos do seu direito interno, e encorajará activamente, nas áreas em que se exerçam outras competências, a adopção e a aplicação de medidas legislativas, executivas, administrativas e ou outras eficazes com vista à protecção contra a exposição ao fumo do tabaco em locais de trabalho fechados, transportes públicos, locais públicos fechados e, se for caso disso, em outros locais públicos.”]
Ora, se a exploradora do transporte colectivo não cumpre a sua obrigação qualquer passageiro fumador poderá pensar que pode fumar ou sentir-se a isso incentivado pela falta do dístico de proibição de fumar [veja-se em abono desta asserção o disposto no n.º4, do artigo 6º, da lei 37/ 007 de onde consta que: O dístico referido no n.º 1 (da interdição ou condicionamento de fumar) deve ainda conter o montante da coima máxima aplicável aos fumadores que violem a proibição de fumar; e o art. 7º, sob a epígrafe “responsabilidade”que dispõe: 1 - O cumprimento do disposto nos artigos 4.º a 6.º deve ser assegurado pelas entidades públicas ou privadas que tenham a seu cargo os locais a que se refere a presente lei. 2 - Sempre que se verifiquem infrações ao disposto nos artigos 4.º a 6.º, as entidades referidas no número anterior devem determinar aos fumadores que se abstenham de fumar e, caso estes não cumpram, chamar as autoridades administrativas ou policiais, as quais devem lavrar o respetivo auto de notícia. 3 - Todos os utentes dos locais referidos no n.º 1 têm o direito de exigir o cumprimento do disposto nos artigos 4.º a 6.º, podendo apresentar queixa por escrito, circunstanciada, usando para o efeito, nomeadamente, o livro de reclamações disponível no estabelecimento em causa.] e assim expor os não fumadores involuntariamente ao fumo do tabaco.
Daqui decorre sem dúvida que a violação da obrigação da arguida, empresa de transportes, é mais grave do que a violação da obrigação de não fumar pelo fumador individual no seu espaço, pois que a obrigação da empresa tem além do mais um papel reeducador e dissuasor.
Por outro lado, o bem jurídico que se pretende proteger é em última análise a saúde dos cidadãos, no caso, utentes dos transportes colectivos, um bem jurídico de grande relevo dado, como acime se referiu, estar cientificamente provado, de forma inequívoca, que a exposição ao fumo do tabaco provoca doenças, incapacidade e morte.
A Constituição refere-se à protecção da saúde em vários preceitos do Título III relativo aos “Direitos e deveres económicos, sociais e culturais” da Parte I que incide sobre “Direitos e deveres fundamentais” (vejam-se, por exemplo, o direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover – artigo 64.º da CRP; o direito dos consumidores à protecção da saúde - artigo 60.º, nº 1, da Constituição; o direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde” – artigo 59.º, n.º 1, alínea c), da Lei Fundamental).
A protecção do bem jurídico saúde está, pois, constitucionalmente consagrada a vários títulos.
Ainda de acordo com o Ac. do TC n.º 423/08 «A doutrina tem vindo a realçar o desdobramento do direito fundamental à protecção da saúde consagrado no artigo 64º da CRP numa vertente positiva – direito a prestações do Estado – e numa vertente negativa – direito subjectivo a que o Estado e terceiros se abstenham de prejudicar o bem jurídico “saúde” – (neste sentido, ver JORGE PEREIRA DA SILVA, “Dever de Legislar e Protecção Jurisdicional contra Omissões Legislativas”, 2003, Lisboa, p. 40; (…) CARLA AMADO GOMES, “Defesa da Saúde vs. Liberdade Individual”, 1999, Lisboa, pp. 10 e 11; J. M. SÉRVULO CORREIA, “Introdução ao Direito da Saúde”, in «Direito da Saúde e Bioética», 1991, Lisboa, p. 48).
Essa vertente negativa do direito à protecção da saúde está bem patente quando este direito se interliga ou conexiona com outros princípios e direitos fundamentais, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à vida e o direito à integridade pessoal (neste sentido, RUI MEDEIROS, in JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, cit, pp. 653).
Admitindo a ligação da vertente negativa do direito à saúde à esfera normativa de protecção do artigo 25º da CRP, RUI MEDEIROS afirma que o direito fundamental à protecção da saúde exige do Estado-prestador a adopção de condutas activas no sentido da sua promoção, da prevenção e do combate à doença (in JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, cit, pp. 653 e 654).»
Assim, estando em causa a saúde dos cidadãos, no caso, a saúde dos utentes dos transportes colectivos, bem jurídico constitucionalmente garantido como decorre, em especial, do artigo 64º, da CRP, a norma em questão nos autos fundamenta-se na protecção de valores de ordem constitucional de grande relevo, a saúde dos cidadão, no caso utentes da empresa de transportes colectivos, em última análise a saúde pública, sendo que, por seu lado, a restrição imposta à sociedade recorrente é uma restrição sobre a propriedade, ou o âmbito da livre disponibilidade sobre o mesmo. Por outro lado, como vimos, o poder legislativo vê a sua actuação fundamentada pela Aprovação na ordem jurídica Portuguesa da Convenção Quadro da Organização Mundial de Saúde para o Controle do Tabaco - Decreto n.º 25-A/2005, que obriga o Estado Português internacionalmente.
Por outro lado, as entidades referidas na alínea em questão são pessoas colectivas, ora, como já decorre do artigo 17º do RGCOC os montantes das coimas para as pessoas singulares e para as pessoas colectivas são diferenciados, pois, no âmbito deste regime geral e salvaguardando lei diferente “o montante mínimo da coima aplicável às pessoas singulares é de (euro) 3,74 e o máximo de (euro) 3740,98; e o montante máximo da coima aplicável às pessoas colectivas é de (euro) 44891,81; Em caso de negligência, se o contrário não resultar de lei, os montantes máximos previstos nos números anteriores são, respectivamente, de (euro) 1870,49 e de (euro) 22445,91. Concluímos, assim, que a proporcionalidade enunciada neste regime geral não foi posta em causa na referida lei, mormente quando se verifica que a moldura negligente da referida contraordenação se situa entre um mínimo [o limite mínimo é uma forma de garantir que o direito de punir seja exercido de modo adequado e individualizado, vide Ac. do TC n.º 47/2019] de 1.250,00€ e um máximo de 5.000,00€.
Acresce que no Ac. do TC que a recorrente cita na sua resposta, Ac. n.º 47/2019 se escreve:
«No regime sancionatório da Lei n.º 37/2017 o legislador determina as molduras das coimas em função da gravidade objetiva e subjetiva da infração e da natureza individual ou coletiva do agente considerado.
Com efeito, na escala gradativa das coimas constante do artigo 25.º o legislador diferencia claramente dois grupos de contraordenações, um destinado a proteger os não fumadores contra a exposição involuntária ao fumo do tabaco (alíneas a), b) e c) do n.º 1) e outro que visa protege os fumadores do uso do tabaco (alíneas d) e e) do n.º 1).
No primeiro grupo, a sanção contraordenacional é aplicável à violação das regras que estabelecem limitações ao consumo de tabaco em recintos fechados destinados a utilização coletiva, distinguindo-se os fumadores das entidades públicas ou privadas que tenham a seu cargo esses locais. A contraordenação que revela menor grau de ilicitude é a praticada pelos fumadores, a quem é aplicável a coima mais leve, variável de €50 a €750; já é mais grave quando praticada pelas entidades responsáveis por esses espaços, agravando-se no limite máximo - para €1000 – se omitirem o dever de determinar aos fumadores que se abstenham de fumar ou agravada no limite mínimo e máximo - €2.500 a €10.000 – se criarem áreas para fumadores que não obedeçam aos requisitos legais, designadamente, a sinalização, a separação física e a ventilação.
(…)»
Não há assim qualquer dúvida, segundo o juízo do Ac. do Tribunal Constitucional, sobre a maior gravidade da coima em causa nos autos em relação à do fumador que fuma em local proibido.
A recorrente na sua resposta ao Parecer do Exmo. PGA entende que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 47/2019, citado, foi proferido em questão em tudo idêntica à alegada e discutida nos presentes autos e que nele se concluiu pela inconstitucionalidade da norma em questão, por violação do princípio da proporcionalidade.
Acontece que no referido Ac. n.º 47/2019 do Tribunal Constitucional a norma em análise era a da alínea e) do artigo 25º, da lei 37/2007 cujo montante mínimo para a contraordenação negligente (a mesma contraordenação) era de 15.000,00€ para as pessoas colectivas e de 1.000,00€ para as pessoas singulares, abrangia infracções mais graves do que as em causa naqueles autos com a mesma moldura de punição, a que acrescia um sanção acessória [interdição de venda] que pelo seu conteúdo não deixava “o mínimo espaço para se admitir a coima como sanção destinada a recordar o seu destinatário do seu dever legal de afixar o aviso impresso e a fazer-lhe ver, através do mal que se lhe inflige, a conveniência do seu cumprimento futuro.”.
Por isso e pelos argumentos que constam do referido acórdão entendemos que a questão em apreço não é comparável ou equiparável à ali em análise.
Pelo exposto, entendemos não existir qualquer violação do princípio da proporcionalidade nem qualquer outro, como o da igualdade, cuja violação esteve em causa no Ac. do TC n.º 254/2007, acedido in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070254.html
Tanto basta, para que improceda o recurso, pois que a norma que pune a contraordenação em causa foi a aplicada e o montante da contraordenação aplicada não foi posto em causa.
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III- Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente, nos termos dos artigos 513º, n.º s 1, 2 e 3 e 514º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e artigo 8º, n.º 9 do RCP, e tabela anexa n.º III, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
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Notifique.
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Elaborado e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do C.P.P.
Porto, 22 de Maio de 2019.
Maria Dolores da Silva Sousa
Manuel Soares