Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3338/17.4T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
Nº do Documento: RP201901073338/17.4T8MAI.P1
Data do Acordão: 01/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 287, FLS 173-192)
Área Temática: .
Sumário: I - Factos ocorridos, no seguimento de uma divergência de posições, entre trabalhadores, ocorrida numa sala de convívio, numa pausa do trabalho, tendo, após o sucedido, no mesmo turno, os trabalhadores envolvidos estado a trabalhar juntos na mesma equipa, sem que ocorresse qualquer incidente, não são adequados a destruir todo o crédito de confiança por parte do empregador em relação ao trabalhador e a tornar inviável a subsistência da relação laboral.
II - Para que se verifique a justa causa de despedimento decorrente do disposto na al. i) do nº 2 do art. 351º do CT, não basta a simples materialidade da prática, no âmbito da empresa, de ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, há que demonstrar a existência de um comportamento culposo do trabalhador, que pela sua gravidade e consequências torne imediatamente e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
III - Os comportamentos descritos, a título exemplificativo, naquele nº 2 do art. 351º do CT, não devem ser apreciados isoladamente, mas devem ser conjugados com a cláusula geral constante do nº 1 do mesmo preceito.
IV - Só em casos culposos e particularmente graves é admissível o despedimento do trabalhador, devendo, tanto a culpa como a gravidade do comportamento (em si mesmo e nas suas consequências) e o decorrente juízo de prognose da aludida impossibilidade, estruturarem-se em critérios objectivos e de razoabilidade de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal em face das circunstâncias de cada caso em concreto.
V - Apenas quando nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual aberta pelo comportamento culposo do trabalhador é inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3338/17.4T8MAI.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho da Maia - Juiz 2
Recorrente: B..., S.A.
Recorrido: C...

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
O A., C..., intentou, mediante o formulário a que aludem os art.s 98º-C e 98º-D, do Código de Processo do Trabalho, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra B..., S.A., requerendo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do despedimento, com as legais consequências.
Frustrada a conciliação na audiência de partes, foi a empregadora notificada para, querendo, apresentar articulado a motivar o despedimento, o que veio a fazer, nos termos que constam a fls. 52 e ss., juntou o processo disciplinar e fundamenta aquele, em síntese, alegando que despediu o trabalhador C..., na sequência de procedimento disciplinar que lhe moveu, por este ter violado os deveres previstos nas alíneas a) e h) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho, assim preenchendo a justa causa prevista no artigo 351º, nº 1, nº 2, alínea i) e nº 3, do mesmo diploma legal.
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Conclui que a acção deve ser julgada improcedente, ser declarado válido o procedimento disciplinar e declarada a regularidade e licitude do despedimento do autor.
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Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 98º-L, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, o A. apresentou contestação com reconvenção, nos termos que constam a fls. 118 e ss. e, posteriormente, na sequência do convite ao aperfeiçoamento efectuado pelo Tribunal “a quo”, nos termos do despacho junto a fls. 271 e ss., respondeu, conforme consta no articulado junto a fls. 274 e ss., não assumindo ter ofendido ou insultado o seu colega C....
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Nos termos documentados, nas actas de fls. 352 e ss., realizou-se a audiência de julgamento, tendo no final da produção da prova o trabalhador comunicado optar pela reintegração na empresa e, em 28.07.2018, foi proferida sentença, na qual se respondeu à matéria de facto e se motivou a mesma, terminando a parte decisória, com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, na presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, intentada pelo trabalhador C... contra a empregadora B..., SA, decide-se:
A) Declarar a ilicitude do despedimento do trabalhador levado a cabo pela empregadora.
B) Condenar a empregadora na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
C) Condenar a empregadora a pagar ao trabalhador as retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o 12-06-2017 até ao trânsito em julgado da decisão, compensação essa à qual terão que ser deduzidas as quantias que o trabalhador haja recebido a título de subsídio de desemprego no referido período temporal, as quais deverão ser entregues pelo empregador à segurança social, tudo a liquidar oportunamente no respetivo incidente nos termos do artigo 609º, nº 2, e 358º do Código de Processo Civil;
E) Julgar totalmente improcedente a reconvenção formulada pelo trabalhador e, em consequência, absolver a empregadora do peticionado em sede de reconvenção (diferenças salariais; indemnização por danos não patrimoniais e respetivos juros).
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Nos termos do disposto no artigo 98.º-P do Código de Processo do Trabalho, fixa-se o valor da causa em € 52.905,99 (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 21-11-2016, disponível na base de dados in www.gde.mj.pt).
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Custas por trabalhador e empregadora na proporção do respetivo decaimento, sendo de, respetivamente, 49% para o trabalhador e 51% para a empregadora, tudo sem prejuízo da isenção de que beneficia o trabalhador (artigo 527º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º, nº 2, al. a), do CPT).
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Face ao decidido na alínea C) da parte decisória, comunique a presente decisão aos serviços de segurança social, para os fins tidos por convenientes, artigo 75º, nº 2, do CPT -, dando conta oportunamente do respetivo trânsito em julgado.”.
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Inconformada a R. interpôs recurso, nos termos das alegações, juntas a fls. 422 e ss., que terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
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Neste Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, no essencial, por considerar que o despedimento constitui sanção desadequada e/ou desproporcional à gravidade das infracções cometidas pelo Autor.
A este, respondeu a recorrente, dele discordando, dando por reproduzidas as alegações apresentadas.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) – DE FACTO:
A 1ª instância com relevância para a decisão da causa, considerou, o seguinte (que se transcreve):
“Factos Provados:
1) A empregadora B..., SA (adiante designada por empregadora) é uma empresa que se dedica à assistência em escala ao tráfego aéreo, nos aeroportos ..., ..., ..., ..., ... e ....
2) O trabalhador C... (adiante designado por autor) foi admitido para trabalhar sob a autoridade e direção da empregadora, em 19 de setembro de 2000, mediante contrato de trabalho escrito junto fls. 13 a 14 do processo disciplinar em apenso (adiante designado por PD), para exercer as funções de operador de assistência em escala, no Aeroporto ... no Porto.
3) O autor é associado do Sindicato D....
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17) A comunicação ao autor da decisão disciplinar de despedimento foi expedida pela empregadora por carta registada com aviso de receção de 2 de junho de 2017, sendo que em anexo à referida comunicação foi remetida a decisão de despedimento e o relatório final do processo disciplinar, tendo sido recebida pelo trabalhador no dia 12-06-2017, conforme fls. 79 a 104 do PD.
18) O autor exercia funções de OAE (operador de assistência em escala) no Aeroporto ... no Porto, sendo que, ultimamente, e por reporte à data do despedimento, auferia da empregadora a retribuição base de € 1008,00 e diuturnidades no valor de € 76,15.
19) O autor trabalhava em regime de turnos rotativos, de acordo com a escala pré-estabelecida pela empregadora, sendo os turnos de segunda a domingo, sendo que recebia subsídio de turno.
20) O autor no exercício das suas funções, entre outras, procede às operações de carregamento e descarregamento de aeronaves e de contentores de transporte, designadamente à movimentação e controlo de bagagens e volumes.
21) Sendo tais funções desempenhadas em equipa, tendo essas mesmas equipas um chefe.
22) No dia 28 de janeiro de 2017, por volta das 16:30 horas, o autor, que se encontrava escalado das 16:00 às 24 horas, estava na sala de convívio da placa, juntamente com outros colegas e o coordenador de Serviço E....
23) Nesse mesmo local encontrava-se o trabalhador F..., Chefe de Equipa.
24) Nas circunstâncias referidas em 22 a 23, no decurso de uma conversa entre os presentes na sala de convívio e depois de uma intervenção do autor que mereceu a discordância do trabalhador F..., o autor disse ao F... para ele deixar de ser burro, ao que o F... reagiu dizendo ao autor para ele ter respeito uma vez que não estava a falar com os pais, sendo que, por sua vez, o autor voltou a dizer ao F... para deixar de ser burro, ao que o F... retorquiu dizendo-lhe para ter respeito que não estava a falar para os pais.
25) O autor, entretanto, saiu da sala de convívio.
26) O trabalhador F..., passado alguns minutos, também saiu da sala de convívio para se dirigir aos balneários.
27) Durante o percurso entre a sala de convívio da placa e os balneários, já no exterior, o autor dirigiu-se ao trabalhador F... dizendo-lhe que queria falar com ele, tendo este respondido que não queria conversar.
28) Nessa sequência, o autor seguiu o trabalhador F... até aos balneários.
29) Já no interior dos balneários o autor agarrou o trabalhador F... pelos colarinhos e empurrou-o contra os cacifos, dizendo-lhe que ele não o conhecia e ameaçando que lhe podia fazer uma espera e bater fora do serviço.
30) Passado algum tempo depois do trabalhador F... e do autor terem saído da sala de convívio, o F... entrou nessa sala a dizer que o autor tinha ido atrás dele até aos balneários e que o tinha agarrado pelos colarinhos e ameaçado, dizendo ao coordenador de serviço que queria que ele fizesse um relatório do sucedido, sendo que nessa altura o F... apresentava sangue junto ao queixo em consequência do sucedido e aludido em 29.
31) O trabalhador F... foi de imediato fotografado para retratar a situação que se verificava junto ao seu queixo, conforme fotos constantes a fls. 8, 9, 51 e 52 do PD.
32) Aquando do referido em 22 a 24, os trabalhadores encontravam-se num momento de descontração na sala de convívio, numa pausa do trabalho.
33) Após o sucedido e nesse mesmo turno do dia 28-01-2017, o autor e o trabalhador F... estiveram a trabalhar juntos na mesma equipa, sem que tivessem ocorrido incidentes.
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B) O DIREITO
Analisemos, então, a questão colocada da ilicitude ou licitude do despedimento, ou seja, saber se as condutas imputadas ao autor constituem ou não justa causa de despedimento.
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Como já referimos, o litígio em apreciação traduz-se em saber se os comportamentos imputados ao A./recorrido e que se apuraram o mesmo cometeu configuram justa causa para aplicação da sanção de despedimento de que foi alvo ou tal não acontece como se considerou na decisão recorrida.
Importa, assim, analisar em que consiste a noção de justa causa de despedimento, tendo presente, o princípio constitucional da “Segurança no emprego”, previsto no art. 53º da CRP que proíbe os despedimentos sem justa causa.
Sobre a noção desta, dispõe o nº 1 do art. 351º do Código do Trabalho de 2009 (diploma legal aplicável no caso e a que pertencerão os artigos a seguir mencionados sem outra indicação de origem), que: “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”.
Corresponde a mesma, à noção de justa causa que se encontrava vertida no art. 9º, nº 1 do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) e, anteriormente, no nº 1, do art. 396º, do Código do Trabalho de 2003.
Noção genérica, que, pressupõe a verificação cumulativa de três elementos essenciais:
- um subjectivo – traduzido num comportamento ilícito e culposo do trabalhador, grave em si mesmo e nas suas consequências;
- um objectivo – consistente na impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho;
- um nexo de causalidade – que tem de se verificar entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
Consistindo a ilicitude na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente obrigado, seja por acção ou omissão.
Devendo a culpa e a gravidade do comportamento serem apreciados segundo o critério do art. 487º, nº 2, do CC, pela diligência de um “bónus pater família”, em face das circunstâncias de cada caso, ou seja, de acordo com “um trabalhador médio, normal” colocado perante a situação e as circunstâncias concretas em apreciação.
No que respeita à impossibilidade de subsistência do vínculo, deve ela reconduzir-se à ideia de inexigibilidade da manutenção do contrato por parte do empregador, tem que ser uma impossibilidade prática, no sentido de que deve relacionar-se com o caso em concreto, e deve ser imediata, no sentido de comprometer, desde logo, o futuro do vínculo.
Nas palavras de (Monteiro Fernandes in “Direito do Trabalho”, 13ª Ed., pág. 559), “não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo (termo aposto ao contrato, sanções disciplinares conservatórias).”.
Verifica-se a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a empregadora e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
A justa causa de despedimento, segundo (João Leal Amado in “Contrato de Trabalho”, 2ª Ed., pág. 383) assume um “… carácter de infracção disciplinar, de incumprimento contratual particularmente grave, de tal modo grave que determine uma perturbação relacional insuperável, isto é, insusceptível de ser sanada com recurso a medidas disciplinares não extintivas”.
A justa causa traduz-se, assim, numa situação de impossibilidade prática, de inexigibilidade no confronto dos interesses opostos das partes – essencialmente o da urgência da desvinculação do empregador e o da conservação do vínculo por parte do trabalhador.
E de tal sorte que, face à vocação de perenidade subjacente à relação de trabalho, apenas se justifica o recurso à sanção expulsiva ou rescisória que o despedimento configura, quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou correctivas, representando a continuidade do vínculo laboral uma insuportável e injusta imposição ao empregador em função do princípio da proporcionalidade.
Segundo se decidiu no (Ac. do STJ de 06.02.2008, acessível in www.dgsi.pt), “a aferição da não exigibilidade para o empregador da manutenção da relação de trabalho, deve, aquando da colocação do problema em termos contenciosos, ser perspectivada pelo tribunal com recurso a diversos tópicos e com o devido balanceamento entre os interesse na manutenção do trabalho, que decorre até do postulado constitucional ínsito no art. 53.º do Diploma Básico, e da entidade empregadora, o grau de lesão de interesses do empregador (que não deverão ser só de carácter patrimonial) no quadro da gestão da empresa (o que inculca também um apuramento, se possível, da prática disciplinar do empregador, em termos de se aquilatar também da proporcionalidade da medida sancionatória imposta, principalmente num prisma de um tanto quanto possível tratamento sancionatório igualitário), o carácter das relações entre esta e o trabalhador e as circunstâncias concretas – quer depoentes a favor do infractor, quer as depoentes em seu desfavor – que rodearam o comportamento infraccional.”.
Sendo que, na referida ponderação não poderá deixar de se atender que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, conforme dispõe o nº 1 do art.330º.
Citando de novo (Monteiro Fernandes na obra supra referida, pág. 580), “a ideia de que o despedimento constitui uma saída de recurso para as mais graves «crises» de disciplina – justamente aquelas que, pela sua agudeza, se convertem em crises do próprio contrato – implica que o uso de tal medida seja balanceado, face a cada caso concreto, com as restantes reacções disciplinares disponíveis. A justa causa só pode ter-se por verificada quando – repete-se – não seja exigível ao empregador o uso de medida disciplinar que possibilite a permanência do contrato.”.
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Transpondo o que se vem a expor para o caso, temos que na decisão recorrida, através de fundamentação que, sem dúvida, acompanhamos, realçando-se que nela, de forma concisa coerente e suficiente, foi efectuada, em nosso entender, a correcta apreciação e aplicação do direito aos factos que se apuraram, considerou-se que, o comportamento do trabalhador, (A./recorrido) não é adequado a, numa apreciação objectiva face aos factos provados, destruir todo o crédito de confiança por parte do empregador em relação ao trabalhador e a tornar, por isso, inviável a subsistência da relação laboral.
Concluindo-se, assim, não ser, a sanção de despedimento aplicada, adequada e proporcional à gravidade da infracção cometida.
Por sua vez, a recorrente, com os argumentos que tece, nos termos das conclusões 14 e ss., considera que, “no caso concreto, nenhuma medida conservatória ou corretiva serviria ou seria adequada para a prevenção de situações similares, atendendo a que, no entendimento de um “bónus pater familias” e segundo critérios de objetividade e razoabilidade, com o seu comportamento, o Recorrido criou, legitimamente, no espírito da Recorrente a constante e permanente dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta, o que, por si só, tornou imediata e totalmente impossível a manutenção da relação laboral entre as partes.”.
Discorda, por isso, da decisão recorrida.
Mas, sempre com o devido respeito, em nosso entendimento, sem que lhe assista razão.
Fazendo-se a devida ponderação, as exigências de prevenção geral e especial, no caso, ficariam devidamente salvaguardadas com a aplicação ao trabalhador de outra sanção disciplinar que não o despedimento. Razão porque, se julgou o mesmo ilícito, em nosso entender, acertadamente.
Pois, também nós consideramos que, o comportamento do autor, nas circunstâncias em que ocorreu, configura infracção merecedora de sanção, mas, sem dúvida, uma outra sanção que não a expulsiva. Sendo, como se considerou na decisão recorrida, adequado, outro sancionamento disciplinar, de cariz correctivo ou conservatório (por exemplo, uma suspensão de trabalho com perda de retribuição e de antiguidade).
Atenta a factualidade que ficou demonstrada na decisão recorrida e não impugnada, bem como os entendimentos doutrinais e jurisprudenciais seguidos, que acompanhamos, ao contrário do que defende, a empregadora, aqui, recorrente não logrou provar que a actuação do trabalhador, pela sua gravidade e consequências, tenha tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Não podendo esquecer-se que, como foi defendido, o conceito de justa causa liga-se à inviabilidade do vínculo laboral, correspondendo a uma crise contratual extrema e irreversível.
Senão, vejamos.
No, já citado, art. 351º, dispõe-se que:
“1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
i) Prática no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;
3 – Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.”.
Esta norma é a concretização dos deveres do trabalhador plasmados no art. 128º, nº 1, alíneas a) e h), segundo os quais:
“1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;
h) Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;”.
Contudo, como é pacífico na doutrina e na jurisprudência, da constatação do preenchimento das citadas alíneas do nº 2 do art. 351º não decorre de forma inapelável a existência de justa causa de resolução do contrato. Exige-se, também, que os comportamentos ali enunciados, quer pela sua gravidade quer nas suas consequências, sejam de molde a concluir-se pela impossibilidade e subsistência da relação de trabalho, cfr. decorre do nº 1, do mesmo artigo.
Ora, analisados os apurados comportamentos do A., consubstanciados no ocorrido, no dia 28.01.2017, quer na sala de convívio da placa, quer nos balneários com o trabalhador F..., contrariamente ao que defende a recorrente, no sentido de que nenhuma medida conservatória ou correctiva serviria ou seria adequada, tal como se considerou na decisão recorrida, também a nós, como já dissemos, nos parece não configurarem, nem o que disse, nem o que fez (conforme factos provados 24 e 29), comportamentos culposos do trabalhador, que se revistam de gravidade e tornem, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Justificando.
Desde logo, porque se, como bem se refere na decisão recorrida, o comportamento do A. ocorrido na sala de convívio “não prima pela sua correcção ou educação” e o comportamento tido no balneário se traduz na “prática de violência física e de ameaça sobre um trabalhador da empresa, o que nos termos da lei constitui uma infracção laboral susceptível de integrar o conceito de justa causa (cfr. artigo 351º, nº 2, al. i)), o certo é que não podemos olvidar que, pese embora, o que pretende fazer crer a recorrente, aqueles comportamentos, face ao que se apurou nos autos, configuram “uma situação isolada” durante uma pausa do trabalho, desenvolvido no âmbito do contrato de trabalho estabelecido entre as partes desde 19.09.2000, mais de 16 anos, até à data em que a ré despediu o autor e, não podem deixar de ser analisados no contexto em que ocorreram e à luz dos dispositivos legais citados.
E, sendo desse modo, contrariamente, ao que considera a recorrente, não é possível considerar que seja adequada a sanção de despedimento aplicada ao recorrido, já que, da prova carreada para os autos, como já dissemos, nada permite concluir que o autor, à excepção da situação ocorrida no dia 28.01.2017, tenha tido comportamentos da natureza daqueles para com os seus colegas de trabalho, não tendo suporte factual a afirmação da recorrente, formulada na conclusão 15 da sua alegação, quando refere “Inclusivamente porque não era a primeira vez que o Recorrido se dirigia a colegas de trabalho de forma ofensiva...”, nem se provaram factos concretos de onde se possa concluir que a sua conduta tenha provocado repercussões negativas no ambiente da empresa, que a imagem da empregadora tenha saído beliscada ou que o ambiente de trabalho em equipa tenha ficado minado, nem a autoridade do chefe de equipa.
Ao contrário do que alega na conclusão 14, dizendo que “Da prova carreada para os autos, dúvidas não podem existir quanto à potencialidade de esta situação se materializar em efetivos danos para a Recorrente e para a equipa de trabalho do Recorrido: o comportamento do Recorrido foi – e é – lesivo da atmosfera de respeito, indispensável ao normal desenvolvimento da relação contratual entre as partes e prejudicial para o ambiente de trabalho dos restantes colegas, e que se quer saudável e isento de conflitos.”, o que se apurou foi que, após o sucedido, nesse mesmo turno de dia 28, em que ocorreu a situação em análise, o autor e o trabalhador, F..., estiveram a trabalhar juntos, na mesma equipa, sem que tivessem ocorrido incidentes.
E, assim, importa relembrar que, para a verificação da justa causa, não basta a simples materialidade dos factos, nomeadamente os previstos no nº 2 do art. 351º, sendo necessária a demonstração do comportamento culposo do trabalhador, revestido de gravidade que torne, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Logo, o facto de um trabalhador praticar de violência física e de ameaça, sobre um outro trabalhador da empresa, não determina, de forma automática, a verificação de justa causa de despedimento torna-se, também, necessário que se alegue e prove que essa, “prática ilegítima”, assuma tal gravidade e consequências que se verifica a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho nos termos exigidos pelo nº 1 do art. 351º.
O princípio geral consignado neste preceito, complementado pelos critérios de apreciação prescritos no seu nº 3, baseia-se em princípios de necessidade, adequação e da proporcionalidade, inerentes ao direito sancionatório, e tem aplicação a todas as situações, exemplificativamente, enumeradas nas alíneas do nº 2 do mesmo artigo.
Ou seja, é sempre necessário que o trabalhador tenha agido com culpa e que a gravidade e consequências do seu comportamento tornassem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Ora, no caso, atenta a factualidade apurada, no contexto em que ocorreu, não entendemos que o comportamento do autor, consubstanciado na expressão dirigida ao trabalhador F..., dizendo-lhe para deixar de ser burro, como bem não o entendeu a Mª Juíza “a quo”, configure uma expressão grosseira, injuriosa e desrespeitosa e, o segundo comportamento não pode deixar de ser valorado à luz da cláusula geral, enunciada no nº1, daquele referido art. 351º, nem a apreciação da justa causa pode ser feita sem ter em conta o estabelecido no nº3 do mesmo artigo, de modo a poder-se considerar o mesmo “justa causa de despedimento”. Daí que, repita-se, se entenda, também, quanto a esta concreta imputação feita ao A., ocorrida no balneário, que no concreto circunstancialismo, embora censurável e susceptível de infracção disciplinar, o comportamento do trabalhador não foi de tal modo grave que tenha posto em causa a relação de trabalho.
Pelo que, sempre com o devido respeito, em nosso entender, não se apurou factualidade de onde possamos concluir pela impossibilidade de manutenção da relação de trabalho, o que determina a inexistência de justa causa.
E, resultando do que se disse supra, que a sanção disciplinar de despedimento deve ser aplicada, apenas, em situações de saída de recurso, para situações de crise mais graves, de perturbação da relação de trabalho insuperáveis, em que uma sanção conservatória da relação de trabalho não se mostre adequada, pelas razões que deixámos expostas, é nossa firme convicção, não se verificava no caso em apreço.
Em suma na ponderação entre, por um lado, o princípio constitucional da segurança no emprego (art. 53º da CRP) e, por outro, a lesão dos interesses do empregador, entende-se que, no caso, se revelou desproporcional a sanção aplicada.
Nesta sequência, concluindo-se pela inexistência de justa causa de despedimento, resta concluir pela manutenção da decisão recorrida.

Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III - DECISÃO
Nestes termos, acorda-se nesta secção do Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
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Custas da apelação pela Ré/recorrente.
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Porto, 7 de Janeiro de 2019
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
Rui Ataíde de Araújo