Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
547/12.6GAVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RP20160427547/12.6GAVNG.P1
Data do Acordão: 04/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: DECLARADA A INVALIDADE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 1001, FLS.223-230)
Área Temática: .
Sumário: No incidente para averiguação da possibilidade de revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é obrigatória, sob pena de nulidade insanável, a audição do condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza a execução dessa pena.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 547/12.6GAVNG.P1
1ª Secção

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1. RELATÓRIO

A – Decisão Recorrida

No processo sumário nº 547/12.6GAVNG, que corre termos na Comarca do Porto, Instância Local de Vila Nova de Gaia, Secção Criminal, J2, o arguido B… foi condenado, autoria material, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p., pelo Artº 292 nº1 do C. Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão substituída por 210 (duzentas e dez) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Mais foi condenado, nos termos do Artº 69 nº1 do C. Penal, na pena acessória de 6 (seis) meses de inibição de conduzir.

Por despacho de Fls. 167 e v, foi esta pena revogada e em consequência, determinado o cumprimento da pena de sete meses de prisão, descontados os dias de trabalho já prestados pelo arguido, despacho judicial que reza da seguinte forma (transcrição):

Por sentença transitada em julgado no dia 19.09.2012, B… foi condenado na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Iniciou a prestação de trabalho no dia 18/3/2013.
Entre aquela data e 22/5/2013, prestou 48 horas de trabalho, sendo esta as únicas que efectuou.
Desde então, A DGRS vem informando a ocorrência de diversas anomalias, mas sempre reiterando que o arguido não retomou aquela prestação.
Tomadas declarações ao arguido que fazendo tabua rasa do período decorrido desde a data em que prestou o ultimo dia de trabalho, limitou-se a aduzir como justificação para a sua omissão a circunstancia de actualmente, e desde 23.02.2015, se encontrar a trabalhar.
Porém, como resulta das informações trazidas aos autos pela DGRS e admitidas pelo arguido, desde a data da condenação e até ao dia 22.05.2013, o arguido esteve na situação de desemprego.
Como bem refere o Digno Procurador Adjunto, não padecendo o condenado de qualquer enfermidade que, de tal, o impedisse - a não prestação de trabalho forçosamente temos de concluir que aquele incumprimento radica em comportamento culposo do arguido, que não obstante manter disponibilidade, por desemprego, por cerca de dois anos, nesse período temporal apenas prestou 48 horas das 210 aplicadas.
Não obstante, pretende o arguido nova oportunidade para completar o trabalho em falta.
Porém, salvo o devido respeito, afigura-se que tal não é de admitir, considerando que desde sempre as entidades beneficiarias reportaram anomalias na execução daquele que motivaram a recusa em receber o arguido, pelo que demonstrada está que a aplicação daquela medida não surtiu o efeito desejado, nada permitindo concluir que o arguido interiorizou a desconformidade da sua conduta e compreendeu a necessidade de a pautar conforme o dever -ser ético jurídico.
Por ultimo, importa referir que se mostra esgotado o prazo legalmente estabelecido para aquela prestação- artº 59°, do C.P., donde sempre se teria de concluir pela revogação da pena de substituição e consequente cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença.
Por todo o exposto, revogo a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e, em consequência, determino que o arguido cumpra a pena de prisão aplicada na sentença (à qual serão deduzidas as horas de trabalho prestado em sede de liquidação da pena).
Notifique.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição):

A. O Dign.º Tribunal de Primeira Instância procedeu à revogação da pena de substituição de trabalho a favor da comunidade aplicada ao Arguido/Recorrente, determinando o cumprimento da pena de prisão, inicialmente aplicada nos autos, após desconto do tempo de trabalho já prestado por considerar, por um lado, que o arguido não terá interiorizado a desconformidade da sua conduta e, por outro, que se mostra esgotado o prazo legalmente estabelecido para aquela prestação, nos termos do art.º 59.º do C.P.
B. Ora, no âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios intrínsecos à decisão recorrida e ainda à indagação de alguma das causas de nulidade dessa decisão, nos termos dos Artsº 379.º e 410.º nsº 2 e 3, ambos do C.P.Penal.
C. No caso dos autos, o Tribunal procedeu à audição do arguido, mas fê-lo sem ser na presença do técnico que apoiou e fiscalizou o cumprimento da pena de substituição. «Ora, tendo em conta a letra do nº 2 do Artº 495.º do C.P.Penal - alterada por força da Lei 48/07 de 29/08 - ter-se-á de concluir que a presença deste técnico é obrigatória aquando da audição presencial do arguido para efeitos da eventual revogação da suspensão da execução da pena ou da prestação de trabalho a favor da comunidade» - Acórdão do TRE, de 18-06-2013 - Proc.s n.º 2/08.9PEPTG.El (in www.dgs.pt/tre).
D. «Será assim sempre ilegal a decisão de um tribunal de revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade quando a mesma for precedida de audição do condenado que decorra sem a presença do técnico dos serviços de reinserção social que fiscalizou a aplicação de tal medida.» - Acórdão TRE, de 18-06-2013 - Proc.s n.º 2/08.9PEPTG.El (in www.dgs.pt/tre).
E. «Tratando-se de uma decisão que pode contender com a liberdade do arguido, é a mesma nessa medida, e em si própria, um prolongamento da própria decisão condenatória e daí que a lei não prescinda das inerentes garantias do contraditório, com a obrigatória audição presencial do condenado acompanhado do respectivo técnico de reinserção social. Inexiste assim nos presentes autos o cumprimento de uma exigência - formal e substancial - da decisão recorrida, tal como o exige o nº2 do Artº 374 .º do CPP, deficiência esta, que sendo parcial em relação ao todo da decisão, assenta sobre um pressuposto relevante para aquilo que se determinou, a revogação da pena de substituição aplicada ao arguido.» Ac. TRE, de 18-06-2013 (www.dgs.pt).
F. O não cumprimento, nos termos expostos, do estatuído no Artº 374.º nº2 do CPP, por parte da decisão recorrida, faz com que a mesma seja ferida de nulidade, por força do disposto no Artº 379 nº1 al. a) do mesmo diploma legal
G. Ademais, «trata-se de uma nulidade de conhecimento oficioso, na medida em que, tratando-se de um vício reportado ao Artº 374.º do CPP, a sua tramitação é própria e diferenciada do regime geral das nulidades dos restantes actos processuais, nulidade esta, que não fazendo embora parte do elenco das descritas nas als. a) a f) do Artº 119.º do CPP, não pode deixar de ter-se como insanável (Cfr.,entre outros, Ac. da RL de 25/10/11, e jurisprudência citada na nota 12 do Ac. da RP de 01/02/12, ambos disponíveis em www.dgs.pt)>>- Ac. TRE, de 18-06-2013 (www.dgs.pt).
H. «Diga-se ainda, que mesmo que se configure o vício aludido como uma irregularidade e não como uma nulidade - por não constar da lista das previstas nos Artsº 119.º e 120.º, ambos do CPP - o destino do presente recurso seria idêntico. (...) atenta a mencionada exigência legal, impositiva, decorrente do Artº 495.º nº2 do CPP, ter-se-ia de considerar que a audição do condenado carênciada da assistência do técnico de reinserção social é um vício que afecta o valor do respectivo acto, pelo que, para além de poder ser agora conhecida por este tribunal de recurso, nos termos do Artº 123.º nº2 do CPP, a sua reparação implica, necessariamente, a invalidade dos actos posteriores à tomada de declarações do arguido (...) e consequentemente, à decisão recorrida, em que se determinou a revogação da pena de substituição em que aquele foi condenado.» - vide - Acórdão TRE, de 18-06-2013
SEM PRESCINDIR
I. O condenado iniciou a prestação de trabalho no dia 18/03/2013 e, ao contrário do que vem exposto no douto despacho recorrido, até à presente data, das 210 horas que lhe foram determinadas, já prestou 85 horas de trabalho; faltando-lhe cumprir 125 horas.
J. Donde, o douto despacho recorrido enferma de erro notório quanto à apreciação da prova existente nos autos (vg. última informação junta pela DGRS) referente ao número de horas de trabalho comunitário prestado pelo Condenado, porquanto, não corresponde à verdade que o condenado apenas tenha prestado 48 horas de trabalho.
K. O condenado nunca se recusou a prestar o trabalho; jamais interrompeu a prestação de trabalho de forma ininterrupta e definitiva e sempre demonstrou cuidado em cumprir com a pena em que foi condenado, tanto mais que, no dia 09 de Março de 2015 apresentou nos autos um requerimento solicitando ao Digo.º Tribunal que lhe autorizasse a substituição da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, mediante o pagamento «das restantes horas comunitárias em falta, em prestações mensais.», o que justificou com o facto do seu horário laboral não lhe permitir continuar a cumprir com a prestação de trabalho na entidade ABC, cuja entidade também não lhe possibilitava a prestação de trabalho aos fins-de-semana.
L. Contudo, o Dign.º Tribunal “a quo" nunca se pronunciou quanto ao requerimento apresentado pelo Condenado em Março de 2015, o que sempre se equacionaria como adequado se atendermos ao disposto no art.º 59.º, n.º 6 do C.Penal.
M. Assim, salvo melhor opinião, a revogação da pena de trabalho a favor da comunidade e a consequente condenação a cumprir prisão efetiva (devendo ser a última ratio a ser aplicada) revela-se, no caso concreto, avessa ao princípio da prevenção especial que subjaz ao fim das penas, revelando-se demasiado radical e injusta se considerarmos que o Dígn.º Tribunal não proferiu uma decisão, em tempo útil, à pretensão do Condenado deduzida no requerimento por si apresentado nos autos em Março de 2015; isto é, dentro do tempo de execução de tal pena;
N. Salvo melhor opinião, não deve ser revogada a pena de prestação de trabalho ao condenado apenas porque se mostra decorrido o prazo estipulado para o efeito, quando é certo que o mesmo nunca foi interpelado /advertido pelo Dign.º Tribunal para a probabilidade de tal consequência, muito menos quando resulta que este nunca foi notificado de qualquer decisão relativa à pretensão deduzida nos autos para lhe ser autorizada a substituição de tal pena por impossibilidade de cumprimento da mesma aos fins-de-semana.
O. Vendo-se, assim, prejudicado nos seus direitos de defesa, constitucionalmente protegidos, pois, era legítimo e expectável que o Dign.º Tribunal proferisse tal decisão em tempo útil, de forma a permitir ao Arguido/Condenado o cumprimento da pena por via de substituição da mesma (art.º 59.º. n.º 6 do C.P.P.), ou a advertir/notificar o Arguido de tal impossibilidade, dando-lhe a conhecer a obrigatoriedade do cumprimento da mesma dentro do prazo de execução previsto na lei.
P. Não se afigura, assim, razoável que o recorrente seja agora prejudicado por um acto omissivo do Tribunal (omissão de pronúncia ao requerimento apresentado pelo mesmo em 09/03/2015) quando, é certo, que o mesmo toca diretamente com a liberdade do arguido, devendo, por isso, considerar-se aquela decisão ferida de nulidade [art.s 379.º, n.º 1, al. c), já que, a mesma constitui um prolongamento da decisão condenatória, por contender com a liberdade do arguido (Ac.TRE,18-06-2013 - Proc. 2/08.9PEPTG.El (in www.dgsi.pt/tre).
SEM PRECSINDIR
Q. O arguido não se conforma, pois, com o douto despacho revogatório considerando que nele se violaram os artigos 32.º, n.º 1 da CR, P., os arts.s 58º e 59.º do C.P. e os artigos 495.º e 498.º do C.P. P., incorrendo nas nulidades previstas no art.º 379.º, n.º 1, als. a) e c) do C.P.Penal por força do disposto no art,º 374.º, n.º 2 do mesmo diploma legal.
R. Discorda-se do douto despacho recorrido, por entendermos que todos os motivos apresentados pelo arguido para o cumprimento irregular da pena de substituição são legítimos e decorreram dos motivos laborais dados a conhecer nos autos.
S. Salvo o devido respeito, o Tribunal não concretiza em que medida é que a postura do arguido resulta em violações grosseiras dos deveres decorrentes da pena aplicada.
T. Com efeito, não resulta concretizado no douto despacho recorrido a razão pela qual não são justificáveis/plausíveis os motivos apresentados pelo arguido, sabendo que a condenação deve respeitar o exercício profissional do arguido.
U. Não estão comprovados os fundamentos de facto ou de direito referidos no artigo 59.º nº2 do Código Penal, que determinaram a revogação da pena de substituição aplicada ao arguido, porquanto: o arguido não se colocou intencionalmente em condições de não poder trabalhar, não recusou sem justa causa a prestação de trabalho, não infringiu grosseiramente os deveres decorrentes da pena em que foi condenado, nem praticou qualquer outro crime após condenação nestes autos.
V. O arguido interioriza, com auto censura, a gravidade da sua conduta, tem pautado o seu comportamento posterior à condenação por valores sociais, está bem integrado na comunidade e apresenta hábitos de trabalho, pelos que as exigências de prevenção especial são diminutas.
W. Não foram trazidos aos autos factos concretos subsequentes que permitam sustentar um juízo de prognose desfavorável ao arguido e, que permitam, com segurança, concluir que é inviável o cumprimento da pena de substituição aplicada, pelo que, não existem fundamentos para determinar o cumprimento da pena de prisão aplicada, porquanto não houve incumprimento da pena de substituição de forma não justificada.
X. Ainda será possível ao condenado e à comunidade a subsistência da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, concedendo-lhe a derradeira possibilidade de, em liberdade, refletir sobre o seu comportamento e ajustar a sua vida profissional ao cumprimento da pena de trabalho a favor da comunidade, asseguradas que estão as necessidades de prevenção geral e especial face à ausência de factos concretos nos autos que permitam sustentar um juízo diverso.
Y. Pugnamos pela manutenção da pena de substituição aplicada, ainda que, submetida a cumprimento de deveres (art.s 59º nº 6 als. a) e/ou b) do Código Penal),
Z. Sem prescindir, na hipótese de se entender que a revogação da prestação de trabalho comunitário deve persistir, o que apenas por dever de patrocínio se acautela, desde já, se requer seja a referida pena substituída por multa ou suspensa na sua execução, ao abrigo do disposto no artigo 59º nº6 a) e b) do Código Penal.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta decisão ora recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que permita o cumprimento da pena ao Condenado mediante prestação de trabalho a favor da comunidade, ou em alternativa, que lhe permita, conforme havia requerido em tempo útil, o cumprimento mediante pagamento das horas em falta, ordenando-se a substituição da pena de prisão por multa ou que a mesma seja suspensa na sua execução, mediante cumprimento de deveres ou regras de conduta adequados, de acordo com o disposto no art.º 59.º nº 6 als. a) e b) do C. Penal, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA.

C – Resposta ao Recurso

Respondeu o M.P., pugnando pela sua improcedência, apesar de não ter apresentado conclusões.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que apôs o seu visto nos autos.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente retira das respectivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Na verdade e apesar do recorrente delimitar, com as conclusões que extirpa das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios intrínsecos à decisão recorrida e ainda à indagação de alguma das causas de nulidade dessa decisão, nos termos dos Artsº 379 e 410 nsº2 e 3, ambos do CPP)
As conclusões do recorrente radicam na nulidade da decisão, seja por violação do estatuído no Artº 495 nº2 do C. Penal, seja por omissão de pronúncia, e ainda na alegação de não estarem verificadas as condições previstas na al. b) do nº2 do Artº 59 do C. Penal e que fundaram a decisão do tribunal recorrido de revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

B – Apreciação

Definidas as questões a tratar, importa começar a análise por aquelas cuja possível procedência prejudica o conhecimento do demais suscitado.
Com efeito, a primeira delas – relativa a uma eventual nulidade por violação do disposto no nº2 do Artº 495 do C. Penal – foi já expressamente tratada pelo signatário, precisamente no acórdão em que o recorrente se funda para alimentar a sua pretensão - Proc. 2/08.9PEPTG.E1 de 18/06/13, do Tribunal da Relação de Évora - inexistindo qualquer razão para decidir de forma diferente do que ali se fez.
Nessa medida e reproduzindo o teor daquele aresto – em tudo aplicável à situação sub judice – há que começar por dizer que a prestação de trabalho a favor da comunidade é, em si mesmo, uma pena autónoma e que constitui uma verdadeira pena de substituição, de carácter não detentivo, destinada a evitar a execução de penas de prisão de curta duração.
Os seus pressupostos de aplicação estão definidos no Artº 58 do C. Penal, regulando a norma seguinte as questões relativas à sua suspensão provisória, revogação, extinção e substituição.
Importa todavia não olvidar que a disciplina da execução desta pena se rege pelos Artsº 496 e 498, ambos do CPP, sendo que o nº3 desta última norma remete para os nsº2 e 3 do Artº 495 do mesmo diploma legal.
Há assim uma equiparação, ao nível das exigências legais, entre a suspensão provisória, revogação, extinção e substituição da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e a falta de cumprimento das condições fixadas numa pena de prisão suspensa na sua execução.
Em ambos os casos e tratando-se de situações em que se coloque a possibilidade do tribunal revogar, quer a suspensão da execução da pena, quer a prestação de trabalho a favor da comunidade, a lei exige, por via do nº2 do Artº 495, que a decisão judicial seja previamente antecedida de audição do condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza, quer o cumprimento das condições da suspensão (no caso da suspensão da execução da pena), quer a realização da prestação de trabalho (no caso da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade).
Percebe-se que assim seja, na medida em que a semelhança das situações justifica a similaridade dos regimes.
Seja no caso de uma suspensão da execução da pena sujeita a regime de prova ou a condições, seja nas situações de prestação de trabalho a favor da comunidade, o condenado é apoiado pelos serviços de reinserção social, que elaboraram o plano de reinserção social ou o plano de execução das horas de trabalho, serviços estes, que vão fiscalizando a execução da medida ao longo do tempo, reportando ao tribunal as respectivas vicissitudes.
È da prática judiciária que por vezes se colocam dificuldades de comunicação entre os condenados e aqueles serviços, que podem levantar dúvidas aos julgadores, quer sobre os reais intentos dos arguidos no cumprimento do que lhes foi determinado, quer sobre a exacta dimensão dos seus incumprimentos.
Daí que o legislador, compreensivelmente, exija que uma decisão sobre a eventual revogação dessas medidas, pelas implicações que pode ter sobre a liberdade dos condenados, seja obrigatoriamente precedida de audição daqueles, prescrevendo contudo, que essa audição decorra na presença do técnico de reinserção social encarregado do processo do arguido.
Com efeito, poderá ser essa presença e os esclarecimentos que dela se poderão produzir, que melhor poderão esclarecer o tribunal sobre a importância de uma decisão que, muitas vezes, leva o arguido à prisão, preceituando-se assim que a mesma seja levada a cabo com sensatez, equilíbrio e sentido de responsabilidade, ponderados que sejam todos os factores em jogo, como a natureza do crime, o lapso temporal já decorrido desde o seu cometimento, a dimensão da pena, a personalidade do agente e o seu sentido de interiorização do desvalor social da conduta e do juízo de censura que lhe é imanente.
Cotejando estes vectores, o técnico dos serviços de reinserção social poderá ser fundamental para habilitar o tribunal à melhor decisão, designadamente, nas situações, como a dos autos, em que o condenado já cumpriu quase metade da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade em que foi condenado, configurando-se assim a sua presença como decisiva para que a decisão caia num ou noutro sentido, numa demanda legal, que assenta, nesta medida, não apenas numa dimensão formal, mas também, num substrato ontológico.
No caso dos autos, decorre da acta da tomada de declarações ao arguido a Fls. 148, antes de ser proferida a decisão revidenda da prestação de trabalho a favor da comunidade, o tribunal procedeu à audição do arguido, mas fê-lo sem ser na presença do técnico que apoiou e fiscalizou o cumprimento da pena de substituição.
Ora, tendo em conta a letra do nº2 do Artº 495 do CPP - alterada por força da Lei 48/07 de 29/08 - ter-se-á de concluir que a presença deste técnico é obrigatória aquando da audição presencial do arguido para efeitos da eventual revogação da suspensão da execução da pena ou da prestação de trabalho a favor da comunidade.
Será assim sempre ilegal a decisão de um tribunal de revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade quando a mesma for precedida de audição do condenado que decorra sem a presença do técnico dos serviços de reinserção social que fiscalizou a aplicação de tal medida.
Tratando-se de uma decisão que pode contender com a liberdade do arguido, é a mesma nessa medida, e em si própria, um prolongamento da própria decisão condenatória e daí que a lei não prescinda das inerentes garantias do contraditório, com a obrigatória audição presencial do condenado acompanhado do respectivo técnico de reinserção social.
Inexiste assim nos presentes autos o cumprimento de uma exigência - formal e substancial - da decisão recorrida, tal como o exige o nº2 do Artº 374 do CPP, deficiência que sendo parcial em relação ao todo da decisão, assenta sobre um pressuposto relevante para aquilo que se determinou, a revogação da pena de substituição aplicada ao arguido.
O não cumprimento, nos termos expostos, do estatuído no Artº 374 nº2 do CPP, por parte da decisão recorrida, faz com que a mesma seja ferida de nulidade, por força do disposto no Artº 379 nº1 al. a) do mesmo diploma legal.
Caberá assim ao tribunal recorrido, suprir esta nulidade, designando-se nova data para a audição do arguido, nos termos exigidos pelo nº2 do Artº 495 do CPP, com a presença do técnico que fiscalizava o cumprimento da medida, sendo que após a realização dessa diligência nesses moldes e tendo em conta o que aí for apurado, deverá então ser proferida nova decisão sobre a substituição, ou revogação, da prestação de trabalho a favor da comunidade em que o agora recorrente foi condenado.
Ainda que tenha sido alegada, como se disse, pelo recorrente, trata-se de uma nulidade de conhecimento oficioso, na medida em que, tratando-se de um vício reportado ao Artº 374 do CPP, a sua tramitação é própria e diferenciada do regime geral das nulidades dos restantes actos processuais, nulidade esta, que não fazendo embora parte do elenco das descritas nas als. a) a f) do Artº 119 do CPP, não pode deixar de ter-se como insanável (Cfr., entre outros, Ac. da RL de 25/10/11, e jurisprudência citada na nota 12 do Ac. da RP de 01/02/12, ambos disponíveis em www.dgsi.pt)
Diga-se ainda, que mesmo que se configure o vício aludido como uma irregularidade e não como uma nulidade – por não constar da lista das previstas nos Artsº 119 e 120, ambos do CPP – o destino do presente recurso seria idêntico.
Na verdade, nesta tese, atenta a mencionada exigência legal, impositiva, decorrente do Artº 495 nº2 do CPP, ter-se-ia de considerar que a audição do condenado carenciada da assistência do técnico de reinserção social é um vício que afecta o valor do respectivo acto, pelo que, para além de poder ser agora conhecida por este tribunal de recurso, nos termos do Artº 123 nº2 do CPP, a sua reparação implica, necessariamente, a invalidade dos actos posteriores à tomada de declarações do arguido de Fls. 148 e consequentemente, à decisão recorrida, em que se determinou a revogação da pena de substituição em que aquele foi condenado.
Como se vê, seja uma, ou outra, a opção dogmática sobre a natureza do vício, idêntica é a solução em sede de recurso.
Com o ora decidido, prejudicado fica o demais suscitado no recurso, razão pela qual, não se prossegue na sua apreciação.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se :
- Declarar a invalidade da tomada de declarações ao arguido de Fls. 148, devendo o tribunal recorrido designar nova data para a audição do arguido, nos termos exigidos pelo nº2 do Artº 495 do CPP, com a presença do técnico que apoiou e fiscalizou o cumprimento da medida, após o que e tendo em conta o que aí se apurar, decidirá sobre a eventual substituição ou revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade em que o recorrente foi condenado.
- Em face do atrás determinado, não conhecer do recurso interposto.
Sem tributação.
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Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi integralmente revisto e elaborado pelo primeiro signatário.
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Porto, 27 de Abril de 2016
Renato Barroso
Vítor Morgado