Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1986/10.2TXCBR-M.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MOTA RIBEIRO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
REMANESCENTE
CRIMES SUCESSIVOS
Nº do Documento: RP201807111986/10.2TXCBR-M.P1
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 766, FLS 361-370)
Área Temática: .
Sumário: Faltando cumprir 3 anos e 4 meses, a revogação da liberdade condicional com fundamento na prática de um crime pelo qual veio a ser aplicada uma pena de 8 anos de prisão, implica o cumprimento integral (3 anos e 4 meses) do remanescente daquela pena.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1986/10.2TXCBR-M.P1- 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro
*
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO
1.1. Por decisão proferida no 1º Juízo do Tribunal de Execução das Penas do Porto, a 05/03/2018, no âmbito do Processo n.º 1986/10.2TXCBR-M, e por entender que a pena em execução, resultante da revogação da liberdade condicional, deverá ser cumprida por inteiro, foi dada a concordância e respetiva homologação ao cômputo de pena efetuado pelo Ministério Público, fixando-se como remanescente da pena a cumprir os 3 anos e 4 meses, e o termo de tal pena em 30/03/2021.
1.2. Não se conformando com tal decisão dela veio interpor recurso o recluso, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões:
“A - O presente recurso vem interposto do douto Despacho proferido nos autos que condena o arguido B..., na pena ora em execução, resultante da liberdade condicional, a ser cumprida por inteiro.
B - Entende o Recorrente, que, face à factualidade provada e ao direito aplicável, a imposição da pena ora em execução, resultante da revogação da liberdade condicional, ser cumprida por inteiro, com que, por força da realidade jurídica em causa, sofre limitação a regra consagrada no artigo 64º, nº 3, do CP, revela-se pouco criteriosa, demasiado subjetiva e desequilibradamente aplicada, violando os princípios constitucionais vigentes.
C - O Recorrente foi condenado no Processo nº 456/07.0GAMGL, por decisão transitada em julgado, a uma pena de 10 de prisão.
D - Foi fixada a data de 19/01/2018 para o termo do período da liberdade condicional, tendo o arguido sido libertado em 19/09/2014.
D - O arguido foi colocado em liberdade condicional no Processo nº 456/07.0GAMGL em sede de dois terços da pena.
E - Por decisão transitada em julgado foi revogada a liberdade condicional no Processo nº 456/07.0GAMGL.
F - Os cinco sextos da pena estavam calculados para 19/05/2016 e o seu termo para 19/01/2018.
G - Por despacho de 06/03/2018, proferido pelo Douto Tribunal de Execução de Penas do Porto, foi decidido que, "A pena ora em execução, resultante da revogação da liberdade condicional, há de ser cumprida por inteiro, com o que, por força da realidade jurídica em causa sofre limitação a regra consagrada no artigo 64º, nº 3, do CP."
H - Ora o Douto Despacho violou as normas dos artigos 61º, 63º, nº 2, e 64º, nº 3, do Código Penal.
I - Nos termos dos artigos 61º, nº 4, do Código Penal, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
J - É obrigatória a concessão da liberdade condicional prevista no artigo 61º, nº 4, do Código Penal, nas penas superiores a 6 anos de prisão em que o arguido já tenha cumprido 5/6 da pena.
K - O único requisito previsto é o consentimento do condenado.
L - No presente caso, a pena inicial é de 10 anos de prisão, no qual a liberdade condicional concedida foi revogada, está sujeita a ser concedida nova liberdade condicional logo que atingidos os 5/6 da pena, pois o único requisito exigível é o decurso do tempo e o consentimento do ora recorrente
M - De acordo com o artigo 64º, nº 3, do Código Penal "pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61º, isto significa que essa concessão há de ser enquadrada em qualquer das modalidades aí previstas, incluindo, por força da lei, à que se refere o artigo 61º, nº 4, do Código Penal.
N - Entendimento também seguido no Acórdão do STJ de 25.06.2008, proferido no Processo nº 08P2184 e Acs do TRP de 22-02-2006, proferido no Processo nº 0640101, Ac. de 03.02.2010, proferido no Processo nº 3670/10.8TXPRTD.P1.
O - O arguido ora recorrente foi condenado no Processo nº 456/07.0GAMGL a uma pena de prisão superior a seis anos, tratando-se de uma pena que sofre de tratamento autónomo por força do regime especial legalmente previsto nos artigos 64º, nº 3, e 63º, nº 4, do Código Penal.
P - O presente caso concreto não configura um cumprimento sucessivo de penas, mas antes o restante de uma pena nova, mas o que ficou por cumprir de uma pena.
Q -Por decisão transitada em julgado em 10/10/2016, proferida no processo nº 76/15.6 PABCL, veio o mesmo a ser condenado na pena de 8 anos de prisão
R - Deve, pois, ser revogado o Despacho, de que se recorre, que só fez menção ao termo da pena e que sofre a limitação da regra consagrada no artigo nº 64º, nº 3, do Código Penal, o tempo em que o arguido atinge os 5/6 da pena em cumprimento e substituído por outro no qual se fixe o tempo em que o arguido atinge os 5/6 da pena em cumprimento.”
1.3. O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência, nos seguintes termos:
“1 – B... beneficiou de medida de flexibilização da pena, sendo-lhe concedida liberdade condicional, com efeitos de 19-9-2014 até 19-1-2018, relativamente ao processo 456/07.0GAMLG.
2 - Porém, durante esse período cometeu novos factos ilícitos de natureza penal que lhe determinaram nova condenação em pena de prisão efetiva de 8 anos de prisão aplicada no processo 76/15.PABCL.
3 - Nessa sequência, foi revogada a liberdade condicional e determinado o cumprimento do remanescente da pena de prisão contabilizada em 3 anos e 4 meses.
4 - Estando em cumprimento este remanescente de pena, entende o recorrente que deve poder beneficiar de liberdade condicional logo que atingidos os 5/6 da pena inicial do processo 456/07.OGAMLG.
5 - Mas, a situação em causa não configura um cumprimento sucessivo de penas, em sentido estrito.
6 - É a lei que assim o determina ao consagrar um regime especial no nº 4 do art.º 63º do Cód. Penal.
7 - Pelo que o entendimento do recorrente não tem apoio legal, não lhe assistindo razão.
8 - Termos em que nada justifica, a revogação do douto despacho da Mma. Juiz a quo, porquanto nenhuma norma legal foi violada.”
1.4. O Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no art.º 414º, nº 4, do CPP, sustentou a decisão recorrida, “em face da regra especial prevista no artigo 63º, nº 4, do Código Penal”, considerando não ser legalmente admissível “proceder ao somatório das penas em causa nos autos, nem efetuar uma apreciação conjunta (nos termos do n.º 2 do citado artigo) para efeitos de eventual concessão de liberdade condicional”, por as penas em presença serem “alvo de tratamento separado (ou autónomo), o que configura uma situação distinta do cumprimento sucessivo de penas tratado nos nºs 1 a 3 do artigo em referência, previsto para os casos de sucessão de penas em que a execução de nenhuma delas resulta de revogação de liberdade condicional”, invocando ainda jurisprudência e doutrina pertinentes, em abono da decisão tomada.
1.5. O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual, aderindo aos fundamentos da decisão recorrida e à resposta do Ministério Público na 1ª instância, concluiu pela negação de provimento ao recurso.
1.6. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
1.8. Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo recorrente e os poderes de cognição deste Tribunal, tendo em conta ademais que o mesmo visa apenas matéria de direito, importa apreciar e decidir a seguinte questão:
Faltando cumprir 3 anos e 4 meses de prisão, a revogação da liberdade condicional com fundamento na prática de um crime pela qual veio a ser aplicada uma pena de 8 anos de prisão, implica ou não o cumprimento do remanescente daquela pena por inteiro, isto é os 3 anos e 4 meses de prisão, e desse modo o afastamento das regras dos nºs 1 a 3 do art.º 63º do CP?
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Factos a considerar
2.1.1. No âmbito do processo nº 456/07.0GAMGL, o recorrente foi condenado numa pena de 10 anos de prisão.
2.1.2. O cumprimento de metade de tal pena ocorreu em 19/01/2013 e os dois terços em 19/09/2014, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional com o seu termo fixado para 19/01/2018.
2.1.3. Por acórdão proferido no processo nº 76/15.6PABCL, e por factos praticados desde 13/03/2015 até 27/04/2015, foi o recorrente condenado na pena de 8 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes.
2.1.4. Iniciou o cumprimento desta pena em 27.04.2015.
2.1.5. Em virtude desta condenação, foi revogada a liberdade condicional ao recorrente e ordenado o cumprimento da pena remanescente, encontrando-se por cumprir o remanescente de 3 anos e 4 meses de prisão.
2.1.6. Em 30.11.2017 interrompeu-se o cumprimento da pena referida em 2.1.3. e iniciou-se o cumprimento do remanescente da primeira pena, cujo termo está previsto para 30.03.202.
2.2. Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos
Como referimos supra, a questão fundamental a resolver consiste em saber se, faltando cumprir 3 anos e 4 meses de prisão, a revogação da liberdade condicional com fundamento na prática de um crime pelo qual veio a ser aplicada uma pena de 8 anos de prisão, implica ou não o cumprimento do remanescente daquela pena por inteiro, e desse modo o afastamento das regras dos nºs 1 a 3 do art.º 63º do CP.
A solução do problema é alcançável, a nosso ver, por simples interpretação declarativa do art.º 63º do CP, dada a circunstância de ser ele, como desde logo resulta da respetiva epígrafe, que regula a liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas.
Diz tal artigo o seguinte:
Art.º 63º
(Liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas)
1 - Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena.
2 - Nos casos previstos no número anterior, o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.
3 - Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional.”
Lidos os nºs 1 a 3, facilmente se concluí que os mesmos contemplam todas as hipóteses que o cálculo do período de liberdade condicional pode implicar na execução de várias penas, isto é, um terço, dois terços ou cinco sextos, procedendo-se para tal à interrupção no cômputo da primeira pena, a metade do cumprimento desta, concedendo depois o nº 2 daquele artigo uma grande latitude ao Tribunal para decidir sobre a liberdade condicional, no momento em que possa fazê-lo relativamente à totalidade das penas, tendo precisamente por base a soma delas. Sendo que no nº 3 se torna depois claro que, se a soma das penas exceder 6 anos, o condenado só será colocado em liberdade, logo que se encontrem cumpridos 5/6 da soma das penas, se dela antes não tiver aproveitado (visando-se precisamente excluir da plenitude da estatuição deste segmente normativo também os casos em que relativamente a uma das penas de prisão a cumprir o recluso já haja beneficiado de liberdade condicional).
Assim sendo, se tais preceitos cobrem todas as possibilidades de determinação da liberdade condicional nos casos de cumprimento de várias penas, então, o seu nº 4, ao dizer expressamente que o disposto nos números anteriores não é de aplicar ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional, implica claramente que esta última pena deve ser integralmente cumprida, porquanto deixa de poder integrar qualquer soma de penas em relação à qual pudesse vir a ser determinado o cálculo do período de liberdade condicional a conceder ao recluso[1]. Bastando haver uma única pena sucessiva para que, em função dela, se possa vir a determinar esse cálculo, com exclusão da pena em relação à qual foi revogada a liberdade condicional anteriormente concedida.
Quem comete um crime no período de liberdade condicional, face aos preceitos supra citados, não vemos como possa beneficiar, relativamente a essa pena, da concessão de um novo período de tempo de liberdade condicional, porquanto a prática de tal crime só veio reforçar, por um lado, a necessidade de cumprimento da pena que já antes, aquando da condenação, se considerou necessária à satisfação das necessidades de prevenção (podendo até dizer-se que solução contrária a essa poderia conter o risco de um “inadmissível ‘desrespeito’ pela implementation of the sentence of de court”[2]) e, por outro, a sua adaptação à liberdade já ficará suficientemente salvaguardada com o período de liberdade condicional que lhe vier a ser concedido na segunda pena ou no cômputo das demais penas que haja de cumprir (a metade, a dois terços ou a cinco sextos)[3].
Sendo essa, como pensamos ser, a ratio legis do regime, e ademais o facto de o art.º 63º, nº 4, dizer perentoriamente não serem aplicáveis os nºs 1 a 3 do mesmo artigo, caso a execução da pena resulte de revogação da liberdade condicional, como é que se poderia contrariar tal norma, e o conjunto normativo a que a mesma se refere, que é especial comparativamente às situações de condenação em pena única[4], com a aplicação do nº 3 do art.º 64º do mesmo diploma?
Seria, a nosso ver, deixar entrar pela janela o que o legislador não quis que entrasse pela porta. Seria ademais beneficiar o infrator injustificadamente, quer do ponto de vista comunitário, à luz do qual se tornam cada vez mais prementes o cuidado e o rigor na concessão da liberdade condicional, assim como a análise da relação que o cumprimento efetivo da pena tem com as exigências intransponíveis ou irrenunciáveis de tutela do ordenamento jurídico, quer ainda à luz das necessidades de prevenção especial de ressocialização positiva, na medida em que se acabaria por deixar a ideia de que, afinal de contas, o crime não deixaria, de todo, de compensar, com os efeitos negativos que, à partida, daí também adviriam para a futura reintegração social do recluso.
Ou seja, a quem haja já beneficiado de liberdade condicional, no cumprimento sucessivo com base num novo crime praticado nesse período de liberdade, impõe-se o regime do art.º 63º, e em especial o seu nº 4, o qual, obstando claramente a qualquer interrupção da pena anterior ou a sua integração na soma dos 5/6 a que alude o nº 3 daquele artigo, para efeitos de concessão de liberdade condicional, implica logicamente o cumprimento integral do remanescente dessa pena.
O art.º 64º, nº 3, por seu turno, terá verdadeiro sentido para os casos em que a revogação existe, não com fundamento numa nova pena e num novo crime cometido no período de liberdade condicional, mas sim na violação das condições impostas à liberdade condicional concedida, nas situações de pena única, e se torne conveniente, senão mesmo necessário, deixar um período final, ainda que mínimo, de cumprimento condicional da pena em liberdade. Possibilidade esta que resulta sempre alcançável nos casos como o que é posto, e relativamente ao qual deve ser aplicado com todo o rigor (aplicação justificada pela estreita conexão entre o crime sucessivo e a circunstância de o mesmo ter sido praticado no período de liberdade condicional) o art.º 63º, nº 4, do CP. Havendo, por isso, também uma clara relação de especialidade entre normas, que obsta à aplicação ao caso do art.º 64º, nº 3, do CP.
Em abono do supra exposto, temos ainda as atas e o Projeto da Comissão de Revisão do Código Penal (Ata nº 8).
Era do seguinte teor o art.º 61º-A do projeto de revisão:
Artigo 61º-A
(Liberdade condicional em caso de execução de várias penas)
1-Se houver lugar à execução sucessiva de várias penas de prisão, a execução da pena que deva se cumprida em primeiro lugar será interrompida:
a) Quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses, no caso da alínea b) do nº 2 do artigo anterior;
b) Quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, nos casos restantes.
2 – O disposto no nº anterior não vale porém para o caso em que a execução da pena resulte de revogação da liberdade condicional.
3 – No caso previsto no nº 1, o tribunal decidirá sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.
4 – Se a soma das penas que devam se cumpridas sucessivamente exceder 8 anos de prisão, o tribunal colocará o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrem cumpridos cinco sextos da soma das penas.
Além de resultar da própria letra e do espírito da lei que não é aplicável qualquer interrupção ou cálculo daí adveniente para efeitos de concessão da liberdade condicional no cumprimento de várias penas, isto é, nas situações em que a execução de uma das penas resultar de revogação da liberdade condicional, a verdade é que tal interpretação sai ainda reforçada pela leitura das atas da Comissão de Revisão.
O atual nº 4 era o nº 2 do projeto de revisão, e o atual nº 3 era o nº 4. Qual era a consequência? Poder eventualmente pensar-se que o afastamento da possibilidade de aplicação do regime de interrupção da execução da pena anterior só abrangeria as situações de interrupção dessa pena a metade da pena (e no mínimo de 6 meses) ou a dois terços da pena. Porquê? Porque como o nº 2 vinha logo a seguir ao nº 1, e se referia apenas ao disposto “no número anterior”, quando dizia que o ali estabelecido não valia para o caso em que a execução da pena resultasse de revogação da liberdade condicional, deixava de fora o nº 4 do projeto de alteração, o qual estabelecia: “Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder 8 anos de prisão, o tribunal colocará o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrem cumpridos cinco sextos da soma das penas”. Um tal desenvolvimento do artigo não seria o melhor, do ponto de vista hermenêutico, porquanto no nº 2 deixava expressa e inequivocamente de fora os dois primeiros casos (interrupção a metade da pena ou a dois terços), nas hipóteses em que a execução da pena resultasse de revogação da liberdade condicional, mas autonomamente, ainda que com um mesmo sentido normativo daquele ali previsto, excluísse, pelo menos na sua integral verificação, a possibilidade de a libertação ocorrer forçosamente aos 5/6 da soma das penas, nos casos em que o condenado já tivesse beneficiado da liberdade condicional. Ou seja, mesmo na ordem inicialmente estabelecida no projeto, parecia claro que, em caso de execução sucessiva de penas, para a qual tivesse havido revogação da liberdade condicional, e a execução de uma delas resultasse dessa revogação, não seria aplicável o nº 1, al. a) e b), do Projeto, por determinação expressa do seu nº 2. Mas também não seria aplicável o regime do nº 4 do projeto, pelo menos integralmente, pese embora não estivesse afastado pelo nº 2 que o antecedia, pois, o próprio preceito dizia expressamente que a liberdade condicional aos 5/6 da soma das penas só ocorreria se o condenado não tivesse beneficiado antes dessa liberdade condicional.
Mesmo assim, e pensamos que argutamente, o Sr. Procurador-Geral da República manifestou a sua discordância quanto à redação proposta em tal artigo, a qual ficou a constar da respetiva ata (Ata nº 8 e já antes na Ata nº 7, ao dizer que a solução do nº 2 deveria valer para todos os casos), nos seguintes termos:
“O Senhor Procurador-Geral da República exprimiu a sua discordância quanto ao desenvolvimento lógico do artigo.
Exemplificando com o nº 4, questionou se, na hipótese das penas em apreço, uma resultar da revogação da liberdade condicional e outra ser uma pena autónoma, a sua doutrina se aplicaria.
Não se aplicando, como parece ser correto, então o nº 4 deveria estar ligado ao nº 2.
A Comissão aprovou então a seguinte alteração da numeração:
- O atual nº 2 passou a nº 4, com a alteração para o plural (‘o disposto nos números anteriores’);
- O atual nº 3 passa a nº 2;
- o atual nº 4 passa a nº 3.”[5]
Ou seja, a Comissão concluiu claramente que a doutrina dos atuais nºs 1 a 3 do art.º 63º (antes da revisão operada pela Lei nº 59/2007, de 04/09, correspondia ao art.º 62º do CP, o qual, sublinhamos, contempla todas as hipóteses de interrupção de execução da primeira pena ou com base nela o cálculo e a determinação do período de liberdade condicional na execução de penas sucessivas ou de várias penas) não é de aplicar aos casos em que uma delas resultar de revogação da liberdade condicional e a outra ou outras serem penas autónomas. O que implica o cumprimento integral do remanescente da pena antecedente, isto é, da pena em cujo período de liberdade condicional, no que interessa ao caso dos presentes autos, foi cometido o novo crime que levou à revogação dessa mesma liberdade condicional, e cuja pena de prisão, relativamente a esse novo crime, terá de ser cumprida sucessivamente àquela, sendo apenas relativamente a esta última que serão aplicáveis, nos termos gerais, as regras de concessão de liberdade condicional, ou então as dos nºs 1 a 3 do art.º 63º, caso além dela haja outras penas autónomas de prisão para cumprir sucessivamente, isto é, desde que de entre elas fique excluída aquela primeiramente referida – aquela em cujo período de liberdade condicional foi cometido o crime sucessivo.
A solução exposta foi consagrada na sequência da revisão operada pelo DL nº 48/95, de 15/03, precisamente para por cobro à discussão adveniente da lacuna até aí existente[6], relativamente aos casos em que se registasse a condenação em mais do que uma pena de prisão, e designadamente ao questionamento que desde logo implicava o modo de determinação do momento em que a liberdade condicional pudesse, em tais casos, ocorrer[7].
Depois de tal revisão, entendemos que a questão passou a estar legalmente resolvida, nos termos acima expostos.
Razão por que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
2.1. Responsabilidade pelo pagamento de custas
Uma vez que o recorrente decaiu totalmente no recurso interposto, é o mesmo responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua atividade deu lugar (artigos 153º, 513.º e 514.º do Código de Processo Penal).
Nos termos do disposto nos art.º 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e a Tabela III a ele anexa, a taxa de justiça varia entre 3 a 6 UC, devendo ser fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III.
Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 4 UC.
3. DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Negar provimento ao recurso interposto pelo recluso B..., mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

Porto, 11 de julho de 2018
Francisco Mota Ribeiro
António Gama – Presidente da Secção
João Pedro Nunes Maldonado (com a seguinte declaração de voto)
_____________
[1] Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, p. 254; e, por todos, Ac. do STJ, de 01/10/2015 (Pº 114/15.2YFLSB.S1 - Helena Moniz, Nuno Gomes da Silva e Santos Carvalho).
[2] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 535, embora no âmbito da pena unitária, e a propósito das exigências de índole material a cumprir na concessão da liberdade condicional a meio da pena.
[3] Interpretação teleológico-sistemática - se ele já gozou ademais da liberdade condicional, relativamente à primeira pena e, por causa da segunda, mas também relativamente à segunda, ainda irá beneficiar de um período de ressocialização em liberdade.
[4] Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 91.
[5] Ministério da Justiça, Código Penal - Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, Lisboa, 1993, p. 71.
[6] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Idem, p. 537.
[7] Cf. Ata nº 7, obra citada na nota 5, p. 63.
____________
Declaração de voto
A consequência, na execução de duas penas de prisão, da revogação da liberdade condicional concedida ope juris numa delas (nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 61º), nomeadamente na aplicabilidade da concessão ope legis de liberdade condicional aos cinco sextos (nos termos do nº 4 do artigo 61º) foi recentemente abordada por esta relação no seu acórdão de 26 de Abril de 2017 proferido no processo nº 441/13.3TXPRT-L.P1, consultável no sítio da DGSI, subscrito pelo ora declarante que aborda a imensa dispersão de respostas judiciais à mesma (por parte do STJ e das relações, incluída a do Porto, dispersão que atravessa o próprio MºPº nesta relação, traduzida em pareceres antagónicos) que revelam um tratamento muito diferenciado de reclusos colocados rigorosamente na mesma situação e impossibilitam observar o princípio orientador da interpretação e aplicação uniformes do direito, estabelecido no nº 3 do artigo 8º do Código Civil.
A resposta terá de ser encontrada, em primeiro lugar, no instituto da liberdade condicional e no regime legal que lhe foi conferido.
A concessão de liberdade condicional (artigo 61º do Código Penal) é avaliada em três momentos temporais, em que os requisitos se vão tornando cada vez menos exigentes. Num primeiro momento, ao meio da pena, estão em causa razões de prevenção geral e especial, num segundo, aos dois terços, já só importam as razões de prevenção especial, e no terceiro, aos cinco sextos, aquelas razões deixam de ser consideradas e importa apenas preparar o recluso para a liberdade face ao requisito da medida concreta da pena a cumprir, superior a seis anos ainda que com a clara assunção dos riscos sociais que pode comportar. A concessão ope legis da liberdade condicional aos 5/6 do cumprimento não envolve qualquer juízo de prognose de futura adequação comportamental do recluso. Visa a libertação dos efeitos estigmatizadores da privação da liberdade e a adaptação à vida em liberdade plena.
Por tal motivo, a aplicação da liberdade condicional obrigatória não depende das vicissitudes do cumprimento da pena. As referidas vicissitudes, entre elas a revogação da liberdade condicional facultativa, nem sequer obstam à concessão de nova liberdade condicional facultativa, nos termos em que deve ser compreendida a redacção do artigo 64º, nº3, do Código Penal. Neste sentido claramente se pronunciam M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, CP anotado, Rei dos Livros, 4ª edição, pág.885, e M.L.Maia Gonçalves (CP anotado, Almedina, 14ª edição, pág.220).
Também as declarações dos participantes nos trabalhos da comissão de revisão do Código Penal com base no anteprojecto de Julho de 1987 (cfr. actas e projecto da comissão de revisão, Ministério da Justiça 1991, Rei dos Livros) apontam neste sentido.
Em relação à redacção do artigo 61º, nº3, do anteprojecto em apreciação (Se não tiver aproveitado do disposto nos números anteriores – liberdade condicional facultativa – o condenado a pena de prisão superior a 8 anos será posto em liberdade condicional logo que haja cumprido cinco sextos da pena) teve intervenção o professor Figueiredo Dias e o Procurador-Geral da República no sentido de se definir de forma clara a norma em questão, se a mesma afastaria a possibilidade de aplicação da liberdade condicional obrigatória contemporânea ao cumprimento de 5/6 da pena de prisão nos casos em que o recluso havia beneficiado de liberdade condicional facultativa revogada.
A comissão entendeu, claramente, que não. O ónus do Estado na preparação do delinquente para a liberdade justificava, mesmo nos casos em que já havia beneficiado da liberdade condicional facultativa, a liberdade condicional obrigatória, tendo acordado que a redacção da referida norma seria a seguinte: O condenado a pena de prisão superior a 8 anos será posto em liberdade condicional logo que haja cumprido cinco sextos da pena (cfr. acta nº8, pág.70).
Ulteriormente, porque ainda poderiam surgir dúvidas sobre a aplicação da liberdade condicional obrigatória nos casos em que ocorreu liberdade condicional facultativa anterior, foi acordada a seguinte redacção do artigo 61º, nº3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores o condenado a pena de prisão superior a 8 anos será posto em liberdade condicional logo que haja cumprido cinco sextos da pena (cfr. acta nº 16, pág.156)- tendo o limite da pena sido alterado para 6 anos posteriormente (cfr. acta nº 41, pág.471)
Em segundo lugar, teremos que perceber a teleologia das normas relativas à execução sucessiva de penas (artigo 63º do Código Penal), assente num claro propósito de não perpetuar a privação da liberdade do condenado através de um sistema que traduziria a acumulação material de penas de prisão na fase de execução.
O regime em causa, instituído em claro benefício do condenado, permite uma liquidação conjunta das penas de prisão nos seguintes termos:
1º A execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar interrompe-se logo que atinja a sua metade e inicia-se o cumprimento de pena seguinte e assim sucessivamente:
2º Quando todas elas tenham sido cumpridas em metade e no mínimo de seis meses e/ou todas elas tenham sido cumpridas em dois terços e no mínimo de seis meses, pode ser concedida a liberdade condicional de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 61º, nº2, alíneas a) e b), do Código Penal, respectivamente;
3º Se o somatório das penas a cumprir sucessivamente exceder seis anos é concedida a liberdade condicional cumpridos cinco sextos da referida soma.
O referido regime pressupõe, claramente, apenas as situações em que as penas sucessivas estão por cumprir integralmente.
“Cada uma das penas é cumprida até ao tribunal poder decidir, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas, mas caso haja razões para colocar o condenado em liberdade condicional, esta é relativamente à totalidade das penas em execução, num único juízo” - Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina 2017, pág.104).
Por tal motivo, o legislador excluiu a sua aplicação aos casos de cumprimento sucessivo de uma pena resultante da revogação da liberdade condicional com uma pena de cumprimento integral – artigo 63º, nº 4, do Código Penal. Melhor se compreenderá tal solução legislativa através da consulta aos trabalhos da supra referida Comissão (cfr. acta nº 7, págs. 63 e 64), onde o professor Figueiredo Dias apresentou o regime da liberdade condicional em caso de execução de várias penas (artigo 61º-A do anteprojecto) exemplificando uma situação de duas condenações, sem relação de concurso, por cumprir integralmente. A norma contida no nº 2 do referido artigo (O disposto no número anterior não vale porém para o caso em que a execução da pena resulte da revogação da liberdade condicional) foi deslocalizada para o nº4 do mesmo artigo por sugestão, ulteriormente objecto de anuência da totalidade da Comissão, do Procurador-Geral da República, que “(…) fez notar que a sua solução deveria valer para todos os casos(…)”. Quis a comissão, anuindo à sugestão em causa, porque outra interpretação não nos parece plausível, excluir do regime de concessão de liberdade condicional em caso de execução de várias penas de prisão, também, os casos em que a soma das penas a cumprir sucessivamente excedesse 8 anos de prisão (ulteriormente alterada para 6 anos de prisão - cfr. acta nº 42, pág. 476), solução que constava originariamente do nº 4 do artigo 61º-A do anteprojecto, projectado para o artigo 62º, nº2, do projecto, quando uma delas resultasse da revogação da liberdade condicional.
Dito de forma distinta, na situação em que está por executar o remanescente de uma pena em resultado da revogação de liberdade condicional anterior e outra pena integralmente não existe uma relação de execução sucessiva de penas.
As penas em causa, neste caso, terão de merecer tratamento autónomo e, nestes termos, obedecem singularmente ao regime legal previsto, consagrado no artigo 61º do Código Penal.
Não significa tal entendimento que, beneficiando o condenado da liberdade condicional obrigatória em relação ao cumprimento da pena de prisão aplicada em primeiro lugar, seja proporcionada a referida adaptação à liberdade seguida, após a extinção da pena, ao cumprimento da segunda pena de prisão, entorse dogmático que é utilizado pelos defensores do cumprimento integral da primeira pena, facilmente desmontável – seguramente que as finalidades da liberdade condicional não podem ser acauteladas existindo uma pena de prisão para executar.
A liberdade condicional (a obrigatória, uma vez que a facultativa pode ser condicionada a compressões dos direitos do cidadão) pressupõe a existência livre e, nesse sentido, não pode ser testada, verificada, em situação de reclusão. Só em liberdade poderá o comportamento do recorrente ser objecto de apreciação (no que concerne, exclusivamente, ao cometimento de crimes nesse período pelos quais venha a ser condenado) e nada impede (raciocínio inquestionável em relação à execução simultânea de penas substitutivas de prisão – a suspensão da execução de penas - sucessivamente aplicadas, sem relação de concurso) o cumprimento simultâneo com aquela (liberdade condicional) que lhe será, pelo menos obrigatoriamente, concedida no processo em que foi condenado posteriormente.
Entendo, assim, que o recorrente cumpre a pena do processo 456/07.0GAMLG até perfazer os cinco sextos. O seu recurso traduz, sem equivocidade, o seu consentimento na liberdade condicional obrigatória, pelo que se interromperia o cumprimento dessa pena nesse marco e retomaria o cumprimento da pena do processo 76/15.6PABCL até neste beneficiar da liberdade condicional (facultativa ou obrigatória). Em liberdade, cumpriria, simultaneamente, o regime condicional estabelecido nos dois processos.

João Pedro Nunes Maldonado