Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
340/10.0PAVCD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA ERMELINDA CARNEIRO
Descritores: CONCURSO DE CRIMES
CÚMULO JURÍDICO
PENA DE PRISÃO SUBSIDIÁRIA
PENA DE MULTA
DESCONTO DA PRIVAÇÃO DA LIBERDADE
Nº do Documento: RP20170927340/10.0PAVCD-A.P1
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 48/2017, FLS.56-69)
Área Temática: .
Sumário: I - A penas de prisão subsidiária resultante da conversão da pena principal de multa não é cumulável com a pena de prisão principal em caso de concurso de crimes.
II – Devem ser cumuladas materialmente a pena de multa (como pena principal ou de substituição) e a pena de prisão, em face da sua diferente natureza.
III – Todos os períodos de privação de liberdade sofridos pelo arguido à ordem dos processos englobados no cúmulo jurídico devem ser descontados na pena única (artº 80º CP).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 340/10.0PAVCD-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal de Vila do Conde – Juiz 2

Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório
Por sentença de 14 de junho de 2017 proferida no processo supra identificado procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas fixadas ao arguido B… nos referidos autos e no Processo Comum nº 1438/09.3GAVCD, tendo sido condenado na pena única de 16 meses de prisão.

Não se conformando com a decisão proferida dela recorreu o arguido, rematando a motivação de recurso que apresentou, com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
«1ª - «Para efeito de cúmulo jurídico de pena de prisão com pena de multa, a efetuar nos termos do artº 77º nº 3 do CP atende-se à prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa. Tal solução é a que melhor permite a consideração global dos factos e da personalidade do arguido, com vista à determinação da pena única final a aplicar, acarretando em regra um benefício para o mesmo (STJ no Ac. de 06.03.2002 - Proc. nº 01P4217)
2ª – Não cremos que, uma vez convertida a pena de multa em “prisão subsidiária” exista qualquer diferença em relação à pena de prisão “tout court”, pelo menos no que diz respeito ao seu aspeto prático, quando a pena de prisão subsidiária é efetivamente cumprida, por serem idênticos os objetivos de ambas as penas, não sendo intenção do legislador, com o artº 49º CP, criar uma 3ª modalidade de pena mas sim uma pena de prisão “tout court” ainda que sujeita a um regime condicional de “reversão” e/ou “suspensão”.
3ª – A possível perversidade da junção, num cúmulo jurídico, de penas de prisão com regimes diferentes (precisamente pela possibilidade de reversão e suspensão atribuída pelo artº 49º/2e /3), designadamente pela:
- possível necessidade de alteração da pena cumulada no caso do arguido, depois de decretado tal cúmulo, poder fazer reverter ou suspender-se uma das penas de prisão subsidiária consideradas.
- ou, alternativamente, pelo entendimento de que, quando o arguido consinta, dentro de um cúmulo, na inclusão de uma pena de prisão subsidiária juntamente com uma pena de prisão “tout court”, tal acarreta forçosamente uma renúncia do arguido a tal possível regime do 49º/2/3 CP…
4ª – … não é simplesmente convocada no caso concreto porque a pena de prisão subsidiária aqui em causa (86 dias de prisão no âmbito do proc. 356/10.7GAVCD) foi já integralmente cumprida e extinta, não sendo mais possível recorrer a tais prerrogativas do 49º/2/3 CP, isto é, não se colocam aqui quaisquer reservas ou obstáculos de “iure condito” nem de “iure contendo” na inclusão de tal pena no âmbito do presente cúmulo jurídico, não devendo tratar diferentemente aquilo que agora é igual.
5ª – Em suma, apesar de prisão “tout court” e prisão subsidiária terem, abstratamente, géneses e regimes diferentes, nem a génese afeta a identidade e o fim das 2 penas nem o regime deve ser agora considerado, porque a pena foi integralmente cumprida sem “reversão” ou “suspensão” (49º/2/3 CP).
6ª – Concretamente, discordamos da conclusão da Sentença “a quo” de que “Cremos, assim, que apenas a reclusão é eficaz na ressocialização do arguido, não sendo a simples censura do facto e a ameaça da pena da prisão susceptíveis de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” com a justificação de que, “o arguido terá começado a interiorizar o desvalor da sua conduta, ainda que essa interiorização seja (não exactamente pelo reconhecimento do bem jurídico protegido) sobretudo em função dos custos pessoais resultantes da privação da liberdade”.
7ª – Tal conclusão não se revê, desde logo, no relatório social emitido nos presentes autos, nomeadamente (realçando apenas os aspetos mais importantes) que:
a) À data da reclusão, B… vivia “em relacionamento afectuoso e de entreajuda, procurando o casal concretizar as melhores condições profissionais e remuneratórias facilitadoras da estabilidade financeira pelo desempenho das funções de “forneiro” numa Padaria/Pastelaria.”
b) Que “B… em contexto prisional tem apresentado comportamentos de acordo com os normativos instituídos. Frequentou em contexto prisional o “curso de estrada segura”.
c) Que “Beneficiou de licença de saída jurisdicional, que decorreu sem registo de anomalias, e colocado em regime aberto – interior, recentemente.
d) Que “B… não apresenta hábitos aditivos, problemas físicos ou mentais condicionantes da reintegração social.”
e) Que atualmente“reconhece que o estilo de vida mantido por desorganização pessoal foi o principal motivo para a prática criminal, assim como os custos pessoais resultantes da privação da liberdade, aguardando com expectativa a definição da situação jurídica que lhe possibilite organizar o seu regresso à liberdade.
f) Que ”B… mantém adequado relacionamento conjugal, estando a esposa receptiva a apoiá-lo na medida das suas capacidades. Tem perspectivas de enquadramento laboral na entidade patronal para a qual trabalhava.
g) E ainda que “Relativamente aos crimes pelos quais foi condenado, atualmente revela interiorização dos valores sociojurídicos protegidos, reconhecendo os custos pessoais, a nível familiar e laboral, resultantes da privação da liberdade a que está sujeito.»
8ª – Por outro lado, a Sentença “a quo” não se debruçou sobre matéria de facto alegada, designadamente os factos de 29º a 43º e sobre o doc. 5 que os prova (acórdão de cúmulo operado no âmbito do proc. 26/16.2T8VCD), factos que são importantes para melhor alcançar um juízo de prognose quanto à possível suspensão da execução da pena (50º/51º CP).
9ª – Em 24.2.2017 (há um ano e meio sensivelmente), decidiu-se no âmbito do proc. cumulatório 26/16.2T8VCD designadamente que:
- Atenta a pena concreta fixada, é possível equacionar da suspensão da execução da pena de prisão, face à redacção do art. 50°, n° 1, do Código Penal, que permite a suspensão da pena de prisão aplicada em medida até 5 anos.
Considerando o facto de o arguido, embora com as condicionantes decorrentes da sua actual situação de reclusão, (1) estar familiar e socialmente inserido, encontrando apoio nomeadamente junto da esposa, a qual funciona como factor de estabilidade para o mesmo, (2) de ter perspectivas de se voltar a inserir profissionalmente quando em liberdade, como sempre esteve anteriormente a ser preso, (3) e de actualmente começar a demonstrar a interiorização do desvalor das suas condutas e a vontade de actuar de maneira diferente no futuro, envidando esforços concretos para se habilitar com a carta de condução e para não conduzir enquanto não tiver essa habilitação, bem como atendendo a que os antecedentes criminais do arguido respeitam na sua quase totalidade ao crime de condução sem habilitação legal, crime este cujo risco de recidiva deixará de existir no momento em que o arguido conclua a sua habilitação com a carta de condução, entende-se ser desnecessário no caso concreto o efectivo cumprimento da pena única de prisão por parte do arguido, afigurando-se adequada a aplicação da pena de substituição consistente na suspensão da execução daquela pena (única possível atenta a concreta medida da pena fixada).
10ª - Tal conclusão é assim diametralmente oposta à decisão que foi alcançada nos presentes autos, apesar dos factos em que se fundamentam serem rigorosamente os mesmos.
11ª – Ou melhor dizendo, in casu, até poderemos convocar 3 aspetos que, à data do acórdão do 26/16 não existiam e que tornam hoje ainda mais evidente a possibilidade e necessidade da atribuição da suspensão da execução da pena de prisão nos presentes autos:
a) O facto de um dos crimes em causa em tal outro cúmulo (26/16) ser de “condução perigosa de veículo rodoviário”, isto é, relativamente mais grave do que os crimes de condução de veículo sem habilitação legal aqui considerados no presente cúmulo;
b) O facto do arguido ter, após o acórdão do cúmulo 26/16, cumprido mais 1 ano e meio de prisão, isto é, mais tempo teve – como efetivamente sucedeu e como efetivamente vem dito no relatório – para “revelar interiorização dos valores sociojurídicos protegidos, reconhecendo os custos pessoais, a nível familiar e laboral, resultantes da privação da liberdade a que está sujeito.”
c) O facto do arguido ter, agora, merecido tal confiança em meio prisional que tem recentemente “Beneficiado de licença de saída jurisdicional, que decorreu sem registo de anomalias, e colocado em regime aberto – interior, recentemente. “ isto é, está atualmente em “regime aberto” em meio prisional.
12ª – Foi assim errada a apreciação feita na Sentença “a quo” de que, apenas agora “…o arguido terá começado a interiorizar o desvalor da sua conduta, ainda que essa interiorização seja (não exactamente pelo reconhecimento do bem jurídico protegido) sobretudo em função dos custos pessoais resultantes da privação da liberdade
13ª – Na verdade, já antes (há 1 ano e meio), no âmbito do proc. 26/16.2T8VCD, tinha o arguido” começado a demonstrar interiorização do desvalor” das suas condutas “com vontade de atuar de maneira diferente no futuro” e aí mereceu o voto de confiança do Tribunal, tal como referido a págs 5 e 7 do respetivo acórdão cumulatório.
14ª - E agora, conforme o relatório social, também o arguido “revela interiorização dos valores sociojurídicos protegidos, reconhecendo os custos pessoais, a nível familiar e laboral, resultantes da privação da liberdade a que está sujeito”, isto é, o arguido revela efetivamente que estão interiorizados os valores sociojurídicos protegidos, está consciente do mal que praticou e o valor das normas violadas (isso o essencial).
15ª - O facto, referido no relatório social, de o arguido reconhecer também os custos pessoais e familiares resultantes da privação de liberdade não pretende anular, desvalorizar ou servir de justificação para aquele reconhecimento de desvalor da sua conduta, mas sim o de dar a entender uma 2ª constatação. Tão simples quanto isso.
16ª – A decisão de não suspensão deveu-se assim a erro de interpretação do relatório social destes autos e ainda da postergação dos factos e prova relacionados com aqueloutra decisão alcançada no âmbito do proc. 26/16 que, embora não vinculando o presente Tribunal, não deixa de constituir uma importante referência na avaliação de um juízo de prognose favorável, pois que há um ano e meio (e com menos dados favoráveis) aqueloutro Tribunal entendeu ser possível a suspensão da execução da prisão, sendo mister ser analisado por este Tribunal.
17ª – No seu requerimento inicial de 9.3.2017, o aqui arguido deixou bem expresso o seu desejo de descontar os 13 dias de prisão que cumpriu no âmbito do proc. 1438/09.3GAVCD (além dos 86 cumpridos no âmbito do proc. 356/10.7GAVCD, abordado no ponto I das presentes alegações) na pena do cúmulo que viesse a ser fixada.
18ª – Cremos que apenas por lapso não se tenha declarado, na decisão final, que a pena cumulatória aplicada, de 16 meses, deva ser descontada dos 13 dias (sem prejuízo dos 86 dias do proc. 356/10.7GAVCD), assim se cumprindo o artº 80º CP, desconto que se torna mister fazer.
Entre outros, violou-se ou fez-se errada interpretação dos artº 77º, 78º, 80º e 42º, 49º e 50º do CP.
Nos termos acabados de expor, deve a Sentença cumulatória ser revogada e substituída por outra que:
Inclua, no cúmulo, a pena de prisão subsidiária de 86 dias do processo 356/10.7GAVCD, hoje já extinta por cumprimento integral operando-se ainda o desconto de tais 86 dias (80º CP)
a) Determine a suspensão da execução da pena de prisão cumulatória, eventualmente condicionada aos deveres que o Tribunal doutamente determinar (artº 51º CP)
b) Efetue o desconto dos 13 dias de prisão cumpridos no âmbito do proc. 1438/09.3GAVCD envolvido na presente cumulação, nos termos do artº 80º CP.
Por ser conforme ao Direito e à Justiça!»
Admitido o recurso, o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta concluindo pela improcedência do mesmo, embora acrescente não repugnar a sua parcial procedência no respeitante à suspensão da execução da pena..
Neste Tribunal da Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual, sufragando em parte a resposta do Ministério Público junto da 1ª instância, manifesta discordância quanto à suspensão da execução da pena única aplicada, pelo que finaliza no sentido da total improcedência do recurso e consequente confirmação da sentença impugnada.
Cumprido o disposto no artigo 417º nº 2 do Código Processo Penal, nada foi acrescentado.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
*
II – Fundamentação
Conforme entendimento pacífico são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos submetidos à sua apreciação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que seja ainda possível conhecer.
No presente caso, são as seguintes as questões colocadas pelo recorrete:
- Saber se deve ser incluída no cúmulo jurídico efetuado a pena de 130 dias de multa convertida em 86 dias de prisão subsidiária, que lhe fora irrogada no processo nº 356/10.7GAVCD e já extinta pelo cumprimento;
- Saber se deve ser suspensa na sua execução a pena única fixada;
- Saber se deve ser descontado o período de 13 dias de prisão cumprido no âmbito do processo nº 1438/09.3GAVCD ora cumulado.

Vejamos, antes de mais, o teor da decisão recorrida (transcrição parcial):
2.1. Factos Provados:
1) O arguido B… foi julgado e condenado, entre outros, nos processos que a seguir se discriminam, tendo-lhe sido aplicadas as seguintes penas, por decisões já transitadas em julgado:
A) Nos presente autos (Processo Comum 340/10.0PAVCD) foi condenado por sentença proferida em 16.01.2014, transitada em julgado em 17.02.2014, pela prática, em 18.07.2009, 19.09.2009 e 12.10.2009, de três crimes de condução sem habilitação legal na pena de, respectivamente, 4 (quatro) meses de prisão, 4 (quatro) meses de prisão, e 5 (cinco) meses de prisão. E, em cúmulo jurídico das penas parcelares, foi condenado na pena única de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, sujeita a regime de prova, a definir pela DGRSP, no sentido de ser demonstrado pelo arguido os esforços necessários para demonstrar periodicamente ao processo de que está a envidar esforços sérios em obter a carta de condução, e submeter-se a entrevistas periódicas junto dos técnicos competentes daquela entidade.
Por decisão de 25.06.2015, transitada em julgado, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos e determinado o cumprimento pelo mesmo da pena de 10 meses de prisão em que foi condenado.
O arguido encontra-se a cumprir a pena aplicada nos presentes autos, tendo sido ligado aos mesmos em 19.03.2017.
B) No Processo Comum 356/10.7GAVCD, desta Instância Local Criminal foi condenado por sentença proferida em 01.02.2012, transitada em julgado em 02.11.2012, pela prática em 11 de Abril de 2010 pela prática, em co-autoria, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º do Código Penal, na pena de 130 dias de multa.
Tal pena de multa veio a ser convertida em 86 dias de prisão subsidiária por decisão de 03.02.2014, pena essa que foi já cumprida e declarada extinta.
C) No Processo Comum 1362/10.7GAVCD, desta Instância Local Criminal foi condenado por sentença proferida em 28.06.2012, transitada em julgado em 29.10.2012, pela prática em 25.12.2010, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 203º, n.º 1 e 204º do Código Penal e de um crime de dano simples, p. e p. pelo art. 212º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.
Tal pena de prisão suspensa na execução foi declarada extinta por decisão de 12.04.2016, transitada em julgado.
D) No Processo Comum 1438/09.3GAVCD, desta Instância Local Criminal foi condenado por sentença de 28.06.2011, transitada em julgado em 05.09.2011, pela prática em Outubro de 2009, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de dez meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano.
Por decisão de 23.10.2013, transitada em julgado, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido nesses autos e determinado o cumprimento pelo mesmo da pena de 10 meses de prisão em que foi condenado.
2) Para além das condenações referidas em 1) o arguido foi ainda condenado:
a)- Processo 1191/06.2PAPVZ (processo sumário), do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim - o arguido foi condenado em 30-11-2006, pela prática, em 29.11.2006, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artº3º, nº 1 e 2 do Dec. Lei nº 2/98, de 3/01, na pena de Admoestação, tendo transitado em 30-11-2006;
b)- Processo 1121/07.4GAVCD, do 1º Juízo deste Tribunal, onde em 03-11-2007 - o arguido foi condenado pela prática, em 03.11.2007, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artº3º, nº 1 do Dec. Lei nº 2/98, de 3/01, na pena de 45 dias de multa, à taxa diária de €5,00, que perfaz o total de €225,00, tendo transitado em 12-12-2007;
c)- Processo 418/08.0PHMTS, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos - o arguido foi condenado, em 15.04.2008, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nºs 1 e 2, do Dec. Lei 2/98, de 3/1, praticado em 01-04-2008,na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €5,50, que perfaz um total de €990,00, tendo transitado em 19-05-2008;
d)- Processo 746/08.5GAVCD, do 1º Juízo Criminal deste Tribunal- o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artº 3º, do Dec. Lei 2/98, de 3/1, praticado em 14-06-2008, onde foi condenado por decisão de 20.06.2008, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,00 euros, que perfaz o total de 600,00 euros;
e)- Processo 20/09.0GASTS, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso- o arguido foi condenado, por decisão de 09.09.2009, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, do Dec. Lei 2/98, de 3/1, praticado em 11-08-2009, na pena de 4 meses e 15 dias de prisão, substituída por 135 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros, que perfaz o total de 675,00 euros;
f) – no âmbito do processo sumário n.º 404/12.6PFPRT do 1.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, foi condenado pela prática, em 08.06.2012 de um crime de condução sem habilitação legal, por decisão datada de 08.06.2012, na pena de 12 meses de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade;
g) - Processo 31/10.2YIPRT, extinto 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim foi condenado, por sentença de 04.03.2014, transitada em julgado em 03.04.2014, pela prática em 29.06.2009, de um crime de condução sem habilitação, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período; pena essa já declarada extinta;
h) - Processo 1021/13.9GAVCD, desta Instância Local Criminal foi condenado, por sentença de 11.10.2013, transitada em julgado em 04.04.2014, pela prática em 02.10.2013, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 14 meses de prisão;
i) - Processo 853/14.5GAVCD, desta Instância Local Criminal , foi condenado por sentença de 12.09.2014, transitada em julgado em 09.10.2014, pela prática em 25.08.2014, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 16 meses de prisão;
j) - Processo 584/13.3GBMTS, do Juízo Local Criminal de Matosinhos, J1, pela prática, em 27.08.2013, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
k) - Processo 26/16.2T8VCD, do Juízo Central Criminal de Vila do Conde J 9, foi condenado, por acórdão de 24.02.2916, transitada em julgado em 04.04.2016, pela prática em 02.10.2013, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
3) Resulta do relatório social do arguido o seguinte:
«I– Condições sociais e pessoais
À data de reclusão, B… mantinha o agregado familiar composto pela sua esposa e prole, em relacionamento afectuoso e de entreajuda, procurando o casal concretizar as melhores condições profissionais e remuneratórias facilitadoras da estabilidade financeira pelo desempenho das funções de “forneiro” numa Padaria/Pastelaria B… foi preso no E. P. C…, em 25-08-2014, para cumprimento da pena de catorze meses de prisão, em que foi condenado pelo crime de condução sem habilitação legal. Em 30-01-2015 foi transferido para o E.P. D….
B… em contexto prisional tem apresentado comportamentos de acordo com os normativos instituídos. Frequentou em contexto prisional o “curso de estrada segura”.
Tem beneficiado de visitas de familiares, mormente da esposa. Actualmente o agregado é composto pelo enteado de seis anos de idade e dois filhos do casal com seis e dois anos de idade. Beneficiou de licença de saída jurisdicional, que decorreu sem registo de anomalias, e colocado em regime aberto – interior, recentemente.
B… não apresenta hábitos aditivos, problemas físicos ou mentais condicionantes da reintegração social.
Actualmente, anteriormente desvalorizava o seu comportamento com reduzida interiorização dos valores sociojurídicos relativamente aos crimes cometidos, reconhece que o estilo de vida mantido por desorganização pessoal foi o principal motivo para a prática criminal, assim como os custos pessoais resultantes da privação da liberdade, aguardando com expectativa a definição da situação jurídica que lhe possibilite organizar o seu regresso à liberdade.
II – Conclusão
B… tem longa trajectória criminal essencialmente por crimes de condução sem habilitação legal, o primeiro deles ocorreu quando tinha dezasseis anos de idade.
Em contexto prisional tem apresentado comportamentos de acordo com os normativos instituídos tendo beneficiado de licença de saída jurisdicional e colocado em regime aberto para o interior recentemente.
B… mantém adequado relacionamento conjugal, estando a esposa receptiva a apoiá-lo na medida das suas capacidades. Tem perspectivas de enquadramento laboral na entidade patronal para a qual trabalhava.
Relativamente aos crimes pelos quais foi condenado, actualmente revela interiorização dos valores sociojurídicos protegidos, reconhecendo os custos pessoais, a nível familiar e laboral, resultantes da privação da liberdade a que está sujeito.»
2.2. Motivação
O Tribunal assentou a sua convicção no teor de fls. 269 e ss. (sentença proferida nestes autos), 742 e ss. (certidão extraída do processo nº 356/10.7GAVCD); 723 e ss. (certidão extraída do processo n.º 1438/09.3GAVCD, 683-712 (certificado de Registo Criminal), e no relatório social junto a fls. 783-785.
III. Fundamentação de Facto
Da análise da factualidade provada resulta que o arguido foi julgado e condenado, nos processos referidos em 1 sob as al. A) a D) , pela prática de ilícitos criminais ocorridos em 18.07.2009, 19.09.2009 e 12.10.2009 (nos nossos autos), 11 de Abril de 2010, 25.12.2010 e Outubro de 2009, cujas decisões transitaram em julgado.
O sistema punitivo do concurso de infracções, consagrado no Código Penal (CP), afastou-se, além de outros, do sistema da acumulação material que pressupõe o cumprimento sucessivo de todas as penas aplicadas, sem atender às finalidades das penas, designadamente, às exigências de prevenção geral e, fundamentalmente, às exigências de prevenção especial, e optou pelo sistema de cúmulo jurídico que previu nos artºs 77º e 78º do CP, que passamos a analisar.
Dispõe o art. 78º do Código Penal, que: «1. Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no
cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. 2. O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.»
O art. 77º, nº 1 do Código Penal determina que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
O art. 78º estabelece, portanto, uma excepção a esta regra, de tal forma que o cúmulo jurídico é ainda possível se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes.
Conforme se pode extrair do nº 2 do artº 77º, do CP, de acordo com o sistema de pena conjunta, a pena resultante do cúmulo jurídico há-de situar-se entre o limite máximo, que se obtém pela soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e o limite mínimo, que corresponderá à mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Não podendo, porém, o limite máximo ultrapassar os 25 anos tratando-se de pena de prisão e os 900 dias tratando-se de pena de multa.
Cotejando estes preceitos com o caso sub judice, constatamos que estamos face a um conhecimento superveniente do concurso, na medida em que, todos os crimes cometidos pelo arguido, em data anterior ao praticado nestes autos, já foram objecto de julgamento e de decisões transitadas em julgado.
Assim temos que existe cúmulo jurídico entre as penas referidas no ponto 1 sob as al. B), C) e D), pois a primeira condenação transitada em julgado foi a proferida no processo referido em 1. D) – (1438/09.3GAVCD, desta Instância Local Criminal) - transitada em 05.09.2011 – e que os factos praticados pelo arguido nos presentes – foram cometidos em data anterior a esse primeiro trânsito em julgado, ou seja em em 18.07.2009, 19.09.2009 e 12.10.2009 (e, como tal, estão em situação de concurso de penas (que dá origem a cúmulo jurídico).
Por outro lado, são competentes para realizar o cúmulo jurídico os presentes autos, por serem os da última condenação, a sentença foi proferida em 16 de Janeiro de 2014.
É, todavia, de excluir do cúmulo a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada no âmbito do processo referido em 1. C) - (1362/10.7GAVCD) - uma vez que essa pena (suspensa na execução) foi declarada extinta por decisão de 12.04.2016, transitada em julgado, pelo que a sua inclusão no cúmulo seria prejudicial ao arguido.
Já no que tange à pena (de 130 dias de multa convertida em 86 dias de prisão subsidiária) aplicada no âmbito do processo referido em 1. B) - (356/10.7GAVCD) - dado que só se podem cumular penas da mesma natureza, a mesma não entra, igualmente, no cúmulo a operar nestes autos uma vez que a pena aqui aplicada é de prisão.
Donde se conclui, portanto, que apenas compete operar o cúmulo jurídico das penas aplicadas nestes autos com a aplicada no Processo Comum 1438/09.3GAVCD.
Assim, passando a operar o cúmulo jurídico, considerando o resultado do somatório material das penas (parcelares) aplicadas, conclui-se que a moldura abstracta da pena única situa-se entre 10 meses e 23 meses de prisão.
Para a determinação da pena concreta, de harmonia com o disposto no nº 1 do artº 77º, atender-se-ão aos factos em si e à personalidade do agente.
Na verdade, a medida da pena não pode ser um acto intuitivo e como ensina Figueiredo Dias, estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-à finalmente da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontra em função das exigências de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais da medida da pena contidos no artº 72º, nº 1 (hoje artigo 71º), um critério especial - o do artº 77º, nº 1, in fine (ac. STJ, de 08.07.98, CJSTJ , II, 246).
Deste modo, considerando, por um lado, que o arguido, conforme se retira das condenações por si sofridas, persistiu na prática reiterada do mesmo tipo de crime, razão pela qual, de resto, lhe vieram a ser revogadas as suspensões da execução das penas ora em concurso, mas tendo também em conta que, em resultado certamente da reclusão entretanto sofrida, o arguido terá começado a interiorizar o desvalor da sua conduta, ainda que essa interiorização seja (não exactamente pelo reconhecimento do bem jurídico protegido) sobretudo em função dos custos pessoais resultantes da privação da liberdade, Entende-se adequada a pena de 16 meses de prisão efectiva.
Resulta do Certificado de Registo Criminal do arguido que este foi já condenado inúmeras vezes pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, sendo que mesmo depois de lhe ter sido aplicadas penas de prisão suspensa na sua execução, voltou a praticar diversos crimes da mesma natureza.
Na verdade, é nossa convicção que não é possível, no caso concreto, suspender a execução da pena de prisão, nos termos do disposto no art. 50º, nº 1 do Código Penal, por não ser possível fazer-se um juízo de prognose favorável, tanto mais que esse juízo foi ponderado nas penas que inicialmente lhe foram aplicadas, em ambos os processos ora em apreço, tendo o arguido defraudado esse juízo.
Assim sendo, naturalmente, que o tribunal entende que, em relação a este arguido, não produziram quaisquer efeitos quer as penas de multa, quer a pena de prisão substituída por multa, quer a pena de prisão suspensa, motivo pelo qual não podemos suspender a execução da pena de prisão que agora lhe aplicamos.
Não se pondera, igualmente, a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade (nos termos do disposto no art. 58º, do Código Penal) por se entender que por esse meio também não se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». A pena de prestação
de trabalho a favor da comunidade só deve ser aplicada quando o arguido não revele, pelo seu comportamento anterior recidivo e pelas manifestações anti-sociais da sua conduta actual, atinentes a tal tipo de crime, falta de preparação para se comportar licitamente.
Cremos, assim, que apenas a reclusão é eficaz na ressocialização do arguido, não sendo a simples censura do facto e a ameaça da pena da prisão susceptíveis de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Em síntese, o Tribunal considera que não é possível aplicar-lhe outra pena que não a prisão efectiva, pois todas as anteriores penas que lhe foram aplicadas, seja de multa, seja de prisão, suspensa na sua execução, não foram suficientes. Na verdade, as anteriores penas aplicadas ao arguido pela prática destes tipos de crimes não surtiram qualquer efeito, parecendo-nos que apenas o tempo de reclusão tem servido ao arguido de reflexão e tem contribuído para a interiorização pelo mesmo dos valores jurídicos
ainda que por resultado do reconhecimento dos custos na sua vida pessoal emergentes da privação da liberdade.
Motivo pelo qual a situação ora em análise reclama a aplicação de uma pena de prisão efectiva.
IV. Decisão:
A) O tribunal efectuando o cúmulo jurídico das penas impostas ao arguido B… nos presentes autos e no Processo Comum
1438/09.3GAVCD, deste Juízo Local Criminal, condena o arguido na pena única de 16 (dezasseis) meses de prisão efectiva.»
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de mais, cumpre proceder à correção do lapso verificado na redação do constante da alínea k) do ponto 2 da decisão em crise.
Com efeito, no que concerne ao processo nº 26/16.2T8VCD referenciado na alínea k), esclarece-se que a pena de 3 anos e 2 meses de prisão declarada suspensa na sua execução é a resultante do cúmulo jurídico das penas a que se reportam as antecedentes alíneas h) e j) do mesmo ponto, ou seja, das penas cominadas nos processos nºs 584/13.3GBMTS e 1021/13.9GAVCD.
Assim, nos termos do disposto no artigo 380º, nºs 1 alínea b) e 2, do Código Processo Penal procede-se à correção da alínea k) referida a qual deverá conter a seguinte redação: “k) - Processo 26/16.2T8VCD, do Juízo Central Criminal de Vila do Conde J 9, foi condenado, por acórdão de 24.02.2016, transitada em julgado em 04.04.2016, em cúmulo jurídico das penas respeitantes aos processos identificados nas alíneas i) e j) precedentes, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova”.
Debrucemo-nos agora sobre as questões recursivas.
Insurge-se o recorrente, desde logo, pelo facto de não ter sido englobada no cúmulo jurídico a pena aplicada no processo nº 356/10.7GAVCD, esgrimindo o argumento que para efeito de cúmulo jurídico de pena de prisão com pena de multa, atende-se à prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.
Estatui o artigo 77º do Código Penal:
Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.” (nº 1).
“A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo, contudo, ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas “ (n.º 2).
“Sendo umas penas de prisão e outras de multa, mantém-se a diferente natureza dessas penas no cúmulo a efectuar” (n.º3).
Por seu turno, dispõe o artigo 78º, nº 1: “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”.
A alteração introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, suprimiu o requisito da condenação anterior não se encontrar ainda cumprida, prescrita ou extinta e teve como escopo evitar desigualdades e injustiças ocasionadas pelas diferentes celeridades na realização dos julgamentos, fazendo assim incluir no cúmulo superveniente todas as penas, ainda que cumpridas, dos crimes em concurso, por forma a que o arguido possa beneficiar da aplicação de uma pena única que abranja todos os crimes cometidos anteriormente ao momento da primeira condenação. Na hipótese de qualquer das penas em concurso se encontrar cumprida (o que não será o caso, por exemplo de pena prescrita sem cumprimento, ou de pena extinta, por amnistia ou perdão total) é descontado na pena conjunta o tempo de cumprimento.
No caso concreto em análise, verifica-se que a pena aplicada ao recorrente no processo 356/10.7GAVCD foi a de 130 dias de multa. Posteriormente, por falta de pagamento, foi aquela pena convertida em 86 dias de prisão subsidiária.
Assim, não obstante a pena de multa em que o arguido foi condenado ter sido posteriormente convertida em pena de prisão subsidiária reduzida a dois terços, nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º 1 do Código Penal, tal pena conserva a sua natureza originária de pena de multa, mesmo que tendo sido, como foi, executada em conformidade com o estatuído no n.º 3 do mesmo normativo.
Com efeito, embora não ignorando a existência de diferente posição na doutrina e na jurisprudência, de que são exemplos, Maria João Antunes in Consequências Jurídicas do Crime, Notas complementares para a cadeira de Direito e processo penal da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2006-2007, página 36, Nuno Brandão in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 15º, nº 1, nota 26, página 135 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de março de 2002, processo nº 01P4217, com voto de vencido do Conselheiro Pires Salpico disponível in www.dgsi.pt, sufragamos entendimento diverso, ou seja, que face à redação do nº 3 do artigo 77º do Código Penal, os cúmulos das penas efetuar-se-ão entre as diversas espécies de penas, não podendo as penas de espécies diferentes ser objeto de cúmulo jurídico entre si.
A este propósito salienta Maia Gonçalves in Código Penal Português, 18ª edição, páginas 294/295 «O dispositivo do nº 3 distancia-se do Projecto de Revisão elaborados pela CRCP, segundo o qual seria aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as multas convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços. Tratava-se de um critério revestido de alguma dureza, que só encontrava justificação porque mantinha o sistema da pena conjunta. Abandonada a solução proposta pela CRCP, ficou bem clarificado no texto que se mantêm as penas de prisão e de multa, aplicando-se a cada uma delas, para a formação da pena única, os critérios estabelecidos nos números anteriores. Nestes termos, o cúmulo far-se-á entre as diversas espécies de penas, sendo a pena final uma pena compósita, composta por penas parcelares de espécies diferentes».
Neste mesmo sentido se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, 3ª edição atualizada, páginas 377/378 «Em caso de concurso de crimes punidos com penas de natureza diversa, a diferente natureza das mesmas mantém-se na pena conjunta. Assim, havendo concurso de crimes punidos com pena de prisão e crimes punidos com pena de multa ou concurso de crimes punidos com pena de prisão e crimes punidos com pena de multa em cumulação com pena de prisão, ou concurso de crimes punidos com pena de prisão e crimes punidos com pena de prisão subsidiária resultante de multa não paga nem executada, verifica-se uma verdadeira cumulação material das penas, mantendo-se autonomamente as penas de multa, de multa em cumulação com prisão e de prisão subsidiária da multa, o que tem particular relevância prática para efeitos da extinção da pena de multa pelo pagamento (…). Portanto, as penas de multa são sempre acumuladas materialmente com a de prisão e, quando não seja paga a pena de multa, a execução da prisão em que venha a ser convertida, seguir-se-á à execução da prisão diretamente aplicada.».
Ainda, em idêntica linha de entendimento, vide, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de maio de 2012, processo nº 471/06.GALSD.P1.S1; de 10 de janeiro de 2013, processo n.º 218/06.2PEPDL.S1; de 14 de março de 2013, processo nº 142/07.1PBCTB.C1.S1 e da Relação do Porto de 12 de Março de 2014 processo 955/06.1TAFLG-A.P1 disponíveis in www.dgsi.pt.
Por conseguinte, quando o tribunal aplique, pela prática de um dos crimes em concurso, a pena de multa como pena principal e a outro ou outros crimes, penas de prisão ou de multa em substituição da pena de prisão, as penas em concurso devem ser cumuladas materialmente pois têm diferente natureza.
No caso sub judice o tribunal a quo perfilando o entendimento expendido considerou não englobar a pena de multa no cúmulo jurídico efetuado. Contudo, mesmo que o considerasse, ao contrário do pretendido pelo recorrente, não seria tal pena descontada na pena de prisão, porquanto, como explanado, sendo as penas de diferente natureza, essa distinta natureza mantém-se (apesar da conversão em prisão subsidiária nos termos do disposto no art 49º, nº 3 do Código Penal) na operação de cúmulo.
Como assim, tendo a pena sido declarada extinta pelo cumprimento e na inexistência de outras penas de multa nas quais fosse de considerar o cumprimento daquela, nenhum interesse subsistia na sua inclusão no cúmulo jurídico efetuado, pelo que nenhuma censura merece a decisão recorrida.
Clama, ainda, o recorrente pela suspensão da execução da pena única aplicada.
Os pressupostos da suspensão da execução da pena vêm enunciados no artigo 50.º, n.º1 do Código Penal. Estatui tal preceito: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim, a aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se submetida a dois pressupostos; um de natureza formal (que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos), e outro de caráter material (que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição), sendo que estas se encontram plasmadas no artigo 40º., nº 1 do Código Penal e reportam-se à proteção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade.
Deste modo, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos, o tribunal, deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização, em liberdade, do arguido.
As finalidades da punição a que alude o citado artigo 50º do Código Penal, circunscrevendo-se à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, como postula o artigo 40º, nº1, do Código Penal, têm por base considerações de prevenção geral e especial, as quais servem de orientação à opção ou não pela suspensão da execução da pena de prisão.
No instituto da suspensão da execução da pena de prisão prevalecem, pois, razões de prevenção especial de socialização: aquela suspensão só deve ser negada quando a execução da prisão se revele necessária, nomeadamente tendo como pano de fundo o efeito criminógeno da prisão, especialmente a de curta duração.
Contudo, para a aplicação desta pena de substituição, urge que a mesma não ponha em crise a tutela dos bens jurídicos e as expectativas comunitárias, consubstanciadas na reprovação social do crime.
É ainda necessário que o tribunal, em face da natureza do crime e sua concatenação com a personalidade do arguido, bem como do seu comportamento global, se convença da desconformidade do facto criminoso com a personalidade do arguido e considere a mera ameaça de pena como medida com eco no seu comportamento futuro, logrando-se em conformidade obviar à reiteração de condutas criminosas.
Daqui resulta claro que a suspensão da pena, enquanto pena de substituição, encontra-se subordinada a finalidades exclusivamente preventivas e não a finalidades de compensação da culpa.
Esta última categoria «…é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e politico-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico» - Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, página 332.
Retomando ao caso em análise, o tribunal a quo após fixar a pena única em 16 meses de prisão entendeu não ser de aplicar o instituto da suspensão da execução da mesma, convocando para o efeito a inexistência de prognose favorável ao arguido.
E, com efeito, tal como ao tribunal a quo, não se nos afigura que o recorrente beneficie do juízo de prognose favorável que o mesmo entende existir.
Na verdade e desde logo, não poderemos deixar de enfatizar o passado criminal do recorrente e as oportunidades concedidas para que pudesse arrepiar caminho, sem que as mesmas tenham dissuadido o recorrente ao cometimento de novos crimes, designadamente da mesma natureza.
Como se verifica do teor do certificado de registo criminal junto aos autos e que a decisão recorrida espelha, o recorrente desde 2006, reiteradamente, tem vindo a incorrer na prática de crimes, designadamente, atinentes a condução de veículos, cujo bem jurídico protegido é o da segurança nas vias de comunicação rodoviária (catorze crimes de condução sem habilitação legal e um de crime de condução perigosa). Para além desses crimes, foi ainda condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, um crime de furto qualificado e um crime de dano.
Em consequência, foi o recorrente condenado em diversas penas: admoestação, multa, prisão substituída por multa, prisão substituída por trabalho a favor da comunidade, prisão suspensa na sua execução e prisão efetiva. Contudo, apesar de todas as oportunidades concedidas para que pudesse arrepiar caminho, as mesmas não foram capazes de dissuadir o recorrente ao cometimento de novos crimes, designadamente da mesma natureza, persistindo na sua conduta delituosa, de tal sorte que viu revogadas as suspensões da execução das penas de prisão que foram objeto do cúmulo jurídico a que se procedeu nos presentes autos.
De realçar que a sua conduta delituosa apenas cessou com a sua reclusão ocorrida em 25 de agosto de 2014 (data da prática do último crime por que foi condenado).
O recorrente baseia os argumentos, desde logo, em eventual erro de interpretação do tribunal a quo relativamente ao momento em que começou a revelar interiorização dos valores sociojurídicos protegidos, enfatizando que já há cerca de ano e meio demonstra a interiorização desses valores.
É certo que o recorrente, como decorre do relatório social datado de 29 de maio de 2017, diferentemente do que acontecia aquando a sua reclusão “actualmente revela interiorização dos valores sociojurídicos protegidos, reconhecendo os custos pessoais, a nível familiar e laboral, resultantes da privação da liberdade a que está sujeito”.
Também do mesmo se extrai encontrar-se o recorrente integrado familiarmente e ter perspetivas de trabalho quando restituído à liberdade, tudo como ocorria, aliás, anteriormente à prática do último crime pelo qual foi condenado e à sua reclusão.
Porém, face a todo o percurso de vida do recorrente, não se nos afigura que, em termos de prevenção especial de socialização, se verifiquem fundamentos concretos que permitam fazer um juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que bastará a censura do facto e a ameaça da prisão para o afastar da prática de novos crimes; antes pelo contrário, o que demonstra a sua postura é que a única pena capaz de acautelar tais exigências preventivas, é precisamente o cumprimento efetivo da pena de prisão.
No que tange ao diferente entendimento do tribunal a quo daquele que se mostra vertido no acórdão proferido no processo 26/16.2T8VCD que procedeu ao cúmulo jurídico das penas referentes aos processos 584/13.3GBMTS e 1021/13.9GAVCD, trata-se de um outro entendimento, como refere. Mas, ao contrário do que pretende e como mesmo diz o recorrente, tal entendimento não é vinculativo para a decisão recorrida.
Ademais, não pode deixar de ter-se em consideração as exigências de prevenção geral de integração, indispensável à defesa do ordenamento jurídico, que aqui surge como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Há que ponderar conjuntamente estas duas exigências, podendo bem suceder que a pena de prisão efetiva se mostre indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafática das expectativas comunitárias (Neste sentido vide Anabela Rodrigues, in Estudos a Eduardo Correia, páginas 20 e seguintes).
Como salienta Figueiredo Dias (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime - página 344) « a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (…) estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por essas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.».
In casu para além do sentir social de repúdio pela prática de crimes desta natureza que tão nefastas e trágicas consequências acarretam, designadamente, colocando em causa a integridade física e mesmo a vida das pessoas, e por isso, merecedores de consideráveis exigências de prevenção geral, seria incompreensível, à luz dessas exigências, que tendo sido revogada a suspensão da execução das penas de prisão aplicadas ao arguido nos processos que englobam o cúmulo jurídico, atenta a prática reiterada posterior de crimes de idêntica natureza, fosse agora essa pena novamente declarada suspensa na sua execução, ainda que sujeita a quaisquer deveres ou regras de conduta.
Do que fica dito, não se verifica que, face à situação concretamente apurada, qualquer pena de substituição se mostre suficiente e adequada às finalidades de prevenção e socialização, as quais apenas poderão alcançar-se com o cumprimento efetivo da pena de prisão fixada.
Por último, e no que tange ao desconto de 13 dias de prisão que o recorrente terá já cumprido no âmbito do processo nº 1438/09.3GAVCD, é inquestionável que todos os períodos de privação de liberdade sofridos pelo arguido à ordem dos processos que englobam o cúmulo jurídico efetuado, deverão ser descontados nos termos impostos pelo artigo 80º do Código Penal.
Como consta dos autos o arguido encontra-se preso em cumprimento da pena que lhe foi cominada nestes autos. Na liquidação da pena a efetuar, atento o cúmulo jurídico realizado, haverá que descontar a totalidade do tempo de detenção sofrido em ambos os processos que englobam o cúmulo e não apenas aquele que o recorrente reclama.
Porém, o que tal desconto não pode, como parece inferir-se da argumentação do recorrente, é ser antecipado para momento anterior à fixação da pena concreta; não se trata de uma redução da pena de prisão efetivamente aplicada, mas antes mero desconto nessa pena do tempo de detenção já sofrido.
Face a todo o exposto, não se mostrando violados quaisquer normativos legais ou princípios constitucionais, designadamente, os invocados pelo recorrente, conclui-se que a decisão proferida não merece qualquer censura, pelo que se mantém na sua integralidade.
***
III – Decisão
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto por B… confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Fixa-se em 3 UCs a taxa de justiça devida pelo Recorrente.

Porto, 27 de setembro de 2017
(elaborado pela relatora e revisto por ambos os subscritores – artº 94 nº2 do Código Processo Penal)
Maria Ermelinda Carneiro
Raúl Esteves