Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6784/17.0T8VNG-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: DIFERIMENTO DE DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL
CASA DE HABITAÇÃO
INSOLVENTE
Nº do Documento: RP201911076784/17.0T8VNG-C.P1
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - É aplicável aos insolventes singulares o benefício do diferimento da desocupação da casa de habitação previsto nos artigos 864º e 865 do Cód. do Proc. Civil, por força da remissão operada nos artigos 50º, nº 5 do CIRE e 862º do Cód. do Proc. Civil.
II - O prazo de diferimento da desocupação destina-se a permitir ao requerente que se encontra em situação de particular carência ou dificuldade, e que terá necessariamente que desocupar o local, um último prazo minimamente razoável para obter um alojamento alternativo.
III - Apesar do direito à habitação ser um direito fundamental, o certo é que o dever de assegurar tal direito, atenta a sua natureza social, é incumbência do Estado e não já de particulares.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº6784/17.0T8VNG-C.P1
Tribunal recorrido: Tribunal judicial da comarca do Porto
Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia
Relator: Carlos Portela (970)
Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes
Des. António Paulo Vasconcelos
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
Nos autos de Insolvência de Pessoa Singular em que é requerente o Banco B… S.A. e requeridos C… e D…, vieram estes últimos deduzir o incidente de diferimento de desocupação do imóvel (fracção autónoma designada pela letra “z”, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º6394 e descrito na CRP sob o nº3654).
Em face de tal pedido o Tribunal “a quo” proferiu a seguinte decisão:
“I. Relatório
C… e D…, vieram deduzir o presente incidente de deferimento de desocupação de imóvel, nos termos do disposto nos artºs 150º, n.º 5 do CIRE e 862º a 865º do CPC.
Alegaram para o efeito e em síntese que, residem no imóvel em causa há cerca de 12 anos e não dispõem imediatamente de outra habitação. A insolvente está desempregada sem qualquer rendimento e o insolvente está também desempregado e aufere €410,00/mês de RSI. Têm um filho menor. O imóvel não foi adjudicado nem foi fixada data para venda. Concluem pedindo o deferimento da desocupação do imóvel até à sua adjudicação.
Ouvidos o A.I. e os credores, veio aquele a fls. 10 dizer que, já recebeu sinal do credor hipotecário e a fim de ultimar a venda é necessário a entrega do imóvel, que ainda não foi feito e que os requerentes se comprometeram a entregar em Junho último.
Os requerentes vieram a fls. 13 e ss. dizer que não foram informados do valor da venda ou existência de qualquer proposta para venda, nem para exercer o direito de remição. Não estiveram presentes na assembleia de credores nem requereram exoneração do passivo restante.
O A.I. respondeu a fls. 16 e ss.
Os credores nada vieram dizer.
Com vista nos autos, a Sra. Procuradora da Republica pronunciou-se pelo deferimento do pedido pelo prazo de 30 dias, cfr. fls. 22.
Não foram indicadas quaisquer testemunhas.
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II. O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
Não há nulidades que invalidem todo o processo.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias.
Não existem outras excepções dilatórias, nulidades ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
Não existem outras excepções peremptórias que cumpra conhecer.
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III Fundamentação
A)De Facto
Resulta dos autos e documentos juntos, que:
1. Através de acção instaurada em 11 de Agosto de 2017, o Banco B…, S.A. veio requerer a declaração de insolvência de C… e D….
2. Em 20 de Setembro de 2017 foi proferida sentença a declarar a insolvência de C… e D…, e nomeado administrador de insolvência, já transitada em julgado.
3. Em 14 de Novembro de 2017 foi junto pelo A.I. o auto de apreensão de bens, constituído pela verba n.º 1, fracção autónoma designada pela letra “Z”, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 6394 e descrito na CRP sob o n.º 3654, sobre o qual incide hipoteca do Banco B….
4. Na sequência das diligências de venda, foi apresentada proposta de aquisição do imóvel, estando o A.I. a aguardar pronuncia sobre a entrega do imóvel para celebrar a competente escritura.
5. Em 04 de Agosto de 2018, os insolventes vieram instaurar incidente de desocupação de imóvel, solicitando o deferimento da desocupação até à adjudicação do imóvel.
6. É neste imóvel que os insolventes residem com um filho menor.
7. Os insolventes estão desempregados auferindo o marido RSI de 410,00/mês.
8. Não dispõe, neste momento, de qualquer outro local para habitar.
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B) De Direito
Há que verificar dos pressupostos do incidente de deferimento da desocupação.
Pelos insolventes foi desencadeado incidente de deferimento da desocupação do imóvel apreendido e que constitui a sua habitação, previsto nos artºs. 864º e 865º do CPC, aplicável ao processo de insolvência com as necessárias adaptações por força do disposto no art.º 150º, n.º 5 do CIRE.
No procedimento de deferimento da desocupação instaurado ao abrigo do disposto no art.º 150º, 4 do CIRE, não se discute o direito de propriedade sobre o imóvel, nem o dever de restituir, mas tão só a necessidade de diferir a desocupação do local que constitui a habitação da insolvente por não dispor de outra habitação e estar impedida de a obter por razoes sociais imperiosas.
O insolvente, proprietário da casa de habitação apreendida para a massa insolvente, pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, com um dos seguintes fundamentos: carência de meios (que se presume relativamente ao beneficiário de subsidio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima garantida, ou de RSI) ou se for portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60% - art.º 864º, n.º 2, als. a) e b) do CPC.
Na apreciação do pedido, o tribunal deve ter em consideração o facto de o insolvente não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o insolvente, a sua idade, o estado de saúde, a sua situação económica e social das pessoas envolvidas – art.º 864º, 2 do CPC. (vd. Acs. RPorto de 24.11.2011; 14.09.2015 e 14.06.2016).
Nos termos do art.º 865º, n.º 4 do CPC o diferimento não pode exceder o prazo de cinco meses, a contar da data do trânsito em julgado da decisão que o conceder.
No caso sub júdice, conforme resulta do apenso A, o A.I. obteve uma proposta de aquisição, estando a aguardar pronuncia sobre a entrega do imóvel para celebrar a competente escritura.
Os insolventes mantêm-se a ocupar a habitação, invocando para tal, razões de ordem pessoal e económica – não tem meios económicos para arrendar uma casa que, atendendo ao rendimento mensal auferido e, atento o seu agregado familiar, necessitam de mais tempo. Mesmo que se entenda que os insolventes só tenham tido conhecimento da situação em Agosto de 2018, quando instauraram este incidente, (o que não se crê, uma vez que tiveram mostrar o imóvel a possíveis interessados), os insolventes sabiam que teriam de entregar a sua habitação, pelo menos, logo que fosse vendida, pelo que, deveriam ter diligenciado de imediato no sentido de arranjar alojamento para si e seu agregado familiar.
Dos autos não resulta que algo tenha sido feito nesse sentido.
O A.I. apenas está a aguardar a entrega das chaves para celebrar escritura publica com o comprador, o qual pretende o imóvel livre de pessoas e bens para o efeito.
Com vista nos autos, o M.ºP.º é de entendimento de que deve diferir-se o pedido pelo prazo máximo de um mês.
Os insolventes solicitam prazo até à venda do imóvel.
Dos factos dados como assentes, nomeadamente, tendo em conta o rendimento mensal do agregado familiar – RSI €410,00/mês e o seu agregado familiar, evidencia-se que os insolventes não estarão em condições económicas de obter nova habitação que não seja por meio de ajuda social, porém, terão que diligenciar nesse sentido.
Desde a data da instauração da presente acção e a presente, já decorreu mais de quatro meses.
Atendendo a todo o exposto e de modo a evitar prejuízos aos insolventes e seu agregado familiar, entendemos diferir a entrega do imóvel, não pelo prazo solicitado, mas por 30 dias, que se contará a partir do trânsito em julgado da presente decisão.
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IV. Decisão
Nessa conformidade e em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o incidente de diferimento de desocupação formulado pelos requerentes C… e D…, e, em consequência diferir na desocupação da fracção autónoma designada pela letra “Z” do prédio inscrito da matriz predial urbana sob o art.º 6394 e descrito na CRP sob o n.º 3654, sito na Rua …, … e …, Valongo, pelo período de um (1) mês que se contará a partir do trânsito em julgado da presente decisão.
Notifique os insolventes, o A.I. e os credores da massa insolvente ids. no apenso B.
Custas do incidente pelos insolventes.
Registe e notifique.”.
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Não se conformando com o assim decidido vieram os requerentes interpor o presente recurso, apresentando desde logo e nos termos legalmente previstos as suas co concluindo as suas contra alegações.
Não foram apresentadas contra alegações.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nossa utos e efeito suspensivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recursoi por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos apelantes/requerentes nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor das mesmas conclusões:
I. Por despacho proferido em 13.12.2018, notificado aos Insolventes por notificação elaborada em 17 do mesmo mês, foi parcialmente deferido o incidente de diferimento de desocupação de imóvel deduzido pelos Insolventes nos termos dos artigos 150.º do CIRE e 862.º a 865.º do CPC, tendo o Tribunal a quo decidido «diferir na desocupação da fracção autónoma designada pela letra “Z” do prédio inscrito da matriz predial urbana sob o art.º 6394 e descrito na CRP sob o n.º 3654, sito na Rua …, … e …, Valongo, pelo período de um (1) mês que se contará a partir do trânsito em julgado da presente decisão.»
II. Com o devido respeito, que é muito, mal andou o Tribunal, a quo, ao decidir nos termos supra mencionados.
III. Da matéria de facto julgada provada, retirou o Tribunal a quo estarem preenchidos os pressupostos de facto do diferimento da desocupação do imóvel, conforme previstos no art.º 864 do CPC. Apesar disso, decidiu-se o Tribunal a quo pelo diferimento da desocupação por apenas 30 dias.
IV. Parece decorrer da fundamentação expedida no despacho recorrido que o critério que presidiu à fixação de tal prazo foi uma operação matemática, em que se deduziu ao prazo máximo de cinco meses previsto no n.º 4 do art.º 865, do CPC, os quatro meses que o Tribunal a quo levou a instruir e decidir o incidente, donde resultam apenas 30 dias para o diferimento da desocupação.
V. A mora do Tribunal a quo na decisão do incidente, em incumprimento do disposto no n.º4 do art.º 865 do CPC não é, nem pode ser imputável aos Insolventes, pelo que o período de instrução e decisão do incidente não deve ser considerado na determinação do prazo de diferimento na desocupação a conceder aos requerentes.
VI. É, aliás, inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.º 4 e 5 e 65.º da CRP, a interpretação do art.º 865º, n.º 4 do CPC, segundo a qual deverá ser levado em consideração na determinação do prazo de diferimento da desocupação do imóvel o período de tempo que houver decorrido entre o respectivo requerimento e a decisão judicial do mesmo, por forma a que não seja ultrapassado o prazo máximo previsto na norma. Inconstitucionalidade que vai, desde já alegada e arguida, para todos os efeitos legais.
VII. Não resultam dos autos quaisquer factos que justifiquem que o diferimento da desocupação do imóvel não seja efectuado pelo prazo máximo previsto no n.º 4 do art.º 865 do CPC.
VIII. Designadamente, não resulta dos autos qualquer facto que permita concluir que dai adviesse qualquer prejuízo para os credores.
IX. Pelo contrário, tudo nos autos depõe a favor do diferimento da desocupação pelo prazo máximo legalmente admitido.
X. É o próprio Tribunal a quo quem identifica a necessidade de os Insolventes recorrerem a apoio social para a obtenção de habitação ao referir que, dos factos provados, «evidencia-se que os insolventes não estarão em condições económicas de obter nova habitação que não seja por meio de ajuda social, porém, terão que diligenciar nesse sentido.», não podendo olvidar que tais apoios sociais não são passíveis de ser obtenção no prazo concedido, de apenas 1 mês.
XI. O diferimento da desocupação do locado pelo prazo de cinco meses contados a partir do trânsito em julgado da decisão, conforme a previsão do n.º 4 do art.º 865 do CPC é demandado, e até imposto, pela situação de carência económica dos Insolventes, com um filho menor a cargo, sob pena de não ser dada efectiva consagração à protecção conferida pelas normas em questão aos Insolventes.
Termos em que, e com o sempre douto suprimento de V.Exas, deverá ser dado provimento ao recurso e, consequentemente, ser o despacho recorrido revogado e substituído por despacho de deferimento do pedido de diferimento da desocupação do imóvel pelo prazo de cinco meses contados do trânsito em julgado da decisão.
Assim se fazendo a costumada e esperada Justiça.
Perante ao antes exposto, resulta claro que é a seguinte a questão suscitada neste recurso:
Saber se existe fundamento para fixar em cinco meses o prazo de diferimento da desocupação do imóvel em apreço nos autos.
A matéria de facto a ter em conta para a questão colocada é a que resulta do relatório supra e que aqui se dá por integralmente por reproduzida.
Vejamos, pois.
Uma vez proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que tenham sido arrestados, penhorados, apreendidos, detidos ou objecto de cessão aos credores, exceptuados os que tenham sido apreendidos por virtude de infracção de carácter criminal ou de mera ordenação social (cf. art.º149º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)).
Por regra, os bens devem ser imediatamente entregues ao administrador da insolvência, para que deles fique depositário, regendo-se o depósito pelas normas gerais e, em especial, pelas que disciplinam o depósito judicial de bens penhorados (cf. art.º 150º, nº 1 do CIRE).
Sem prejuízo da apreensão, o nº 5 do art.º 150º do CIRE estatui que “à desocupação de casa de habitação onde resida habitualmente o insolvente é aplicável o disposto no artigo 930.°-A do Código de Processo Civil”.
Porém e uma vez que entretanto entrou em vigor o Novo Cód. do Proc. Civil, deve pois considerar-se que esta remissão é actualmente feita para o art.862º, o qual corresponde ao anterior art.º 930º-A.
Ora, dispõe tal norma que “à execução para entrega de coisa imóvel arrendada são aplicáveis as disposições anteriores do presente título, com as alterações constantes dos artigos 863º a 866º”.
Deste artigo, bem como da epígrafe do art.º 864º: “Diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação” e da redacção do seu nº1, resulta que o procedimento de diferimento da desocupação se refere a situações de arrendamento para habitação.
Assim, nesse nº1 estabelece-se que “no caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três”.
Contudo, ao remeter para este procedimento, através do nº 5 do art.º 150º atrás citado, o CIRE não está a pressupor a existência de um contrato de arrendamento, mas simplesmente a determinar que, com as devidas adaptações, se deve seguir aquele regime, numa perspectiva de salvaguarda do mínimo de dignidade humana, permitindo ao insolvente, tal como se permite, no processo executivo para entrega de coisa certa, ao arrendatário habitacional, usar de um prazo de diferimento da desocupação da casa de habitação, tendo designadamente em vista manter as condições de habitação enquanto o necessitado, num prazo definido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, mediante a verificação de requisitos legalmente estabelecidos (como sejam os nºs 2 e 3 ainda do art.º 930º-C), procura novo espaço habitacional.
Trata-se pois de uma manifestação de salvaguarda de direitos fundamentais de ordem social e familiar (o direito à habitação – art.º 65º da Constituição da República).
Quis assim o legislador do CIRE que, no essencial, o insolvente – presumivelmente, numa situação de maior gravidade do que a do executado – beneficiasse dos direitos concedidos aos inquilinos de habitação nos termos dos artigos 863º a 866º do CPC, por remissão do art.º 862º do mesmo diploma (cf. o Acórdão da Rel. do Porto de 24.11.2011, proc. 1924/10.2 TJPRT-C.P1, relatado pelo Desembargador Filipe Caroço e disponível em www.dgsi.pt.).
Por conseguinte, deve pois concluir-se ser aplicável aos insolventes singulares o benefício do diferimento da desocupação da casa de habitação previsto nos artigos 864º e 865 do CPC
O insolvente, proprietário de casa de habitação apreendida para a massa insolvente, pode assim requerer o diferimento da desocupação dessa habitação, por razões sociais imperiosas, com um dos seguintes fundamentos: carência de meios (que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima garantida, ou de rendimento social de inserção) ou se for portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60% (cf. art.º 864º, nº 2, alíneas a) e b) do CPC).
Ao apreciar tal pedido deve o juiz ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância do insolvente não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que com ele habitam, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas (cf. art.º 864º, nº2, 1ª parte, do Cód. Civil).
Ora no caso dos autos a Mmª Juíza “a quo” e desde logo não pôs em causa a aplicação do incidente de diferimento da desocupação da casa de habitação aos insolventes singulares.
Aliás e como já vimos, considerou que estavam verificados os pressupostos de facto e de direito para conceder provimento ao pedido formulado pelos requerentes, decidindo que o diferimento da desocupação do seu imóvel deveria ser concedido não pelo prazo solicitado por aqueles, mas sim pelo prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão proferida.
E é, pois, contra tal prazo que se insurgem os requerentes aqui apelantes.
É sabido que o prazo de diferimento da desocupação se destina a permitir ao requerente que se encontra em situação de particular carência ou dificuldade, e que terá necessariamente que desocupar o local, um último prazo minimamente razoável para obter um alojamento alternativo (cf. Maria Olinda Garcia, A Acção Executiva para Entrega de Imóvel Arrendado segundo a Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro).
Tal como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 14.9.2015, processo 5582/12.1 TBMTS-F.P1, relatado pela Desembargadora Ana Paula Amorim, disponível em www.dgsi.pt., este “prazo é determinante para estabelecer o termo da ocupação, pois uma vez atingido o seu termo o insolvente tem que proceder à entrega do local, ainda que se mantenha o seu problema de natureza pessoal. Por outro lado, sem se estabelecer um termo final não pode ser ordenada a restituição à posse do adquirente.”
Como já ficou dito, nestes casos o que se trata é de eventualmente conceder ao insolvente, face à sua situação de precariedade económica, um derradeiro prazo para resolver o seu problema habitacional, sendo certo que esse prazo nunca poderá exceder cinco meses a contar da data do trânsito em julgado da decisão que o concedeu (cf. art.º 865º, nº 4 do Cód. do Proc. Civil).
É pois um benefício temporário que é concedido ao insolvente, desde que verificado o condicionalismo previsto no art.º 864º, nºs 1 e 2 do Cód. do Proc. Civil, e que sempre se esgotará num período de tempo relativamente curto.
Perante os dados de facto que temos ao nosso dispor, cabe concluir que a atribuição do benefício aos insolventes não acarreta um prejuízo significativo para os credores.
E isto não obstante se saber que o AI obteve uma proposta de aquisição do imóvel, estando a aguardar a pronúncia sobre a entrega do mesmo para celebrar a competente escritura.
Tudo, porque o benefício a conceder é sempre temporário e deve ser fixado por um prazo razoável.
Ora no caso, o diferimento da desocupação foi pedido a 4 de Agosto de 2018 e até à venda do imóvel.
E tal pedido foi concedido por sentença de 13.12.2018 pelo prazo de um mês, a contar do respectivo trânsito em julgado.
Dos factos provados resulta claro que os insolventes não estão (ainda) em condições económicas de obter nova habitação que não seja por meio de subsidiação ou ajuda social organizada, já que o rendimento o rendimento mensal do agregado familiar (o casal e um filho menor), é apenas o que resulta do RSI no valor de €410,00.
Salvo melhor opinião, entendemos que a desocupação da habitação no prazo fixado na decisão recorrida causa aos insolventes um prejuízo muito superior à vantagem conferida aos credores.
Tem no entanto razão a Sr.ª Juiz “a quo”, quando salienta o facto de desde a data da instauração da presente acção e a data da prolação da decisão recorrida ter então decorrido mais de quatro meses.
No entretanto e até á presente data decorreram já mais cerca de dez meses.
Por outro lado não podemos esquecer que ao presente recurso foi fixado efeito suspensivo nos termos do disposto no artigo 647º, nº3, alínea b) do CPC.
Sendo assim e salvo melhor opinião, temos por prejudicada a necessidade de apreciação da questão de uma eventual inconstitucionalidade de interpretação e de aplicação do art.º865º, nº4 do CPC, suscitada pelos apelantes na conclusão VI das suas alegações.
De qualquer forma, importa relembra que o direito à habitação goza de tutela constitucional (cf. art.º 65.° da Constituição da República Portuguesa, o qual no seu nº1 prescreve o seguinte: "Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar").
No entanto, também não podemos esquecer que o dever de assegurar tal direito fundamental de natureza social é incumbência do Estado e não de particulares (cf. nºs 2, 3 e 4 do mesmo preceito constitucional).
Em suma, ponderando as circunstâncias de facto apuradas com as regras legais aqui aplicáveis e às quais já antes aqui fizemos suficiente referência, consideramos que se impõe a confirmação da decisão recorrida.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do Cód. do Proc. Civil):
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III. Decisão:
Face ao exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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As custas do presente recurso são a cargo dos apelantes (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 7 de Novembro de 2019
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos