Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
102/14.6T8AVR-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO DA RESIDÊNCIA DOS MENORES
Nº do Documento: RP20180124102/14.6T8AVR-D.P1
Data do Acordão: 01/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 807, FLS 186-193
Área Temática: .
Sumário: I - O crescimento harmonioso das crianças supõe um relacionamento afetivo equilibrado com ambos os progenitores, sob pena de surgirem perturbações na sua saúde emocional.
II - Por isso, o superior interesse dos menores aponta para a preservação de uma relação que construa e fortaleça os vínculos afetivos positivos existentes entre pais e filhos e afaste um ambiente destrutivo de tais vínculos.
III - Donde a necessidade de consolidar a relação emocional das crianças com a mãe através das visitas supervisionadas em curso e que uma deslocação das crianças para os Açores comprometeria.
IV - Não estando demonstrado que o pai dos meninos, a quem cabe a sua guarda provisória, arrisca uma carreira profissional se não for para os Açores, justifica-se o indeferimento da alteração da residência das crianças para aquele arquipélago.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 102/14.6T6AVR–D.P1
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE AVEIRO
Juízo de Família e Menores de Aveiro – J1

Acórdão
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Nos presentes autos de regulação do exercício de responsabilidades parentais relativamente aos menores B... e C..., o pai, D..., ao qual foi confiada a guarda provisória dos filhos, requereu a alteração da residência dos menores de Aveiro para os Açores, a fim de frequentar o curso universitário de medicina veterinária.
A mãe dos menores, E..., opôs-se ao requerido, alegando que o requerido pelo progenitor constitui um estratagema para frustrar os seus convívios com as crianças.
O Ministério Público promoveu o indeferimento do requerido por se mostrar necessário manter as supervisionadas visitas das crianças à mãe, a fim de normalizar o seu relacionamento afetivo.
Foi proferida decisão que indeferiu o requerido, porquanto a mãe veio do Brasil e instalou-se em Portugal para manter os convívios com os filhos, pelo que a sua deslocação para os Açores inviabilizaria a normalização do seu relacionamento afetivo. Por outro lado, o requerente é já licenciado em biologia, doutorado e pós-doutorado, pelo que não está em causa a sua carreira profissional.
Inconformado, recorreu o pai dos menores, D..., assim concluindo a sua alegação:
«1ª - O Tribunal de que se recorre indeferiu a pretensão do Recorrente, de ir morar com os menores para os Açores, enquanto frequenta uma licenciatura universitária, fundamentando tal decisão no facto deste já estar licenciado, não estando em causa a carreira profissional no sentido de inserção no local de trabalho.
2ª - Fundamenta também no fato de a Mãe ter vindo de propósito do Brasil para Portugal continental, onde arranjou emprego, para estar com os filhos, estando a decorrer visitas supervisionadas, num processo de reaproximação.
3ª - Encontra-se já documentado e assente nos vários apensos que Recorrente é a principal figura de referência dos menores,
4ª - Que o Recorrente é o cuidador e o prestador habitual, desde há vários anos, dos cuidados básicos e primários dos menores,
5ª - Que são indiscutíveis os laços de afecto mútuo entre Pai e Menores, 6ª - E que o progenitor é uma pessoa conceituada e socialmente integrado, zeloso pelos interesses dos seus filhos.
7ª - Os menores estão, por isso, provisoriamente confiados à guarda e cuidados do Recorrente.
8ª- Encontra-se provado documentalmente que a Progenitora padece de transtorno de personalidade caracterizado por tendência nítida a agir de modo imprevisível sem consideração pelas consequências, bem como apresenta humor deprimido, afecto embotado, linguagem eulália, retraimento do campo vivencial, impulsividade e instabilidade afectiva que dificultam o relacionamento e ideação suicida,
9ª - Que no dia 17 da mãe de Julho de 2012 dá-se uma tentativa de suicídio da mãe em frente às próprias crianças.
10ª - Tal situação revelou-se extremamente dramática, principalmente para o filho mais velho, que em 13 de Agosto de 2012 recorreu a apoio psicológico.
11ª - Foi a Progenitora quem decidiu não ir na viagem que trouxe o Recorrente e os menores para Portugal.
12ª - Face a estes factos, o Tribunal decidiu não permitir o regresso dos menores ao Brasil, por considerar ficarem sujeitos a perigos de ordem física e psicológica.
13ª - Tal como alegou e provou documentalmente no seu requerimento de 09/10/2017, a decisão de se mudar para os Açores não se deveu a qualquer capricho ou intenção egoísta de afastar os filhos das visitas supervisionadas.
14ª - O Recorrente provou documentalmente que já há vários anos que tem feito diligências no sentido de conseguir ir frequentar o curso de veterinária em várias universidades.
15ª - Não se compreende, pois que o Tribunal de que se recorre afirme que "Acresce que se a vontade do pai, é realmente tirar o curso de veterinária, pode sempre matricular-se numa Universidade em Portugal Continental, ou pedir transferência da Universidade F..., para uma Universidade que fique no continente".
16ª - A decisão do Tribunal implica uma de duas coisas: ou o Recorrente desiste da sua realização profissional e progressão de carreira, sacrificando-a para que provisoriamente decorram visitas supervisionadas de uma hora semanal, ou não desiste.
17ª - Neste último caso, o que resultará é que os menores deixam de estar com o Recorrente, que é o progenitor que constitui a sua figura de referência e com quem se relacionam com muito afecto, apenas e só para poderem estar uma hora semanal em visitas supervisionadas com a Mãe e que, como se encontra documentado nos autos, não têm corrido sem problemas.
18ª - Atendendo ao superior interesse dos Menores, não se vê com se encontra o mesmo salvaguardado numa situação destes, com o consequente afastamento emocional relativamente à figura de referência, para verem a Mãe, com quem não têm laços afectivos, uma hora por semana, passando a viver com a avó paterna.
19ª - Não se diga, relativamente ao Progenitor, que este deve sacrificar os seus interesses profissionais, em nome do interesse de estar com as crianças, pois tal princípio, obviamente também se aplicará à Mãe.
20ª -Tendo esta uma profissão precária, não se alcança como não possa obter outra semelhante nos Açores, o que é muito mais simples do que o Progenitor conseguir colocação numa Universidade.
21ª - O Tribunal não pode colocar esse ónus só no Progenitor.
22ª - A escolha que o Recorrente fez, é aquela que melhor pode contribuir para o equilíbrio dos filhos, porque a estabilidade e realização do pai também se reflete no equilíbrio dos filhos.
23ª- Não há qualquer antinomia entre o superior interesse das crianças e a ida com o pai para os Açores.
24ª - Conforme se demonstra com documento emitido pela Secretaria Regional da Educação e Cultura dos Açores, o Recorrente já no decurso da frequência da Universidade, requereu simultaneamente a sua colocação como professor, encontrando-se presentemente a exercer funções como docente na Escola ....
25ª - Não se pode apenas colocar sequer a questão no âmbito da realização curricular do Recorrente, mas sim no âmbito profissional.
26ª - O Recorrente colocou-se à disposição do Tribunal para, todos os meses se deslocar ao continente para que possam continuar as visitas com a Mãe, bem como se colocou à disposição para que outros se contactos se façam por qualquer meio informático.
27ª - O que significa que a indeferida pretensão do Recorrente nem sequer colide com os direitos de visita provisoriamente estabelecidos, pelo que necessariamente há de ser a solução que melhor acautela os interesses das crianças.
28ª - Não se vê porque há de o Pai ser sacrificado nas suas ambições profissionais, sem que tal implique nenhum prejuízo a considerar para os menores, ou para as visitas supervisionadas.
29ª- Não podem os objetivos e interesses do Recorrente ficar “sequestrados” em função da manutenção de um regime de visitas que se tem mostrado infrutífero até ao presente.
30ª - Não deve ser limitado o direito de mudar de residência, incluindo para outro país, do progenitor e dos menores cuja guarda e cuidado lhe foram confiados, a não ser que exista uma grave razão de saúde, de segurança ou outra de relevância excecional equivalente.
31ª - Deve dar-se prevalência à regra de que o menor deve ser confiado à figura primária de referência, à pessoa que cuida dela no dia-a-dia, por constituir a solução mais conforme ao interesse da criança.
32ª - Essa regra é a que permite desenvolver a continuidade do ambiente e da relação afectiva principal.
33ª - O objectivo das normas sobre a regulação do poder paternal não é promover a igualdade entre os pais mas sim garantir à criança a continuidade da relação afectiva com a pessoa de referência.
34ª - Os progenitores devem cuidar e promover o bem-estar dos seus filhos, mas não podem ficar reféns de uma opção de vida que os anule, nem essa procura do melhor para os seus filhos pode assentar na anulação das suas pessoas.
35ª - A questão da mudança de residência deve ser analisada à luz da qualidade das soluções alternativas possíveis para a criança, no caso de se proibir a deslocação.
36ª - Como nenhuma das soluções é a ideal, terá que se optar pela menos má, ou seja, a permanência das crianças junto da sua pessoa de referência.
37ª- Isto sem embargo de, em sede do regime de fixação de visitas, se procurar minorar o afastamento da progenitora.
38ª- Existe jurisprudência vária que aponta no sentido de nos casos de mudança de residência do menor, que implica uma deslocação para um país estrangeiro ou para as ilhas, se revestir de uma enorme relevância a relação afetiva de proximidade do menor com um dos seus progenitores.
39ª- E que essa mudança de residência verifica-se na justa medida dos superiores interesses do menor e do seu bem estar.
40ª - Pelo que, na procedência do presente recurso, deve ser autorizada a ida dos menores para os Açores, ao encontro do Recorrente.
41ª - A decisão recorrida, ao indeferiu a pretensão do Progenitor, ora Recorrente, de ir morar com os menores para os Açores violou o disposto nos artigos 1878.º, 1905.º, ambos do Código Civil, 4.º al. a) da Lei n.º 147/99, de 01/set. ex vi artigo 4º nº 1 da Lei 141/2015, assim como a Convenção sobre os Direitos da Criança, por não defender o superior interesse dos menores.»

Respondendo, alegou a recorrida, E..., rematando a sua alegação do seguinte modo:
«1. A decisão recorrida não merece qualquer censura e os argumentos utilizados pelo Recorrente para colocar em crise a decisão do tribunal “a quo” não passam de falácias que servem apenas para sustentar o verdadeiro objetivo da ida do Recorrente para os Açores: colocar um oceano de distância a separar os filhos da mãe.
2. Ao contrário do que o Recorrente pretende fazer crer no presente recurso não estão em causa, nem a sua carreira profissional, nem qualquer progressão na mesma e, muito menos, um qualquer emprego.
3. O ora Recorrente tem 47 anos e, como está documentado nos presentes autos, é licenciado em biologia pela Universidade G..., com doutoramento em Biologia Molecular e Biotecnologia, pós-doutoramento em conservação e resgate de mamíferos aquáticos e pós-doutoramento em conservação e reabilitação da fauna marinha.
4. A frequência de um curso de medicina veterinária na Universidade F... (apenas nos Açores) é apenas e tão-só um embuste criado e utilizado pelo Recorrente para alcançar um objectivo muito claro e por si há muito delineado:- Única e exclusivamente impedir a reaproximação dos menores à mãe e o restabelecimento de quaisquer laços de afecto entre mãe e filhos.
5. E o Recorrente já demonstrou nos autos que é capaz de tudo para alcançar esse seu objectivo, assumindo, por diversas vezes, ao longo deste processo um comportamento de verdadeiro e típico alienador parental, de que pode dar-se como exemplo a fuga que em Fevereiro de 2017 encetou com os menores para os Açores (Em que subrepticiamente, às “escondidas”, às ocultas, agarrou nas crianças, retirou-as de Aveiro, inscreveu-as numa escola açoriana e veio apresentar isto, aos autos, como “facto consumado”, o que é revelador, antes de mais, dos verdadeiros traços da sua personalidade enviesada, retorcida, perigosa e, fundamentalmente, perniciosa para as crianças, a quem tem vindo a influenciar muito negativamente desde que fugiu com elas do Brasil.)
6. Quanto ao argumento de que o Recorrente sistematicamente lança mão, da decisão proferida em 15/07/2014 no Apenso A, já gasto de tão usado, pois tem sido invocado até à exaustão, de que a Recorrida sofre de problemas psiquiátricos, instabilidade e por esse motivo representa um perigo para os seus filhos, é o próprio processo e a mediação técnica especializada que o infirmam.
7. Efectivamente, como tem sido tónica ao longo de todo o processo, uma vez mais, o Recorrente solicitou que fosse extraída certidão desta decisão para subir com o seu recurso, o que se insere na tentativa de, com essa decisão, influenciar e condicionar todas as decisões posteriores, estratégia que já tinha sido por si usada quando solicitou ao tribunal que remetesse cópia integral daquele apenso A à equipa técnica especializada e ainda ao perito que fez a perícia à personalidade da Recorrida.
8. Sempre a mesma estratégia, que choca violentamente com aquela que tem sido a intervenção processual e a conduta de ambos os progenitores, demonstrando-se claramente e sem margem para dúvidas, que aquela decisão, de que o Recorrente sistematicamente se socorre foi apenas e só um lamentável desfecho de um processo judicial tramitado com a ora Recorrida ainda no Brasil e com as suas hipóteses de defesa claramente limitadas.
9. Atendo-nos apenas à tramitação processual que tem sido desenvolvida até ao presente momento, não deixa de ser verdadeiramente surpreendente que foi o Recorrente e nunca a Recorrida quem sempre se recusou a submeter-se a uma perícia à sua personalidade, quer quando esta foi sugerida pela equipa técnica especializada (vide a título de exemplo informação social datada de 12.07.2016 fls. 67 e 68) e promovida pelo MP, quer ainda quando foi ordenada pelo Tribunal por despacho transitado em julgado (vide despacho datado de 25.07.2017 ref.ª: 98402575).
10. Na verdade, a Recorrida logo no seu requerimento de pedido de Regulação das Responsabilidades Parentais e que deu início aos presentes autos disponibilizou-se para se submeter a uma perícia psicológica, tendo a mesma sido realizada em 21 de Julho de 2017, cujo resultado, por ora se desconhece.
11. Por sua vez o Recorrente, não só se recusou a submeter-se a uma perícia sobre a sua personalidade como desobedeceu ao despacho transitado em julgado que a ordenou, recusa que será considerada nos termos e para os efeitos do artigo 417º, nº2, CPC, designadamente para efeitos de inversão do ónus da prova (vide despacho de 10.10.2017).
12. O Recorrente não alegou e por conseguinte não provou que a Universidade F... era a única universidade do país em que poderia frequentar o curso de medicina veterinária e que este seu desejo de tirar uma nova licenciatura nos Açores se deve sobrepor ao superior interesse dos seus filhos de restabelecerem os laços afectivos com a sua mãe, abruptamente interrompidos pelo Recorrente quando no final de 2013 veio passar férias com os menores a Portugal e uma vez cá, não mais regressou ao Brasil.
13. Os documentos a que alude e que juntou no seu requerimento de 09/10/2017 (pág. 5 do recurso), apenas tiveram a virtualidade de demonstrar:
- que a Universidade F... foi a única universidade à qual o Recorrente concorreu para frequência dos anos lectivos 2016/2017 e 2017/2018;
- que apenas se candidatou à Universidade H..., I... (onde foi admitido) e à Universidade J... para o ano lectivo 2015/2016.
- apenas não conseguiu ser admitido na Universidade J... por falta de envio de documentação, o que é revelador da falta de interesse do Recorrente na frequência do curso, pelo menos naquela universidade…
- os alegados contactos aos responsáveis das universidades (K..., L... e da M...) efectuados pelo Recorrente por email – cujas respostas, se é que as houve, se desconhecem – os mesmos constituem tão somente “cartas de intenção” (escritos para serem lidos), meras manifestações de interesse (nunca concretizado), datadas de 2014 e 2015 e sempre subordinadas à condição de também leccionar naquelas instituições algumas disciplinas de Biologia.
- Os e-mails não constituem meios próprios para apresentar candidatura a um curso superior ou para se contratado como docente por qualquer universidade pública.
- Das universidades contactadas pelo Recorrente via e-mail, este apenas acabaria por apresentar uma candidatura à Universidade E... no ano de 2015.
- Das universidades contactadas pelo Recorrente via e-mail, este apenas acabaria por apresentar uma candidatura à Universidade H... no ano de 2015.
14. Existem pelo menos 9 universidades no continente com o curso de medicina veterinária às quais o Requerido podia, se quisesse, ter apresentado a sua candidatura para frequência do curso pretendido.
15. O argumento de prossecução dos estudos não é novo, recorde-se que já na petição de divórcio veio o ora Recorrente apresentar como argumento para não querer regressar ao Brasil o facto de se ter inscrito num pós-doutoramento em N....
15. Neste momento, o Requerido já se encontra em início do Pós Doutoramento na Universidade N..., que se prolongará, pelo menos, por um período não inferior a 12 meses – cfr. doc. nº 12 ora junto” (vide art. 61.º petição inicial de divórcio apresentada pelo Recorrente).
16. O Recorrente ao longo deste processo, tal como no presente recurso, tem vindo a alegar não querer impedir os contactos dos filhos com a mãe, presentando-se até como uma figura facilitadora desses contactos. Todavia, a sua prática, o seu modo de agir e de fazer, revela exatamente o contrário, seguindo sempre a velha máxima de “olha para o que eu digo e não para o que eu faço”.
17. As crianças, desde que foram trazidas pelo pai, do Brasil, em Dezembro de 2013 até agora, que têm sido instrumentalizadas pelo pai, que não quer, como nunca quis, proteger as crianças da mãe (que não é nem nunca foi uma ameaça para as crianças), mas apenas afastá-las desta, privando-as de contacto e criando nas crianças a ideia de que a mãe é má e que apenas com ele estão seguros, minando a cabeça das crianças com memórias irreais de maus tratos perpetrados pela mãe contra eles.
18. A Recorrida, por seu vez, num acto de total abnegação e de amor pelos seus filhos deixou para trás toda a sua vida no Brasil, casa, família, amigos, emprego na Prefeitura, para vir para Portugal, país onde não tinha ninguém, sujeitando-se a um emprego muito abaixo das suas qualificações, tudo para ter a possibilidade de estar com os seus filhos e fazer parte da sua vida.
19. Neste processo o fundamental é salvaguardar o superior interesse dos menores e o são convívio entre estes e ambos os progenitores é essencial para o normal desenvolvimento das crianças, a nível físico, intelectual e emocional e este é o interesse que deve prevalecer nos presentes autos.
20. O documento junto com o recurso – uma declaração datada de 6 de Novembro de 2017, alegadamente produzido pela Secretaria Regional de Educação e Cultura – Direcção Regional de Educação, dúvidas, desde já se oferecem quanto à sua genuinidade, pelo que se impugna expressamente para todos os efeitos legais. Mas mais. O que pretende o ora Recorrente provar com a sua junção? Uma pseudo-relação jurídico-laboral precária? Se foi essa a sua ideia, ter-se-á equivocado, de forma manifesta, na selecção e escolha do documento, dado que qualquer relação jurídico-laboral se prova, documentalmente, através de um contrato de trabalho, o que o Recorrente não junta…»

Em resposta, alegou, em súmula, o Ministério Público:
1. A pretensão do recorrente não deve merecer acolhimento, mormente quando está em curso um processo de reaproximação dos menores à mãe.
2. Em todos os convívios com a mãe, esta e as crianças têm mantido adequada interação.
3. A reconstrução do relacionamento dos menores com a mãe está a evoluir positivamente, a apontar no sentido da sua intensificação até à normalização.
4. Donde o interesse em manter a residência dos menores em espaço próximo para garantir uma regularidade de convívios, de preferência semanal.
O superior interesse das crianças exige um relacionamento saudável com o pai e com a mãe.

II. Objeto recursivo
O thema decidendum é delimitado pelas conclusões das alegações recursivas (artigos 635º/4 e 639º do Código de Processo Civil), pelo que cabe apreciar:
1. A (in)admissibilidade do documento junto com a alegação recursiva;
2. O superior interesse das crianças e a fixação da sua residência nos Açores.

III. Fundamentação
1. (In)admissibilidade da junção de documento
Com a sua alegação recursiva juntou o recorrente um documento datado de 6 de novembro de 2017, emitido pela Secretaria Regional de Educação e Cultura – Direcção Regional de Educação dos Açores, no qual está declarado que o recorrente, pai das crianças, exerce as funções de docente, a termo resolutivo certo, na Escola ..., Açores. Articula que a junção do documento é justificada pela decisão da 1ª instância, que o refere como licenciado e pretender apenas tirar outro curso, podendo inscrever-se numa universidade continental. No entanto, já posteriormente ao pedido efetuado, foi colocado como docente numa escola ..., facto superveniente e pertinente para a decisão.
Opondo-se à junção, a recorrida levanta dúvidas quanto à genuinidade do documento e defende que qualquer relação jurídico-laboral se prova, documentalmente, através de um contrato de trabalho, que não foi junto.
Apreciando.
A impugnação da genuinidade do documento pela recorrida não apresenta qualquer fundamento, antes se limita a uma vaga referência à sua falta de autenticidade, não obstante o mesmo se encontrar assinado pela chefe dos serviços de administração escolar com a aposição do selo branco respetivo. Ora, presume-se que o documento provém da autoridade ou oficial público a quem é atribuído quando estiver subscrito pelo autor com assinatura reconhecida por notário ou com o selo do respetivo serviço, podendo a presunção de autenticidade ser ilidida por prova em contrário (artigo 370º/1 e 2 do Código Civil). Não basta, pois, a vaga atribuição da falta de genuinidade para repelir a sua autenticidade.
Dá também nota de que a relação laboral se prova pelo contrato de trabalho. De facto, o contrato de trabalho em funções públicas está sujeito à forma escrita e dele deve constar a assinatura das partes (artigo 40.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela lei n.º 35/2014, de 20 de junho). Contudo, uma declaração emitida pela Escola Básica em que o recorrente está colocado, em papel timbrado e com selo branco sobre a respetiva assinatura, comprova o facto nele declarado. É um documento autêntico que faz prova plena do facto nele atestado, salvo elisão com base na sua falsidade (artigos 371º/1 e 372º do Código Civil). A vaguidade das dúvidas suscitadas pela recorrida não têm a virtualidade de afetar a realidade do facto verificado pela entidade documentadora.
Nos termos dos artigos 425º e 651º/1, 2ª parte, do Código de Processo Civil, com as alegações de recurso as partes só podem juntar documentos, subjetiva ou objetivamente, supervenientes, ou seja, aqueles cuja apresentação não foi possível até ao encerramento da discussão ou cuja junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. É este último segmento normativo a que apela o recorrente para justificar a junção do documento.
O facto documentado poderá ter interesse para a decisão da questão sob litígio, porque está em causa a fixação da residência dos menores nos Açores e o pai, a cuja guarda as crianças estão provisoriamente confiadas, por ele comprova ser professor nos Açores. O documento está datado de 06/11/2017 e a decisão da 1.ª instância data de 24/10/2017, o que parece justificar a sua superveniência, não obstante ignorarmos se era possível ao recorrente obter aquele documento em data anterior à decisão, uma vez que o mesmo silenciou essa questão.
A superveniência pode ser objetiva ou subjetiva, sendo objetiva quando o documento é produzido posteriormente ao encerramento da discussão e subjetiva quando o apresentante só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele encerramento. Assim, quem oferecer o documento tem de demonstrar a impossibilidade da junção do documento até ao encerramento da discussão da causa em primeira instância, referência que ignorou, mas fez antever que a necessidade da apresentação do documento foi criada, pela primeira vez, pela decisão da 1.ª instância, porque baseada em meio probatório não oferecido pelas partes ou fundada em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação não contavam (artigo 651º/1 do Código de Processo Civil).
Parece patente a superveniência objetiva, porquanto o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1ª instância, mas não vemos que a decisão se tenha baseado em meio probatório não oferecido pelas partes nem em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação não contavam.
Contudo, a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes reconduzem-se a processos de jurisdição voluntária veiculados pelos critérios de oportunidade e equidade e não por critérios de estrita legalidade [artigos 3º, c), e 12º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela lei n.º 141/2015, de 08 de setembro). Assim, movendo-nos num processo de regulação de responsabilidades parentais, com a natureza de jurisdição voluntária, em que sobrelevam os citados critérios, admitimos a sua junção.

2. De direito
A decisão recorrida indeferiu a pretensão formulada pelo recorrente, pai dos menores C... e B..., no sentido de mudar a residência dos menores para os Açores, acompanhando-o, com base numa tríplice ordem de fundamentos: não está em causa a carreira profissional ou o emprego do pai, porque já está licenciado em biologia, com doutoramento e pós-doutoramento, pretendendo agora frequentar o curso de medicina veterinária; a mãe dos menores veio de propósito do Brasil para Portugal continental para se aproximar dos filhos; os laços afetivos entre mãe e filhos não estão consolidados e estão em curso visitas supervisionadas até à normalização do relacionamento entre os meninos e a mãe.
O pai defende que é a principal figura de referência dos menores, o que, neste momento, não suscita dúvidas, pois é o seu cuidador habitual, é com ele que os meninos residem e tudo parece indicar um mútuo relacionamento afetivo gratificante. Ainda assim, não pode o pai olvidar que o crescimento harmonioso dos meninos supõe um relacionamento afetivo equilibrado com ambos os progenitores, sob pena de surgirem perturbações na sua saúde emocional. É verdade que os meninos não podem ser educados em permanente satisfação dos seus desejos, porque isso os não prepará para as adversidades da vida, antes o tornando inseguros, mas a sua saúde física e mental depende primacialmente da harmonia que os pais colocam no relacionamento emocional que cultivam com os filhos. E o excessivo desejo de um progenitor ser o único na vida do filho pode criar uma competição com o outro, o que não é saudável para o crescimento harmonioso das crianças. Pode gerar sentimentos de ambivalência, tristeza, angústia e mesmo alguma agressividade. Cabe a ambos os progenitores desenvolver nos filhos qualidades humanas, sentido de ética e de respeito por todos os que os rodeiam, desiderato que só se alcança pelo exemplo. Ora, a disputa das crianças entre os dois progenitores é fator de insegurança e intranquilidade e, por isso, geradora de um desenvolvimento desarmonioso. E, sendo indiscutíveis os laços afetivos que unem as crianças ao pai, o ser pessoa conceituada e socialmente integrada e zelosa pelos interesses dos seus filhos, o certo é que os autos perpassam as mais diversificadas atitudes em que procura coartar o convívio das crianças com a mãe. Reconhecemos que os transtornos psíquicos e emocionais da mãe dos meninos lhe poderá causar alguma ansiedade e exacerbar o seu espírito protetivo, procurando inibir os contactos entre eles. Recordamos um dramático episódio, a que o recorrente sempre apela, de tentativa de suicídio, em 17/07/2012, na presença dos meninos. Desde então cinco anos passaram e a mãe, fazendo um esforço de restabelecimento dos contactos com os filhos, deixou o Brasil, país natal onde residia, para se fixar em Portugal, onde obteve emprego tem vindo a desenvolver visitas supervisionadas aos filhos. Visitas a que o pai das crianças tem criado algumas dificuldades, não cumprindo as datas pré-estabelecidas, opondo-se à intervenção da equipa técnica especializada, chegando mesmo a recusar a entrega das crianças nos serviços da segurança social para esse efeito (relatórios sociais).
Concebemos que é o pai que acompanha as crianças nas suas atividades escolares e extracurriculares, que os alimenta e vê crescer, o que o torna, compreensivelmente, possessivo. Porém, sendo pessoa com o grau cultural que a sua formação académica faz antever, será capaz de impor a si próprio alguns sacrifícios para garantir aos seus filhos um devir equilibrado e um crescimento harmonioso. E com esse espírito perceberá que os seus filhos só serão adultos verdadeiramente realizados se crescerem cientes do afeto do pai e da mãe. E sendo ainda incipiente o reatamento da relação emocional dos meninos com a mãe, uma quebra nesta altura, em que há sinais visíveis da sua mútua satisfação e do caráter gratificante das visitas, faria regredir os progressos já alcançados.
Ora, permitir que as crianças fixem a sua residência nos Açores dificultará as trocas afetivas que as visitas semanais com a mãe têm vindo a gerar. São bem mais profícuas que eventuais contactos via skipe, telemóvel ou presencialmente uma vez por mês, como promete o pai assegurar. Pai que não aguardou autorização do tribunal e, motu proprio, deslocou-se para os Açores, levou consigo as crianças, lá as matriculou no sistema de ensino e ele mesmo iniciou a frequência do curso superior de medicina veterinária. Evidentemente, teria sido mais avisado e sensato não perturbar as crianças com esta mudança sem prévia apreciação do tribunal, mas o facto consumado não posterga o dever de proteção do superior interesse dos meninos.
A argumentação do recorrente é que esta solução lhe coarta a sua carreira universitária e, presentemente, está colocado como professor na Escola .... Em prol da sua tese invoca jurisprudência que, salvo o devido respeito, não encastoa nos contornos factuais de que dispomos. Desde logo, não autorizar a alteração da residência das crianças para os Açores não cerceia a carreira profissional do pai das crianças, que ele, aliás, não identifica. Licenciado em biologia, doutorado e pós-doutorado, não invocou a quebra de qualquer carreira já definida, antes alegou e provou estar colocado como professor na Escola ..., Açores, com um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, o que não representa uma estruturada carreira profissional nos Açores. Em verdade, como ab initio alegou, a motivação da sua deslocação para os Açores advém da frequência do curso superior de medicina veterinária na Universidade desse arquipélago, por alegada impossibilidade de ingresso em idêntico curso de uma qualquer Universidade do continente. Não logrou, contudo, demonstrar que não conseguiu ingressar no curso de medicina veterinária de uma das faculdades do continente, porque a sua candidatura às Universidades de Évora e do Porto foram rejeitadas para o mestrado integrado de medicina veterinária no ano 2015/2016, por não reunir condições impostas pelo regulamento do concurso (fls. 58 a 61). Já quanto às outras tentativas de alegado ingresso no curso de medicina veterinária, elas não correspondem a qualquer candidatura ao ingresso no ensino superior, mas tão somente contactos informais – via e-mail mantidos com algumas Universidades para ingresso em mestrados integrados de medicina veterinária (fls. 52 a 57). Vale por dizer que não está demonstrada a impossibilidade de frequentar o curso de medicina veterinária numa das faculdades do continente, pois não comprovou ter-se candidatado ao respetivo concurso de acesso.
Em suma, o critério da decisão do tribunal quanto à residência das crianças é o seu superior interesse na promoção de uma relação de maior proximidade possível com os dois progenitores (artigo 1906º/7 do Código Civil). E o interesse dos menores aponta para a preservação de uma relação que construa e fortaleça os vínculos afetivos positivos existentes entre pais e filhos e afaste um ambiente destrutivo de tais vínculos[1]. Donde a necessidade de acautelar uma situação que promova a relação emocional das crianças com a mãe por forma atingir uma maturidade afetiva que sustente, se for caso disso, contactos mais esparsos com os filhos.
Apelamos, pois, ao esforço e empenho do pai das crianças neste processo de estruturação afetiva dos filhos com a mãe, o que só valorizará o seu relacionamento emocional com os meninos, ambos essenciais para a formação da personalidade futura dos menores numa saudável parentalidade com os dois progenitores. Os «filhos podem concorrer a suprir necessidades emocionais de seus pais (designadamente a realização pelo prolongamento geracional)», mas «é o interesse da criança a que cabe atentar, sendo esse interesse da criança também o interesse refletido, maduro, de um pai ou de uma mãe à altura do seu encargo educacional»[2]. Assegurar a proximidade com a mãe concorre para o interesse dos filhos.
Confirmando a decisão recorrida, fazemos um apelo final para que todos – pai, avó paterna e mãe movam esforços no mesmo sentido, porque só assim terão a satisfação pessoal de dever cumprido – o desfecho de um crescimento equilibrado e feliz dos seus filhos e netos, não havendo «decisão judicial que possa fazer frente à dinâmica desagregadora dos laços afetivos entre pais e filhos»; decisões que apenas apontam o caminho, «mas não percorrem ou fazem o caminho, o qual apenas pode ser feito e trilhado pelas pessoas em causa, no âmbito da sua liberdade»[3].
Regime de custas: As custas da apelação são suportadas pelo recorrente (artigo 527º/1 do Código de Processo Civil).

IV. Dispositivo
Perante o explanado, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, por conseguinte, em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
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Porto, 24 de janeiro de 2018
Maria Cecília Agante
José Carvalho
Rodrigues Pires
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[1] In www.dgsi.pt: Ac. RP de 09-07-2014, processo 1020/12.8TBVRL.P1.
[2] In www.dgsi.pt: Ac. RP de 12-07-2017, processo 554/14.4T2OBR-A.P1.
[3] In www.dgsi.pt: Ac. RP de 09-07-2014, processo 1020/12.8TBVRL.P1.