Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
658/13.0SLPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AIRISA CALDINHO
Descritores: ARQUIVAMENTO COM DISPENSA DE PENA
RECORRIBILIDADE
Nº do Documento: RP20151104658/13.0SLPRT.P1
Data do Acordão: 11/04/2015
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O despacho de não concordância com o arquivamento dos autos por dispensa de pena, a que se refere o artº 280º CPP é irrecorrível.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 658/13.0SLPRT.P1
2.ª Secção Criminal
Comarca do Porto – Diap - Porto
*
DECISÃO SUMÁRIA
*
I. No processo de inquérito n.º 658/13.0SLPRT da Comarca do Porto – Ministério Público, Porto – DIAP – 9.ª Secção, o Ministério Público interpôs recurso do despacho do JIC que não deu a sua concordância ao arquivamento com dispensa de pena, apresentando as seguintes conclusões:
- “…
1. Invoca-se no douto despacho recorrido que, no caso do arquivamento com dispensa de pena, B… ficar cerceada enquanto ofendida na possibilidade de reacção, por via hierárquica ou de instrução, quanto ao arquivamento pelo crime de violência doméstica.
2. Todavia, existe absoluta impossibilidade legal de, nesta situação, a ofendida ou qualquer das arguidas ser vítima de violência doméstica. O arquivamento com dispensa de pena reporta-se tão só e somente ao segmento de factos em que a ofendida C… se queixa contra as arguidas B… e D….
3. Nenhum destes sujeitos processuais – D…, B… ou C… - manteve entre si relação de namoro ou análoga às dos cônjuges ainda que sem coabitação (cfr. Artigo 152.º do Código Penal).
4. Não é legalmente possível a subsunção deste segmento de factos ao tipo penal da violência domestica.
5. Sendo legalmente impossível que esteja em causa a prática de crime de violência doméstica, não pode o Ex.mo Senhor Juiz a quo invocar este tipo penal e a protecção de B… para justificar que se não pode pronunciar sobre a questão que lhe foi posta a decidir.
6. O despacho que encerrou o inquérito é composto de 3 despachos de arquivamento; e de um despacho de arquivamento com dispensa de pena.
7. Efectivamente, procedemos ao arquivamento quanto ao crime de violência doméstica, nos termos do disposto pelo artigo 277.º n.º 2 do Código de Processo Penal, pelos factos denunciados e alegadamente praticados por E… contra B….
8. A única possibilidade de reacção relativamente a este despacho pertence a B…, contanto adquira entretanto a qualidade de assistente, que pode vir requerer a abertura de instrução, ou por via de reclamação hierárquica.
9. Nenhum dos despachos de arquivamento pode ser censurado pelo Juiz de Instrução, a não ser em sede de fase de instrução e por impulso do arguido ou do assistente.
10. Com todo o respeito, Ex.mo Senhor Juiz a quo não pode, ademais ex oficio, pronunciar-se sobre a actividade do Ministério Público, como se de instância de recurso se tratasse, ajuizando da bondade do arquivamento decidido nesta parte.
11. Findo o inquérito, dirigido pelo Ministério Público, a decisão de arquivamento ou de acusação compete ao Ministério Público e só a este - artigos 277.º e 263.º do Código de Processo Penal. E que a separação, neste processo de decisão, entre Ministério Público e Juiz de Instrução é de princípio e caracterizadora do direito processual penal português (principio acusatório).”
Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pela improcedência do recurso, face à irrecorribilidade do despacho recorrido.
II. Apreciando a questão tal como ela emerge dos autos temos que o Ministério Público, realizado inquérito relativamente a várias queixas, determinou o arquivamento dos autos relativamente a:
- um crime de ameaça p. e p. pelo art. 153.º do CP em que era queixoso E… contra D… e B…;
- um crime de ameaça p. e p. pelo art. 153.º do CP em que era queixosa C… contra F…;
- um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152.º do CP em que era queixosa B… contra E….
E determinou o arquivamento do processo por dispensa de pena relativamente a :
- um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143.º do CP em que era queixosa C… contra B… e D….
Para o efeito, determinou a remessa dos autos ao JIC nos termos e para os efeitos do disposto nos art.s 143.º, n.º 3, al. a), do CP e 280.º, n.º 1, do CPP, sobre o que veio a recair despacho nos seguintes termos:
- “…
Foi ordenado o arquivamento dos autos por eventuais factos consubstanciadores do crime de violência doméstica. Ora, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 287.º e b) do n.º 3 do art. 68.º, ambos do CPP, pode ser requerida a instrução, como a intervenção hierárquica. O que prejudica claramente o promovido. Qual, assim, o crime em investigação do processo no que respeita à queixa da ofendida B…? De violência doméstica ou de ofensa à integridade física simples para, deste modo, se verificar se se encontra expressamente prevista na lei a possibilidade de dispensa de pena, nº 1 di art.º 280º do CPP?
O deferimento do promovido coartaria assim os direitos do ofendido, atento ainda o disposto no nº 3 do citado art.º 280º. O que não pode ser.
Termos em que, por falta de fixação do objecto do processo (do crime do processo), não se concorda, ou melhor, não se pode concordar, por ora, com o arquivamento dos autos por dispensa de pena pelo crime de ofensas corporais, assim se mantendo, de igual modo, a decisão anteriormente proferida.
…”
É deste despacho que vem interposto recurso, pretendendo o recorrente a sua substituição por outro que aprecie o arquivamento por dispensa de pena proposto.
Pese embora entender-se que o Mmo JIC extravasou a sua competência ao tecer considerações sobre o arquivamento determinado pelo Ministério Público relativamente ao crime de violência doméstica, a verdade é que o despacho recorrido expressa claramente a sua não concordância ao arquivamento pretendido relativamente ao crime de ofensa à integridade física.
À semelhança do que ocorre com a suspensão provisória do processo, sobre a qual foi fixada jurisprudência no sentido da irrecorribilidade da discordância do JIC (Ac. STJ n.º 16/2009, de 18.11.2009), entendemos que também aqui não é admissível recurso, por não se configurar um acto decisório.
Na verdade, dispõe o art. 280.º, n.º 1, do CPP:
“Se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa de pena, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo, se se verificarem os pressupostos daquela dispensa.”
Daqui retira-se que o arquivamento por dispensa de pena pode ser determinado verificados que sejam certos pressupostos que poderão fundamentar o juízo de concordância ou de discordância do juiz de instrução. Caso não se verifique a concordância, tudo se passará como se não tivesse havido a decisão do Ministério Público de arquivar. Isto é, falta a esse juízo a natureza decisória característica dos despachos sujeitos a recurso.
Deste modo, tratando-se de decisão irrecorrível, o recurso não devia ter sido admitido, sendo de rejeitar, nos termos do disposto nos art.s 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP, razão do seu conhecimento sumário, nos termos do art. 417.º, n.º 6, al. b), do mesmo código.
III. Pelo exposto, rejeita-se o recurso, por se verificar causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos sobreditos.
Elaborado e revisto pela signatária.

Porto, 4 de Novembro de 2015
Airisa Caldinho