Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
120377/15.6YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA DE CONSUMO
DEFEITO DA OBRA
DONO DA OBRA
EXCEPÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
PROPORCIONALIDADE
REPARAÇÃO
Nº do Documento: RP20200511120377/15.6YIPRT.P1
Data do Acordão: 05/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em caso de empreitada defeituosa, a recusa pelo dono da obra do pagamento do preço em dívida, como exceção de não cumprimento do contrato, apenas pode ser oposta em termos proporcionais ao defeito verificado.
II - Nas empreitadas para consumo, perante defeito, o dono da obra tem direito à reparação ou substituição da coisa, redução proporcional do preço ou resolução do contrato.
III - Terá que pagar o preço devido o dono da obra que, em caso de defeito na execução da empreitada, recusa a reparação que lhe é proposta pelo empreiteiro (sem apresentar solução alternativa) e não exerce qualquer dos restantes remédios legais (redução proporcional ou preço ou resolução do contrato), limitando-se a invocar a exceção de não cumprimento em termos que não alega nem prova serem proporcionais ao defeito verificado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 120377/15.6YIPRT.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
……………………………
……………………………
……………………………
*
Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

Relatório
AUTORA: Massa Insolvente de B…, Lda, com sede na Rua …, …, 3.º esq., ….
RÉ: C…, residente na Rua …, …, Santo Tirso, ….

Por via da presente ação declarativa, pretende a A. obter a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 11.306,30, de capital, acrescida de juros de mora de € 1.431,10.
Para tanto alega ter a insolvente prestado à Ré um serviço de preparação do terreno e aplicação de relva, o que ascendeu a € 22.306, 30, que a A. faturou a 6.7.2012, não tendo a Ré procedido ao pagamento global do preço, mas apenas de € 11.000,00.

Contestando, disse a A. ter contratado com a Ré, em agosto de 2010, a aplicação de relva artificial, pelo valor de € 20.655, 20, tendo a Ré logo liquidado o montante de € 11.000,00. Todavia, passado um mês após aplicação, começaram a aparecer ervas daninhas, ao contrário do contratado entre as partes, razão pela qual a A. “anuiu e se responsabilizou em apresentar um trabalho tal como pedido”, mas só em 18.6.2012, a empresa apresentou como solução a colocação de uma rede anti-ervas ou malha-preta, solução que nunca foi levada a cabo.
Mais refere desconhecer a fatura apresentada.
Termina pretendendo a condenação da A. como litigante de má-fé.

Exercendo contraditório, disse a A. que nunca foi convencionado o não crescimento de ervas daninhas. Mais referiu que uma parte do terreno da Ré (uma parte de terreno diferente daquela parte a que se destinava o piso de relva artificial) era completamente desnivelado e descuidado, com várias ervas daninhas, tendo sido explicado à Ré que sem um sistema de escoamento de águas, esta iria ter problemas com infiltrações de águas na sua habitação e o terreno/jardim iria ficar completamente alagado em água sempre que chovesse ou a Ré deitasse água no seu terreno/jardim, pois a água não teria por onde escoar. Acrescentou que mais explicou à Ré que, caso esta o pretendesse, poderia instalar um sistema de escoamento de águas à volta da sua casa, sendo que tal instalação iria exigir a colocação de material específico com um custo que acresceria ao apresentado no orçamento n.º …/..-…., o que foi feito, tendo uns dias mais tarde sido remetido à Ré o descritivo, em modelo Excel, de todos os bens/serviços efectuados no terreno e casa desta, os quais perfaziam o cômputo de 20.655,20, e pagando esta o valor de € 11.000, 00, ficando por liquidar ficando assim por liquidar o montante de 11.306,30 EUR.
Cerca de um mês depois da execução da obra, a Ré referiu que tinham crescido algumas ervas daninhas junto da erva artificial, verificando a A. que tinham nascido 3 ou 4 pequenas ervas daninhas junto da relva artificial em causa, explicando-se à Ré que a relva artificial fornecida e instalada não apresentava qualquer problema ou defeito e que o nascimento de uma ou outra erva daninha era normal e inevitável, mas oferecendo-se para a A. para remoção das ervas, desde que o valor em dívida fosse pago, tendo a Ré referido não dispor de dinheiro naquele momento para efetuar o pagamento. Por diversas vezes, o gerente da A. se deslocou a casa da Ré e tentou o contacto com esta, mas sem sucesso, remetendo-lhe depois a comunicação de 18.6.2012 que constituiu o doc. 4 da oposição da Ré, emitindo depois a fatura e o recibo que remeteu à Ré pelo correio.

Realizado julgamento veio a ser proferida sentença datada de 14.10.2019, julgando a ação procedente e condenando a Ré a pagar à A. a quantia de € 11.306,30, acrescida de juros de mora calculados sobre tal quantia, desde 6-7-2012 e até efetivo e integral pagamento, e absolvendo a A. do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Foram os seguintes os factos aí dados como provados:
1. No exercício da sua actividade comercial, a empresa "B…, Lda.", com a identificação comercial D…, a pedido e sob a orientação da Requerida, forneceu a esta última os bens e serviços discriminados na seguinte factura:
- Factura n.º .., no valor de 22.306,30 EUR (vinte e dois mil, trezentos e seis euros trinta cêntimos), emitida em 06.07.2012 e vencida no mesmo dia:
Serviços conforme n/ orçamento n.º …/..-….:
- Preparação do terreno p/ aplicação da relva;
- Fornecimento e aplicação de relva artificial ref.ª 3030, m2;
Serviços extras a pedido da cliente:
- Tubo PVC 110mm,mtrs;
- Tubo PVC 90mm, mtrs;
- Grelhas galvanizadas, un;
- Tampas galvanizadas, un;
- Sacos de cimento, un; - Caixas de cimeto, un;
- Tela de solo, mn2;
- Cilindro para pico, hora;
- Serviço de máquina, hora;
- Cargas de pico e brita, un;
- Mão-de-obra, hora.
2. Interpelada para o pagamento, a Requerida efectuou um pagamento por conta da factura supra referida no valor de 11.000,00 EUR (onze mil euros), tendo a empresa "B…, Lda." emitido o recibo n.º …., no data 06.07.2012;
3. Por sentença proferida a 19 de Março de 2013, pelas 20 horas, cuja publicação ocorreu no Portal Citius de 20 de Março de 2013 sob a referência 8496760, a empresa "B…, Lda." foi declarada insolvente;
4. Apesar de várias vezes interpelada para proceder ao pagamento da quantia em dívida, até à presente data nada pagou;
5. Em data compreendida entre Julho e Agosto de 2010 a Requerida contactou a D… para colocar tapete de relva artificial em toda a extensão do jardim de sua casa;
6. Tendo antes sido fornecido orçamento à Requerida, no total de € 20.655,20;
7. Após a colocação do tapete, foram várias as queixas apresentadas pela requerida, via telefone;
8. E só em 18-6-2012 lhe ofereceram um remedeio para a situação, de colocação de rede anti-erva ou malha preta;
9. A taxa de IVA em vigor em 2010, ano do orçamento e realização do trabalho, era de 21%;
10. Aquando do contacto efectuado pela Ré, esta mencionou ao Gerente da Autora que pretendia ter relva artificial em parte do terreno da sua casa, pois não tinha muito tempo para cuidar e cortar relva natural, sobretudo porque a casa onde pretendia colocar a relva em questão, sita em Santo Tirso, não constituía a sua residência habitual;
11. Na sequência do que foi entregue em mãos da Ré o orçamento n.º …/..-…., emitido em 28.07.2010 e, ainda, um catálogo com amostras de diversos tipos de relva artificial com as respectivas referências;
12. Do orçamento n.º …/..-…. constava o preço pela “preparação do terreno para aplicação da relva” (750 EUR) e o preço por m2 pelo fornecimento e aplicação de cada um dos vários tipos de relva, cada um com a sua determinada referência;
13. Sendo que cada referência constante do aludido orçamento correspondia a uma determinada amostra de relva artificial constante de um catálogo, precisamente o catálogo entregue à Ré.
14. Algum tempo depois, o Gerente da Autora deslocou-se novamente à casa da Ré, tendo esta referido expressamente àquele que pretendia adjudicar o serviço de preparação do terreno para aplicação da relva, com o preço de 750 EUR (sem IVA), e ainda o serviço de fornecimento e aplicação da relva com a referência 3030 com 30mm de espessura e com o preço de 28,60 EUR/m2 – ambos constantes do orçamento n.º …/..-….;
15. Nessa sequência, tendo em consideração a pretensão da Ré, o Gerente da Autora adquiriu à empresa E…, Lda 420m2 do tipo de relva artificial escolhido pela Ré (concretamente aquele com a referência 3030 do catálogo anteriormente entregue à Ré);
16. Em meados de Agosto de 2010, no intuito de fornecer e instalar 420m2 de piso de relva artificial com a referência 3030 em 420m2 do terreno da propriedade da Ré, precisamente o escolhido e contratado por esta, o Gerente da Autora deslocou-se a casa da Ré;
17. Quando chegou a casa da Ré, o Gerente e os dois funcionários da Autora repararam que na casa da Ré inexistia um sistema de escoamento de águas.
18. Mais repararam que uma parte do terreno da Ré (uma parte de terreno diferente daquela parte a que se destinava o piso de relva artificial) era completamente desnivelado e descuidado, com várias ervas daninhas;
19. Nessa sequência, o Gerente da Autora explicou à Ré que sem um sistema de escoamento de águas, esta iria ter problemas com infiltrações de águas na sua habitação e o terreno/jardim iria ficar completamente alagado em água sempre que chovesse ou a Ré deitasse água no seu terreno/jardim, pois a água não teria por onde escoar;
20. Mais explicou à Ré que, caso esta o pretendesse, poderia instalar um sistema de escoamento de águas à volta da sua casa, sendo que tal instalação iria exigir a colocação de material específico com um custo que acresceria ao apresentado no orçamento n.º …/..-….;
21. O Gerente da Autora disse, ainda, à Ré que, caso ela assim o pretendesse, também podiam nivelar e arranjar a outra parte do terreno (diferente daquela a que se destinava o piso de relva artificial), para ficar com um terreno mais cuidado e bonito, sendo que também estes serviços teriam um custo acrescido.
22. Após tal explicação, o Gerente e os funcionários da Autora diligenciaram pela instalação de 420m2 de piso de relva artificial (ref.ª 3030) em 420m2 do terreno da propriedade da Ré.
23. Posteriormente, a pedido da Ré, o Gerente da Autora diligenciou pela instalação de um sistema de escoamento de águas à volta da casa da Ré, bem como pelo nivelamento e arranjo da outra parte do terreno da Ré;
24. As obras identificadas começaram e terminaram em data não apurada de Agosto de 2010;
25. A pedido da Ré, uns dias mais tarde o Gerente da Autora remeteu à Ré o descritivo, em modelo Excel, de todos os bens/serviços efectuados no terreno e casa desta, os quais perfaziam o cômputo de 20.655,20 EUR;
26. Para pagamento de parte das obras efetuadas pela Autora, a Ré efetuou pagamento que totaliza a quantia de 11.000,00 EUR;
27. O Gerente da Autora resolveu aguardar pela indicação da morada para a qual a Ré pretendia que fosse enviada a factura;
28. Cerca de um mês depois da execução da obra, a Ré efectivamente entrou em contacto com o Gerente da Autora, tendo referido que tinham crescido algumas ervas daninhas junto da erva artificial oportunamente fornecida e instalada pela Autora;
29. Uns dias mais tarde, o Gerente da Autora deslocou-se a casa da Ré, e explicou à Ré que a relva artificial oportunamente fornecida e instalada não apresentava qualquer problema ou defeito, que o nascimento de uma ou outra erva daninha era perfeitamente normal e inevitável.
30. Porém, e por mera questão de brio profissional, o Gerente da Autora referiu à Ré que iria diligenciar pela remoção das ervas daninhas, mas referiu expressamente que a Ré teria de efetuar o pagamento da quantia ainda em dívida.
31. Naquele momento, a Ré apressou-se a referir ao Gerente da Autora que ainda não tinha, naquele momento, dinheiro para proceder ao pagamento da quantia ainda em dívida.
32. Durante os meses que se seguiram, por diversas vezes o Gerente da Autora tentou entrar em contacto telefónico com a Ré, para solicitar a indicação da morada de facturação, e bem assim para pedir o pagamento da quantia ainda em dívida.
33. Mas sempre sem sucesso;
34. Face ao comportamento da Ré, em 18 de Junho de 2012, o Gerente da Autora entrou em contacto com a empresa fornecedora da relva artificial (E…, Lda.), no sentido de saber que medidas podiam ser tomadas para retirar e evitar, ainda mais, o nascimento das ervas daninhas que tinham nascido no jardim da Ré;
35. O Gerente da Autora deslocou-se à casa da Ré, sita em Santo Tirso, e colocou na respectiva caixa de correio a comunicação da qual consta «Após análise do problema colocado a nossa recomendação é a seguinte forma a resolver o problema: - levantamento da relva existente e consequente retirada das ervas daninhas que possam ter aparecido; - aplicação de um herbicida no terreno existente de forma a “pulverizar” e evitar futura infestação. Se possível aplicar alguma camada de toutvenant de forma a selar” o terreno; - colocação de rede anti-ervas ou malha preta; - reaplicação da relva levantada»;
36. Uns dias mais tarde, o Gerente da Autora entrou em contacto com a Ré, tendo esta atendido somente para recusar os serviços descritos atrás;
37. No mesmo dia em que emitiu a factura n.º .., a Autora emitiu o recibo n.º …., no montante de 11.000,00 EUR;
38. No mesmo dia, o Gerente da Autora remeteu, via CTT, no mesmo envelope, a factura n.º .. e o recibo n.º …. para a casa da Ré, sita em Santo Tirso.

Factos não provados:
a) O referido em 1) ocorreu por acordo de 6-7-2012;
b) Foi na data referida em 6) que foi paga a quantia de €11.000,00 pela Requerida.
c) O pagamento de € 11.000,00 foi efectuado por meio de as seguintes transferências bancárias para a conta bancária titulada pela empresa “B…, Lda.”, junto do F…, SA:
1.ª – 3.000,00 mil EUR, no dia 28 de Setembro de 2010;
2.ª – 3.000,00 EUR, no dia 29 de Setembro de 2010;
3.ª – 3.000,00 EUR, no dia 30 de Setembro de 2010;
4.ª – 2.000,00 EUR, no dia 6 de Outubro de 2010.

Desta sentença, recorre a Ré, visando a sua revogação, com base nos argumentos que sintetiza nas seguintes conclusões:
……………………………
……………………………
……………………………

Contra-alegou a A. pugnando pela manutenção do decidido.

Os autos correram vistos.

O objeto do recurso é o seguinte:
Saber se deve ser dado como provado que a Ré não procedeu ao pagamento do valor em falta porque, como provado em 31 dos factos assentes, a Ré referiu ao gerente da A. não dispor de fundos para proceder ao pagamento, devendo ser ainda apurado se durante cerca de dois anos após a Ré ter denunciado a existência das ervas daninhas as partes estiveram em negociações e só em 18.6.2012 a A. oferece uma solução. Saber ainda se ficou ou não demonstrado ter a Ré recusado a solução que lhe foi proposta e se pode ser considerado como provado ter sido a Ré interpelada para fazer o pagamento.
Como se vê, o recurso baseia-se apenas nos factos a dar como provados e não provados, não impugnando a solução jurídica que com base nos factos dados como provados foi encontrada na sentença a quo. De modo que apenas será alterada a subsunção jurídica-normativa caso se verifique ser de modificar o sentido da factualidade dada como provada e não provada.

Fundamentação:
Ouvidos os depoimentos da Ré, do sócio-gerente da empresa entretanto julgada insolvente, da mulher deste e, ainda, da filha da primeira, verifica-se que a decisão sobre a matéria de facto se encontra correta e devidamente fundamentada.
Com efeito, embora não tenha resultado do depoimento de nenhum destes, de forma efectiva, ter-se a Ré recusado ao pagamento em falta em virtude da alegação de falta de disponibilidade financeira para o fazer, a verdade é que do depoimento desta resulta que, estando o trabalho, na sua ótica, defeituoso, a mesma não pretendia pagar até que se demonstrasse estar em condições. Por esse motivo, não pode manter-se a redação a redação do ponto 31 que se elimina e substitui pela descrição:
31. “A Ré recusou o pagamento”.
Todavia, a verdade é que o impasse colocado por essa posição da Ré deu origem aos longos meses seguintes de conversações entre as partes sem que tenha chegado a qualquer consenso, até que aquele gerente, H…, remeteu à Ré uma proposta de solução que a Ré refere expressamente não ter aceite porque já não confiava na empresa e sendo que lhe pareceu insuficiente (palavras da testemunha I…) a proposta de solução apresentada.
Finalmente, é um facto que, mesmo tendo sido remetida cerca de dois anos após a conclusão do negócio, a fatura relativa à interpelação do pagamento foi recebida pela Ré, o que esta não nega.
Aqui chegados verificamos que nenhuma outra censura merece a descrição factual que, por isso, se mantém, com exceção do supra exposto quanto ao ponto 31.
Não se tendo introduzido qualquer alteração à matéria factual, não se impõem qualquer alteração da subsunção jurídico-civil.
Neste ponto diremos tão-só que sendo possível opor a exceção de não cumprimento do contrato em caso de cumprimento defeituoso[1], a verdade é que a faculdade de não prestar enquanto a outra parte não o fizer apenas existe naquela parte do valor correspondente ao incumprimento, isto é, a não prestação do preço em falta tem que ser proporcional aos defeitos que se observam.
O conceito fundamental do cumprimento defeituoso no contrato de empreitada é o de defeito da obra[2], isto é, para haver responsabilidade do empreiteiro, nos termos do art. 1219º CC é necessário a obra ter defeitos. O defeito consiste num “desvio à qualidade devida, desde que a divergência seja relevante”[3].
O art. 1208º CC dispõe que “o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”. O empreiteiro deve então respeitar o que foi acordado no contrato e, deve ainda, entregar a obra isenta de vícios que reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso normal ou previsto no contrato. Parece possível poder distinguir duas categorias de defeitos: as desconformidades que consistem numa divergência entre o acordado pelas partes, e os vícios que constituem situações em que há uma divergência entre a obra realizada e os atributos normais de coisas do mesmo género.
Os vícios dos autos caracterizam-se por serem do tipo que exclui ou reduz a aptidão da obra e traduzem-se nas situações em que as características da obra não possibilitam que seja adequada à utilização comum, i.é, in casu, a usufruir da relva artificial sem a existência de ervas daninhas.
No caso da empreitada para consumo (a Ré é considerada consumidora para efeitos da definição decorrente do disposto no art. 1.º B al. A[4]), valem as regras do DL 67/2003, de 8.4, pelo que lhe (à Ré) cabia, de acordo com o art. 4.º, 1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
Ora, a Ré não exerceu qualquer destas faculdades e, mesmo quando lhe foi proposta a solução para banir o defeito, além de recusar o pagamento do preço em falta, recusou o recebimento daquela prestação de reparação por parte do empreiteiro.
Essa atuação da Ré não é legítima.
Embora não tivesse de aceitar a prestação de reparação, a verdade é que não contrapropôs qualquer outro dos remédios legais que a lei faculta ao consumidor, maxime redução do preço em conformidade com o valor do trabalho prestado. Depois, mesmo em sede de oposição, não formulou qualquer pedido para ver reduzido o valor da sua prestação em conformidade com o valor do serviço efetivamente prestado. Na verdade, caso o tivesse feito, poder-se-ia ter efetuado uma peritagem que avaliasse o valor da relva tal como foi colocada e o valor que teria se correctamente efetuado o trabalho, depois apurar-se-ia se existia saldo a favor de A. ou Ré. Mas esse trabalho não foi feito porque nenhum pedido nesse sentido foi efetuado pela Ré.
Assim, neste momento, o que se apurou é que existe um serviço que foi prestado e faturado (com IVA correctamente liquidado ao tempo da faturação, faturação esta que foi retardada porque as partes se não entenderam quanto à reparação do serviço) e que, por isso, deve ser pago. Com efeito, “Na falta de convenção ou uso em contrário, o preço deve ser pago no acto de aceitação da obra (artº 1211º, nº2 Código Civil). Sendo a obra executada e aceite por partes também o pagamento deverá ser fraccionado”[5]. A regra do pagamento do preço na aceitação da obra corresponde também ao momento em que se transfere a titularidade da obra. Isto porque em matéria de cumprimento das obrigações vigora o princípio da pontualidade e da integralidade da prestação.
Por outro lado, não foi deduzida qualquer reconvenção no sentido de reduzir o preço em qualquer percentagem correspondente aos defeitos.
Sendo assim, a ação terá que proceder nos exatos termos em ocorreu em primeira instância.

Dispositivo
Pelo exposto, decidem os Juízes desta Relação julgar o recurso improcedente e manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 11.5.2020
Fernanda Almeida
António Eleutério
Isabel São Pedro Soeiro
_________________
[1] A excepção de não cumprimento do contrato (exceptio non adimpleti contractus) prevista no artº 428º do Código Civil opera mesmo no caso de incumprimento parcial e de cumprimento defeituoso – a chamada exceptio non rite adimpleti contractus-, havendo que ter em conta, no entanto, o princípio da boa fé.
Daí resulta a exigência de uma apreciação da gravidade da falta, que não pode mostrar-se de pouca importância para a outra parte, bem como a adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção-Ac. RC, de 6.12.05, Proc. 2798/05.
[2] O cumprimento defeituoso tem autonomia no campo do incumprimento pois, para que exista cumprimento defeituoso, é necessário que tenha existido cumprimento e que o credor tenha aceite a prestação. “Tendo o credor aceito a prestação, por desconhecer o defeito do cumprimento ou, conhecendo-o,manifestando uma reserva, a violação do dever obrigacional não se enquadra, nem na mora, nem no incumprimento definitivo. Na realidade, estes dois tipos de não cumprimento advêm de uma omissão; enquanto que, no caso em apreço, houve uma conduta, embora irregular”. (P. Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, Teses, págs.158 e 159).
[3] Pedro Romano Martinez, “Cumprimento Defeituoso em Especial ma Compra e Venda e na Empreitada”, p. 163, 2001, Almedina.
[4] Entende-se por «Consumidor», aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho;
[5] P. R. Martinez, Contrato de Empreitada, Direito das Obrigações, AFDUL, pág. 203.