Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
408/17.2T8OBR-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
ACOLHIMENTO RESIDENCIAL
Nº do Documento: RP20210714408/17.2T8OBR-D.P1
Data do Acordão: 07/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Quando esteja em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou do jovem é legítima uma intervenção para a promoção dos seus direitos e para a sua protecção (artigo 3.º, n.º 1, da LPCJ).
II - Nestas situações, por mais desejável que seja a prevalência da família (cfr. artigo 4.º, al. h), da LPCJ), o mais importante é o interesse superior da criança ou do jovem (cfr. artigo 4.º, al. a)), devendo, em qualquer caso, a medida a aplicar ser a necessária e a adequada a salvaguardar a criança ou o jovem do perigo em que se encontra no momento da aplicação da medida (cfr. artigo 4.º, al. e)).
III - Quando se frustram as tentativas de aplicação de medidas no meio natural da vida da criança ou do jovem, torna-se necessária a aplicação de uma medida distinta/alternativa a esta.
IV - Acarretando a medida de acolhimento residencial, expressamente prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJ, um certo sacrifício para o interesse da família, mas sendo o rigor da medida atenuado com a autorização das visitas e dos contactos entre a menor e a sua mãe e, sobretudo, com a limitação da medida no tempo e a sua susceptilidade de revisão a curto prazo, não há dúvidas de que ela respeita os princípios da proporcionalidade (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito) e da actualidade impostos no artigo 4.º, al. e), da LPCJ.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
Processo n.º 408/17.2T8OBR-D.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
A Digna Magistrada do Ministério Público instaurou, a 21 de Fevereiro de 2020, processo de promoção e protecção relativo ao jovem B… e à criança C…, por entender, que se encontravam numa situação de perigo devido ao conflito havido entre os pais, com acusações de maus-tratos físicos e psicológicos da mãe para os filhos e negligência ao nível da alimentação.
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Após terem sido ouvidos o jovem B…, os progenitores e a Sra. Técnica da Segurança Social que procedeu à avaliação da situação nos termos do disposto no art.º 107.º n.ºs 1 e 2 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01/09 e alterada pelas Leis n.ºs 31/2003, de 22/08, 142/2015, de 08/09, 23/2017, de 23/05 e 26/2018, de 05/07 (adiante designada LPCJP), foi declarada encerrada a instrução e realizada conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e protecção nos termos do disposto no art.º 112.º do mesmo diploma legal, tendo sido aplicada ao jovem B… e à criança C…, por acordo, respectivamente, uma medida de apoio junto do pai e uma medida de apoio junto da mãe, pelo período de um ano, revistas semestralmente.
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Aquando da revisão das medidas não foi possível a obtenção de acordo para substituição das medidas aplicadas pela medida de acolhimento residencial pelo que foi dado cumprimento ao disposto no art.º 114.º n.º 1 da LPCJP, sendo que o Ministério Público e os progenitores apresentaram alegações e arrolaram testemunhas.
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Por despacho proferido a 1 de Fevereiro de 2021, foi aplicada ao jovem e à criança uma medida provisória de acolhimento residencial pelo período de seis meses, revista trimestralmente.
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Foi realizado o debate judicial com observância do formalismo legal.
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Procedeu-se à audição do jovem B…, mas já não da criança C…, atendendo à idade desta - 7 anos.
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Por acórdão proferido em 20 de Abril de 2021 e após deliberação, foi decidido:
a) substituir a medida de apoio junto da mãe aplicada à criança C… pela medida de acolhimento residencial pelo período de um ano, revista semestralmente (art.º 62.º n.º 1 da LPCJP);
b) substituir a medida de apoio junto do pai aplicada ao jovem B… pela medida de acolhimento residencial pelo período de um ano, revista semestralmente;
c) autorizar que os progenitores visitem, com supervisão, a criança e o jovem na instituição de acordo com as regras e horários definidos por esta para o efeito;
d) determinar que o jovem, a criança e os progenitores beneficiem de acompanhamento psicológico;
e) determinar que os progenitores beneficiem de intervenção ao nível da capacitação parental;
f) determinar que seja efectuada intervenção técnica tendo em vista o restabelecimento de uma relação adequada entre mãe e filho.
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Não se conformando com o segmento da decisão proferida respeitante à medida aplicada à criança C…, a recorrente D… veio interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

“I) Á Menor C… foi aplicada em 2 de junho de 2020, a medida de "apoio junto da Mãe", por se entender ser esta medida a mais adequada ao superior interesse da menor.

II) Como tal, a progenitora cumpriu integralmente, diligentemente e zelosamente com o Acordo devidamente homologado.

III) Não obstante, e sem que nenhum facto trazido aos autos que indiciasse qualquer situação de perigo à menor C… que o fizesse prever, a Digna Magistrada do Ministério Público promoveu e foi decidida provisoriamente e com carácter de urgência o acolhimento residencial de ambos os menores, B… e C…, sendo os mesmos retirados aos progenitores no dia 7 de fevereiro de 2021.

IV) Decisão essa firmada no Acordão do qual se recorre, por se entender que a decisão de acolhimento residencial tomada em relação à criança C…, não se coaduna com a matéria de facto dada como provada.

V) Ademais, todos os relatórios sociais juntos aos autos que se referem à menor C…, relatam uma criança aparentemente bem tratada, com resultados positivos na escola (cfr. a fls 65, informação prestada pela Diretora de Turma da escola que a menor frequenta);

VI) Em entrevista à professora da menor C…, cfr fls 88, datada de 27/11/2019, esta refere que a criança vai muito bem cuidada para a escola, com roupas modestas mas sempre muito limpa e arranjadinha; leva lanches para a escola; faz os trabalhos de casa, tem bom aproveitamento e é bem comportada de uma forma geral. É assídua e pontual, indo de manhã para o ATL e chega sempre a horas; a mãe colabora com a escola sempre que solicitada, e está presente nas festas e convívios, nomeadamente no Dia da Alimentação.

VII) No relatório apresentado a fls 88, entrevista e observação de C…, é descrita como uma criança alegre, bem disposta, atenta e que gosta de fazer perguntas;

VIII) Diz gostar da escola, da professora e dos colegas; gosta de viver com a mãe e com o namorado desta, sendo inclusive o namorado da mãe que por vezes a vai levar e buscar à escola, ficando depois com a mãe na pastelaria onde esta trabalha, aí jantando às vezes.

IX) Diz, também, gostar da companheira do pai e das suas netas com quem brinca; refere falar com o irmão B… pelo telemóvel e que é a progenitora que liga para que esta (C…) possa falar com ele.

X) O relatório refere ainda, que a menor C… aparentava bem estar, sem sinais de sono e surpreendeu e vivacidade e espontaneidade na forma como respondeu às perguntas, sem qualquer sinal de mau estar.

XI) A fls 189, em novo relatório social, datado de 18/05/2020, relata-se as declarações da professora da C…; “A C… é uma menina alegre e participativa, relacionando-se bem tanto com adultos como com os colegas. Acompanha o ritmo de trabalho da restante turma e revela boas capacidades de aprendizagem. Tem o material que lhe foi pedido e faz os trabalhos de casa com a mãe, segundo ela refere.”

XII) Acrescenta ainda; “Não demonstra problemas de falta de higiene ou deficiente alimentação e traz sempre o lanche para a manhã e para a tarde. Pontual, tem apenas uma falta justificada. A mãe comparece sempre na escola e participa nas atividades, festas e convivios.”

XIII) Já no relatório de fls 327, refere a Sra. Técnica, a propósito dos encontros supervisionados entre progenitora e B…: “A criança C… vinha muito bem cuidada, postura muito adequada e educada e ambas (a progenitora e a menor C…) ficaram surpresas por B… não ter vindo” (cfr. o acordo homologado).

XIV) Nesse relatório, refere-se ainda que em 11/12/2020 que “a mãe trouxe um bolo de aniversário para o filho e presente de aniversário, para além de outros objectos significativos para o filho”.

XV) Ainda a fls 328 continua que o pai compareceu de forma “agressiva e autoritária”, falando num “tom ameaçador”, deixando a menor “C… assustada e paralisada, abraçando a mãe, triste e apreensiva”.

XVI) Este comportamento do progenitor foi imitado por B…, demonstrando raiva e agressividade verbal para com a Sra. Técnica e acusando-a de “xenofobismo”.

XVII) A progenitora de tudo tem feito para se aproximar do seu filho, tendo imenso receio de ao contrariá-lo ainda o afastar mais; por isso concordou com todos os acordos de proteção, aceitou que o menor ficasse a residir com o pai, cumpriu sempre com as visitas da menor C… ao progenitor; por acreditar que um dia o filho B… iria perceber o quanto a mãe o ama e o quão errado tem sido o seu comportamento e mentiras.

XVIII) Aliás, tanto o progenitor, como o menor B… referem que a progenitora “gosta mais da irmã”, afirmações que por si próprias causam ciúme e desequilibro emocional;

XIX) Todos estes factos são dados como provados nos pontos 8, 9, 11, 15, 16, 36, 62, 63, 64, 65, 80, 81, 82, 83, 84 e 109 resulta inequivocamente, que a criança C…, é uma criança bem cuidada, física e emocionalmente, pela sua progenitora, com quem tem fortes laços de afetividade, carinho e amor.

XX) Ao contrário do que se conclui em sede de acordão, o facto provado da criança C… mostrar-se feliz na instituição, não significa de todo, que esta esteja mais feliz aí do que residindo com a sua mãe, nem desse facto se poderá concluir que tal representa uma incompatibilidade “com uma verdadeira vinculação segura com a mãe.”

XXI) Gostar mais da escola nova”, não significa, de todo, gostar mais de estar institucionalizada porque aí se sente melhor; a escola não é o lar; a escola é a escola, o lar é o lar.”

XXII) Aliás, em 24/03/2020, é a própria Digna Magistrada do M.P. que escreve o “o perigo a que os menores se encontram sujeitos, centrado no conflito parental e na violência doméstica entre os progenitores (….) afigura-se que da vigência da situação e o perigo associado nestas circunstâncias não justifica a aplicação de uma medida provisória”.

XXIII) No mesmo sentido, é a conclusão da Meretíssima Juíza, a fls 158: “É forçoso concluir que tendo em conta unicamente os elementos dos autos, o jovem e a criança não estão efetivamente numa situação de perigo tal que implique a necessidade de uma medida provisória de promoção e protecção”.

XXIV) Pelo que não se compreende, a ora conclusão do acordão recorrido, quem virtude dos episódios de violência doméstica por parte do progenitor, que receando o progenitor, a progenitora é incapaz de proteger a sua filha C…. Até porque, como se dá como provado nos pontos 3 e 4, quando o progenitor da criança e do jovem, reteve os mesmos em Marrocos, foi a recorrente/progenitora, que sozinha, conseguiu reaver e trazer, um de cada vez, os seus filhos novamente para Portugal. Sendo certo que também foi a progenitora, sozinha, que proveu ao sustento dos seus filhos, cfr pontos 4, 5, 6,16,17,21.dos factos provados.

XXV) Mas mesmo aceitando, a existência de coação e medo da progenitora em relação ao progenitor, sempre se dirá que não pode ser a criança C… e a sua progenitora penalizadas pelo comportamento do progenitor, sendo certo que a progenitora/recorrente tudo ao seu alcance tem feito por forma a fazer cessar episódios de conflito; sendo exemplarmente cumpridora de todas as medidas propostas no ambito da CPCJ. A este propósito, recorde-se que a progenitora, acedeu a que B… fosse viver com o progenitor, apenas pedindo que lhe fosse explicado, que só o permitia por entender, ser, no momento o melhor para ele. (cfr. pontos 50 e 51).

XXVI) Existe, efetivamente, uma acusação por violência doméstica por parte do jovem B… contra a sua progenitora. Trata-se de uma acusação que não se estende à criança C… e que é feita pelo jovem no âmbito de um contexto muito particular de vingança, não aceitação da competência da lei portuguesa para o divórcio,” numa relação de poder do pai com a mãe, sendo tal transmitido ao filho que copia o modelo do pai”, considerando a CPCJ que o jovem B… estaria “a repetir o discurso que lhe foi transmitido pelo pai”, ao qual “demonstra grande necessidade de agradar” (cfr. pontos 46,171,172); acusação esta pela qual a progenitora ainda não foi julgada e acredita piamente que será absolvida.

XXVII) Não se descura a natureza preventiva, de evitar o dano em situações de risco de menores, bastando para tal qualquer indicio de situação de perigo, do processo de promoção e protecção, porém se indícios há em relação ao B…, por via da acusação do processo crime (o qual, em virtude da natureza secreta do PPP, não teve acesso às informações e relatórios constantes deste processo), tais indícios de natureza criminal ficam seriamente abalados, se contextualizados com a prova produzida nos presentes autos.

XXVIII) No acórdão escreve-se “É evidente (…) que o pai manipula os filhos e utiliza-os para ameaçar e atingir a progenitora ou para dela se aproximar quando o pretende e esta nem sempre consegue assumir o comportamento adequado, quiça pelo receio e incapacidade que sente em evitar que o pai tente afastar os seus filhos de si, como já sucedeu com B…, vendo-se envolvida em processos e mais processos e acusações contra si”.

XXIX) Porém, existe apenas um processo crime contra a progenitora; o comportamento desta face aos acordos de regulação/alteração das responsabilidades parentais e aos acordos assinados junto da CPCJ sempre foi exemplarmente cumpridor; mantendo-se calada perante os insultos e agressividade do progenitor frente aos menores; evitando discutir com o progenitor a todo o custo, não retaliando.

XXX) E aqui refira-se, o provado facto da criança C… ter abraçado a mãe, só reforça tudo quanto vem descrito quanto à verdadeira ligação e afetividade entre mãe e filha. E se, questionou a madrasta sobre o facto, desta ter cortado o cabelo à C… numa das visitas ao pai, tal, não justifica de modo algum, a conclusão de que a progenitora não assume um comportamento adequado de competência parental.

XXXI) E é de tal modo, percetível dos factos provados neste processo, a inverosimilhança de uma futura condenação da progenitora pelo crime de violência domestica sobre o seu filho, que as Sras. Técnicas, não obstante a existência dessa acusação criminal, reiteram a posição já anteriormente assumida, de se restabelecer a relação entre o jovem e a progenitora.

XXXII) Não se descura que este tribunal decide com base em indícios, com vista à proteção de menores em risco, porém, relativamente à menor C… não existe nos autos qualquer indício de que esteja, tenha estado ou venha a estar em risco.

XXXIII) Afastar de forma abrupta e, salvo o devido respeito, injustificada a menor da
mãe, retirando-a à força, na presença de polícias, por si só, já causou mais danos Psico-emocionais a esta criança do que qualquer indício de perigo, que é de todo inexistente nos presentes autos e seus apensos.

XXXIV) Mesmo sendo certo que a progenitora vem acusada de um crime de violência doméstica sobre o menor B…, não há qualquer processo crime ou indícios de violência, negligência, maus tratos ou exposição da progenitora para com a criança C….

XXXV) Não se pode senão concluir que a menor C… não está numa situação de perigo que justifique o seu acolhimento residencial, tanto assim que foi parecer unanime das Sras. Técnicas da SS a manutenção da medida de apoio junto da mãe em relação à menor C….

XXXVI) Pelo que a decisão viola o disposto nos arts. 69º, nº 1 e 36º, nº 5 da CRP; art. 1878º do CC e arts. 4º e 34º da LPCJP.”.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:

Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que a questão a resolver no âmbito do presente recurso consiste em aferir se, face aos elementos constantes dos autos, a medida de apoio junto da mãe aplicada à criança C… é a adequada à situação da menor.
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3. Conhecendo do mérito do recurso:
3.1 Factos assentes
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. B… e C… nasceram, respectivamente, a 7 de Dezembro de 2007 e 13 de Julho de 2013 e são filhos de E… e de D…, tendo-lhes sido atribuída a nacionalidade portuguesa.
2. Os progenitores casaram em 2006, em Marrocos, seu país de origem, sendo que os dois filhos nasceram em Portugal, para onde o casal imigrou.
3. A relação entre os pais foi pautada pelo conflito, acusando a progenitora o pai dos filhos de a coagir por diversas vezes, como quando a família, no Verão de 2017, ter ido passar férias a Marrocos por imposição daquele e este ter retido as crianças em tal país.
4. A progenitora acabou por regressar a Portugal com os filhos em separado, primeiro o filho e depois a filha, tendo o progenitor permanecido em Marrocos, sem contactos quer com aquela, quer com os filhos, até inícios de Fevereiro de 2018.
5. Aquando da ruptura familiar, as crianças ficaram a residir junto da mãe.
6. O progenitor comunicou à progenitora dos filhos, em Fevereiro de 2018, que tinha regressado a Portugal e estava a residir na zona de …, depois de uma temporada de trabalho em Espanha, sendo evasivo sobre a sua situação.
7. No dia 7 de Fevereiro de 2018, o pai fez videochamada com a filha e esteve, presencialmente, com os filhos no dia 15 de Fevereiro de 2018 em casa da progenitora e no dia 17 de Fevereiro de 2018, no F… em Aveiro, sendo que, desde então, manteve contacto regular com os filhos por telemóvel.
8. A mãe residia com os filhos numa rua por detrás do seu local de trabalho sito na pastelaria/padaria “G…” na …, composta por cozinha, sala de estar e jantar, casa de banho e dois quartos, sendo que as crianças partilhavam o espaço tendo cada uma a sua cama.
9. Aquando da visita domiciliária previamente agendada realizada pelas Sras. Técnicas da Segurança Social no dia 21 de Fevereiro de 2018, a casa estava devidamente mobilada, organizada e limpa.
10. A mãe trabalhava todos os dias da semana, entre as 7 e as 15 horas durante a semana e as 8 e as 12 horas no fim-de-semana.
11. A mãe e os filhos tomavam, diariamente, o pequeno-almoço na padaria/pastelaria, gratuitamente e o agregado era apoiado em mercearia pelo “H…”, tendo já beneficiado também de apoio para a renda de habitação e para uma factura de electricidade, aquando da separação conjugal.
12. O agregado não tinha retaguarda familiar em Portugal, sendo que a progenitora tinha algumas amizades que lhe prestavam apoio nos cuidados aos filhos.
13. Na altura, o B… frequentava o 4.º ano de escolaridade e o ATL do I… e a C… frequentava o infantário desta instituição.
14. A carrinha do I… apanhava as crianças pelas 8 horas no local de trabalho da mãe e entregava-as em casa, pelas 18 horas.
15. As crianças estavam bem integradas junto dos pares, apresentavam bom comportamento, um desenvolvimento esperado para as respectivas faixas etárias e com cuidados de higiene e vestuário.
16. A mãe era empenhada e colaborante, sendo que as mensalidades da instituição frequentada pelas crianças estavam em atraso quando era o pai quem assumia o pagamento, mas que tal deixou de suceder quando D… assumiu tal responsabilidade.
17. No ano lectivo 2017/2018, o pai das crianças ainda não havia contactado a instituição.
18. Por acordo havido entre os progenitores e homologado por sentença a 3 de Maio de 2018, foi estabelecido, além do mais, que as crianças ficariam a residir habitualmente com a mãe, competindo o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância da vida das crianças, em conjunto a ambos os pais e, quanto aos actos da vida corrente, ao progenitor que, em cada momento, tivesse consigo os filhos e que o pai estaria com as crianças e tê-las-ia consigo, sempre que desejasse, sem prejuízo dos horários escolares e de descanso das mesmas e mediante aviso prévio à mãe com a antecedência mínima de 48 horas.
19. No dia 8 de Janeiro de 2018, quando ouvido neste Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro, no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais referido em 18., nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 5.º n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) aprovado pela Lei n.º 141/2015 de 08/09, alterada pela Lei n.º 24/2017 de 24/05, o B… declarou querer ficar a viver com a mãe; que não tem visto o pai, não sabe há quanto tempo e que não tem grande vontade em vê-lo ou estar com ele, uma vez que “já fez coisas más”, tendo-o ameaçado com um estalo senão comesse o pequeno-almoço, não obstante estar com dores de barriga.
20. Por sentença proferida a 6 de Dezembro de 2018 e após convolação do divórcio sem consentimento do outro cônjuge para mútuo consentimento, foi decretado o divórcio entre os progenitores e dissolvido o casamento celebrado entre ambos.
21. A 26 de Março de 2019, a progenitora instaurou acção especial de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais contra o progenitor dos filhos no que concerne ao pagamento das pensões de alimentos, tendo sido proferida sentença a 13 de Junho de 2019, a julgar verificado o incumprimento no que concerne ao pagamento das pensões de alimentos de Outubro de 2018 a Abril de 2019 e determinado o seu desconto no vencimento auferido pelo progenitor.
22. As crianças foram sinalizadas à CPCJ de Ílhavo, a 10 de Julho de 2019, pelo pai que aí se dirigiu com o filho B…e e a filha da sua companheira J…, de nome K…, alegando que o filho se queixa que a mãe lhe bate quando faz perguntas sobre a vida do pai e sobre o que acontece nas visitas e não lhe conta; que, em casa da mãe, só come arroz e massa e que a mãe diz que pode comer carne e peixe na escola.
23. Na ocasião, o pai declarou que concordou que os filhos ficassem a residir habitualmente com a mãe no âmbito do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais por considerar que “o carinho de uma mãe” é sempre o melhor para as crianças.
24. Mais declarou que os filhos estavam desde há dois meses a passar todos os fins-de-semana consigo porque esteve ausente do país, em trabalho, nos meses anteriores.
25. Declarou também achar que a mãe gosta mais da filha do que do filho, dando mais carinho à primeira e batendo no segundo quando este tem más notas na escola.
26. Mais declarou que, nesse momento, tinha disponibilidade para manter os filhos a seu cargo, pois contava com o apoio da sua companheira, que trata muito bem das crianças e de quem o B… gosta muito dizendo que o trata melhor do que a própria mãe.
27. Na mesma ocasião, K… declarou que o B… fala muito consigo e que manifesta muito medo em regressar para casa da mãe, dizendo que esta lhe bate de forma severa muitas vezes e que há algum tempo, quando a mãe chegou a casa e viu umas caixas desarrumadas na garagem, ralhou e bateu nos filhos, apertando-lhes o pescoço, atirando-os ao chão e pontapeando-os; que a mãe bate por tudo e por nada, por exemplo, quando chega aborrecida do trabalho ou quando tem discussões com o companheiro.
28. O pai e K… declararam ainda que, na última semana de aulas, o B… não foi para casa do pai porque, segundo o próprio, a mãe o agrediu e deixou-lhe “um olho pisado”.
29. A 25 de Julho de 2019, o pai deslocou-se à GNR da … acompanhado da sua companheira J…, da filha desta K… e do filho B…, queixando-se da mãe deste, alegando que o filho deveria estar com a mãe mas que o mesmo se recusa viver com ela, dizendo ser vítima de maus tratos por parte dela; que no dia 22 de Julho, recebeu uma mensagem de voz no seu telemóvel, enviada pela mãe do filho, num tom bastante elevado e agressivo, a exigir que lhe fosse levar o filho porque não queria que ele ficasse com pessoas que ela não conhece e em quem não tem confiança na ausência do denunciante, já que trabalha fora da zona de Aveiro; que como estava ausente da sua residência, reenviou tal mensagem para o telemóvel de K… com o intuito de a inteirar da situação e que o filho a ouviu e teve uma reacção muito estranha, ficando muito nervoso, agitado e com princípios de falta de ar, com crise de ansiedade e partiu o porta-chaves que tinha na mão; que no dia 25 de Julho de 2019, ao ver a criança em tal estado, a companheira J… levou-a às urgências do Hospital … dado que ele estava a trabalhar em Espanha; que quando vai trabalhar deixa o filho aos cuidados da companheira pois não tem com quem o deixar.
30. Aquando do referido em 29., o B… disse ao militar que recebeu a queixa que não queria ir para a mãe porque esta o trata mal, sendo que, nesse momento, tocou o telemóvel do pai, sendo a progenitora que queria falar com o filho.
31. O pai passou o telemóvel ao B… e este afastou-se um pouco e no decurso do telefonema disse “não quero ir para aí, tu tratas-me mal, da última vez que estive aí, tu pisaste-me, pintaste-me a cara com pinturas porque disseste que eu era parecido com o pai e assim ficava diferente. Não vou para aí, vai-te lixar” e entregou o telemóvel ao pai que esteve alguns segundos a falar com a ex-mulher e desligou dizendo que não dava para falar com ela, estava muito exaltada e não o deixava falar.
32. Na ocasião, o B… não apresentava ferimentos visíveis.
33. Aquando do referido em 31., a mãe estava no posto da GNR de … a formalizar uma queixa contra o pai do filho por não lho ter entregado.
34. No dia 31 de Julho de 2019, o pai, na sequência de convocatória que lhe foi efectuada, compareceu na CPCJ de Oliveira do Bairro, fazendo-se acompanhar de K…, filha da sua companheira J… e prestou consentimento para a intervenção de tal entidade.
35. Na ocasião, informou que o filho B… continuava a viver consigo, não querer falar com a mãe por telefone e dizer que se tiver de ir viver com a mãe, foge de casa.
36. Referiu ainda que a C… não sofre agressões da mãe mas que sofre de outras formas, já que a mãe alimenta-a mal, normalmente não faz o jantar e dá-lhe pão com mel.
37. Que deixou de pagar as pensões de alimentos a partir do momento em que viu que o filho andava mal alimentado e a ser maltratado.
38. A 1 de Agosto de 2019, o progenitor instaurou uma acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, alegando, em síntese, que o filho B… estava a viver consigo desde o dia 14 de Junho de 2019 e que se recusava regressar para casa da mãe, alegando maus-tratos físicos e psicológicos e negligência da parte da mãe, pedindo que a residência habitual dos filhos fosse alterada para junto de si.
39. No dia 29 de Agosto de 2019, o B… compareceu na urgência pediátrica acompanhado da companheira do pai, J…, pela segunda vez, alegando ansiedade causadora de insónia marcada (não dorme há 2/3 dias); que desde o divórcio dos pais ocorrido há 2 anos, o B… fala de tratamento diferenciado em relação à irmã, com palavras insultuosas, como “és burro como o teu pai” e castigos físicos (palmadas, mordidas nas coxas) e menciona também dificuldades alimentares, nomeadamente que a mãe utilizava o dinheiro da pensão de alimentos para usufruto próprio e que os filhos muitas vezes não levavam comida para a escola nem jantavam; que quer permanecer em casa do pai e que se regressar a casa da mãe irá fugir porque vai ser maltratado.
40. No dia 31 de Agosto de 2019, a companheira do progenitor, J…, foi à urgência pediátrica referindo que a medicação dada ao B… surtira efeito e que dormira bem, mas que continuava em pânico, com “aperto no pescoço”, muito ansioso por ter de regressar para junto da mãe ou para escola onde se possa cruzar com a mãe e que recusava peremptoriamente ficar à guarda da mãe.
41. A médica entregou informação de urgência à médica responsável do Núcleo de Risco que aconselhou pedido de consulta de pedopsiquiatria urgente, porque a situação estava a desestruturar o jovem.
42. No dia 6 de Setembro de 2019, o pai compareceu, novamente, na CPCJ de Oliveira do Bairro, fazendo-se acompanhar da sua companheira J… e do filho B…, onde informou que este se mantinha a viver consigo desde o início das férias escolares de Verão e que a filha C… também esteve algum tempo consigo, mas voltou para casa da mãe.
43. Deu a conhecer o seu desejo que os filhos fiquem consigo e mostrou uma cópia da petição inicial do pedido de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais; mencionou que o filho teve duas crises de ansiedade que levaram a que fosse assistido no Hospital … motivadas pelo receio de voltar para a escola e para a mãe; pretender a transferência do filho para a sua residência sita na … e repetiu os maus tratos da mãe aos filhos, principalmente ao filho.
44. Nesse dia, a CPCJ ouviu o jovem B… sem a presença do pai nem da companheira deste tendo o mesmo afirmado gostar da escola que frequentara na L…, dos colegas de turma e dos professores, principalmente, da directora de turma; só não gostava de colegas mais velhos que lhe chamavam “burro, estúpido, palerma e criança”; que os colegas da turma não lhe chamavam nomes, mas mesmo assim, acha que se for para uma escola nova é melhor; gostar de estar com o pai e com a D. J… porque têm uma casa grande, brinca com os netos desta e também está com os primos; afirmou que vão ao café, passeiam, brincam e também foram à praia e à pesca; também joga no computador que a D. J… comprou, vê vídeos, internet e faz desenhos em 3D; que falou com a mãe por telemóvel e esta o tratou mal, falou muito alto e chama-lhe nomes como “burro e mentiroso”; que quando estava com a mãe ficava muitas vezes sozinho em casa com a irmã porque a mãe estava a trabalhar ou saía com o namorado. O namorado ia lá a casa muitas vezes e a mãe só fazia jantar quando ele ia, nos outros dias comiam pão e cereais e mais nada; a mãe não lhe mandava lanche para a escola, não o lembrava para levar o cartão e não o ajudava a fazer os trabalhos de casa; dizia-lhe que ela era a primeira ou segunda melhor na escola e que a ele lhe chamava “burro”; que a mãe o obrigava a fazer a limpeza do quarto e cozinha, da garagem e da casa de banho; repetiu que não gosta da mãe e que esta lhe bate sem ele fazer nada; bateu-lhe muitas vezes e, numa delas, caiu e magoou-se na cara e a mãe colocou-lhe maquilhagem para ir para a escola; que a mãe também castiga a irmã quando se porta mal mas castiga-o mais a ele; que a mãe o obrigou a dizer mal do pai e mentir à Sra. Do tribunal para ficar com ele e depois arrependeu-se e agora pretende ficar com o pai e que se o obrigam a ir para a mãe “foge de casa”.
45. Na ocasião, o B… chorou quando falava da mãe.
46. Na ocasião, a CPCJ considerou que estando o B… eventualmente a repetir o discurso que lhe foi transmitido pelo pai, formou uma imagem muito negativa da mãe, pelo que seria prejudicial, nesse momento, obrigá-lo a continua a viver com a mãe.
47. No dia 9 de Setembro de 2019, na sequência de convocatória, a progenitora compareceu na CPCJ de Oliveira do Bairro e declarou não conseguir ver o filho B… porque o pai não deixa e que nem sequer consegue falar com ele.
48. Na ocasião, negou todas as acusações de maus tratos aos filhos e declarou que o pai nunca quis saber dos filhos até ter esta companheira que é quem cuida do B… e querer ficar com os filhos mais pelos apoios do que pelo bem-estar das crianças; que enquanto casada, foi vítima de violência física continuadamente por parte do ex-marido e relatou as dificuldades que este lhe criou para dificultar a sua permanência em Portugal com os filhos; repetiu que o pai das crianças lhe bateu muitas vezes, mesmo sem motivo e que também batia no B…, só nunca bateu na filha; que o pai não paga a pensão de alimentos e que já lhe transmitiu querer ficar com os filhos e que ela que lhe pague pensão de alimentos; que o pai só quer as crianças por interesse no dinheiro, nunca quis saber dos filhos, nunca cuidou deles, só agora que tem a companheira actual é que apareceu a querer ficar com eles e a solicitar os subsídios; que o pai está a fazer isto por vingança e para a castigar pelo divórcio e por ela ter uma nova relação; que o pai quase nunca está em casa pois está a trabalhar no estrangeiro e que são a companheira e a filha desta que o estão a influenciar e a querer ficar com as crianças.
49. Questionada sobre a falta do B… a uma consulta de cardiologia quando era mais novo, a progenitora afirmou que, na altura, o pai entendeu que não era necessário que fosse e ela não tinha meios para o fazer.
50. Na ocasião, a progenitora foi confrontada pela CPCJ com o desejo do filho em ficar com o pai, as ameaças de fuga se fosse obrigado a ir para sua casa e as crises de ansiedade que tinha quando confrontado com tal facto e aquela aceitou que o menino mudasse de estabelecimento de ensino provisoriamente e a situação estabilizasse.
51. Solicitou que fosse explicado ao filho que só estava a fazer isso por ser, no momento, o melhor para ele e pediu que o pudesse ver e falar com ele por telemóvel, sendo que das tentativas que efectuou, foi-lhe dito que ele não queria falar com ela ou então não atenderam/mudaram de telemóvel.
52. A CPCJ de Oliveira do Bairro tratou da transferência do jovem para o novo estabelecimento de ensino da sua nova área de residência – ….
53. Por acordo havido entre os progenitores e homologado por sentença a 30 de Setembro de 2019, foi alterada a regulação do exercício das responsabilidades parentais no sentido de o jovem passar a residir habitualmente com o pai, permanecendo a criança a residir habitualmente com a mãe e mantendo-se o exercício conjunto das responsabilidades parentais no que concerne às questões de particular importância da vida dos filhos; que as crianças passariam, em conjunto, fins-de-semana alternados, com cada um dos progenitores, indo sempre o pai, para o efeito, buscar/levar os filhos a casa da mãe, na sexta-feira às 19 horas e aí os iria entregar/buscar no Domingo às 19 horas; que as crianças passariam um período de 15 dias seguidos nas férias escolares de Verão com cada um dos progenitores; sempre com a mãe o período que se inicia no primeiro dia de férias escolares de Natal e termina no dia 26 de Dezembro, às 10 horas e sempre com o pai o período que aí se inicia e termina no último dia de férias escolares de Natal às 10 horas; que as crianças passariam, em conjunto, com o respectivo progenitor, o dia de aniversário deste, sem prejuízo dos horários escolares e de descanso das mesmas, assim como o dia do pai e o dia da mãe e que as crianças, no dia do seu aniversário, almoçariam e jantariam, anual e alternadamente, com cada um dos progenitores.
54. No dia 6 de Outubro de 2019, o pai dirigiu-se à GNR da …, acompanhado do filho B…, para efectuar uma denúncia contra a mãe deste, alegando que o filho havia sido vítima de agressões físicas por parte da mãe e de seguida pelo companheiro desta.
55. Na ocasião o B… afirmou que na sexta-feira anterior estava em casa da mãe e que recebeu um telefonema da sua “madrasta” J… e que se apercebeu que a mãe estava a gravar a conversa, o que gerou uma discussão entre ambos e esta tentou tirar-lhe o telemóvel da mãe e lhe desferiu uma palmada no braço, embora fosse sua intenção acertar-lhe na cara e que quando o namorado da mãe chegou a casa e esta lhe contou o sucedido, este disse-lhe “eu pensava que tu ias ser um soldado e ter coragem de vir aqui a casa da tua mãe mas tu és uma grande merda” e agrediu-o na cabeça, pernas e braços, sendo que a mãe o protegeu para que a situação não se agravasse.
56. No dia 6 de Novembro de 2019, o progenitor informou a CPCJ que não voltou a levar o filho a passar o fim-de-semana com a mãe e negou que alguma vez tenha incentivado o filho a rejeitar a mãe e sobre a filha afirmou “acorda às 6 horas da madrugada porque a mãe a leva com ela para ir trabalhar” e ele não concorda com isso; que a filha ainda só passara um fim-de-semana consigo e que iria passar o seguinte; desconhece a escola frequentada pela filha.
57. Desde que a filha regressara para casa da mãe, no dia do seu aniversário, a 13 de Julho de 2019 e até ao referido em 53., a criança C… não esteve com o pai, receando a progenitora que o pai a influenciasse contra si.
58. No dia 13 de Novembro de 2019, perante a CPCJ, o jovem B…, descreveu os factos referidos em 55. e salientou que a GNR não fez nada e que não se preocupou com ele e sobre a mãe disse que não sabe se gosta dela e que gosta é de estar com o pai e a D. J… e quando questionado sobre se voltara a estar com a mãe, respondeu que não e que falara com ela por telemóvel e que o pai lhe dera indicações para “gravar o que a mãe diz, por telemóvel, mas só quando se trata de discussões, o resto não é para gravar”; acusou irritabilidade quando confrontado com a ideia de estar a ser influenciado pelo pai na relação que está a ter com a mãe e mostrou valorizar as convicções e crenças marroquinas transmitidas pelo pai sobre religião e tradição.
59. No dia 4 de Dezembro de 2019, a progenitora perante a CPCJ de Oliveira do Bairro relatou a sua versão dos factos sobre o referido em 55. e afirmou que o filho está a ser manipulado pelo pai e pela companheira; que não foi o pai mas a companheira deste quem o entregou e que nunca chegaram a sair da proximidade da sua residência pois tinham como objectivo voltar a levar o B… com ele e ficou surpreendida quando a GNR apareceu lá em casa.
60. Mais declarou não estar com o filho desde tal fim-de-semana e falar pouco com ele por telemóvel porque não consegue; sentir que o filho está a ser condicionado pelo pai e pela companheira deste e que tem reacções diferentes quando eles estão por perto e que, por vezes, desliga-lhe o telemóvel e chama-lhe nomes.
61. A C… continuava a passar fins-de-semana quinzenais com o pai.
62. A C… deitava-se cerca das 20 horas e 30 minutos, levantava-se às 6 horas e 30 minutos, ia para a pastelaria com a mãe por volta das 7 horas e para o ATL às 8 horas e 30 minutos.
63. No dia 27 de Novembro de 2019, a criança C… comparecia no estabelecimento de ensino bem cuidada, com roupas modestas mas sempre muito limpa e arranjadinha; levava lanche; fazia os trabalhos de casa, tinha bom aproveitamento e bom comportamento de uma forma geral; era assídua e pontual proveniente do ATL e a mãe colaborava com a escola, respondendo sempre às solicitações efectuadas.
64. Na ocasião, a CPCJ ouviu a C… que disse gostar da escola, da professora e dos colegas; ser o namorado da mãe quem a levava para a escola e que a ia buscar e que depois a levava para a pastelaria onde, quase sempre, jantava e depois ia para casa; que estava com o irmão nas férias e fins-de-semana e gostar da D. J… e das netas dela, com quem brinca quando lá está e a falar com o irmão pelo telemóvel, sendo a mãe quem lhe liga para falar com ele.
65. Na ocasião, a menina mostrou-se muito bem-disposta, sorridente e alegre, aparentando bem-estar, sem sinais de sono.
66. No dia 11 de Dezembro de 2019, a CPCJ de Oliveira do Bairro deliberou aplicar ao jovem B… uma medida de apoio junto do pai e à criança C… uma medida de apoio junto da mãe.
67. Dos acordos de promoção e protecção propostos pela CPCJ de Oliveira do Bairro constavam além do mais, as seguintes obrigações: o pai e a mãe a assegurar, respectivamente, ao filho consigo residente os cuidados básicos, nomeadamente, alimentação, saúde e educação; os pais a cumprir todas as decisões que constam do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais; os pais a garantir um bom relacionamento entre si, sem discussões nem recurso a qualquer tipo de violência, com resolução de problemas em ambiente de diálogo; os pais a garantir o acompanhamento da criança em todos os aspectos indispensáveis ao seu desenvolvimento adequado e a manter contacto regular com o director de turma e professora dos filhos e o B…, no acordo de promoção e protecção a si respeitante, a contribuir para um bom relacionamento entre os pais e respectivos companheiros, tratando todos com respeito; a não assumir comportamentos que pudessem prejudicar o seu bem-estar; a cumprir toda as exigências do percurso escolar; a frequentar as sessões de apoio psicológico na escola.
68. No dia 17 de Janeiro de 2020, a progenitora compareceu na GNR de … e apresentou uma queixa contra o progenitor dos filhos, alegando, que nesse mesmo dia, pelas 19 horas, quando este se deslocou com a companheira J… a sua casa para ir buscar a filha C… para passar o fim-de-semana consigo, na presença desta questionou a mencionada J… porque motivo cortara o cabelo à menina durante o período de férias que passou com eles, sendo que o progenitor começou a defender a companheira, até que, começou a falar em marroquino, dizendo à denunciante, em tom ameaçador e com olhar fixo “vou-te bater até morreres, sai da minha frente” e, já em português, disse que as coisas não iam ficar assim, que iria fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para ficar com a filha; após o que J… afirmou que iria apresentar queixa na GNR da … de agressões e foram-se embora, levando consigo a menina; mais informou já existirem dois processos de violência doméstica anteriores a tal denúncia.
69. No dia 31 de Janeiro de 2020, o pai declarou não aceitar os acordos de promoção e protecção propostos pela CPCJ pois não iria obrigar o filho B… a passar fins-de-semana com a mãe uma vez que “era ele que não queria e não poderia obrigá-lo a tal”.
70. No dia 23 de Fevereiro de 2020, o progenitor encontrava-se a trabalhar numa obra em Marrocos e no dia 2 de Junho de 2020 ainda se encontrava retido em tal país devido à situação pandémica vivenciada.
71. A 18 de Maio de 2020, a criança C… vivia com a mãe e o companheiro desta M… e o jovem B… com o pai e a companheira deste J….
72. À Sra. Técnica da Segurança Social, a progenitora declarou que “já depois do divórcio, ele foi ter comigo e ameaçou-me, dizia que não acreditava no divórcio português, que ainda era mulher dele”.
73. Em Maio de 2020, os progenitores continuavam em conflito e com acusações mútuas, extensíveis à companheira do pai.
74. O B… frequentava o 6.º ano de escolaridade no Agrupamento de Escolas …, com comportamento adequado, cumprindo as regras e relacionando-se de forma cordial com os pares e os adultos, embora, por vezes, revelasse alguma falta de atenção/concentração durante a realização das actividades.
75. Apresentava resultados razoáveis ou bons e nada havia a referir relativamente ao material escolar.
76. Era um aluno assíduo e pontual, nada havendo a registar quanto à higiene pessoal e alimentação.
77. O progenitor e a companheira estiveram presentes na reunião com os encarregados de educação no dia 6 de Janeiro de 2020, aquando da entrega da avaliação do primeiro período, mas não compareceu na escola para tomar conhecimento da avaliação do segundo período por estar no estrangeiro, a trabalho.
78. O jovem beneficiava de acompanhamento psicológico semanal atendendo à situação de conflito parental e para assegurar e contribuir para o seu equilíbrio emocional.
79. O pai comparecia quando convocado e a psicóloga reforçava junto dele a importância de não serem abordados na presença do filho pormenores inerentes à realidade familiar complexa e que se revelava como intensificadora de ansiedade e perturbadora do seu equilíbrio emocional.
80. A criança C… frequentava o 1.º ano de escolaridade e era uma menina alegre e participativa, relacionava-se bem com pares e adultos, acompanhava o ritmo de trabalho da turma e revelava boas capacidades de aprendizagem, sendo por vezes um pouco faladora, focando-se em actividades que gostava de fazer como pintar, recortar, cantar.
81. Fazia-se acompanhar do material escolar e executava os trabalhos de casa acompanhada pela mãe.
82. Não demonstrava problemas de falta de higiene ou deficiente alimentação e
evava sempre lanche para a manhã e para a tarde.
83. Era assídua e pontual.
84. A progenitora comparecia na escola sempre que solicitada e revelava interesse pela filha e participava nas actividades que diziam respeito à escola, festas, convívios, etc.
85. À Sra. Técnica da Segurança Social, o jovem B… afirmou que “gostava que este processo do tribunal acabasse, que a minha irmã estivesse segura e que a minha mãe me deixasse em paz. Ela trata-me mal, como um escravo. Ela mudou de repente, não sei o que deu de repente na cabeça dela, não sei” e salientou “gosto muito da minha madrasta, dá-me muito amor e carinho. Gostava de ver a minha irmã, mas não gostava de ir ao fim-de-semana com a mãe, não me sinto bem”.
86. Enquanto o progenitor permaneceu em Marrocos, a trabalho, a companheira deste não promoveu qualquer contacto do B… com a mãe e a C… não manteve contacto com o irmão.
87. No dia 19 de Maio de 2020, a progenitora declarou neste tribunal, além do mais, que apenas esteve com o filho no primeiro fim-de-semana estabelecido e que o mesmo, quando saiu do carro, a “madrasta” disse-lhe três vezes “já sabes” e parecia que o filho tinha medo quando entrou em casa; que preparara uma surpresa no quarto do filho e quando este a viu ficou com uma lágrima no olho e disse que gostou muito e que tinha saudades do quarto; que o filho ficou surpreendido por já haver água quente em casa; que a “madrasta” telefonou ao filho, várias vezes, e ouvia-o dizer “está tudo bem” até que a declarante tentou apanhar o telemóvel para falar com ela, o filho levantou o braço e começou a gritar “socorro J…, ela está a bater-me” e que depois o filho tentou fugir e agarrou-o; que a determinada altura, apareceu a GNR a perguntar se estava tudo bem e a declarante disse que sim e o filho, sem que nada o fizesse prever, começou a correr e a gritar “ajudem-me a minha mãe está a agredir-me”; que constatou que no telemóvel do filho estava colado o número de telefone da GNR; que depois disso manteve contacto telefónico com o filho, até que a bloquearam; que a filha C… passou todos os fins-de-semana estabelecidos com o pai até este ter ido trabalhar para Marrocos; que já telefonou ao pai dos filhos a dizer que quer ver o filho e este lhe diz que não lhe dá a morada nem o número de telemóvel da “madrasta”; que num dia em que foram buscar a C… a sua casa para passar um fim-de-semana, a declarante pediu um beijinho ao filho e este virou-se para a “madrasta” a perguntar se podia, ela disse que sim e ele foi; confrontada com a circunstância da morada do filho constar do processo e questionada sobre o facto de não ter ido ter com o filho agora que o pai está em Marrocos, respondeu “fazem queixas na polícia contra mim” e achar que é por causa da “madrasta” que o filho a acusa de o agredir.
88. No dia 2 de Junho de 2020, o jovem B… declarou neste tribunal e após ter sido esclarecido da natureza do presente processo e questionado sobre se acha que está numa situação de perigo respondeu “estou aqui muito bem, muito seguro”; confrontado com a situação de perigo em que ele e a irmã se encontram devido aos conflitos dos pais respondeu “isso é problema da mãe, o pai já tentou telefonar à C… e a mãe não deixou”; que não vai passar fins-de-semana com a mãe porque, no primeiro fim-de-semana em que o fez, “passado nem meia hora de lá estar” a mãe bateu-lhe e questionado porquê, respondeu “não sei, não sei o que vai na cabeça dela”; que não tem visto nem falado com a irmã; desconhecer quando o pai regressa de Marrocos; questionado sobre o que mudaria na sua vida se pudesse respondeu “tentava estar o mais longe possível da mãe” e perguntado porquê, respondeu “ela bate-me, trata-me mal e chama-me nomes” e questionado sobre se também o faz à irmã respondeu “às vezes sim”, “as acções que ela faz não é de uma mãe”; que a mãe só lhe começou a bater quando os pais se separaram; no decurso da assentada, afirmou “desculpe lá, mas o namorado da minha mãe também me bateu, não foi só a mãe”; questionado sobre se pretendia dizer alguma coisa que não lhe tivesse sido perguntado, respondeu que gostava que ele e a irmã não vissem mais a mãe e que “o tribunal acabasse de imediato” pretendendo com isso dizer que “quero que os processos acabem rapidamente porque sempre que há uma data ficamos a pensar no que vai acontecer, nervosos” esclarecendo que são ele, o pais e a “madrasta” que ficam assim, “as pessoas que se preocupam comigo”.
89. Por acordo de promoção e protecção havido e homologado por sentença a 2 de Junho de 2020, foi aplicada ao jovem B… uma medida de apoio junto do pai pelo período de um ano, revista semestralmente.
90. No âmbito de tal acordo, os pais comprometeram-se a manter um ambiente harmonioso na presença dos filhos; os pais e o jovem a aceitarem a intervenção do “N…” e a seguir as orientações que lhes fossem dadas pelos técnicos e que os convívios entre mãe e filho seriam supervisionados pelo “N…”.
91. Por acordo de promoção e protecção havido e homologado por sentença a 2 de Junho de 2020, foi aplicada à criança C… uma medida de apoio junto da mãe, pelo período de um ano, revista semestralmente.
92. No âmbito de tal acordo, os pais comprometeram-se a manter um ambiente harmonioso na presença dos filhos e a aceitar a intervenção do “N…” e a seguir as orientações que lhes fossem dadas pelos técnicos.
93. A intervenção do “N…” teve início no dia 24 de Setembro de 2020.
94. No início de Outubro de 2020, o progenitor separou-se da companheira J… e deixou de viver em casa desta e hospedou-se com o filho B… na “O…”, na …, sendo que este ficava sozinho quando não tinha aulas.
95. O jovem frequentava o 7.º ano de escolaridade no Agrupamento de Escolas … e de uma forma geral, era assíduo e pontual, sendo que, na maioria das disciplinas, tinha alguma dificuldade em cumprir regras, envolvendo-se, frequentemente, em conversas paralelas não autorizadas e tinha dificuldade em concentrar-se na realização das tarefas propostas.
96. Quando chamado à atenção acatava, mas rapidamente começava a “interagir” com os colegas.
97. Estava inserido numa turma com um comportamento pouco satisfatório.
98. Relacionava-se de forma cordial com os adultos, dirigindo-se-lhes, com educação e respeito.
99. Estava integrado na turma e relacionava-se muito bem com os colegas, mesmo com os mais conflituosos.
100. O pai do jovem não esteve presente na recepção aos pais no ano lectivo 2020/2021, por estar ausente em trabalho e compareceu a sua companheira, dizendo à directora de turma que poderia tratar com ela os assuntos relacionados com o B….
101. Foi a psicóloga da escola quem informou a directora de turma do B… que o progenitor e a companheira se separaram.
102. Quando a directora de turma tentou indagar junto do B… com quem estava a viver, o mesmo foi muito esquivo nas respostas, respondendo com perguntas, tendo apenas referido que já não vivia com a “madrasta” e que estava a viver com o pai e quando lhe pediu os contactos destes demorou um pouco a enviar tal informação.
103. Em meados de Novembro de 2020, a directora de turma do B… ainda não conseguira comunicar com o pai do mesmo.
104. Na informação intercalar do 1.º período, o B… obteve suficiente a todas as disciplinas, com excepção de educação visual em que obteve satisfaz bastante.
105. Na maioria das disciplinas, o jovem não se envolveu e não se empenhou activamente na realização das tarefas da aula e extra-aula, sendo que poderia atingir melhores resultados se alterasse o seu modo de estar nas aulas.
106. Apresentava duas faltas de material a inglês, quatro faltas de trabalho de casa a matemática e uma falta de trabalho de casa a ciências naturais.
107. Estava sem acompanhamento psicológico na escola porque fora acompanhado em consultas de psicologia no Hospital …, num total de cinco consultas, com início a 2 de Março de 2020 e terminus a 17 de Outubro de 2020, data em que teve alta.
108. Foi contactada a psicóloga da escola para continuar o acompanhamento.
109. A criança C… frequentava o 2.º ano de escolaridade e as informações eram idênticas às referidas de 80. a 84..
110. A resistência do B… ao contacto com a mãe mantinha-se, revelando uma ansiedade e recusa elevadas, embora admitisse que o encontro pudesse vier a ocorrer na presença dos técnicos apenas para cumprimento da medida do tribunal, mas contra a sua vontade.
111. Após a separação do pai, este mostrava uma atitude ambivalente quanto ao relacionamento do filho com a mãe, sendo que em alguns momentos manifestava revolta com tal possibilidade, mas parecia então mais disponível para que o filho retomasse contactos com a mãe, sobretudo pelas questões práticas relacionadas com a gestão dos cuidados ao filho e da sua situação profissional, tendo chegado a propor à progenitora dos filhos a reconciliação e chegando a dizer às Sra. Técnicas do “N…” que se tal não sucedesse teria de ir buscar uma mulher a Marrocos para cuidar do filho.
112. A progenitora, por seu turno, mostrava-se totalmente disponível para o reencontro com o filho.
113. A C… visitava o pai quinzenalmente e, por vezes, falavam ao telefone.
114. Os progenitores verbalizaram à Sra. Técnica da Segurança Social a inexistência de episódios de confronto ou situações de mal-estar entre eles.
115. À Sra. Técnica da Segurança Social o B… quando questionado sobre o presente processo, afirmou “se fosse possível era terminar, mas com o resultado final de eu ver a minha mãe quando eu quisesse e não ser obrigado”.
116. À Sra. Técnica da Segurança Social, o progenitor, em meados de Novembro de 2020, verbalizou considerar que a intervenção poderia ajudar a família, nomeadamente, o reencontro entre mãe e filho que era o que mais o preocupava e, a respeito daquela referiu “eu não tenho problemas com ela, eu respeito ela”.
117. No final do primeiro período do presente ano lectivo, o jovem B… continuava a ser assíduo e pontual, mas nem sempre apresentava uma postura correcta pois distraía-se com muita facilidade, ainda que estivesse a fazer um esforço para não interagir tanto com os colegas e não apresentava registo de qualquer ocorrência e/ou falta disciplinar.
118. Não gostava de ser chamado à atenção no sentido de estar mais atento, mas acabava por respeitar as instruções dadas pelo professor.
119. Continuava a relacionar-se bem com os pares e de forma cordial com os adultos, dirigindo-se-lhes com educação e respeito.
120. Apresentava-se limpo e cuidado e revelava bastante autonomia.
121. A comunicação com o pai era efectuada, essencialmente, por correio electrónico e estava mais presente do que no início do ano lectivo.
122. No final do primeiro período lectivo, o jovem B… obteve quatro classificações negativas.
123. O jovem mantinha constante falta de atenção e concentração, de empenho na realização das tarefas propostas e conversas paralelas não autorizadas nas aulas.
124. Apresentou três faltas de material a Inglês, duas a Espanhol, duas faltas de trabalhos de casa a Espanhol, cinco a Matemática e duas a Ciências Naturais.
125. O jovem beneficiava de apoio psicológico no estabelecimento de ensino.
126. A 4 de Dezembro de 2020, estava agendado o primeiro convívio presencial entre mãe e filho no “N…”, com a presença da irmã C…, mas o B… não compareceu.
127. Contactado o pai, o mesmo alegou não ter sido informado, o que não correspondia à verdade e adoptou uma postura não colaborante, recusando levar o filho, semanalmente, ao “N…”.
128. O convívio foi reagendado para o dia 11 de Dezembro de 2020, sendo que a mãe compareceu antes da hora com bolo de aniversário e presente para comemorar o aniversário do B…, para além de outros objectos significativos para o filho.
129. O pai fez-se acompanhar da companheira e do filho e dirigiu-se sozinho ao serviço, de forma autoritária e agressiva, questionando se a mãe e a filha aí se encontravam e alegando, mais uma vez, desconhecer que seria o encontro do filho com a mãe.
130. O pai chamou o B… e este mostrou descontentamento por ter que estar presente, apesar de ter confirmado saber que a mãe iria estar presente.
131. Acedeu a entrar na sala de convívio onde se encontrava a mãe e a irmã e logo adoptou uma postura de arrogância e acusação para com a mãe, mostrando-se muito desadequado e pedindo à irmã para tapar os ouvidos para não ouvir o que ele estava a dizer.
132. A progenitora tentou apaziguar a situação, mas o filho manteve a postura e aquela precisou de sair um momento para se acalmar.
133. Uma das técnicas entrou na sessão para mediar o encontro, mas o B… recusou dirigir mais a palavra à mãe ou interagir com ela, mostrado enfado, suspirando e revirando os olhos quando a palavra lhe era dirigida, quer pela mãe, quer pela psicóloga.
134. Sem autorização, despediu-se apenas da irmã, saindo da sala ao fim de 20 minutos e recusou esperar num local neutro para que as técnicas pudessem falar com ele, dirigindo-se-lhes de forma autoritária e exigindo sair do local.
135. Uma das técnicas acompanhou o B… ao exterior e, ao chegar junto do carro, o pai saiu de forma tempestiva, exigindo falar com as técnicas.
136. A companheira J… saiu do carro para acompanhar a conversa.
137. O pai quando relembrado pelas técnicas que a partir de então, todas as sessões seriam de convívio entre mãe e filho, recusou o cartão de marcação, falando alto em tom ameaçador e informando que não traria mais o filho pois este tinha recusado estar com a mãe.
138. Devido ao tom de voz elevado e agressivo com que o pai falava, a mãe e a C… aperceberam-se de toda a situação e ficaram muito nervosas, sendo que a C… mostrou-se assustada e paralisada, deixando de brincar e ao ver a vulnerabilidade da mãe, a menina revelou tristeza e apreensão e abraçou-a.
139. No dia 30 de Dezembro de 2020, o jovem B… revelou alguma raiva e agressividade verbal para com a técnica da Segurança Social quando esta lhe tentou explicar que talvez fosse importante para ele outro ambiente familiar, tendo em conta a postura do pai perante a intervenção técnica, acusando-a de xenofobia, é por “o meu pai se marroquino. É por isso que não gosto de vós”.
140. Ainda quando, no decurso da visita domiciliária, a Sra. Técnica da Segurança Social mencionou a possibilidade de acolhimento residencial, o jovem não expressou qualquer reacção e permaneceu em silêncio.
141. Ficou muito preocupado quando se apercebeu que o pai ia saber que ia ter quatro negativas.
142. A relação entre a progenitora e a companheira do pai é conflituosa, sendo frequente esta última referir, em frente das crianças, à Sra. Técnica da Segurança Social, diversos aspectos negativos acerca da primeira e das agressões que, alegadamente, esta perpetrou contra ela e que aquela nega.
143. Aquando da separação do progenitor da companheira J…, aquele chamou-lhe “velha”.
144. No início de Janeiro de 2021, o pai estava novamente a viver com J…, embora numa casa cedida pela sua entidade patronal sita na Rua …, n.º ., ….
145. Trata-se de uma casa antiga de habitação rural, unifamiliar, com boas condições de habitabilidade e salubridade, composta por três quartos, duas salas, uma cozinha e uma casa de banho, tendo também um pátio exterior e um terreno agrícola contíguo à casa.
146. Não obstante o referido em 144., J… deslocava-se, diariamente, para a sua casa sita na … e levava o jovem B… para o estabelecimento de ensino que continuava a frequentar.
147. As Sras. Técnicas do “N…” concluíram que o B… parece sempre muito pressionado na presença do pai e tem uma atitude muito mais agressiva, até com elas, diferente da atitude quando está sozinho e que existem muitos argumentos utilizados pelo jovem sem cabimento para um jovem da sua idade, sendo que são sempre os mesmos e recusa efectuar qualquer relato sobre situações anteriores à separação dos progenitores, positivas ou negativas.
148. No dia 19 de Janeiro de 2021, a progenitora declarou neste tribunal preferir que o filho B… permanecesse junto do pai ao invés de ir para uma instituição.
149. Por despacho proferido a 1 de Fevereiro de 2021, foi aplicada ao jovem e à criança uma medida provisória de acolhimento residencial pelo período de seis meses, revista trimestralmente.
150. Em execução da medida provisória referida em 149., o B… e a C… foram acolhidos no dia 8 de Fevereiro de 2021, no P… em …, Santa Maria da Feira, onde se encontram desde então.
151. Aquando do acolhimento, a progenitora foi despedir-se do filho B… que se encontrava em casa do pai e o jovem abraçou a mãe e aceitou o abraço desta.
152. Durante o transporte para a instituição, a atitude do B… e da C… foi tranquila e adequada.
153. A progenitora manifesta muito medo do ex-marido e uma atitude ambivalente em relação ao mesmo e aos filhos, sendo que em sede de debate judicial afirmou, “agora já não tenho medo, ele está mais calmo”.
154. Em sede de debate judicial, o jovem B… afirmou estar bem na instituição e que a C… está feliz na instituição “uma parte”; que tem estado com ambos os progenitores, sendo que relativamente à mãe declarou “vejo-a mas não falo muito, acho que ela não mudou na maneira de ela ser, falar mal nas costas, falsa, mentirosa e pensa só nela; não ver nada que goste na mãe; que no pai gosta do facto de ser engraçado e apoiá-lo e não gostar no pai o facto de se “confundir muito com o significado das palavras, é normal e não estou a ver mais nada”; questionado sobre o que será melhor para si neste momento respondeu “estar com o meu pai, eu e a minha irmã, é melhor ir para o pai, na instituição também não estou mal”; questionado sobre as vantagens da instituição respondeu “higiene, dão comida, tratam bem e atenção ao estudo” e sobre as vantagens do pai “tá comigo, higiene também tenho, sentido de protecção e felicidade de estar com ele” e sobre as vantagens da mãe “não dá comer, higiene também não e felicidade muito menos”,
155. Em sede de debate judicial, o pai declarou, além do mais, que a mãe tratava muito bem os filhos, era boa mãe, ainda é uma boa mãe, o meu filho é que me diz isso; o problema da C… é a mãe trabalhar muito e levá-la para o café; nunca instigou o filho contra a mãe, ele é que não quer, “não quer ligar para a mãe, não obrigo os meus filhos a fazer as coisas que eles não querem”; acreditar que a mãe foi violenta para o B…, “para a C… não sei”; já não viver com a J… e que esta não instiga, nem instigou o conflito; que o melhor para os filhos é viverem consigo “mãe e pai amam os filhos por igual”; que o filho ficava sozinho na residencial porque “tem idade e confio para ficar sozinho”; a filha diz que gosta mais de estar na escola da instituição; que foi o B… quem teve a ideia de apresentar queixa contra a mãe.
156. A progenitora, em sede de debate judicial, declarou que a situação de perigo dos filhos é o conflito dos pais; que a sua relação com o filho melhorou, “ele pensa que eu faço queixas”; ele diz-lhe que também gosta dela e que gostava de viver consigo e a filha pergunta quando vai para casa; que devolviam as prendas que dava ao filho, mas agora este já as aceitou; que nunca fez confusão nenhuma; que quando a C… vai a casa do pai, a J… diz-lhe que se não contar as coisas de casa, fica de castigo; estar separada do companheiro e que o ex-marido diz que já não está com a J….
157. O progenitor compareceu no debate judicial acompanhado de J… e esta também o acompanha quando vai visitar os filhos à instituição, embora não entre nas mesmas por não estar autorizada a fazê-lo.
158. Desde o acolhimento residencial que os pais visitam os filhos semanalmente, sendo que na primeira visita compareceram juntos.
159. As visitas têm corrido muito bem e os meninos anseiam pelas mesmas, sendo que o B… reage melhor às visitas do pai e a C… é efusiva em relação à mãe e ao pai.
160. Os pais têm sido adequados nas visitas.
161. Inicialmente o B… não queria visitas da mãe e o pai é que funcionou como desbloqueador, dizendo-lhe para por uma pedra no passado.
162. O B… vai respondendo adequadamente à intervenção da mãe, embora não tome a iniciativa.
163. A C… adaptou-se de imediato à instituição, tem estado sempre muito bem, é uma menina muito feliz, muito alegre, integrou-se muito bem, mudou de estabelecimento de ensino e adaptou-se “lindamente” e até gosta mais desta escola, “é uma menina muito feliz”.
164. O B… está receptivo à mudança após ter questionado a medida de acolhimento, embora verbalize vontade de ir para o pai, sendo que a C… não fala sobre isso e nunca perguntou porque está ali.
165. O B… está integrado no grupo de pares e participa nas actividades.
166. A C… não fala de nada e o B… fala na mágoa que tem e que se pudesse optava por não estar com a mãe, mas não fala no passado.
167. Da última vez que a Sra. Técnica da Segurança Social falou com o pai, este foi agressivo para com ela.
168. Durante a intervenção o pai tem fases em que é simpático e outras em que é agressivo, sendo que inicialmente é muito agradável e diz que sim.
169. Na primeira reunião com o “N…”, o pai chorava a dizer que queria muito que os filhos estivessem com a mãe.
170. A mãe continua a trabalhar com o companheiro e a viver em casa de um familiar deste.
171. Há uma relação de poder do pai para a mãe e isso é transmitido ao filho que copia o modelo do pai.
172. O B… tem uma grande necessidade de agradar ao pai.
173. Aquando do acolhimento, estando o B… a chorar, o pai disse-lhe “o que é que queres que eu faça? Queres que eu lhes bata? Eu bato-lhes”.
174. A progenitora é intervencionada desde Maio de 2020 no âmbito das vítimas de violência doméstica pela “Q…” da Cruz Vermelha.
175. A família dos progenitores desconhece que estes estão separados e o pai ameaça a mãe dos filhos com isso.
176. Durante a intervenção do “N…” o B… achava sempre que o estavam a manipular e dizia “não vão conseguir o que querem”; não conseguiu relatar momentos anteriores à separação dos pais e focava-se sempre nos mesmos argumentos: mãe não dava comer porque gastava o dinheiro em maquilhagem, mãe dorme com outros homens e a mãe bateu-me.
177. O B… foi sinalizado pelo estabelecimento de ensino, há cerca de quatro anos”, para intervenção no “N…” por exposição a violência doméstica e em que era colocado a assistir para aprender, sendo que tal intervenção nunca se iniciou porque foram para Marrocos.
178. A mãe verbaliza não querer condicionar a relação entre pai e filha.
179. Inexiste alguém na família alargada que possa acolher o jovem e a criança.
180. Nada consta dos certificados de registo criminal dos progenitores.
181. A progenitora e M… foram acusados por despacho proferido a 18 de Agosto de 2020, no âmbito do processo de inquérito n.º 350/19.2GBILH do DIAP de Águeda da prática, cada um deles, como autor material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152.º n.º 1 al. d) e n.º 2 do Código Penal, encontrando-se tal processo na fase de instrução.
182. Da acusação referida em 181. consta o seguinte:
“B…, nascido a 7 de Dezembro de 2007, é filho de E… e de D….
Em diversas ocasiões, em datas não concretamente apuradas, em particular depois da separação dos progenitores do menor e da morte da sua avó, quando se encontravam na residência comum, a arguida puxou o cabelo, beliscou, mordeu, desferiu estalos e pontapeou o seu filho B… em várias partes do corpo, apertou-lhe o pescoço, obrigou-o a limpar a casa, a tomar conta da irmã e não lhe preparou o jantar nem o lanche.
Em data não concretamente apurada do verão de 2019, em que tinham combinado deslocarem-se ao parque aquático “S…”, ao encontrar uma caixa na garagem a arguida zangou-se com o filho, agarrou-o, deu-lhe uma chapada, agarrou-o pelo pescoço, empurrou-o contra uma porta fazendo-o cair.
Com o menor prostrado no chão, a arguida desferiu-lhe um pontapé na parte lateral do abdómen e, agarrando-o pela t-shirt, ergueu-o.
De seguida anunciou-lhe “a próxima vez que eu vir aquilo, vais ver”.
No final do ano lectivo 2018/2019, quando o filho lhe exibiu dois livros da escola que se mostravam em mau estado, um com a capa rasgada e o outro com a capa vincada, a arguida desferiu-lhe um estalo no olho esquerdo, palmadas nas costas, beliscou-lhe a parte lateral do abdómen e as costelas.
Na manhã do dia seguinte, na tentativa de disfarçar o hematoma que o menor apresentava na zona ocular a arguida aplicou-lhe maquilhagem.
Irritada com o facto da maquilhagem não cobrir totalmente o hematoma a arguida desferiu um estalo na face do menor.
Por várias vezes, em datas não determinadas, a arguida dirigiu-se ao seu filho dizendo-lhe “és porco como o teu pai”, “burro”, “filho da puta”, “cabrão”, “és uma merda”, “não prestas para nada”, “não fazes nada”.
Em consequência directa e necessária de cada uma das actuações da arguida, o seu filho B… sofreu dores e mal estar, ansiedade e nervosismo.
Mercê do comportamento da arguida o menor pediu ao seu pai para ir viver com ele.
A partir de então, desde data não apurada, o menor passou a residir com o seu pai durante a semana e ao fim-de-semana com a mãe e o seu companheiro, os aqui arguidos, na Rua …, n.º .., na …, Oliveira do Bairro.
No dia 4 de Outubro de 2019, quando o menor se encontrava na residência onde vivia com a sua mãe e o companheiro desta, recebeu uma chamada telefónica de J…, companheira do seu pai.
Nessa ocasião, a arguida colocou o seu telemóvel em modo de gravação de voz, por forma a gravar a conversa travada entre o filho e a mencionada J….
Apercebendo-se do sucedido o menor mexeu no telemóvel da sua mãe, o que gerou um desentendimento entre ambos, no decurso do qual a arguida lhe desferiu uma palmada no braço que B… colocou à frente da cara, por forma a evitar que a sua mãe lhe batesse na face.
Mais tarde nesse mesmo dia quando o arguido M… regressou à residência comum, ao tomar conhecimento do desentendimento travado entre o menor a arguida, dirigiu-se a B… dizendo-lhe “Eu pensei que tu ias ser um soldado e ter coragem de vir aqui a casa da tua mãe mas tu és uma grande merda” e, de seguida, desferiu-lhe várias pancadas na cabeça, pernas e braços.
Em consequência directa e necessária da actuação dos arguidos B… sofreu dores, mal estar e uma equimose violácea com halo amarelado na face anterior do terço proximal da coxa esquerda, medindo cerca de 0,7 cm de diâmetro, que determinaram oito dias de incapacidade para o trabalho geral.
Com as expressões que lhe dirigiram os arguidos quiseram e conseguiram ofender B… na sua honra e consideração, bem sabendo que as mesmas eram profundamente ultrajantes e lesivas da sua honra e da consideração pessoal que lhe era devida.
Ao actuarem da forma descrita os arguidos quiseram, como conseguiram, molestar fisicamente e maltratar o corpo e saúde do menor e atingi-lo na sua integridade física.
Sabiam que os seus actos afectavam a dignidade pessoal de B… bem como o seu equilíbrio psicológico e emocional e eram adequados a criar nele angústia e sentimentos de insegurança e dependência em relação a si, aterrorizando-o e humilhando-o, o que igualmente quiseram e conseguiram.
Fizeram-no sem qualquer motivo justificativo e com o fim exclusivo de fazer valer a sua vontade, bem sabendo que pela sua juventude, dependência dos mesmos e pela circunstância de actuarem no interior da residência comum o incapacitava de se lhes opor e defender.
Agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”.
183. O progenitor foi acusado, por despacho proferido a 27 de Novembro de 2020, no âmbito do processo de inquérito n.º 12/20.8GAOBR do DIAP de Águeda, da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152.º n.º 1 al. a) e c) e n.º 2 al. a), n.º 4, 5 e 6 do Código Penal.
184. Da acusação referida em 183. consta o seguinte:
“1. E… e D… estiveram casados durante cerca de dez anos, tendo deixado de viver em comum em maio de 2017 e se divorciado em Dezembro de 2018.
2. Desse relacionamento nasceu B…, no dia 7 de Dezembro de 2007 e C…, no dia 13 de Julho de 2013.
3. C… reside com a mãe na Rua …, n.º .., em Oliveira do Bairro.
4. B… reside com o pai na Rua …, n.º .., ….
5. No dia 8 de Abril de 2017, pelas 18 horas, na residência do casal, na presença dos filhos do casal, após uma troca de palavras entre o arguido e D…, este desferiu-lhe murros, atingindo-a na face e provando-lhe um golpe no lábio inferior.
6. De seguida, pegou numa vassoura e atingiu-a com o cabo de madeira no corpo, principalmente nas pernas, dizendo-lhe que a matava.
7. Nesse dia, pelas 19:42 horas, D… foi assistida, observada e sujeita a exames radiológicos no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar …, tendo-lhe sido concedida alta com indicação de vigilância clínica.
8. Com a referida conduta, o arguido provocou em D… dores e discreto edema da região malar direita da face, várias equimoses nos terços médio e distal da face anterior do braço direito, a maior com quatro centímetros por um centímetro e meio, equimose com halo no terço médio da face lateral da coxa direita, com três centímetros por um centímetro e meio, equimose com halo e edema subjacente no terço proximal da face antero-medial da perna direita, com onze centímetros por dez centímetros, equimose com halo amarelado na face anterior do joelho esquerdo com cinco por um centímetro e meio, que lhe demandaram cinco dias para a cura, todos com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
9. No mês de Junho de 2017, na residência do casal sita na Rua …, …, área do município de Oliveira do Bairro, o arguido disse à sua esposa D… que se fosse preso, quando saísse matava-a.
10. Em meados do mês de Julho de 2017, na residência do casal, disse-lhe que se não fosse com ele de férias a Marrocos, a matava, matava os meninos ou levava-os para um sítio que ninguém os encontrava.
11. No dia 31 de Julho de 2017, à noite, nas bombas da gasolina do T…, em Aveiro, o denunciado apoderou-se dos passaportes da vítima e dos filhos menores de ambos e da quantia de € 600,00 em dinheiro que estava na carteira da vítima, não o tendo devolvido; apenas lhe devolveu os passaportes em Marrocos, no entanto, na tentativa de impedir que a vítima saísse de Marrocos, bloqueou o passaporte da filha menor de ambos.
12. No dia 14 de Setembro de 2017, em Marrocos, a vitima ouviu o denunciado numa conversa com a mãe, a dizer que lhe ia bater.
13. No dia 17 de Janeiro de 2020, pelas 19:00 horas, E… acompanhado da sua actual companheira, deslocou-se à residência de D…, sita na Rua …, n.º .., em Oliveira do Bairro.
14. Aí disse-lhe, em marroquino, que lhe ia bater até morrer e que lhe ia tirar a filha, na presença da menor C….
15. O arguido quis e logrou intimidar e provocar receio a D… de vir a sofrer atos atentatórios contra a sua integridade física e vida e dos seus filhos, bem sabendo que a sua conduta era adequada a causar-lhe tal receio, tudo por forma a afectar a sua dignidade pessoal, não se coibindo de assim actuar na residência do casal, na presença dos seus filhos menores, apesar de aquela ter sido sua companheira e, como tal, lhe merecer especial respeito.
16. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal”.
185. O processo referido em 183. encontra-se em fase de julgamento e o início da audiência de discussão e julgamento estava agendada para o dia seguinte à data da realização do debate judicial nos presentes autos.
186. Todos os técnicos são do parecer que, não obstante o processo crime relativo à mãe, deve ser restabelecida a relação entre esta e o filho.
*
3.2. Da adequação da medida aplicada à criança C…
Na prossecução dos valores jurídico-constitucionais da infância, traduzida na concretização dos direitos fundamentais da criança, a intervenção do Estado no âmbito do Direito das Crianças e Jovens consubstancia, por regra, uma restrição de direitos fundamentais dos pais - direito à educação e manutenção dos filhos - e nalgumas situações, como sucede com a intervenção tutelar educativa de outros direitos fundamentais da própria criança - direito à liberdade e à auto­determinação pessoal.
Ora, atendendo ao que dispõe o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, essa restrição deve ser excepcional e apenas justificada quando se trate de salvaguardar outro direito ou interesse constitucionalmente protegido, estando sujeita às exigências de proporcionalidade e de adequação que este normativo impõe.
O artigo 36.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa, vem prever precisamente a possibilidade de, em ordem à prossecução do dever de protecção das crianças que incumbe ao Estado (artigo 69.º da Constituição da República Portuguesa), se restringir o direito dos pais à educação e à manutenção dos filhos, o que, no limite, pode levar à separação destes relativamente aos progenitores.
As medidas restritivas preconizadas no referido normativo estão naturalmente sujeitas a uma reserva de lei (a qual definirá as situações de incumprimento dos deveres fundamentais que legitimam que os filhos sejam separados dos pais) e uma reserva de decisão judicial. Toda a intervenção estatal, seja por via judicial seja por via administrativa ou legislativa está condicionada e balizada pelo princípio constitucional da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Gomes Canotilho e Vital Moreira sustentam que o princípio da proporcionalidade, considerado um princípio material inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias, também chamado «princípio da proibição do excesso», se desdobra em três subprincípios:
- Princípio da adequação - as medidas restritivas devem revelar-se como meio adequado para a salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos;
- Princípio da exigibilidade - as medidas restritivas revelam-se necessárias porque os fins visados pela lei não podiam ser conseguidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias, e;
- Princípio da proporcionalidade em sentido restrito - os meios legais restritivos devem situar-se numa «justa medida» em relação aos fins visados, proibindo-se as medidas desproporcionadas ou excessivas - cf. J. J. Gomes Canotilho; Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra Editora, 1993, pág. 52. cf. ainda Gomes Canotilho, J. J., Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 1998, págs. 259-265.
Ante a situação patenteada na factualidade descrita, tornava-se imperativo, com efeito, aplicar uma medida de promoção e protecção, com a finalidade de afastar o perigo em que a criança C… se encontrava e proporcionar-lhe as condições que permitissem proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, como manda o artigo 34.º, nas alíneas a) e b), da LPCJ.
A medida concretamente aplicada pelo Tribunal foi a do acolhimento residencial.
A recorrente insurge-se contra a aplicação desta medida.
O artigo 4.º da LPCJ, que elenca os “princípios orientadores”, estabelece que: “a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:
a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto (…);
e) Proporcionalidade e actualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade (…);
h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável”.
De uma leitura articulada das normas resulta o seguinte: por mais desejável que seja a prevalência da família (cfr. artigo 4.º, al. h)), o mais importante, nestas situações, é o interesse superior da criança ou do jovem (cfr. artigo 4.º, al. a)), devendo, em qualquer caso, a medida a aplicar ser a necessária e a adequada a salvaguardar a criança ou o jovem do perigo em que se encontra no momento da aplicação da medida (cfr. artigo 4.º, al. e)).
A medida aplicada, de acolhimento residencial, está expressamente prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJ.
Como se consigna no artigo 49.º, n.ºs 1 e 2, da LPCJ, consiste ela “na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações, equipamento de acolhimento e recursos humanos permanentes, devidamente dimensionados e habilitados, que lhes garantam os cuidados adequados” e tem “como finalidade contribuir para a criação de condições que garantam a adequada satisfação de necessidades físicas, psíquicas, emocionais e sociais das crianças e jovens e o efetivo exercício dos seus direitos, favorecendo a sua integração em contexto sociofamiliar seguro e promovendo a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral”.
É certo que existe um vínculo emocional entre mãe e filha e esta medida acarreta algum sacrifício para o interesse da família, impedindo o regresso imediato da criança para junto da mãe.
De qualquer forma, é visível que o rigor da medida do acolhimento residencial é atenuado através da previsão de outras medidas. Estão, desde logo, autorizadas as visitas e os contactos entre a criança e a sua mãe. A execução da medida será acompanhada pela técnica da Segurança Social. E, muito importante, a medida tem a duração de um ano e é susceptível de ser revista ao fim de seis meses.
Não há dúvidas, pois, que a decisão do Tribunal recorrido respeita os princípios da proporcionalidade (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito) e da actualidade impostos no artigo 4.º, al. e), da LPCJ.
De resto, a menor C…, de 7 anos, e o irmão, de 13 anos, há muito se encontram no meio e envolvidos nos conflitos parentais, já extensivos à companheira do pai, bem como expostos a situações de violência doméstica que se têm mantido apesar da separação, revelando a progenitora, como é realçado no acórdão recorrido, uma situação de grande fragilidade relativamente aos abusos do pai dos menores, o que a torna de algum modo muito susceptível e vulnerável à manipulação de que tem sido vítima, e assim incapaz de proteger adequadamente os filhos.
Na verdade, é evidente que caso a menor C… se mantivesse com a progenitora, ainda para mais estando o B… acolhido, os conflitos, violência e manipulações que têm pautado o casal parental apenas se iriam agravar, centrados agora nesta menor, a quem é fundamental garantir o distanciamento que possibilite estar longe destes conflitos com a paz e tranquilidade de que necessita, ao mesmo tempo que se tenta intervir junto dos progenitores para que os mesmos, beneficiando igualmente deste distanciamento, possam alterar a sua dinâmica relacional.
Por outro lado, o acolhimento dos menores que foi determinado no acórdão é a única forma de conseguir resultados na alteração da postura do B… relativamente à progenitora e preservar esta relação, o que naturalmente protege igualmente a relação entre os irmãos.
Como resulta claramente da matéria de facto provada, não é possível fazer qualquer intervenção no sentido da reaproximação do menor à mãe caso este se mantivesse junto do progenitor, e a manutenção apenas da menor junto da mãe, ficando o filho acolhido, como parecer pretender a recorrente, apenas iria agravar o distanciamento entre mãe e filho e os sentimentos de abandono que este certamente já experiencia e que já lhe causaram danos que se espera não sejam irreversíveis.
Ademais, resulta da análisa exaustiva dos autos que já se tenta há longo tempo alterar o comportamento destes pais, sem qualquer resultado positivo, pelo que apenas o afastamento determinado poderá fazer com que os mesmos compreendam o impacto negativo que os seus comportamentos têm nos filhos e a necessidade de lhe por cobro.
Norteados pelo bom senso e a razoabilidade na prossecução do principal objectivo comummente identificado como sendo o do “interesse do menor”, ante a descrita factualidade e o conhecido desenvolvimento da situação dos autos, conclui-se, naturalmente, que a decisão recorrida respeitará o indeclinável objectivo de alcançar “o melhor para a criança” (“é esta que conta em primeiro lugar”), pelo que não merece qualquer censura.
Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação.
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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
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4. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
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Custas a cargo da apelante.
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Notifique.

Porto, 14 de Julho de 2021
Os Juízes Desembargadores
Paulo Dias da Silva
João Venade
Paulo Duarte Teixeira

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)