Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15584/19.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: ABUSO DO DIREITO
CORREIO ELECTRÓNICO
PROVA
Nº do Documento: RP2022110715584/19.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O instituto do “abuso de direito”, enunciado no art. 334º do CC, serve de válvula de segurança do sistema, para os casos de pressão violenta da nossa consciência jurídica contra a rígida estruturação, geral e abstracta, de normas legais, obstando a injustiças clamorosas, que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado.
II - Não há “abuso de direito” na conduta da A./trabalhadora que propõe acção contra a Ré/empregadora, se esta não prova que aquela recebeu a comunicação electrónica que lhe fez e que esteve no desencadear da situação que veio a culminar no despedimento da Autora.
III – Ao transmitente, de um documento electrónico, exige-se não só a prova do seu envio, como a prova da sua recepção, pelo destinatário do endereço a quem foi enviado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 15584/19.1T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 3

Recorrente: AA
Recorrida: Cento Hospitalar Universitário..., E.P.E.


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
A A., AA, residente na Avenida ..., ... Porto, intentou a presente ação declarativa que segue a forma de processo comum contra Cento Hospitalar Universitário..., E.P.E., com sede na ... Porto, pedindo que seja reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a autora e o réu, que seja declarada a nulidade do despedimento da autora, por ilícito, sendo o réu condenado a reintegrar a autora, no pagamento de 8 dias de remuneração base e respetivo subsídio de alimentação correspondente ao trabalho prestado e ao pagamento das retribuições que a autora deixou de auferir e que lhe eram devidas se prestasse a sua atividade ao réu desde 8/7/2019 até ao trânsito em julgado da decisão a proferir.”.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que foi admitida pelo réu, em 1/2/2019, por contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, sendo que esse contrato nunca foi reduzido a escrito como manda a lei.
Em 28/7/2019 a autora foi convocada pelos recursos humanos do réu para lhe ser comunicada a caducidade do seu contrato, tendo rececionado uma comunicação escrita a dizer-lhe que o seu contrato caducava no dia 8/7/2019, caducidade que a autora nunca aceitou por falta de forma legal.
A partir de 8/7/2019 a autora foi impedida, pelo réu, de trabalhar, traduzindo-se esse comportamento num despedimento ilícito.
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Realizada a audiência de partes sem acordo, conforme consta da acta datada de 01.10.2019, foi a R. notificada para contestar, o que fez, alegando, em síntese, que a autora foi contratada e iniciou funções a 1 de fevereiro de 2019 e logo no primeiro contacto via email (...@gmail.com), de 17 de janeiro de 2019, foi informada de que deveria apresentar-se no SGRH (Serviço de Gestão de Recursos Humanos) «para início de funções», «em regime de contrato individual de trabalho a termo resolutivo incerto, nos termos do Código do Trabalho», tendo sido informada, e aceitou, esse tipo de contrato que ia celebrar, tendo, até, solicitado o adiamento do início de funções para 1 de fevereiro, o que foi aceite pelo C..., EPE.
Mais alegou que, por email de 28 de fevereiro de 219, enviado para o seu email institucional (......@....min-saude.pt) e enviado também para o seu endereço eletrónico pessoal (...@gmail.com) foi informada de que deveria dirigir-se ao Serviço de Gestão de Recursos Humanos (SGRH), no piso 1, das 09h às 16,30h para assinar o contrato. E apesar de convocada para assinar o contrato não compareceu para o efeito, estando então o contrato pronto para ser assinado pela Autora, já devidamente assinado pelo legal representante do C..., EPE.
Alega, ainda, que sempre a autora atuou perante os assistentes técnicos do SGRH criando neles a convicção de que compareceria para assinar o contrato, nenhuma indicação objetiva tendo dado que não o faria, mostrando-se, para além de conhecedora da causa que justificava o contrato, conhecedora e consciente de que iria assinar o contrato, acrescendo que, os próprios recibos de retribuição juntos pela autora aos autos, também, não deixam dúvidas quanto à natureza do vínculo de contrato, de trabalho a termo, sem qualquer reserva ou adversidade da autora.
Mais, a própria autora, na intervenção que provoca da Polícia de Segurança Pública a 8 de julho de 2019, espontaneamente participa, referindo-se ao contrato que «o previamente acordado foi que iria substituir a colaboradora BB, durante a sua ausência por motivos de licença de maternidade e, portanto, por tempo ainda indeterminado», continuando a declarar que «a colaboradora BB regressou ao serviço no dia 13 de junho de 2019; contudo à participante nada lhe foi transmitido, motivo pelo qual continuou a desempenhar as suas funções com toda a normalidade»
Por fim, alega que face ao regresso da técnica substituída, a referida BB, o SGRH contactou a autora para se dirigir a esse Serviço, dando-lhe conhecimento da caducidade do seu contrato, através da Comunicação nº ......, de 28-06-2019, para os mesmos endereços de correio eletrónico para onde havia sido convocada para comparecer à assinatura do contrato. A autora apresentou-se efetivamente a 28 de junho de 2019 no SGRH, mas recusou-se a assinar a receção do Ofício que lhe foi apresentado, assim, a autora é a única a ter contribuído causalmente para a não assinatura do contrato. É assim inválido e ineficaz, por consubstanciar um verdadeiro e próprio «venire contra factum proprium» o comportamento contratual da autora.
Conclui que, “deve a presente acção ser julgada não provada e improcedente, com as legais consequências.”.
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Oportunamente, foi fixado o valor da acção em €3.387,98, proferido saneador tabelar, dispensada a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova.
Realizada a audiência de julgamento, nos termos documentados nas actas de 10.11.2020, onde se determinou que ficasse a constar: «Findas as declarações da Autora, foi pedida a palavra ao Ilustre mandatário da Ré, o qual, no seu uso, disse: " Considerando a circunstância de o Centro Hospitalar ... alegar o envio de uma notificação por correio electrónico para o endereço, passa a citar-se, ...@gmail.com, bem como para o endereço, .....min-saude.pt, mensagens essas cujo conteúdo comunicado a 28.02.2019, a Autora refere nunca ter recebido, ou seja, nunca ter tomado conhecimento dos mesmos ou do seu conteúdo e tratando-se de matéria com relevo para a presente instância, requer- se a V.ª EX.ª se digne:
1) ordenar à SPMS, EPE Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE por si própria ou através da gestora do sistema Google Gmail a confirmação do facto do envio destas mensagens de correio electrónico e da abertura e visionamento do respectivo conteúdo;
2) e que o resultado dessas diligências seja narrativamente comunicado a este Tribunal.
Dada a palavra ao il. Mandatário da Autora, pelo mesmo foi dito: "Oponho-me ao requerimento apresentado pelo il. Mandatário da Ré, uma vez que este facto se reporta ao dia 28. Fevereiro e mesmo a ser verdade, a Trabalhadora já exercia as suas funções desde 01-02-2019 sem qualquer redução do seu contrato de trabalho a escrito, portanto não faz relevância para o objecto em questão nestes autos."
Pela Sr.ª Juiz foi então proferido o seguinte
DESPACHO
Defere-se ao requerido por se considerar que, face à defesa apresentada pelo Réu nos autos, a questão de saber se efectivamente a Autora foi ou não convocada para assinar o contrato, mostra-se relevante.
Com efeito, tendo em conta que a Autora acabou agora mesmo de negar que alguma vez tivesse recebido o citado e-mail ou e-mails de 28.Fevereiro, afigura-se-nos que é importante esclarecer esta circunstância, esclarecimento este que poderá vir a contribuir para a boa decisão da causa, tendo em conta a defesa apresentada e as várias soluções plausíveis de direito que possam existir. Ou seja, não será a resposta que venha a ser dada a estas questões que poderá só por si resolver os autos, mas, pelo menos, ficará esse facto assente com mais certeza e nesse sentido poderá ser importante para a boa decisão da causa.”, foram os autos conclusos e apreciada a questão de saber se “deve ser reconhecida e declarada a existência de um contrato individual de trabalho sem termo entre a Autora o réu e, em caso afirmativo, se ocorreu um despedimento ilícito da autora por parte da ré, havendo, ainda, que apreciar se a autora incorre em abuso de direito ao interpor a presente ação.».
A este, pelos “Serviços Partilhados do Ministério da Saúde”, foi dada a seguinte resposta:
Em cumprimento do despacho supramencionado, tal como já informado anteriormente, a SPMS, EPE não tem meios para obter qualquer informação de contas alojadas no fornecedor de serviço de email da Google. Por este facto, não nos é possível confirmar a receção dos emails enviados para a conta de email ...@gmail.com, assim como “confirmar abertura e visionamento do respectivo conteúdo”, como é pedido no ofício. No entanto, constata-se que foi enviado, no dia 28.02.2019. um email com origem no CH..., para o endereço de email ...@gmail.com, sendo que como dito anteriormente, atendendo a que esta conta de email se encontra alojada fora do serviço de email do SNS, não conseguimos comprovar se foi entregue ou se foi visualizado.
Relativamente às demais contas de email mencionadas no despacho, à data dos factos, as referidas contas não se encontravam alojadas no serviço de email do SNS, gerido pela SPMS, EPE, mas sim localmente num servidor de email da responsabilidade do Centro Hospitalar ... (CH...). Acontece que, ulteriormente o CH... migrou as contas que estavam a ser geridas pelo seu servidor para o servidor da S..., EPE Por esse motivo, foi agora efectuada uma pesquisa pelo email .....@...min-saude.pt, constante do despacho, não tendo a S..., EPE identificado esse email no seu servidor. Pesquisámos ainda pelo email .....@....min-saude.pt, uma vez que por lapso de escrita o “c” de centro poderia estar omisso. Ainda assim, essa conta de email também não foi encontrada no servidor.

Após, terminada a audiência, nos termos que constam da acta de 09.12.2021, ordenada a conclusão dos autos para o efeito, foi proferida sentença que terminou com a seguinte DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se o réu do pedido.
Custas pela autora.
Notifique e registe.”.
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Inconformada com esta, a A. apresentou recurso, nos termos das alegações juntas, que finalizou com as seguintes “CONCLUSÕES
1 – O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida que julgou totalmente improcedente a ação de processo declarativa sob forma de processo comum, na qual foi Autora AA e Réu o Centro Hospitalar...., E. P. E..
2 – Salvo o devido respeito, a Apelante não pode concordar com os fundamentos de facto e de direito que sustentam a Douta decisão proferida, pelo que se procede à demonstração dos fundamentos em que se alicerçam a sua discordância.
3- O ponto 3. da listagem dos factos provados constantes da douta sentença, foi mal ajuizado, tendo sido indevidamente considerado como provado que “Nesse dia a Autora foi admitida ao serviço pelo réu, por contrato individual de trabalho a termo resolutivo incerto…”, o que não corresponde à realidade dos factos, pelo que tal facto deveria ter sido considerado como não provado.
4- A Apelante não foi admitida ao serviço da Apelada por contrato individual de trabalho a termo resolutivo incerto, porque para tal facto era necessário a existência de um contrato de trabalho escrito válido, devidamente assinado por ambas as partes, o que nunca ocorreu.
5- Um contrato de trabalho a termo incerto em que é assinado apenas por uma das partes não é válido, padecendo de nulidade do termo por preterição de formalismo legal, com caráter ad substantiam, pelo que nos termos do artigo 147º Código do Trabalho, nº 1, al c) deve-se considerar que a Apelante laborou ao serviço da Apelada com contrato de trabalho sem termo.
6- As negociações preliminares de um contrato de trabalho não afastam ou derrogam os formalismos legalmente exigidos para efetivação do vínculo laboral, pelo que após as negociações iniciais a entidade empregadora tem de garantir a execução dos formalismos legais do contrato de trabalho a termo incerto para garantir a sua validade, nomeadamente a redução do contrato a escrito, no qual conste o respetivo termo e motivo justificativo e esteja devidamente assinado por ambas as partes, o que não ocorreu.
7- A remuneração base da Apelante em fevereiro de 2019 era de 1020,06 euros, sendo que nos meses posteriores a remuneração base era de 1110,77 euros, conforme os recibos que foram juntos ao processo, pelo que foi incorretamente considerado como provado que a Apelante tinha remuneração base de 1200 euros, conforme consta na douta sentença no ponto 6. Dos factos dados como provados.
7 – A Apelada não logrou provar que o email enviado no dia 28.02.2019 a convocar a Apelante para a assinatura de contrato de trabalho lhe foi efetivamente entregue ou que a destinatária rececionou essa missiva, facto que deveria ter sido considerado pelo tribunal “a quo”.
8 - O ónus de alegar e provar que enviou o email e que o mesmo foi recebido pela Apelante incumbia à Apelada, no entanto, esta não fez prova no que concerne à receção do email pela Apelada, pelo que o tribunal “a quo” ao considerar que a Apelante recebeu efetivamente o referido email viola o disposto no regime da validade, eficácia e valor probatório dos documentos eletrónicos que consta do DL 290-D/99, de 2 de Agosto, no artigo 6º, nº 1, que prevê que “O documento eletrónico comunicado por um meio de telecomunicações considera-se enviado e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço eletrónico definido por acordo das partes e neste for recebido.”.
9 – Com tal consideração foi igualmente violado o disposto no artigo 224º do código civil que prescreve que “a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida”, donde se retira que para a eficácia da declaração é condição indispensável a receção pelo destinatário, pelo que não tendo a Apelante recebido email ou dele tido conhecimento a declaração enviada pela Apelada foi ineficaz, pelo que nunca poderia ter sido considerado o contrário pelo douto tribunal “a quo”.
10 – A Apelante não recebeu o email enviado pela Apelada de dia 28.02.2019, pelo que o tribunal “a quo” não lhe podia imputar responsabilidades por não cumprir uma solicitação que nunca recebeu e de que nunca teve conhecimento, muito menos ser-lhe atribuída má-fé por tal facto ou considerar que agia em abuso de direito na demanda, constituindo tal interpretação do tribunal a “quo” um erro na apreciação da prova e na apreciação do direito, pelo que tal decisão deve ser modificada em conformidade, pela Veneranda Relação, com as demais consequências.
11- Para existir abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, não basta alegar que a Apelante tivesse conhecimento dos motivos da sua contratação ou de que tenha sido previamente informada de qual seria o seu vínculo laboral, para tal efeito, era necessário alegar e demonstrar que foi a Apelante que deu causa à preterição das formalidades exigidas na lei, nomeadamente a falta de assinatura do contrato de trabalho, o que não ocorreu.
12 - Não tendo sido provado que a Apelante rececionou o email de dia 28.02.2019, não se pode imputar à Apelante qualquer responsabilidade de ser causadora de qualquer preterição das formalidades exigidas na lei para a celebração do contrato de trabalho, não se podendo imputar culpas ou responsabilidades à Apelante pela falta de assinatura do contrato de trabalho.
13- A responsabilidade de emissão das declarações emitidas e pela emissão dos recibos de vencimento é única e exclusivamente da Apelada, pelo que tais documentos não são suscetíveis de substituir os formalismos legais inerentes a um contrato de trabalho a termo, sendo que os conteúdos dos mesmos não vinculam em nada a Apelante, nem constituem a aceitação de qualquer facto pela mesma.
14 – A Apelante nunca teve conhecimento de nenhuma solicitação da Apelada para assinatura do contrato, nem nunca o contrato lhe foi apresentado.
15 - A única causadora da preterição das formalidades exigidas na lei para a celebração do contrato de trabalho a termo incerto é a Apelada, ao não garantir o cumprimento das formalidades exigidas.
16 – O tribunal “a quo” decidiu incorretamente que a Apelante agiu de má-fé e com abuso de direito, pois, conforme a prova produzida na ação e conforme a falta de produção de prova da Apelada relativamente à receção do mencionado email de dia 28.02.2019 pela Apelante, se concluí que a Apelante não deu causa de modo algum à preterição das formalidades exigidas na lei para a celebração do contrato de trabalho a termo incerto, não sendo causadora do facto do contrato não estar assinado por si, pelo que ao contrário do que decidiu o tribunal “a quo”, inexiste abuso de direito da Apelante, pelo que tal consideração deverá ser revertida pela Venerada Relação, com as demais consequências.
17- Ao contrário do que consagrou a douta sentença de que se recorre, a Apelante não agiu de má-fé, nem agiu com abuso de direito, pelo que tal decisão deve ser revogada.
18 – O contrato de trabalho da Apelante deve ser reconhecido como contrato de trabalho sem termo.
19 – A Apelante foi despedida ilicitamente por não ter sido precedido do respetivo procedimento disciplinar, como tal, deve ser declarada a nulidade do despedimento, por ilícito, com todas as consequências legais.
20- A Apelante tem o direito à reintegração ao serviço, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ao abrigo do artigo 389º, nº 1, b).
21 – Tem a Apelante direito ao pagamento das contribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado da decisão que vier a ser decretada, nos termos do artigo 389, nº 1, a) do Código do Trabalho.
Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência, ser a sentença ora colocada em crise, revogada e substituída por outra que condene a Apelada na totalidade dos pedidos formulados pela Apelante na presente demanda, com o que se fará, JUSTIÇA!”
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A R., respondeu nos termos das contra-alegações juntas, que finalizou com as seguintes “CONCLUSÕES

A apelante incorre em erro de análise ao atribuir à situação de facto da não redução a escrito de um contrato de trabalho a termo resolutivo, na modalidade de não assinatura pela trabalhadora, o efeito legal consequente, da cominação legal da conversão em outra modalidade de contrato, como um efeito “ope legis”;

Quanto tal norma exige uma mediação judicial, por caber exclusivamente ao Tribunal a aplicação desse efeito, legalmente carecido de conhecimento judicial próprio;

A sentença recorrida, indo à substância da matéria de facto e interpretando-a e valorando-a como o fez eleva-se a um sentido de exemplaridade, confirmando a força dos factos anteriores, coevos e posteriores ao início da relação laboral de onde extrai que a autora não se dirigiu aos Serviços da ré para assinar o contrato de trabalho a termo resolutivo incerto constante de fls 37 a 40 dos autos;

Quando apenas de si dependia essa iniciativa, constitutiva de dever acessório, não fora o estado de reserva e premeditação de lograr não assinar o contrato para procurar aquele efeito cominatório legalmente previsto;

Ao que acresce ser confluente com essa determinação da autora, i) o facto de todas as demais colegas contratadas com efeitos à mesma data terem sido igualmente convocadas e terem subscrito contrato idêntico (trata-se de concretizar várias substituições de técnicas ausentes) e ii) o facto de com essa atitude, de provocar o efeito cominatório da norma, lograr a autora «ultrapassar» as suas colegas concorrentes em procedimento concursal de recrutamento para a celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado;

Seria contrário aos ditames da boa-fé admitir, como pretende o recurso “sub judice” como consubstanciação do efeito cominatório daquela norma do artigo 147º/1/c) do Código do trabalho a não subscrição pela autora do teor do contrato de trabalho a termo resolutivo quando é ela própria, exclusivamente, a dar causa a tal não formalização!

A sentença recorrida estabelece factos integralmente subsumíveis às invocadas normas dos artigos 102º e 147º/1/c) do Código do Trabalho e ainda 334º do Código Civil, de onde resulta não ser lícito àquele que não procede com lealdade e boa-fé, antes se orienta sob reserva de prossecução desviante de interesses laterais, obter o efeito cominatório prevista para a situação de não assinatura pelo trabalhador do contrato de trabalho a termo resolutivo.

Assim, improcedem as conclusões da apelação e a douta sentença recorrida não merece qualquer reserva por proceder a uma aplicação conforme ao Direito e exemplar.
Termos em que, e nos melhores de direito do douto suprimento,
Deve o presente recurso ser julgado improcedente, com as legais consequências.”.
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Admitido o recurso como apelação, foi ordenada a subida dos autos a esta Relação.
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O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do art. 87º nº 3, do CPT, no sentido de que deverá ser confirmada a sentença em recurso, com os seguintes argumentos: “Salvo sempre diferente e melhor opinião, da leitura da sentença, e demais elementos constantes do processo cremos que a douta sentença em recurso não merece censura atentos os fundamentos de facto e de direito invocados.
É certo que a falta de assinatura de uma das partes no contrato a termo resolutivo, neste caso da Autora, o torna nulo.
Porém atendendo aos factos provados de que a A. foi convocada para assinar o contrato, não tendo comparecido (embora agora impugnado), que “desde que iniciou a sua prestação de trabalho para o réu, em 1/2/2019, a autora sempre atuou perante o réu criando nele a convicção de que compareceria para assinar o contrato, nunca tendo dado qualquer sinal expresso ou implícito de que se recusaria a assinar o contrato de trabalho escrito” – facto 23 – que pediu declarações de onde constava esta modalidade de contrato de trabalho, a termo resolutivo incerto, cremos que, como se decidiu no Ac. da RP de 03.12.2007, proc. 0713873, esta nulidade do termo não pode, porém, ser invocada pela Autora, em beneficio próprio, sob pena de tal conduta representar um abuso de direito, na modalidade “venire cotra factum próprium”.”.
Notificadas deste, veio a A. pronunciar-se, nos termos do requerimento junto em 26.09.2022, discordando do mesmo e pugnando pela procedência do recurso.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvo as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, as questões suscitadas e a apreciar consistem em saber, se o Tribunal “a quo” errou:
- quanto à resposta dada aos pontos 3 e 6 dados como provados;
- quanto à decisão de direito, devendo a recorrida ser condenada no pedido, como defende a recorrente, por inexistência de abuso do direito por parte desta.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS:
A 1ª instância considerou, que com interesse para a decisão resultaram provados os seguintes factos:
“1. O réu remeteu à autora, que o recebeu, um email no dia 17 de janeiro de 2019, que foi remetido para o endereço “...@gmail.com”, através do qual lhe comunicou “conforme combinado, cumpre-me informar que deverá apresentar-se no serviço de Gestão de Recursos Humanos deste Centro Hospitalar (piso 1) no dia 1 de fevereiro de 2019, pelas 09 horas, para iniciar funções, em regime de contrato individual de trabalho a termo resolutivo incerto, nos termos do Código do Trabalho.
Mais informo que deverá fazer-se acompanhar dos documentos constantes da folha em anexo”.
2. Em 1 de fevereiro de 2019, a autora compareceu no serviço de Gestão de Recursos humanos do réu e entregou documentação solicitada pelo réu.
3. Nesse dia a autora foi admitida ao serviço pelo réu, por contrato individual de trabalho a termo resolutivo incerto, a exercer funções na unidade orgânica do centro de Medicina Laboratorial pertença do réu. (Eliminada expressão sublinhada)
4. Foi contratada para exercer as funções como Técnica de Análises Clínicas e Saúde Pública, da carreira especial de Técnico Superior das áreas de Diagnóstico e Terapêutica.
5. A autora realizava a sua atividade observando horas de início e termo do seu trabalho, determinadas pelo réu.
6. Era-lhe paga mensalmente a quantia de €1200,00 de remuneração base, como contrapartida do seu trabalho, assim como subsídio de alimentação de €4,77 por cada dia de trabalho. Alterado, para o seguinte:
6. Era-lhe paga mensalmente, em Fevereiro a quantia de €1020,06, em Março, Abril, Maio e Junho €1110,77, de remuneração base, como contrapartida do seu trabalho, assim como subsídio de alimentação de €4,77 por cada dia de trabalho
7. Foram emitidos os recibos de remuneração respeitante à autora pelo réu referente aos meses de fevereiro de 2019 a junho de 2019, nos quais foi feito constar “Cod. Trab. C/termo.
8. O réu emitiu, em 20/2/2019, a pedido da autora a declaração cuja cópia se encontra junta a fls. 35 verso cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido na qual fez constar “para os devidos efeitos, se declara que AA, exerce funções nesta Instituição, desde 01/02/2019 (….) em regime de Contrato Individual a termo resolutivo Incerto (…)
9. E emitiu, em 26/2/2019, a pedido da autora a declaração cuja cópia se encontra junta a fls. 36 verso cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido na qual fez constar “para os devidos efeitos, se declara que AA, com Contrato Individual a termo resolutivo Incerto (…) a exercer funções no Serviço de Patologia clínica cumpre neste Centro Hospitalar o seguinte horário: 35 horas semanais: (segunda a sexta-feira) Manhã-tarde; 08h00 às 16h00/1h almoço
10. Foi redigido e assinado pelo réu em data não concretamente apurada, mas anterior a 28/2/2019, o contrato de trabalho cuja cópia se encontra junta a fls. 37 a 40 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11. Pelo departamento de gestão de recursos humanos do réu foi remetido à autora um email, em 28/2/2019, informando-a que “a partir de hoje, dia 28/02/2019, deverá dirigir-se ao Front-Office do GRH (piso 1), das 09h às 16h30m, para assinar o contrato de trabalho”.
12. O email mencionado em 11. foi remetido para o endereço ...@gmail.com, email pessoal da autora que esta havia fornecido ao réu.
13. A autora não se dirigiu ao departamento de gestão de recursos humanos do réu para assinar o contrato mencionado em 9.
14. O departamento de recursos humanos do réu remeteu à autora um email em 25/3/2019 para o endereço ...@gmail.com convocando-a para comparecer no mesmo para levantar um cartão.
15. No dia 26/3/2019 a autora dirigiu-se a esse departamento para levantar esse cartão.
16. A autora foi convocada pelos serviços de recursos humanos, em 28 de junho de 2019, para se dirigir àquele serviço no início da tarde para lhe ser comunicada a “caducidade” do seu contrato de trabalho.
17. A autora foi, mas recusou-se a assinar o ofício em que lhe era comunicada a caducidade do contrato.
18. No dia 1 de julho de 2019 a autora recebeu um email do réu, remetido para o endereço ...@gmail.com, comunicando-lhe que “o contrato individual de trabalho a termo resolutivo incerto caduca em 08 de julho de 2019”.
19. A autora enviou ao Sr. Diretor do Serviço de recursos humanos do réu a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 16 verso cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
20. No dia 8 de julho de 2019 a autora foi impedida de entrar ao serviço, uma vez que estava desligado o seu registo biométrico de entrada e o diretor de serviço comunicou-lhe que não devia trabalhar a partir desse dia.
21. A autora, nesse dia, apresentou à PSP uma participação cuja cópia se encontra junta a fls. 17 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
22. A autora teve conhecimento desde, pelo menos, janeiro de 2019 que iria ser contratada pelo réu mediante um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto para substituir uma colaboradora do réu de nome BB, tendo aceite a sua contratação nesses termos.
23. Desde que iniciou a sua prestação de trabalho para o réu, em 1/2/2019, a autora sempre atuou perante o réu criando nele a convicção de que compareceria para assinar o contrato, nunca tendo dado qualquer sinal expresso ou implícito de que se recusaria a assinar o contrato de trabalho escrito.
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Para além da factualidade acima elencada e com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos e, designadamente, não se provou que:
1. O contrato de trabalho a termo resolutivo incerto celebrado com a autora nunca foi reduzido a escrito.”.
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Previamente, à apreciação das questões colocadas no recurso importa, dado da factualidade provada ou não provada, apenas, deverem constar factos e não expressões ou matéria conclusiva, ou que encerre juízos de valor, que se elimine do teor do facto 3, a expressão “a termo resolutivo incerto”, já que encerra ela, em nosso entender, um juízo valorativo e de direito a formular ou não, a final, na sentença, atento o que resultar da análise de toda a factualidade que se venha a apurar.
Assim, independentemente de outras alterações que, eventualmente, venham a ocorrer em consequência da impugnação deduzida pela recorrente à decisão de facto, na sequência do que se acaba de expor, decidimos, oficiosamente, desde já, eliminar a expressão, “a termo resolutivo incerto” constante do ponto de facto 3, da decisão recorrida, ao abrigo do art. 607, nºs 4 e 5, do CPC, que passa a ter a seguinte redacção: “3. Nesse dia a autora foi admitida ao serviço pelo réu, por contrato individual de trabalho, a exercer funções na unidade orgânica do centro de Medicina Laboratorial pertença do réu.”.
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B) - O DIREITO
Através do presente recurso, insurge-se a recorrente contra a decisão de facto e de direito, pretendendo a revogação da sentença.
Vejamos, então.
Comecemos, pela questão da impugnação de facto, uma vez que quanto aos pontos 3 e 6 que impugna, mostram-se, satisfatoriamente cumpridos os ónus que sobre a mesma impendem, (art. 640º, do CPC).
- Facto 3
Neste, foi dado como provado que: “Nesse dia a autora foi admitida ao serviço pelo réu, por contrato individual de trabalho, a exercer funções na unidade orgânica do centro de Medicina Laboratorial pertença do réu.”
Na motivação da decisão de facto a Mª Juíza “a quo” deixou consignado, que aquele ponto resultou provado, atendendo ao “acordo das partes, sendo certo que a mencionada testemunha CC confirmou igualmente que a autora compareceu no dia 1/2/2019 no departamento de recursos humanos, tendo entregue a documentação que lhe fora solicitada”.
Considera e diz a apelante: “O ponto 3 da listagem dos factos provados constantes da douta sentença, foi mal ajuizado, tendo sido indevidamente considerado como provado que “Nesse dia a Autora foi admitida ao serviço pelo réu, por contrato individual de trabalho a termo resolutivo incerto…”, o que não corresponde à realidade dos factos, pelo que tal facto deveria ter sido considerado como não provado. A Apelante não foi admitida ao serviço da Apelada por contrato individual de trabalho a termo resolutivo incerto, porque para tal facto era necessário a existência de um contrato de trabalho escrito válido, devidamente assinado por ambas as partes, o que nunca ocorreu. Um contrato de trabalho a termo incerto em que é assinado apenas por uma das partes não é válido, padecendo de nulidade do termo por preterição de formalismo legal, com caráter ad substantiam, pelo que nos termos do artigo 147º Código do Trabalho, nº 1, al c) deve-se considerar que a Apelante laborou ao serviço da Apelada com contrato de trabalho sem termo. As negociações preliminares de um contrato de trabalho não afastam ou derrogam os formalismos legalmente exigidos para efetivação do vínculo laboral, pelo que após as negociações iniciais a entidade empregadora tem de garantir a execução dos formalismos legais do contrato de trabalho a termo incerto para garantir a sua validade, nomeadamente a redução do contrato a escrito, no qual conste o respetivo termo e motivo justificativo e esteja devidamente assinado por ambas as partes, o que não ocorreu.”.
Que dizer?
Como decorre da argumentação que antecede, o que se verifica é que a pretensão da apelante, em considerar-se não provado o ponto 3, baseia-se apenas em considerações de ordem jurídica, não “atacando” o meio de prova que conduziu a tal matéria: o acordo das partes.
E, não o tendo feito, há que concluir que este Tribunal, de recurso, não pode modificar a matéria constante do item 3.
Com efeito, se o contrato em causa está “inquinado” por não ter sido assinado por ambas as partes, mas apenas por uma, é questão de direito a tratar no lugar próprio, em sede do mérito.
Assim, indefere-se a pretensão da apelante.
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- Facto 6
Consta deste ponto 6 da matéria de facto dada como provada que: “Era-lhe paga mensalmente a quantia de €1200,00 de remuneração base, como contrapartida do seu trabalho, assim como subsídio de alimentação de €4,77 por cada dia de trabalho.
Matéria que, como consta da sentença, teve por fundamento o “acordo das partes, tendo-se valorado quanto à mesma, e quanto ao ponto 7 dos factos provados, as cópias dos recibos de vencimento juntos com a petição inicial”.
Quanto a este, diz a apelante que: “A remuneração base da Apelante em fevereiro de 2019 era de 1020,06 euros, sendo que nos meses posteriores a remuneração base era de 1110,77 euros, conforme os recibos que foram juntos ao processo, pelo que foi incorretamente considerado como provado que a Apelante tinha remuneração base de 1200 euros, conforme consta na douta sentença no ponto 6. Dos factos dados como provados.”.
Que dizer?
Ora, quanto a este facto, tendo em conta o que consta dos Doc.s nº 8 a 12, cópias dos recibos de Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho, juntos pela A., com a p.i, é nossa convicção que a mesma tem razão.
Em momento algum, a remuneração base, paga mensalmente à A. foi na quantia de €1200,00. A remuneração base da A., como a mesma diz foi no mês de Fevereiro no montante de €1020,06 euros e naqueles outros meses, posteriores, a remuneração base foi de €1110,77.
Deste modo, altera-se o ponto 6, para o seguinte:
“Era-lhe paga mensalmente, em Fevereiro a quantia de €1020,06, em Março, Abril, Maio e Junho €1110,77, de remuneração base, como contrapartida do seu trabalho, assim como subsídio de alimentação de €4,77 por cada dia de trabalho”.
Procede, assim, parcialmente esta questão da apelação.
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Passemos, agora, à questão de saber se, como a mesma considera:
- Inexiste abuso de direito por parte da Autora
Comecemos, por ver como o Tribunal “a quo” fundamentou a decisão a este propósito, transcrevendo o seguinte: «Ora, no caso em apreço, ao contrário do que defende a autora, o contrato foi reduzido a escrito pelo réu e assinado por este em data anterior a 28/2/2019.O contrato não foi, no entanto, assinado pela autora.
A verdade é que, da análise da factualidade provada, resulta que a autora foi, desde o início, informada que o contrato a outorgar com o réu seria um contrato a termo resolutivo incerto, sendo a mesma contratada para substituir uma colaboradora do réu que estaria em licença de maternidade.
Em data anterior ao início da sua prestação de trabalho a favor do réu a autora foi informada dessa necessidade e dos termos da sua contratação, o que a própria autora admitiu nas suas declarações, tendo aceite essa proposta.
A mesma iniciou a sua prestação de trabalho a favor do réu em 1/2/2019, tendo entregue, nessa altura, ao réu a documentação que lhe fora solicitada.
A partir dessa data à autora foram emitidas, a seu pedido, declarações pelo réu nas quais este fez constar os termos contratuais acordados.
A partir dessa data a autora recebeu do réu recibos de vencimento nos quais era feito menção ao contrato a termo.
Durante meses a autora prestou ao réu o seu trabalho, nunca manifestando ao réu que não assinaria qualquer contrato nos termos acordados.
Pelo contrário: a própria autora, nas suas declarações, disse, inclusivamente, que cerca de uma semana depois do início da sua atividade procurou no departamento de recursos humanos pelo contrato, o que terá feito certamente para o assinar.
Por outro lado, a autora foi sendo contatada pelo departamento de recursos humanos através de mensagens de correio eletrónico remetidas para o seu endereço pessoal, que havia fornecido ao réu, sendo que cumpria com o que lhe era solicitado dessa forma. Com efeito, constatamos que a mesma recebeu, por essa via, uma comunicação para levantar um cartão, tendo-o feito.
Tal terá levado o réu a confiar que a mesma receberia as comunicações que lhe eram dirigidas por esse meio.
O réu, em 28/2/2019 – 27 dias depois do início da prestação de trabalho por parte da autora – envia-lhe um email para o mesmo endereço pessoal da autora dando-lhe conhecimento de que deveria dirigir-se ao departamento de recursos humanos para assinar o contrato, que nessa data já estava redigido a escrito e assinado pelo réu.
Assim, ao contrário do que defende a autora, o contrato foi redigido a escrito.
A autora não se dirigiu ao departamento de recursos humanos para assinar esse contrato, sendo que só quando o réu lhe comunica a caducidade do mesmo é que a mesma manifesta não aceitar a sua contratação nos termos acordados.
Salienta-se, ainda, que já depois desse email a autora recebeu um outro para se dirigir ao mesmo departamento para levantar um cartão e o fez.
Ora, salvaguardando o devido respeito, considerando a factualidade provada e os contornos do caso em apreço, afigura-se-nos que a conduta da autora, ao invocar a nulidade do termo por o contrato não estar, por si assinado, é abusiva.
Vejamos.
(…)
No caso dos presentes autos, no entender deste tribunal, seria manifesto abuso de direito por parte da Autora prevalecer-se da nulidade do termo aposto no contrato de trabalho por o mesmo não estar assinado por si, omissão de que a autora é responsável, para com isso beneficiar de um contrato por tempo indeterminado e, dessa forma, tornar lícito o seu despedimento, efetuado sem precedência de processo disciplinar.
Com efeito, à autora foi remetido um email para o seu endereço pessoal no dia 28/2/2019 solicitando-lhe que passasse no departamento dos recursos humanos da ré para assinar o contrato escrito, contrato esse que correspondia àquilo que as partes verbalmente haviam acordado.
O email que lhe foi endereçado foi dirigido para o mesmo endereço fornecido pela autora e que o réu usou para outras comunicações, sendo que às demais solicitações a autora foi dando cumprimento. Não o fez, no entanto, quanto à assinatura do contrato, embora a autora estivesse a aguardar o recebimento do mesmo.
Não obstante esse email lhe ter sido dirigido, a verdade é que a autora não se dirigiu ao departamento de recursos humanos para assinar esse contrato.
E apesar de a autora estar a aguardar que esse contrato lhe iria ser disponibilizado para ser assinado, verificamos que a autora nunca se dirigiu ao réu manifestando que não o subscreveria, não podendo deixar de se estranhar que a autora, tendo-se dirigido em março ao departamento de recursos humanos para levantar o seu cartão, não tivesse o cuidado de questionar esse departamento por tal contrato.
Por outro lado, foi recebendo do réu declarações nos quais o mesmo fez constar a menção à existência de um contrato a termo resolutivo incerto e recibos de vencimento com a menção de contrato a termo, nunca tendo manifestado qualquer oposição a essas menções, dando a entender ao réu que aceitou plenamente as mesmas.
(...)
Ora, no caso, verifica-se que foi a Autora que não se dirigiu ao departamento de recursos humanos do réu para assinar o contrato de trabalho, pelo que a falta de assinatura do referido contrato só à autora é imputável.
E mesmo tendo existido um atraso na apresentação do contrato de trabalho por parte do Réu, ainda assim a boa fé exigia que a autora o tivesse assinado, pois isso era um pressuposto do tipo de contrato que havia livremente celebrado e de que tinha perfeito conhecimento.
(…)
O comportamento da Autora ofende, no entender deste tribunal, os ditames da boa-fé negocial, devendo, por isso, reputar-se de abusivo.
Com efeito, a autora, no caso em concreto, deu causa à preterição das formalidades exigidas na lei para a celebração do contrato de trabalho a termo ao não assinar o contrato escrito que lhe foi disponibilizado pelo réu, pretendendo através desta ação vir aproveitar-se da invalidade do termo que tal omissão implica, invocando a aquisição do direito à qualidade de trabalhadora permanente da empresa.
Em consequência, deve a presente ação improceder na íntegra.».
Desta conclusão, discorda a apelante referindo o seguinte: “A Apelante não recebeu o email enviado pela Apelada de dia 28.02.2019, pelo que o tribunal “a quo” não lhe podia imputar responsabilidades por não cumprir uma solicitação que nunca recebeu e de que nunca teve conhecimento, muito menos ser-lhe atribuída má-fé por tal facto ou considerar que agia em abuso de direito na demanda, constituindo tal interpretação do tribunal a “quo” um erro na apreciação da prova e na apreciação do direito, pelo que tal decisão deve ser modificada em conformidade, pela Veneranda Relação, com as demais consequências.”.
E, prossegue: “Para existir abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, não basta alegar que a Apelante tivesse conhecimento dos motivos da sua contratação ou de que tenha sido previamente informada de qual seria o seu vínculo laboral, para tal efeito, era necessário alegar e demonstrar que foi a Apelante que deu causa à preterição das formalidades exigidas na lei, nomeadamente a falta de assinatura do contrato de trabalho, o que não ocorreu.
Não tendo sido provado que a Apelante rececionou o email de dia 28.02.2019, não se pode imputar à Apelante qualquer responsabilidade de ser causadora de qualquer preterição das formalidades exigidas na lei para a celebração do contrato de trabalho, não se podendo imputar culpas ou responsabilidades à Apelante pela falta de assinatura do contrato de trabalho. A responsabilidade de emissão das declarações emitidas e pela emissão dos recibos de vencimento é única e exclusivamente da Apelada, pelo que tais documentos não são suscetíveis de substituir os formalismos legais inerentes a um contrato de trabalho a termo, sendo que os conteúdos dos mesmos não vinculam em nada a Apelante, nem constituem a aceitação de qualquer facto pela mesma.
A Apelante nunca teve conhecimento de nenhuma solicitação da Apelada para assinatura do contrato, nem nunca o contrato lhe foi apresentado. A única causadora da preterição das formalidades exigidas na lei para a celebração do contrato de trabalho a termo incerto é a Apelada, ao não garantir o cumprimento das formalidades exigidas.”.
E remata: “O tribunal “a quo” decidiu incorretamente que a Apelante agiu de má-fé e com abuso de direito, pois, conforme a prova produzida na ação e conforme a falta de produção de prova da Apelada relativamente à receção do mencionado email de dia 28.02.2019 pela Apelante, se concluí que a Apelante não deu causa de modo algum à preterição das formalidades exigidas na lei para a celebração do contrato de trabalho a termo incerto, não sendo causadora do facto do contrato não estar assinado por si, pelo que ao contrário do que decidiu o tribunal “a quo”, inexiste abuso de direito da Apelante,”.
Analisemos, então.
Começando por assentar que, inexistem dúvidas que o contrato a termo em causa não foi assinado pela trabalhadora, pelo que o mesmo tem de se considerar um contrato de trabalho sem termo – art.s 141º, nº1, al. a) e 147º, nº1, al. c), ambos do CT.
Resta, pois, saber se a invocação pela Autora de que o contrato de trabalho é um contrato de trabalho sem termo é abusiva, como considerou o Tribunal “a quo”, precisamente porque ela, apesar de avisada por email, para ir assinar o contrato, não o fez.
Sem dúvida, a questão primordial reside no facto, para nós, essencial, de saber se: a Autora recebeu o email que a Ré lhe remeteu a convocá-la para a dita assinatura?
Premissa que o Tribunal “a quo” considera verificada para concluir, nos termos em que o faz e que a recorrente diz não se ter provado.
Ora, no caso, o que se verifica e decorre dos autos, é que a Ré enviou a convocatória por correio eletrónico remetido para o endereço eletrónico da Autora, que está tinha indicado à Ré. Contudo, ficou por demonstrar (não consta da matéria de facto dada como provada) se essa comunicação foi efetivamente recebida pela destinatária (a Autora, agora, recorrente).
Não se provou que a Ré tenha utilizado um meio de comunicação que permitisse a prova da entrega e leitura da mensagem pela destinatária, nem tão pouco que esta, a Ré, tenha solicitado a confirmação da entrega da referida convocatória.
Igualmente se desconhece a existência de qualquer documento emitido pelo servidor de destino, ou equivalente, demonstrando que o email, contendo a referida convocatória para a Autora ir assinar o contrato de trabalho, foi recebido e entregue à Autora (sua destinatária).
Ora, não se pode olvidar que, a entrega da convocatória para a assinatura do contrato por parte da Autora/trabalhadora, é formalidade que compete à Ré diligenciar pelo seu cumprimento atendendo que a sua omissão penaliza a empregadora e não a trabalhadora.
Ou seja, essa convocatória é acto constitutivo da Ré e, como tal, o ónus da prova desse facto compete-lhe nos termos do art. 342º, nº1 do CC.
E, sendo desse modo, o que se pode concluir dos autos é que, tal prova não foi feita e, por assim ser, sempre com o devido respeito, não podemos concluir que a Autora tenha abusado do direito.
A actuação da A., apurada nos autos, não configura qualquer abuso do direito.
Como é sabido, o instituto do “abuso do direito”, enunciado no art. 334º do CC, referindo que, “É ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”, conforme (Vaz Serra, in BMJ n.º 85/326 e M. Andrade, in RLJ, Ano 87/307), serve de válvula de segurança do sistema, para os casos de pressão violenta da nossa consciência jurídica contra a rígida estruturação, geral e abstracta, de normas legais, obstando a injustiças clamorosas, que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado.
E, a enunciada boa fé mais não é do que a esperada honestidade e lealdade de comportamento, com o que não se compadece a assunção de uma súbita postura, contraditória ou incompatível com conduta anterior, que frustre a legítima expectativa ou confiança criada a outrem, constituindo a sua manifestação mais típica o ‘venire contra factum proprium’, que a exigência do princípio não consente, pois.
Assim, no caso, face à factualidade apurada, conjugada com o facto de ter ficado por demonstrar, como já dissemos, se a convocatória enviada à Autora foi, efectivamente, recebida por ela, não podemos concordar que o contexto configure abuso do direito, como o considerou o Tribunal “a quo”.
Acresce que o facto de a Autora ter recebido outros emails da Ré, enviados todos eles para o mesmo endereço eletrónico, por si só, ao contrário do que se julgou, no Tribunal “a quo”, não permite concluir que a Autora tenha, igualmente, recebido o email da convocatória para assinar o contrato a termo.
Acresce, ainda, que a igual conclusão se chega pela análise do regime aplicável à assinatura e transmissão de documentos eletrónicos, (DL nº290-D/99 de 02.08, alterado e republicado pelo DL nº88/2009 de 09.04), onde no respetivo art. 6º, nº1 a 4, a propósito da comunicação de documentos eletrónicos, se preceitua o seguinte:
“1 – O documento eletrónico comunicado por um meio de telecomunicações considera-se enviado e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço eletrónico definido por acordo das partes e neste for recebido.
2 – São oponíveis entre as partes e a terceiros a data e a hora da criação, da expedição ou da receção de um documento eletrónico que contenha uma validação cronológica emitida por uma entidade certificadora.
3 – A comunicação do documento eletrónico, ao qual seja aposta assinatura eletrónica qualificada, por meio de telecomunicações que assegure a efetiva receção equivale à remessa por via postal registada e, se a receção for comprovada por mensagem de confirmação dirigida ao remetente pelo destinatário que revista idêntica forma, equivale à remessa por via postal registada com aviso de receção.
4 – Os dados e documentos comunicados por meio de telecomunicações consideram-se em poder do remetente até à receção pelo destinatário.”
Ora, no caso, a Ré não demonstrou, não provou, ter utilizado um serviço de correio eletrónico que assegurasse a efetiva recepção ou que comprovasse a recepção por mensagem de confirmação dirigida ao remetente pelo destinatário.
Como já dissemos, é direito da Ré, que convoca a trabalhadora para a assinatura do contrato a termo, formalidade que se não for cumprida inquina o contrato, exigir recibo da entrega desse documento, demonstrando a sua recepção.
Ou seja, tendo utilizado um meio de comunicação eletrónico, assistia à Ré o direito de exigir o recibo da entrega ou solicitar a confirmação da efetiva entrega (podia fazê-lo quer utilizando algum dos procedimentos referidos naquele art. 6º, nº3 do regime acima identificado, quer entrando em contacto direto com a trabalhadora).
Nada se provou a tal respeito.
Como tal, inexiste prova da recepção do correio eletrónico contendo a convocatória da Autora para assinar o contrato, condição para se poder concluir que a Autora/trabalhadora foi a causadora da omissão de tal formalidade e como tal veio, com a instauração da presente acção, abusar do direito.
No mesmo sentido da posição aqui adoptada, vejam-se os (Acórdãos desta Relação do Porto de 07.12.2018 e de 18.12.2018, Procs. nºs 2905/18.3T8OAZ-A.P1 e 6640/12.8TBMAI-E.P1) lendo-se no primeiro que, “… o valor probatório do documento eletrónico ao qual não se mostre aposta uma assinatura eletrónica qualificada certificada no que à sua autoria respeita será apreciado nos termos gerais de direito, podendo ainda o reconhecimento da sua autoria resultar da própria aceitação da pessoa a quem o mesmo é oposto (vide nºs 4 e 5).
Ainda e no que concerne à prova de que o documento eletrónico foi recebido pela parte contrária rege o artigo 6º deste mesmo DL.
Deste se extrai que o “documento eletrónico comunicado por um meio de telecomunicações considera -se enviado e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço eletrónico definido por acordo das partes e neste for recebido.” (vide nº 1).
Portanto exige-se não só a prova do envio, como também da receção.” e concluindo o último nos seguintes termos: “É nula a notificação por correio eletrónico de acto processual efetuada por advogado a outro advogado sempre que apenas se comprove o envio da mensagem e não se comprove o seu recebimento pelo destinatário da mensagem.
Face ao exposto, concluindo nós pela inexistência de abuso de direito por parte da Autora, só podemos concluir que a decisão recorrida não pode manter-se e atenta a factualidade que se provou, concluir pela procedência do pedido da Autora, formulado com base na ilicitude do alegado despedimento.
Pois, perante a existência de um contrato de trabalho sem termo, o que se declara, celebrado entre a Autora e Ré, com início em 01.02.2019, o que se apurou (vejam-se factos 18 e 20), configura, sem dúvida o despedimento da Autora por parte da última e, ilicitamente, já que o descrito naqueles factos, sobre o modo como foi posto termo ao contrato, não configura qualquer modo de cessação legal do mesmo, (cfr. art. 340º, do CT).
Assim, concluindo nós pelo despedimento ilícito da Autora, não se suscitam dúvidas que tem, ela, direito (cfr. Art. 389º, do CT) direito a ser reintegrada ao serviço da Ré, no mesmo local, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, já que essa foi a opção que peticionou.
E tem ela, também, direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento, 08.07.2019 (veja-se que a presente acção foi proposta em 17.07.2019) até ao trânsito em julgado da decisão deste Tribunal de recurso, (deduzidas das eventuais, importâncias, retribuição e subsídio mencionadas no nº 2, al.s a), b) e c), do art. 390º) que, considerando desconhecer-se, nomeadamente, o valor das primeiras e se a mesma recebeu, ou não, subsídio de desemprego, relega-se o cálculo do montante devido para a fase de liquidação de sentença.
No mais, nada se apurou, que permita condenar a Ré noutras quantias,
Assim procede, parcialmente, a acção e este segmento da apelação.
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III - DECISÃO
Nestes termos, acorda-se nesta Secção em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:
I - Revoga-se a sentença recorrida, na medida em que julgou a acção totalmente improcedente e, em sua substituição, declara-se a existência de um contrato de trabalho sem termo, celebrado entre a Autora e Ré, desde 01.02.2019, declara-se ilícito o despedimento da Autora promovido pela Ré, em 08.07.2019 e condena-se a mesma a:
a) reintegrar a Autora, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
b) pagar à Autora as retribuições que esta deixou de auferir desde o dia .../.../2019 até ao trânsito em julgado da presente decisão, retribuições essas deduzidas, no entanto e por força da lei, de outras importâncias, eventualmente, recebidas com a cessação do contrato e do subsídio de desemprego de que, porventura, haja beneficiado durante aquele período de tempo e que, a Ré deve entregar à Segurança Social, relegando-se a liquidação das mencionadas retribuições para incidente próprio, dado que, de momento, se desconhecem os valores a deduzir às mesmas nos referidos termos.
II – No mais, absolve-se a Ré do pedido.
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As custas da acção e da apelação, são a cargo da Autora e da Ré, na proporção do decaimento, que se fixa, respectivamente, em 1/9 e 8/9.
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Porto, 7 de Novembro de 2022
*

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,

Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão