Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
323/17.0PFPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LILIANA PÁRIS DIAS
Descritores: PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
VEÍCULOS MOTORIZADOS
Nº do Documento: RP20191106323/17.0PFPRT-A.P1
Data do Acordão: 11/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O cumprimento da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados não se inicia com o trânsito em julgado da decisão condenatória, podendo considerar-se iniciado apenas com a efectiva entrega ou apreensão do título de condução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 323/17.0PFPRT-A.P1
Recurso Penal
Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto – Juiz 3

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
No processo comum supra identificado, por sentença transitada em julgado em 22/11/2018 (na sequência do acórdão proferido por este Tribunal da Relação, em 7/11/2018), foi o arguido B… condenado pela prática, em 9/7/2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de oito meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de um ano, com regime de prova, e, ainda, na pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de treze meses.
Com data de 30/5/2019, foi proferido o seguinte despacho pelo tribunal de 1ª instância, relativo à determinação do início do cumprimento da pena acessória aplicada ao arguido:
“Pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor (treze meses):
Data do início:
Como já se referiu apenas é possível iniciar o cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor com a entrega ou apreensão dos títulos, obviamente, válidos – arts. 69.º do Código Penal e 500.º do Código de Processo Penal.
Dia vinte e três de maio de dois mil e dezanove, data da entrega da guia emitida no dia 21/05/2019.
Data do término do cumprimento: dia vinte e três de junho de dois mil e vinte. (sem prejuízo de alteração da data caso se apure que o arguido é titular de outro documento válido que lhe permita conduzir veículos com motor/verificação do previsto no art. 69.º, n.º6, do Código Penal).
Notifique.”.
Inconformado com a mencionada decisão, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, pugnando pela revogação do despacho recorrido e pela sua substituição por outro, no qual se considere iniciado o cumprimento da pena acessória em 22/11/2018 (data do trânsito em julgado da sentença condenatória) – ou, caso assim se não entenda, com a entrega pelo arguido da guia de substituição da Carta de Condução P-……., emitida a 17/10/2007 e, portanto, em 19/12/2018 -, sustentando o recurso nos fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem [1]:
“ 1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido em 30/05/2019 pelo Insigne Tribunal a quo, que relativamente à data de início da pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de trezes meses, decidiu “Data do início:
Como já se referiu apenas é possível iniciar o cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor com a entrega ou apreensão dos títulos, obviamente, válidos – arts. 69.º do Código Penal e 500.º do Código de Processo Penal. Dia vinte e três de maio de dois mil e dezanove, data da entrega da guia emitida no dia 21/05/2019.
Data do término do cumprimento: dia vinte e três de junho de dois mil e vinte. (sem prejuízo de alteração da data caso se apure que o arguido é titular de outro documento válido que lhe permita conduzir veículos com motor/verificação do previsto no art. 69.º, n.º6, do Código Penal).”
2. Com o devido respeito, o Arguido não se conforma com esta decisão e com a interpretação que o Insigne Tribunal a quo faz do disposto nos arts. 69.º do CP e 500.º do CPP. Senão vejamos:
3. Entende o Insigne Tribunal a quo que apenas é possível iniciar o cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor com a entrega ou apreensão dos títulos de condução, obviamente válidos.
4. Do teor literal das normas contidas nos arts. 69.º do CP e 500.º do CPP resultará que o condenado em pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, para assim iniciar o cumprimento dessa pena, terá que ser titular/portador de um título de condução válido, cuja entrega ao Tribunal deverá efectuar. E, não detendo, não estando o condenado – como sucedeu no caso dos autos – na posse de um título válido, teria que diligenciar pela sua obtenção a fim de o entregar à ordem dos autos.
5. Interpretação esta das normas com a qual o Recorrente não pode concordar, defendendo que, caso o arguido não seja possuidor, à data da condenação, de um título válido que possa efectivamente entregar na secretaria do Tribunal, deverá considerar-se iniciado o cumprimento da pena com o trânsito em julgado da sentença condenatória, não estando o arguido obrigado a diligenciar pela obtenção de um novo título.
6. No caso dos autos, o Recorrente efectuou, a 19/12/2018, a entrega do único título de condução que se encontrava na sua posse – a Guia de Substituição da Carta de Condução P-……. emitida a 17/10/2007, guia essa emitida pela PSP a 02/06/2017, com validade até 16/11/2018, no âmbito do processo de contra-ordenação à ordem do qual havia sido apreendida a referida carta de condução.
7. Com essa entrega, julga o Recorrente ter cumprido de modo cabal a obrigação de entrega dos títulos de condução que estavam na sua posse, visto que, a carta de condução emitida a 17/10/2007 havia sido apreendida pela PSP no âmbito de processo de contra-ordenação e a segunda via da carta de condução emitida a 29/07/2011 não está há vários anos na posse do Arguido, tendo-se extraviado, não sendo, como tal, utilizada pelo mesmo para conduzir veículos motorizados – factualidade esta que foi reiteradamente alegada perante o Tribunal a quo, tendo inclusivamente sido requerido pelo Arguido a 11/03/2019 que tal extravio fosse comunicado ao IMT para todos os legais efeitos.
8. Refira-se que a carta de condução emitida a 17/10/2007 foi o título que o Recorrente utilizou ao longo dos últimos anos – crendo que se tratava de um título válido –, que exibiu perante autoridades policiais sempre que tal lhe foi solicitado – nunca tendo sido levantado qualquer problema quanto à eventual invalidade do título – e que, inclusivamente, foi entregue à ordem do processo n.º 618/11.6PTPRT (do 1.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto), para efeitos de cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir que lhe foi aplicada por sentença transitada em julgado a 01/03/2012 e que foi extinta, pelo cumprimento, a 24/11/2012.
9. Acresce que, é entendimento do Recorrente, que o mesmo não estava obrigado diligenciar pela obtenção de um título de condução válido e proceder à sua entrega à ordem dos autos, para que se pudesse considerar iniciado o cumprimento da pena acessória.
10. Sendo certo que o Recorrente diligenciou a 21/05/2019 pela obtenção de uma segunda via da carta de condução – tendo entregue a respectiva guia à ordem dos autos a 23/05/2019 –, fê-lo unicamente com o propósito de demonstrar a veracidade das suas alegações e que a carta de condução emitida a 29/07/2011 se havia, de facto, há muito, extraviado.
11. Conclui-se que a pena acessória de proibição de conduzir poderá mostrar-se cumprida desde que o Recorrente não seja portador de qualquer título válido que o habilite a conduzir veículos motores, durante o período temporal da condenação – e o Recorrente não é portador de qualquer título desde 16/11/2018 (data do término da validade da Guia de Substituição da Carta de Condução entregue pelo Recorrente nos autos a 19/12/2018).
12. É, por isso, entendimento do Recorrente que deverá ser considerada como data de início do cumprimento da pena acessória a data do trânsito em julgado da sentença condenatória – 22 de Novembro de 2018 –, visto que, nesta data, o Arguido não era já possuidor de qualquer título de condução que o habilitasse a conduzir. Ou, caso assim não se entenda, deverá ser considerada como data de início do cumprimento da pena acessória o dia 19 de Dezembro de 2018, por ser esta a data da entrega pelo Recorrente à ordem dos autos daquela Guia de Substituição.
13. Caso se mantenha a decisão ora recorrida, o Arguido estará a ser indevida e duplamente penalizado, pois a verdade é que procedeu, a 19/12/2018, à entrega de todos os títulos de condução de veículo com motor de que era possuidor e, desde então, nunca mais conduziu, em integral cumprimento da pena acessória e por não ser titular de qualquer título que o habilitasse para tal.
14. Nestes termos, o douto despacho recorrido violou o disposto nos arts. 69.º do CP e 500.º do CPP, devendo, assim, aquele ser revogado na parte em que fixou o dia 23 de Maio de 2019 como data do início do cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de treze meses e, consequentemente, em que fixou o dia 23 de Junho de 2020 como data do término do cumprimento, devendo ser substituído por outro que considere iniciado o cumprimento da pena acessória a 22 de Novembro de 2018 (data do trânsito em julgado da sentença condenatória) e terminado esse cumprimento a 22 de Dezembro de 2019. Ou, caso assim não se entenda, deverá considerar-se iniciado o cumprimento da pena com a entrega pelo Arguido à ordem dos autos da Guia de Substituição da Carta de Condução P-……. emitida a 17/10/2007, ou seja, o dia 19 de Dezembro de 2018, sendo, neste caso, a data do término do cumprimento da pena o dia 19 de Janeiro de 2020.”.
O recurso foi admitido para subir de imediato, em separado dos autos principais e com efeito suspensivo da decisão recorrida.
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O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª instância apresentou resposta, defendendo a manutenção do despacho recorrido, com os fundamentos constantes do respectivo articulado e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no qual defendeu a improcedência do recurso, aderindo aos fundamentos contidos na resposta ao recurso apresentada pelo magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância e invocando, para além disso, que o despacho recorrido respeitou a jurisprudência que tem vindo a ser firmada sobre a questão em causa.
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Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do Código do Processo Penal, não foi apresentada resposta.
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Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II - Fundamentação
É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.º, n.º 1 e 417º, nº 3, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art. 410º, nº 2 ou o art. 379º, nº 1, do CPP (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).
No presente caso, a única questão colocada à apreciação deste tribunal prende-se com a determinação do momento de início do cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir imposta ao arguido.
Considerou o tribunal de 1ª instância, na decisão recorrida, que o arguido iniciou o cumprimento da referida pena acessória unicamente em 23/5/2019, discordando, como vimos, o arguido desta decisão.
São os seguintes os dados processuais relevantes para a decisão do presente recurso:
1) Por sentença transitada em julgado em 22/11/2018 (na sequência do acórdão proferido por este Tribunal da Relação, em 7/11/2018), foi o arguido B… condenado pela prática, em 9/7/2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de oito meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de um ano, com regime de prova, e, ainda, na pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de treze meses.
2) Através de requerimento apresentado em 19/12/2018, o arguido apresentou em juízo a guia de substituição da carta de condução P-……., com validade de 2/6/2017 a 2/12/2017 (cfr. fls. 41 a 47 da certidão que instruiu o recurso).
3) Através do ofício constante de fls. 52 e datado de 9/1/2019, a PSP remeteu ao tribunal de 1ª instância a carta de condução P-……., informando que ao arguido/recorrente havia sido emitida guia de substituição da carta de condução NP……/2017, com data de validade de 16/5/2018 a 16/11/2018, da qual anexou cópia (cfr. fls. 52 a 59 da presente certidão).
4) Com data de 7/2/2019, foi proferido despacho com o seguinte teor (que se transcreve, na parte que aqui releva): “Uma vez que o arguido não procedeu à entrega da carta de condução P-……. emitida no dia 29/7/2011 (válida) (…) – determino a sua apreensão – art. 500º, nº 3, do CPP”.
5) Por se tratar de um título já caducado, o tribunal de 1ª instância determinou a devolução ao IMT da carta de condução emitida em 25/10/2007 e, uma vez que o arguido não procedeu à entrega da carta de condução P-……., emitida em 29/7/2011 (e ainda válida) – isto é, a 2ª via/duplicado -, determinou também que se procedesse à apreensão da mesma (cfr. fls. 81 e 87).
6) Na sequência da notificação dos referidos despachos, o arguido veio esclarecer não se encontrar na posse do referido documento (2ª via da carta de condução, emitida em 29/7/2011), por se ter extraviado há vários anos, requerendo que o tribunal considerasse cumprida a obrigação de entrega de todos os títulos de condução de que era titular, determinando que o cumprimento da pena acessória teve início na data de entrega da guia de substituição (cfr. fls. 94 a 97).
7) Na sequência de despacho proferido pelo tribunal (cfr. fls. 102), o arguido/recorrente veio informar não ter participado o furto extravio do referido documento, discordando do conteúdo da promoção do Ministério Público constante de fls. 100, por considerar não estar obrigado a diligenciar pela obtenção de um novo título de condução válido, a fim de poder cumprir a pena acessória a que foi condenado (cfr. o requerimento de fls. 112 a 115).
8) Através do ofício constante de fls. 120, o IMT informou que o arguido é titular de uma carta de condução (2ª via), emitida em 29/7/2011, sendo que após esta data, tal carta de condução não voltou a ser alvo de nova emissão, nem há registo de novo pedido de 2ª via. Esclareceu que, em caso de extravio, os condutores podem requerer a qualquer momento uma 2ª via do título, “não existindo previsão legal para que, por esse facto, o IMT anule ou invalide o título de condução”.
9) No despacho proferido em 3/5/2019, foi considerado o seguinte (na parte que aqui releva):
“Apenas é possível iniciar o cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor com a entrega ou apreensão dos títulos, obviamente, válidos – arts. 69.º do Código Penal e 500.º do Código de Processo Penal.
Uma vez que o arguido não procedeu à entrega do título válido – carta de condução P-…….., emitida no dia 29/07/2011 -, não diligenciou pela obtenção de uma segunda via para entrega nestes autos - nem foi possível proceder à respectiva apreensão, não é possível considerar, conforme o peticionado/não competindo nestes autos averiguar quanto ao extravio do título/veracidade, que o arguido está a cumprir a pena acessória.
Pelo exposto, indefiro o requerido.
Sem custas face à manifesta simplicidade.
Notifique.”
10) Através de requerimento datado de 23/5/2019, o arguido fez juntar aos autos a guia de substituição da carta de condução, solicitada a 21/5/2019 (cfr. fls. 137 a 147).
11) Nessa sequência, o tribunal proferiu o despacho alvo do recurso interposto pelo arguido.
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A questão central do recurso gira em torno da compatibilização das normas contidas nos artigos 69.º, n.º 3 do Código Penal e 500.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a primeira estabelecendo que a proibição de conduzir “produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão” e a segunda estabelecendo um prazo a contar do trânsito em julgado da decisão para o condenado fazer entrega da licença de condução, no caso de a mesma ainda não se encontrar apreendida no processo.
Como é salientado no acórdão da Relação de Évora, de 3/6/2014 (disponível em www.dgsi.pt), na resposta a dar-lhe, a jurisprudência dividiu-se em duas correntes. Uma, minoritária, que arrimando-se ao teor literal da primeira dessas normas, e também ao facto de, no n.º 2 do art. 5.º do DL nº 2/98 de 3/1, em conjugação com o n.º 1 do mesmo preceito, vir mencionado que a ordem de entrega da carta se destina a efeitos de registo e controlo da execução da pena, considera que a entrega ou apreensão do título tem mera natureza cautelar, iniciando-se a contagem do tempo de proibição de conduzir fixado na sentença logo após o trânsito em julgado desta (ressalvado o caso especial actualmente previsto no nº 6 do art. 69º do C. Penal), sendo irrelevante para essa contagem o momento em que o condenado venha a fazer entrega do título que o habilite a conduzir. Outra, largamente maioritária [2], e à qual aderimos, segue o entendimento de que o cumprimento da pena acessória de proibição de condução não se inicia com o trânsito em julgado da decisão condenatória, só se podendo considerar iniciado com a efectiva entrega ou apreensão do título de condução.
Na verdade, e como se adverte no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 7/2/2018 (disponível em www.dgsi.pt), admitir o entendimento de que o cumprimento da pena acessória se inicia com o trânsito da decisão independentemente da efectiva entrega do título, seria confundir a data da exequibilidade (por trânsito em julgado da decisão penal final condenatória) com a data do termo inicial de cumprimento da pena acessória. Nos termos do artº 467º do CPP, as sentenças penais condenatórias só têm força exequível após o trânsito em julgado. Tal não significa, porém, que o cumprimento da pena se inicia automaticamente com tal trânsito. Por isso é que o legislador comete ao MP a competência para promover as penas e as medidas de segurança, (artº 469º do CPP), disciplinando os procedimentos que se mostrem necessários a tal cumprimento, designadamente em sede de execução de penas acessórias e, concretamente, quanto à proibição de conduzir, no artº 500º do CPP.
Além disso, este entendimento – que faz coincidir a data do início do cumprimento da pena acessória com a efectiva entrega ou apreensão do título de condução – é o que melhor se coaduna com a função preventiva da pena acessória.
Como se salienta no acórdão desta Relação do Porto, de 17/1/2018 [3], a pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, que se destina, sobretudo, a prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe reconheça, também, um importante efeito de prevenção geral, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação.
Trata-se, inclusivamente, de medida na qual o legislador tem vindo a depositar expectativas acrescidas: após as alterações introduzidas no Código Penal pelo Decreto-Lei nº 48/95 de 15 de Março, esta pena acessória mereceu novamente a atenção do legislador através da Lei nº 77/2001, de 13 de Julho, que introduziu uma alteração significativa na estatuição do art. 69º do Código Penal, definindo com maior rigor o âmbito da sua aplicação e elevando o limite mínimo e o limite máximo (de 1 para 3 meses e de 1 para 3 anos, respectivamente), tendo subjacente fortes preocupações de prevenção geral no combate aos elevadíssimos índices de sinistralidade rodoviária verificados em Portugal.
Porque o que se pretende é garantir que o agente efectivamente ficará impedido de conduzir durante um determinado período temporal – mais longo ou mais curto, consoante a sua especial perigosidade -, há que fazer notar que a entrega ou apreensão relevante para o início da contagem do período de proibição terá de incidir sobre um título válido e não, obviamente, sobre um que não tenha validade ou que já a haja perdido (cfr., neste sentido, o mencionado acórdão da Relação de Évora, de 3/6/2014).
Caso o agente não disponha de título de condução válido, o cumprimento da pena acessória inicia-se com o trânsito em julgado da decisão condenatória [4].
No presente caso, verifica-se que o arguido/recorrente procedeu à entrega de um título de condução que já se encontrava caducado, sendo certo que o IMT informou que o arguido era titular de uma carta de condução (2ª via) ainda válida, emitida em 29/7/2011, sendo que após esta data, tal carta de condução não voltou a ser alvo de nova emissão, inexistindo registo de novo pedido de 2ª via.
Portanto, com aquele título de condução – já caducado, aquando da sua entrega em juízo – coexistiu outro título, ainda válido, cuja junção aos autos pelo recorrente e, na falta desta, subsequente apreensão foram determinadas pelo tribunal.
Como vimos, a execução da pena acessória de proibição de condução apenas ocorre com a entrega ou apreensão de um título de condução válido, pelo que a entrega no tribunal de um título que já se encontrava caducado não teve a virtualidade de desencadear o início do cumprimento da referida pena acessória, como entendeu (e bem) o tribunal de 1ª instância.
É certo que o recorrente invocava não estar na posse de qualquer outro título de condução, para além daquele que fez chegar aos autos, alegando ter extraviado o título com data de validade em vigor e cuja entrega o tribunal de 1ª instância lhe determinara. Contudo, não comprovou documentalmente tal facto, sendo certo que, como acentuou o tribunal de 1ª instância, aquele não era o lugar próprio para efectuar a averiguação da veracidade do extravio invocado pelo arguido.
Portanto, na ausência de confirmação da informação prestada pelo arguido/recorrente (incluindo pelo IMT), não lhe restava outra alternativa senão a de proceder à entrega do título de condução ainda válido (mediante obtenção, se necessário, de uma 2ª via de tal título), por forma a iniciar o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir.
É verdade que, com esta solução, o início do cumprimento da pena acessória foi retardado em vários meses. Mas tal sucedeu também por responsabilidade do arguido/recorrente que, sabendo que entregava um título de condução já caducado e não pretendendo entregar o que havia sido emitido em 29/7/2011 e que ainda se encontrava válido (pois invocava tê-lo extraviado), deveria ter diligenciado prontamente pela obtenção de uma segunda via de tal título, cumprindo, deste modo, a determinação do tribunal (cfr. o despacho constante de fls. 100, datado de 22/2/2019).
Nenhuma censura merece, assim, a decisão recorrida, que, para além de estar em consonância com a jurisprudência maioritária sobre esta matéria, mostra-se, na prática, a única capaz de garantir a efectividade da proibição de condução imposta ao arguido/recorrente.
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III – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso do arguido, confirmando integralmente o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC (artigos 513º, nº 1, do CPP, 1º, nº 2 e 8º, nº 9, do RCP e tabela III anexa).
Notifique.
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(Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2, do CPP)
Porto, 6 de Novembro de 2019.
Liliana Páris Dias
Cláudia Maia Rodrigues
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[1] Mantendo-se a ortografia original do texto.
[2] A título exemplificativo, mencionamos os acórdãos desta Relação do Porto, de 16/12/2015 (Relator: Nuno Ribeiro Coelho) e de 7/2/2018 (Relatora: Lígia Figueiredo); os acórdãos da Relação de Évora, de 3/6/2014 (Relatora: Maria Leonor Esteves) e de 23/1/2018 (Relatora: Ana Barata Brito); e o acórdão da Relação de Coimbra, de 12/4/2018 (Relator: Jorge França) – todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
[3] Relator: Jorge Langweg; igualmente disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr., neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/4/2018, disponível em www.dgsi.pt; e Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 3ª edição actualizada, páginas 1245/1246 (em anotação ao art. 500.º). Como refere este autor, se o arguido não possuir título de condução, a execução da pena acessória inicia-se com o trânsito em julgado da decisão condenatória, com a consequência prática de que, durante esse período, ele não poderá obter esse título. Se o arguido possuir título de condução e se encontrar em liberdade, não estando o título apreendido nos autos, a execução só se inicia com a apreensão do título.