Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1704/19.0T8MTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: INTERVENÇÃO PROVOCADA DE TERCEIRO
DÚVIDA FUNDADA
Nº do Documento: RP202005181704/19.0T8MTS-A.P1
Data do Acordão: 05/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Da conjugação da parte final do n.º2, do art.º 316.º, com o art.º 39.º do CPC, resulta que nos casos em que determinado autor, haja ou não pluralidade de autores, tenha uma dúvida fundada sobre o sujeito titular da relação material controvertida, é-lhe permitido deduzir um pedido contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal.
II - Mas importa sublinhar, que a norma exige expressamente que haja “dúvida fundada sobre o sujeito da relação controvertida”. Não existindo essa dúvida fundada e razoável sobre os sujeitos que são titulares da relação material controvertida, não é já possível ao autor lançar mão do incidente de intervenção principal para os fazer intervir na acção. E, para se aferir se tal dúvida existe e é fundada, cabe ao autor alegar as razões porque não tem a certeza sobre o titular da relação material controvertida que configura, assim justificando a necessidade de se socorrer da intervenção principal provocada
III - No caso em apreço não existe a dúvida fundada a que alude o art.º 39.º do CPC. O Autor era conhecedor de todos os factos relevantes, mormente da posição assumida pela Ré. Não há um único facto relevante que a Réu tenha alegado na contestação e que o Autor desconhecesse, pudesse desconhecer ou que não fosse previsível que viesse a ser invocado. E, mais do que isso, o próprio autor não só afirmou a impossibilidade legal da situação ficar a coberto do regime de transmissão de empresa ou estabelecimento, regulado no art.º 281.º do CT, como para além disso empenhou-se em demonstrá-lo, convictamente, com desenvolvida argumentação jurídica.
IV - Tem igualmente razão o Tribunal a quo quando refere que, em qualquer caso, a intervenção da chamada nem sequer teria um efeito útil, “quer por a causa de pedir e os pedidos formulados não contemplarem a sua responsabilização, ainda que a título subsidiário, na operada cessação do contrato de trabalho do autor, quer por aquela entidade não ser titular da relação controvertida face à configuração da acção retratada pelo trabalhador na sua PI”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 1704/19.0T8MTS-A.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos, B… instaurou acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, a qual veio a ser distribuída ao J1, contra C…, S.A., pedindo que julgada procedente seja a decidido o seguinte:
a) Ser declarado o despedimento ilícito por não ter sido precedido do respetivo procedimento;
b) Ser a Ré condenada a proceder ao pagamento ao Autor da indemnização pelos danos não patrimoniais causados pelo despedimento, em valor nunca inferior a € 1.000,00;
c) Ser a Ré condenada a proceder ao pagamento ao Autor da compensação pelo despedimento ilícito, correspondente às retribuições calculadas desde a data do despedimento – 1 de Março de 2019 – até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento;
d) Ser a Ré condenada a proceder ao pagamento ao Autor da indemnização em substituição da reintegração, em valor nunca inferior a € 4.411,00;
e) Ser a Ré condenada a proceder ao pagamento à Autora da quantia de € 1.725,50, correspondente às férias vencidas e não gozadas, subsídio de férias e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal;
f) A todas estas quantias deverá acrescer o montante dos juros calculados à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Alega, no essencial, que em 01 de agosto de 2014, foi celebrado entre si e a Ré um contrato de trabalho por tempo indeterminado, para sob as ordens e direcção desta, mediante a remuneração mensal de € 694,39, para um período normal de trabalho de 40 horas, exercer as funções profissionais inerentes à categoria profissional de vigilante.
Por carta datada de 11 de Fevereiro de 2019, com a menção “informação sobre a transmissão do estabelecimento correspondente ao cliente D... e nova Entidade Empregadora – artigo 286.º do Código de Trabalho”, a Ré comunicou-lhe que os serviços de vigilância por ela prestados nas instalações do cliente D… no Estabelecimento D…., sito na Rua …, Porto, foram adjudicados à Empresa de Segurança E…, S.A., com efeitos a partir do dia 1 de Março de 2019, data a partir da qual essa entidade passaria a ser a sua entidade patronal, conforme resulta do disposto no artigo 285.º a 287.º do Código de Trabalho.
Com receio de “perder” o seu trabalho, indagou junto da E… se efetivamente a partir do dia 1 de Março seria a sua nova entidade patronal, tendo-lhe esta transmitido que não iria manter os seus direitos, por não se ter efectuado qualquer transmissão de empresa ou estabelecimento. Se quisesse poderia contratá-lo, contudo, teria que assinar um novo contrato de trabalho.
Através da sua mandatária questionou a Ré, referindo-lhe as dúvidas sobre a transmissão e realçou que caso se viesse a verificar que, no dia 1 de Março, a Ré se recusasse a que ele exercesse as suas funções no seu local de trabalho, tal atuação não deixaria de se consubstanciar num despedimento ilícito.
A Ré nada disse. Assim, no dia 1 de Março, foi impedido de exercer as suas funções ao abrigo da relação contratual estabelecida com a sociedade Ré, porquanto, nas instalações do cliente D… no Estabelecimento D…, sito na Rua …, encontrava-se a nova Empresa E….
Por isso, logo tratou de enviar uma comunicação para a Ré na qual realçou que a sua atuação se consubstanciava num manifesto despedimento ilícito.
Defende que apesar da sociedade Ré ter cumprido os formalismos exigíveis no que diz respeito à comunicação aos trabalhadores em caso de transmissão de empresa ou estabelecimento, a situação aqui descrita nunca poderá consubstanciar uma transmissão.
Acresce que o Contrato Colectivo em que o Autor se encontra enquadrado, não permite a transmissão de empresa ou estabelecimento nos termos descritos pela sociedade Ré na carta datada de 11 de Fevereiro de 2019, estribando-se no artigo 14.º, n.º 2 do contrato coletivo entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e outra e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades diversas – STAD – Revisão global, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 38 de 15.10.2017, por referir que, não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador, situação aqui ocorrida.
Como a Ré bem sabe, a sua atuação nunca poderá consubstanciar uma transmissão de empresa ou de estabelecimento e, como tal, o Autor é seu trabalhador. Porém, a partir do dia 1 de Março de 2019, impediu-o de exercer funções naquele local ou noutro qualquer que indicasse, pelo que dúvidas não podem restar que tal atuação se consubstancia num manifesto despedimento ilícito.
Realizou-se audiência de partes, mas sem que se tenha alcançado a conciliação entre A. e Ré, pelo que foi ordenada a notificação desta para contestar.
A Ré apresentou contestação, na qual, para além do mais, veio defender que a partir de 1 de Março de 2019, em virtude de ter sido adjudicado à empresa E… o contrato de prestação de serviços de segurança privada nas instalações da D… … Porto, até então adjudicados a si e assegurados por trabalhadores seus, onde se incluía o autor, ocorreu a transmissão da posição de entidade empregadora para aquela empresa, que por essa razão os integrou nos seus quadros aqueles vigilantes.
Conclui, pedindo, que seja declarada a existência da transmissão da posição de entidade empregadora da R. para a empresa E…, nos contratos de trabalho em que o Autor figura como trabalhador, a partir de 1 de Março de 2019, sendo os pedidos deduzidos pelo Autor contra a R., declarados totalmente improcedentes.
O autor respondeu e veio suscitar o incidente de intervenção provocada da E…, S.A., sustentando o seguinte:
[34] Na contestação apresentada pela Ré, vem esta sociedade referir que a E… assumiu os serviços de segurança do cliente D… …, Porto, nos exatos termos em que a Ré o havia realizado, realçando, ainda, que os trabalhadores passaram a prestar funções para esta nova empresa.
[35] Na realidade, vem a Ré referir que se verificou uma transmissão de estabelecimento, pelo que, se alguém não está a cumprir com tal transmissão, é a sociedade E… e não a Ré.
[36] Com efeito, independentemente da defesa apresentada pela Ré, a verdade é que, é entendimento do Autor que a única responsável pela não verificação e aplicação da transmissão de empresa ou estabelecimento é a sociedade Ré, porquanto,
[37] os trabalhadores foram contratados pela C…, exerciam funções para a C… e quem lhes pagava a respetiva remuneração era a C… e, por isso, quem assumiu diversas obrigações para com os trabalhadores foi a sociedade Ré e não a E….
[38] Aliás, a Ré, bem sabendo que a E… não aceitava qualquer transmissão de empresa ou estabelecimento, decidiu abandonar os trabalhadores, não tendo sequer averiguado da situação laboral dos mesmos.
[39] Assim, conforme já se referiu nestes autos, a sociedade Ré despediu, de forma manifestamente ilícita, os trabalhadores que exerciam funções no cliente D… …, Porto.
[40] De facto, a E… não detém qualquer responsabilidade perante o Autor e outros trabalhadores, por não se ter verificado qualquer transmissão de empresa ou estabelecimento – à luz do artigo 14.º, n.º 2 do Contrato Coletivo entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e outra e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades diversas – STAD – Revisão global, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 38 de 15.10.2017 – que, embora a Ré venha dizer no seu artigo 4.º que o aludido artigo já não se encontra vigente, a verdade é que a redação de tal contrato mantêm-se integralmente o mesmo conforme referido na petição inicial, tendo somente entrado em vigor um novo contrato coletivo de trabalho, que altera a redação do artigo 14.º, porém, ainda não foi publicada qualquer portaria de extensão e, por essa razão, in casu, a redação do artigo 14.º, n.º 2 do contrato coletivo aqui em apreço mantêm-se inalterada.
[41] Além disso, é manifestamente falso que a E… tenha contratado todos os trabalhadores que exerciam funções no cliente D… …, Porto.
[36] Com efeito, independentemente da defesa apresentada pela Ré, a verdade é que, é entendimento do Autor que a única responsável pela não verificação e aplicação da transmissão de empresa ou estabelecimento é a sociedade Ré, porquanto,
[42] Acontece que, por mera cautela de patrocínio, e na situação hipotética deste Tribunal entender que se verificou efetivamente uma transmissão de empresa ou estabelecimento, impõe-se então proceder à intervenção provocada da E…, S.A..
[43] Com efeito, nos termos do disposto no artigo 316.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, nos casos de litisconsórcio voluntário pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
[44] Por seu turno, nos termos do artigo 39.º do Código de Processo Civil, é admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida.
[45] Ora, segundo a alegação da Ré, verificou-se a transmissão de empresa ou estabelecimento do cliente D… …, Porto, porém, a verdade é que o Autor não se encontra a exercer as suas funções nos precisos termos e condições para as quais havia sido contratado pela Ré.
[46] De facto, se se verificou tal transmissão, então a E… não está a cumprir com tal instituto jurídico.
[47] Assim, requer-se desde já o incidente de intervenção provocada, com o consequente chamamento da E…, S.A., na qualidade de Co- Ré, face à dúvida levantada e arguida pela Ré.
[48] Deste modo, deverão os presentes autos seguir também contra a E…, pelo que, caso este Tribunal entenda que a responsabilidade é desta empresa, e não da sociedade Ré, deverá então a E… ser condenada a reconhecer a existência e verificação da transmissão de empresa e estabelecimento e, consequentemente, ser condenada a reconhecer os termos e condições contratuais laborais que o Autor havia celebrado e adquirido aquando da relação laboral celebrada com a sociedade Ré, nomeadamente, antiguidade, posto de trabalho, horário de trabalho, etc., bem como condenada a proceder ao pagamento de todos os créditos laborais já peticionados contra a Ré C…, pelo que, o pedido inicialmente formulado contra a C…, deverá também ser aproveitado contra a E…, nos precisos termos peticionados.
[49] Face ao exposto, deverá tal incidente ser julgado procedente, por o Autor ter legitimidade, estar em tempo e beneficiar da concessão de apoio jurídico.
b) Ser admitido o incidente de intervenção provocada, nos termos dos artigos 316.º, n.º 2 e 39.º, ambos do Código de Processo Civil, da empresa E…, S.A., com sede na Rua …, n.º .., … – Loja …. ….-… Oliveira de Azeméis;
c) No caso deste Tribunal considerar que é a E… e não a sociedade Ré quem detém a responsabilidade pela não verificação e aplicação da transmissão de empresa ou estabelecimento, deverá então esta sociedade ser:
i. Condenada a reconhecer a existência e verificação da transmissão de empresa e estabelecimento do cliente D… …., Porto;
ii. Condenada a reconhecer que o Autor é seu trabalhador, face à aludida transmissão;
iii. Condenada a reconhecer os termos e condições contratuais laborais que o Autor havia celebrado e adquirido aquando da relação laboral celebrada com a sociedade Ré, nomeadamente, antiguidade, posto de trabalho, horário de trabalho, etc., celebrando-se um novo contrato de trabalho nestes precisos termos.
iv. Ser condenada a proceder ao pagamento de todos os créditos salariais vencidos e vincendos, nomeadamente salários, férias, subsídio de férias, etc., a qual deverá acrescer o montante de juros calculados à taxa legal, bem como todas as indemnizações já calculadas e peticionadas pelo Autor no pedido que formulou contra a C…, devendo tal pedido ser estendido à E….
A Ré foi notificada para se pronunciar quanto ao requerido, mas não apresentou qualquer requerimento.
I.2 Pronunciando-se sobre o requerido, o Tribunal a quo proferiu a decisão seguinte:
«Na resposta à contestação, veio o autor deduzir o incidente de intervenção provocada da sociedade “E…, SA”, uma vez que a ré demandada defende ter ocorrido uma transmissão de estabelecimento, bem como ser a chamada a única responsável pelo não cumprimento de tal transmissão.
Em tal articulado, defende o autor que “independentemente da defesa apresentada pela ré, a verdade é que, é entendimento do autor que a única responsável pela não verificação e aplicação da transmissão de empresa ou estabelecimento é a sociedade ré (…)” – art. 36º da Resposta.
Reitera ter sido admitido pela primitiva ré, tendo sido esta quem assumiu todas as obrigações para consigo, bem como ter sido a mesma quem o despediu.
Mais acrescenta que “a E… não detém qualquer responsabilidade perante o autor (…)” – art. 40º da Resposta.
No entanto, “por mera cautela de patrocínio, e na situação hipotética deste Tribunal entender que se verificou efetivamente uma transmissão de empresa ou estabelecimento, impõe-se, então proceder à intervenção provocada da E…, SA” – art. 42º da Resposta.
Notificada para, querendo, se pronunciar quanto a tal requerimento, a ré nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o art. 316º n.º 1 do CPC que “Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”.
Já o n.º 2 do mesmo artigo, estatui que “nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39º”.
Ora, o art. 39º é referente à pluralidade subjectiva subsidiária, aí se podendo ler: “É admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida” (o sublinhado é nosso).
Note-se que a intervenção principal stricto sensu visa permitir a participação de um terceiro que é titular (activo ou passivo) de uma situação subjectiva própria, mas paralela à alegada pelo autor ou pelo réu.
Ora, como resulta dos autos, designadamente dos arts. 36º e 40º do articulado Resposta, o autor não se apresenta com quaisquer dúvidas quanto ao sujeito da relação controvertida, reiterando o que já havia defendido na PI, ou seja, de que a única responsável perante si é a ré “C…, SA”.
Acresce que a factualidade trazida aos autos por esta ré na sua Contestação era já do conhecimento do autor (como resulta do próprio articulado inicial) pelo que, o facto de apenas ter sido demandada esta empresa, foi a estratégia processual pelo mesmo delineada (na verdade, podia ter demandado ambas as sociedades).
O autor rejeita, de forma absoluta, ter-se verificado qualquer situação de transmissão de estabelecimento e daí que apenas tenha demandado a ora ré.
Daqui resulta que, na eventualidade de, em tribunal, se concluir pela inviabilidade da transmissão de estabelecimento alegada pela ré, e sendo comprovado o despedimento, será a mesma (e só ela) quem terá de arcar com as consequências resultantes do mesmo. Num plano oposto, se porventura o tribunal vier a julgar procedente a invocada transmissão de estabelecimento, com a inerente transmissão do contrato de trabalho do autor para a sociedade “E…”, nesse caso, a acção, no que concerne aos pedidos decorrentes da ilicitude do despedimento, estará inelutavelmente destinada ao insucesso, impondo-se a absolvição da ré de tais pedidos.
Em qualquer uma destas situações a intervenção da chamada “E…” é inócua ou irrelevante, quer por a causa de pedir e os pedidos formulados não contemplarem a sua responsabilização, ainda que a título subsidiário, na operada cessação do contrato de trabalho do autor, quer por aquela entidade não ser titular da relação controvertida face à configuração da acção retratada pelo trabalhador na sua PI.
E não se diga que a dedução do presente incidente é efectuada para a eventualidade de o tribunal entender que a responsabilidade é da chamada pois não é o tribunal quem tem de “escolher”, antes tendo de ser as partes a trazer aos autos a competente factualidade e a formular os pedidos pretendidos.
Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, por não se verificarem os pressupostos legais exigidos pelo art. 316º do CPC - não estarmos perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo, nem de litisconsórcio voluntário passivo, nem tão pouco perante uma situação de dúvida quanto ao titular passivo da relação controvertida -, indefere-se o incidente de intervenção de terceiros deduzido pelo autor.
Custas do incidente a cargo do autor, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.
(..)».
I.3 Inconformado com esta decisão, o Autor veio interpor recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeitos adequados, apresentando alegações finalizadas com conclusões, conforme se passam a transcrever:
……………………………
……………………………
……………………………
I.4 A Recorrida autor não apresentou contra-alegações.
I.5 O Ministério Público teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, mas não emitiu parecer, na consideração de não ser devido pro se tratar de questão iminentemente processual.
I.6 Cumpriram-se os vistos legais e determinou-se a inscrição do processo para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], a questão colocada para apreciação recorrente consiste em saber se o tribunal a quo errou o julgamento ao indeferir a requerida intervenção provocada da sociedade E…, S.A..
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para a apreciação e decisão do recurso são exclusivamente os que constam do relatório, acrescentando-se, ainda, o teor de documentos juntos pelo A. na pi, que se passam a transcrever.
1. Na carta de 11 de Fevereiro de 2019, dirigida pela Ré ao autor, junta como doc.3, com a pi, consta o seguinte:
«Assunto: informação sobre a transmissão do estabelecimento correspondente ao cliente D… e nova Entidade Empregadora – artigo 286.º do Código de Trabalho.
V. Ex.ª foi devidamente informado que os serviços de vigilância prestados pela C…, S.A. nas instalações do cliente D… Estabelecimento D…, sito na Rua …, Porto, foram adjudicados à Empresa de Segurança E…, S.A., com efeitos a partir do dia 1 de março de 2019.
Assim, e a partir dessa data, a E… será a entidade patronal de V. Exa., conforme resulta do disposto no artigo 285.º a 287.º do Código de Trabalho, que regulam a transmissão de empresa ou de estabelecimento.
Reiteramos que não resultam quaisquer consequências de maior ou substanciais em termos jurídicos, económicos ou sociais para V. Exa. porquanto lhe é garantida a manutenção de todos os seus direitos, designadamente, a manutenção de antiguidade, de retribuição e da categoria profissional em que se enquadra.
(…)».
2. Por carta datada de 26 de Fevereiro de 2919 – doc. 4, junto com a Pi - o Autor, através da sua ilustre mandataria, comunicou à Ré, no essencial, o seguinte:
-«(..)
Sucede que, o M. constituinte não aceita o teor da aludida comunicação, por duvidar que a situação aqui em apreço se consubstancia numa transmissão da unidade económica, pelo que, caso se venha a verificar que, a partir do dia 1 de março, a C… recusa o exercício de funções deste trabalhador no seu local de trabalho, temos de concluir que a comunicação que agora se responde consubstancia-se numa carta de despedimento que, como é consabido, é manifestamente ilícito.

Posto isto, solicita-se a V. Exas os devidos esclarecimentos quanto à situação descrita».
3. Em carta datada de 28 de Fevereiro, dirigida à E…, SA – doc. 5, junto com a P1 – o Autor, através da sua ilustre mandatária, colocou a questão seguinte:
- «(..)

Deste modo, requer-se a V. Exas. Se dignem informar se efectivamente foi celebrado ima transmissão de empresa ou de estabelecimento com a C… e, consequentemente, se a partir do dia 1 de março de 2019, serão a entidade patronal dos M. constituintes já aqui identificados.
Além disso, caso de tenha verificado tal transmissão, requer-se ainda a V. Exa. Se dignem informar se irão garantir a manutenção da antiguidade, remuneração, categoria profissional e direitos vencidos relativos às férias de cada trabalhador.

(..)».
4. Por carta data de 1 de Março de 2019, dirigida à R. – doc. 7, junto com a Pi - o autor comunicou à Ré o seguinte:
Comunicação de despedimento
(..)
Porém, apesar de V. exas referirem que não resultam quaisquer consequências de maior ou substanciais em termos jurídicos, económicos ou sociais por ser garantida a manutenção de todos os direitos, designadamente a manutenção de antiguidade, retribuição e categoria profissional, a verdade é que me foi transmitido formalmente pela E… que não iria pautar pela manutenção dos direitos adquiridos durante os anos trabalhados na C…, nomeadamente, qualquer antiguidade, qualquer manutenção do local de trabalho, bem como a atribuição de todos os direitos a título de férias.
Na realidade, as condições laborais que mantinha com a C… já não se verificam com a E…, pelo que não se encontram preenchidos os requisitos característicos da transmissão de empresa ou de estabelecimento a que V.Exas se referem.
Por esta razão dúvidas não existem que a comunicação datada de 11 de Fevereiro se consubstanciou num despedimento efetuado por mera carta postal, pelo que como é consabido é manifestamente ilícito.
Deste modo, considero-me despedido pela C… desde 11 de Fevereiro, com efeitos a partir de 1 de Março de 2019.
(..)».
5. Por carta datada de 4 de Março de 2019, dirigida à mandatária do autor, em resposta à carta de 28 de Fevereiro – doc. , a E… refere o seguinte:
- Assunto: S/carta de 28/2/2019
Procurando responder o mais directamente possível à sua questão, o que lhe podemos dizer é que não concordamos com a posição da C…, por diversos motivos, sendo certo que não podemos responder pelo que aquela empresa comunicou aos seus próprios trabalhadores.
Assim, cumpre-nos apenas dizer-lhe que não reconhecimentos qualquer transmissão de estabelecimento, pelo que, por essa via e por essa razão, os seus clientes não passaram a ser nossos funcionários.

II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A questão colocada para apreciação pelo recorrente consiste em saber se o tribunal a quo errou o julgamento ao indeferir a requerida intervenção provocada da sociedade E…, S.A., fazendo uma incorrecta aplicação do disposto nos artigos 316.º n.º3, e 39.º do CPC.
O Tribunal a quo, após referir a posição assumida pelo autor na exposição a que procede para enquadrar a requerida intervenção provocada daquela sociedade, assinalando que a mesma reitera a posição afirmada e defendida na petição inicial, procedendo ao seu enquadramento legal, veio a decidir pelo indeferimento, por “não se verificarem os pressupostos legais exigidos pelo art. 316º do CPC - não estarmos perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo, nem de litisconsórcio voluntário passivo, nem tão pouco perante uma situação de dúvida quanto ao titular passivo da relação controvertida”, com base nas considerações seguintes:
- o autor não se apresenta com quaisquer dúvidas quanto ao sujeito da relação controvertida, reiterando o que já havia defendido na PI, ou seja, de que a única responsável perante si é a ré “C…, SA”.
- a factualidade trazida aos autos por esta ré na sua Contestação era já do conhecimento do autor (como resulta do próprio articulado inicial) pelo que, o facto de apenas ter sido demandada esta empresa, foi a estratégia processual pelo mesmo delineada (na verdade, podia ter demandado ambas as sociedades).
- O autor rejeita, de forma absoluta, ter-se verificado qualquer situação de transmissão de estabelecimento e daí que apenas tenha demandado a ora ré.
- Daqui resulta que, na eventualidade de, em tribunal, se concluir pela inviabilidade da transmissão de estabelecimento alegada pela ré, e sendo comprovado o despedimento, será a mesma (e só ela) quem terá de arcar com as consequências resultantes do mesmo. Num plano oposto, se porventura o tribunal vier a julgar procedente a invocada transmissão de estabelecimento, com a inerente transmissão do contrato de trabalho do autor para a sociedade “E…”, nesse caso, a acção, no que concerne aos pedidos decorrentes da ilicitude do despedimento, estará inelutavelmente destinada ao insucesso, impondo-se a absolvição da ré de tais pedidos.
- Em qualquer uma destas situações a intervenção da chamada “E…” é inócua ou irrelevante, quer por a causa de pedir e os pedidos formulados não contemplarem a sua responsabilização, ainda que a título subsidiário, na operada cessação do contrato de trabalho do autor, quer por aquela entidade não ser titular da relação controvertida face à configuração da acção retratada pelo trabalhador na sua PI.
- E não se diga que a dedução do presente incidente é efectuada para a eventualidade de o tribunal entender que a responsabilidade é da chamada pois não é o tribunal quem tem de “escolher”, antes tendo de ser as partes a trazer aos autos a competente factualidade e a formular os pedidos pretendidos.
II.2.1 Comecemos por deixar as notas essenciais para o enquadramento legal da questão.
O art.º 260.º do CPC, consagra princípio da estabilidade da instância, dele decorrendo que, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
Assim, como regra, a pluralidade das partes é inicial, constituída no momento da propositura da acção.
Porém, como se sabe, essa regra comporta várias excepções, entre elas, no que aqui interessa, pela intervenção de terceiros [art.º 262.º al. b), do CPC], efectuada através dos incidentes processuais regulados no art.º 311.º e ss do CPC, começando esta norma por dispor o seguinte:
-“Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objecto tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º”.
Os artigos 32.º, 33,º e 34.º, como as suas epígrafes elucidam, regem, respectivamente, sobre a propositura de acções nos casos de “Litisconsórcio voluntário”, ou “Litisconsórcio necessário” ou, ainda, que têm de ser “(..) propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges”.
Como observa Salvador da Costa [Os Incidentes da Instância, 5.ª Edição, Almedina, 2008, p. 81] “O conceito de terceiro contrapõe-se ao conceito de parte, que envolve a ideia de pessoa por quem ou contra quem é solicitada, em nome próprio, alguma providência judicial tendente à tutela de um direito”.
No que respeita à intervenção principal provocada, que é o que está aqui em causa, dispõe o art.º 316.º do CPC, na parte para aqui relevante, o seguinte:
[1] “Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária
[2] Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
[3] (..).
No caso releva atentar na parte final do n.º 2, admitindo-se a possibilidade do “o autor provocar a intervenção (..) de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.”
O art.º 39.º do CPC, dispõe o seguinte: “É admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundada sobre o sujeito da relação controvertida”.
Esta norma corresponde ao art.º 31.º B, do pretérito CPC, mantendo-se integralmente a redacção que ai constava.
Importa também assinalar que no pretérito CPC, do n.º 2 do art.º 325.º resultava que a intervenção principal provocada passiva era possível “Nos casos previstos no artigo 31º-B”, admitindo-se que o autor pudesse “chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido”.
Conjugando as duas disposições, resulta que nos casos em que determinado autor, haja ou não pluralidade de autores, tenha uma dúvida fundada sobre o sujeito titular da relação material controvertida, é-lhe permitido deduzir um pedido contra réu diverso do que aquele que demanda ou é demandado a título principal. Significa isto, que as situações abrangidas pela norma são aquelas em que, “por um lado, (1) o credor da prestação ignora, sem culpa, a que título ou em que qualidade o devedor interveio no acto ou no facto que serve de causa de pedir; e, por outro, de eventualidade em que (2) o credor da pretensão ignora se é titular activo dela ou se é o único titular activo. Assim, na primeira situação, o autor pode demandar (inicialmente) um réu e formular subsidiariamente contra ele um pedido no caso de dúvida fundamentada sobre quem é o verdadeiro sujeito no caso de dúvida fundamentada sobre quem é o verdadeiro sujeito passivo da relação material controvertida. O autor, ainda no âmbito daquela primeira hipótese, terá que afirmar quais as razões que o levam a não ter a certeza sobre o titular passivo da relação material controvertida que configura ou apresenta (pluralidade subjectiva subsidiária). Então se um for absolvido, o outro (ou os outros) serão condenados” [J. P. Remédio Marques, A Acção Declarativa À Luz Do Código Revisto, Coimbra Editora, 3. ª Edição, 2011, pp.398].
Segundo Miguel Teixeira de Sousa, reportando-se às disposições do pretérito CPC, a intervenção principal provocada passiva permitida pelo n.º2, do art.º 325.º, isto é, nos “Nos casos previstos no artigo 31º-B”, depende sempre, e necessariamente, da verificação dos requisitos de aplicação deste normativo, para o qual remete, sendo que neste estão contempladas situações de litisconsórcio (subsidiário e alternativo), sem excluir também, situações de coligação (..)“ porque ambos cabem na previsão do art.º 31.º-B” [Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 182].
Por seu turno, Salvador da Costa, em linha com esses entendimentos e reportando-se igualmente às normas do pretérito CPC, [Op. Cit, op 116/117], observa o seguinte:
O n.º2 prevê, em termos inovadores, os casos previstos no art.º 31.º , e estatui poder o autor chamar a intervir, como réu, um terceiro contra quem pretende dirigir o pedido, no quadro da pluralidade subjectiva subsidiária.
O artigo 31.º -B, a que o normativo em análise se reporta, prescreve que é admitida, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida, a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor contra réu diverso do que, a título principal, demandou ou foi demandado.
A referida dúvida fundamentada só é legalmente prevista na pessoa do autor, e não na pessoa do Réu, pelo que este não pode, com base nela, requerer a intervenção.
Trata-se de situações em que o credor ignora, sem culpa, a que título ou em que qualidade o devedor interveio no acto que à acção serve de causa de pedir.
Assim, pode o autor chamar a intervir terceiro na posição de réu a fim de formular subsidiariamente contra ele o pedido ou um pedido subsidiário, no caso de dúvida fundamentada sobre o verdadeiro sujeito passivo da relação jurídica material controvertida.
O requerente do chamamento deve, porém, convencer das razões da sua incerteza sobre quem é o titular passivo da relação jurídica material controvertida, ou seja, tem de expor os factos relevantes da justificada dúvida, necessários para ajuizar da legitimidade e do interesse em agir de quem chamou.
(..)».
Em suma, da conjugação da parte final do n.º2, do art.º 316.º, com o art.º 39.º do CPC, resulta que nos casos em que determinado autor, haja ou não pluralidade de autores, tenha uma dúvida fundada sobre o sujeito titular da relação material controvertida, é-lhe permitido deduzir um pedido contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal.
Mas importa sublinhar, que a norma exige expressamente que haja “dúvida fundada sobre o sujeito da relação controvertida”. Não existindo essa dúvida fundada e razoável sobre os sujeitos que são titulares da relação material controvertida, não é já possível ao autor lançar mão do incidente de intervenção principal para os fazer intervir na acção. E, para se aferir se tal dúvida existe e é fundada, cabe ao autor alegar as razões porque não tem a certeza sobre o titular da relação material controvertida que configura, assim justificando a necessidade de se socorrer da intervenção principal provocada.
A dúvida fundada é susceptível de ocorrer em face dos termos em que o primitivo Réu tenha deduzido a sua contestação. Por exemplo, numa acção emergente de contrato de trabalho, alegando o R. demandado como entidade empregadora, factos relativos a uma relação contratual existente entre si e uma terceira entidade, que sejam desconhecidos do autor e dos quais acabe por resultar a dúvida sobre quem afinal detinha os poderes de autoridade, direcção e disciplina na relação jurídica de trabalho subordinado.
II.2.2 Antes de enfrentarmos a questão, mostra-se pertinente fazer um breve enquadramento, por um lado para alinhar os pontos essenciais relativos às posições assumidas pelo autor na acção, por outro para repor o rigor das coisas relativamente a alegações, que como veremos são incoerentes.
Começando pela petição inicial e melhor detalhando o que já se deixou dito acima na parte do relatório, importa referir que o autor não só afirma perentoriamente que “não existiu qualquer tipo de transmissão de empresa ou de estabelecimento que a Ré falsamente alegou (..)”, como para além disso procede à alegação de argumentos jurídicos para o demonstrar, na parte sob o título “II- Do Direito” , a partir do artigo 20.º, como o ilustram os artigos que seguem:
- «[..]
31. Acontece que, como já demonstrado, não ocorreu qualquer manutenção dos direitos adquiridos pelos trabalhadores, pois, como se disse, para a sociedade E… não existiu qualquer tipo de transmissão de empresa ou de estabelecimento que a Ré falsamente alegou.
SEM PRESCINDIR
32. Como adiante se demonstrará, o contrato coletivo no qual o Autor se encontra enquadrado, não permite a transmissão de empresa ou estabelecimento nos termos descritos pela sociedade Ré na carta datada de 11 de fevereiro de 2019.
33. Com efeito, dispõe o artigo 14.º, n.º 1 do contrato coletivo entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e outra e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, ter presente que o autor transcreve a carta de 11 de Fevereiro que lhe foi dirigida pela Ré, Limpeza, Domésticas e Atividades diversas – STAD – Revisão global, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 38 de 15.10.2017 que, em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou de estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalhos dos respetivos trabalhadores.
34. Porém, o n.º 2 do mesmo preceito legal refere que, não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador.
35. Ora, o caso descrito no aludido normativo é exatamente a situação aqui relatada, pois, como a sociedade Ré bem referiu na sua comunicação – cfr. documento n.º 3 – “(…) os serviços de vigilância prestados pela C… nas instalações do cliente D… no Estabelecimento D… na Rua …, Porto, foram adjudicados à Empresa de Segurança E… com efeitos a partir do dia 1 de março de 2019.”.
36. Na realidade, a sociedade Ré perdeu aquele cliente por tais serviços terem sido adjudicados ao operador E….
37. Deste modo, como a Ré bem sabe, mas quer fazer crer que desconhece, a sua atuação nunca se poderá consubstanciar numa transmissão de empresa ou de estabelecimento e, como tal, o Autor é trabalhador daquela sociedade.
[..]».
Avançando, na sequência da notificação da contestação da Ré o autor respondeu, reiterando que [36.º] “(…) independentemente da defesa apresentada pela Ré, a verdade é que, é entendimento do Autor que a única responsável pela não verificação e aplicação da transmissão de empresa ou estabelecimento é a sociedade Ré”, aduz argumentos para sustentar essa posição e concluir que [40.º] “a E… não detém qualquer responsabilidade perante o autor (…)”. Afirmada essa posição, passa então a dizer que [42.º] “por mera cautela de patrocínio, e na situação hipotética deste Tribunal entender que se verificou efetivamente uma transmissão de empresa ou estabelecimento, impõe-se então proceder à intervenção provocada da E…, S.A.”, nessa base passando a requerer (art.º 47) “o incidente de intervenção provocada, com o consequente chamamento da E…, S.A., na qualidade de Co- Ré, face à dúvida levantada e arguida pela Ré”, pedindo que o mesmo fosse admitido nos termos do disposto nos artigos 316.º n.º1, e 39.º, do CPC.
Mais refere, que [48.º] “caso este Tribunal entenda que a responsabilidade é desta empresa, e não da sociedade Ré, deverá então a E… ser condenada a reconhecer a existência e verificação da transmissão de empresa e estabelecimento e, consequentemente, ser condenada a reconhecer os termos e condições contratuais laborais que o Autor havia celebrado e adquirido aquando da relação laboral celebrada com a sociedade Ré, nomeadamente, antiguidade, posto de trabalho, horário de trabalho, etc., bem como condenada a proceder ao pagamento de todos os créditos laborais já peticionados contra a Ré C…, pelo que, o pedido inicialmente formulado contra a C…, deverá também ser aproveitado contra a E…, nos precisos termos peticionados”.
No recurso, o recorrente insurge-se contra a decisão recorrida, no essencial, identificando-se nas conclusões os fundamentos seguintes:
- [5] pela contestação da Ré “teve conhecimento que a defesa daquela sociedade passou por invocar que, entre ela e a E…, S.A., havia sido celebrado um contrato de transmissão de estabelecimento e unidade económica e que, por essa razão, os trabalhadores que anteriormente exerciam funções para a C…, passaram a ser considerados trabalhadores da E…”.
- [6] À data dos factos a que estes autos se reportam, o Autor apenas tinha conhecimento que a Ré C… lhe havia comunicado da existência de tal transmissão, e que a E… dizia que não havia qualquer transmissão, pelo que não tinha qualquer obrigação de o contratar.
- [9] O Autor configurou a situação aqui descrita como um despedimento ilícito e, por isso, instaurou os presentes autos apenas contra a Ré C…, que era quem detinha uma relação contratual com o Autor, uma vez que este desconhecia, e ainda desconhece, se entre esta sociedade e a E…, se se efetivou alguma transmissão.
[10] Face à apresentação da defesa da Ré C…, o Autor entendeu chamar à colação a sociedade E…, uma vez que se criou a dúvida sobre quem é o sujeito da relação controvertida, (..)”.
[19] (reportando-se aos processos que identifica na conclusão 18) “Em todos eles foi deduzido o incidente de intervenção provocada da E…, que, apenas neste Tribunal foi indeferido (..)»
Vejamos então.
Confrontando a posição assumida pelo autor no recurso, nomeadamente, nos pontos acabados de focar, com a que demos conta ter sido afirmada quer na petição inicial, quer na resposta à contestação da Ré, aqui na parte dirigida a sustentar o incidente de intervenção provocada suscitado - transcrita no relatório -, salta imediatamente à vista que não há coerência entre ambas, impondo-se, por isso mesmo repor o rigor das coisas.
Assim, o recorrente vem alegar - conclusão 5 - que com a contestação da Ré “teve conhecimento que a defesa daquela sociedade passou por invocar que, entre ela e a E…, S.A., havia sido celebrado um contrato de transmissão de estabelecimento e unidade económica (..)”, mais acrescentando - conclusão 6- que “À data dos factos a que estes autos se reportam, o Autor apenas tinha conhecimento que a Ré C… lhe havia comunicado da existência de tal transmissão, e que a E… dizia que não havia qualquer transmissão, pelo que não tinha qualquer obrigação de o contratar”.
Ora, esta alegação não tem qualquer respaldo nos autos, nomeadamente na contestação da Ré. A posição afirmada e desenvolvida pela Ré na contestação é clara e inequívoca, sendo suficiente atentar nos artigos seguintes:
[30] Importa ainda salientar que a Ré prestava os serviços de segurança e vigilância privada ao cliente D… … Porto; mantendo sempre a constância na mesma equipa de vigilantes.
[31] A jusante, por decorrência de procedimento, foi adjudicada à empresa E…, S.A. o contrato de prestação de serviços de segurança privada nas instalações do cliente D… …, Porto.
[32] Serviços que se iniciaram em 1 de março de 2019, data a partir da qual a E… começou a prestar a sua atividade no âmbito da aludida adjudicação.
[33] Em consequência da referida adjudicação, a sobredita empresa assumiu em 1 de março de 2019 a posição de empregadora de vigilantes que, até ao dia 28 de fevereiro de 2019, trabalharam sob as ordens e direção da R., no âmbito do contrato de prestação de serviço de segurança privada celebrado entre o cliente D… … Porto e a R., que terminou naquela data.
[56] Tem como tema preponderante a presente lide declarativa a figura da transmissão de estabelecimento na aceção da unidade económica, cujo instituto se encontra consagrado no quadro normativo nacional no artigo 285.º e ss. do Código do Trabalho e a nível da legislação comunitária na Diretiva 2001/23/CE.
[57] Importa, por último, ter em referência a cláusula convencional presente no CCT aplicável à atividade da segurança privada [cl. 14.ª dos CCTs celebrados entre a AES e o STAD e outro e FETESE e outro, publicados no BTE 38 de 15.10.2017, objeto de P.E. n.º 357/2017 e 356/2017, ambas de 16 de novembro.
Portanto, como resulta evidente, a Ré não foi para além do que afirmou ao autor na carta de 11 de Fevereiro de 2019, ou seja, no essencial:
- (..) que os serviços de vigilância prestados pela C…, S.A. nas instalações do cliente D… no Estabelecimento D…, sito na Rua …, Porto, foram adjudicados à Empresa de Segurança E…, S.A., com efeitos a partir do dia 1 de março de 2019.
Assim, e a partir dessa data, a E… será a entidade patronal de V. Exa., conforme resulta do disposto no artigo 285.º a 287.º do Código de Trabalho, que regulam a transmissão de empresa ou de estabelecimento.
(..)”.
A afirmação do recorrente de que “teve conhecimento que a defesa daquela sociedade passou por invocar que, entre ela e a E…, S.A., havia sido celebrado um contrato de transmissão de estabelecimento e unidade económica”, não só nos causa perplexidade, como para além disso, suscita-nos a dúvida sobre a lisura do seu comportamento processual.
Com efeito, não resultando tal manifestamente da contestação da Ré, não se vislumbra com que base o recorrente se permite referir a uma suposta invocação por aquela, na sua defesa, de um “contrato de transmissão de estabelecimento e unidade económica” celebrado com a E…, fazendo-o com o propósito de justificar a dedução do incidente de intervenção provocada, no pressuposto de só agora ter tido conhecimento desse suposto novo facto, como expressamente afirma em ambas as conclusões.
O recorrente não pode ter tido conhecimento de algo que não foi invocado pela Ré na sua contestação, nem pode de todo ser deduzido do conjunto do que nesse articulado é referido. A alegação em causa distorce o que resulta da posição afirmada pela Ré. Dai que, como se disse, perfila-se a dúvida sobre a conduta processual do recorrente, afigurando-se-nos que raia a litigância de má-fé (art.º 542.º do CPC).
Como é manifesto, contrariamente ao que agora pretende sugerir, à data da propositura da acção o recorrente autor dispunha de todos os elementos para, caso assim o entendesse, intentar a acção também contra a sociedade E…, S.A., com fundamento nas regras aplicáveis à transmissão de estabelecimento.
Na verdade, foi o autor quem perentoriamente afastou a possibilidade da situação em causa estar abrangida pelo regime da transmissão de empresa ou de estabelecimento previsto no art.º 285.º do CT, para além do mais estribando-se no n.º2, da Cláusula 14.ª do contrato coletivo entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e outra e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades diversas – STAD – Revisão global, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 38 de 15.10.2017, com empenhada argumentação jurídica.
Mais do que isso, ao requer o incidente de intervenção provocada da E…, S.A., o autor não só reiterou expressa e claramente essa posição, afirmando que [art.º40.º] “a E… não detém qualquer responsabilidade perante o Autor e outros trabalhadores, por não se ter verificado qualquer transmissão de empresa ou estabelecimento”, nesse pressuposto assumindo estar a praticar esse acto processual [art.º 42.º] “por mera cautela de patrocínio, e na situação hipotética deste Tribunal entender que se verificou efetivamente uma transmissão de empresa ou estabelecimento”, como para além disso em momento algum veio alegar, como agora o faz, ter sido confrontado com um facto novo e desconhecido, nomeadamente, ter tido “conhecimento que a defesa daquela sociedade passou por invocar que, entre ela e a E…, S.A., havia sido celebrado um contrato de transmissão de estabelecimento e unidade económica”.
Por conseguinte, no caso em apreço não existe a dúvida fundada a que alude o art.º 39.º do CPC. O Autor era conhecedor de todos os factos relevantes, mormente da posição assumida pela Ré. Não há um único facto relevante que a Réu tenha alegado na contestação e que o Autor desconhecesse, pudesse desconhecer ou que não fosse previsível que viesse a ser invocado. E, mais do que isso, o próprio autor não só afirmou a impossibilidade legal da situação ficar a coberto do regime de transmissão de empresa ou estabelecimento, regulado no art.º 281.º do CT, como para além disso empenhou-se em demonstrá-lo, convictamente, com desenvolvida argumentação jurídica.
Portanto, como bem assinalou o tribunal a quo na fundamentação da decisão recorrida, o autor não só nunca teve dúvidas quanto ao responsável pelo alegado despedimento ilícito, como também conhecia toda “a factualidade trazida aos autos por esta ré na sua Contestação”, sendo forçoso concluir que “o facto de apenas ter sido demandada esta empresa, foi a estratégia processual pelo mesmo delineada (na verdade, podia ter demandado ambas as sociedades)”.
Com efeito, a posição afirmada pelo Autor na PI, estribada em argumentação jurídica, depois reiterada com convicção e nos mesmos termos no próprio momento em que requereu o incidente de intervenção provocada, revela que enveredou por esse caminho processual não em razão de ter qualquer dúvida, muito menos fundada, mas apenas, como também expressou, “por mera cautela de patrocínio, e na situação hipotética deste Tribunal entender que se verificou efetivamente uma transmissão de empresa ou estabelecimento”.
Assim, para que fique bem claro, está inequivocamente afastada a hipótese de existência de dúvida fundada, despoletada em face da defesa deduzida pela Ré na sua contestação.
Por outro lado, tem igualmente razão o Tribunal a quo quando refere que, em qualquer caso, a intervenção da chamada “E…” nem sequer teria um efeito útil, “quer por a causa de pedir e os pedidos formulados não contemplarem a sua responsabilização, ainda que a título subsidiário, na operada cessação do contrato de trabalho do autor, quer por aquela entidade não ser titular da relação controvertida face à configuração da acção retratada pelo trabalhador na sua PI”. Com efeito, o autor configura a acção no pressuposto de não ser admissível a transmissão do seu contrato de trabalho para a E…, sendo a Ré a sua entidade empregadora, nessa qualidade tendo procedido ao seu despedimento ilícito, consumado por carta postal, datada de 11 de Fevereiro de 2019, com efeitos a partir do dia 1 de Março de 2019.
Ainda por outro lado, apenas para que fique claro, tem também razão o Tribunal a quo quando refere não competir ao tribunal «“escolher”, antes tendo de ser as partes a trazer aos autos a competente factualidade e a formular os pedidos pretendidos».
Por último, também não serve de argumento para defender a posição assumida no recurso, vir esgrimir que «Demonstrativo que os aludidos fundamentos invocados pelo tribunal “a quo” não são suscetíveis de indeferimento do pedido de intervenção provocada, é o facto de que, com base nos mesmos factos fundamentos, corre termos mais dez ações semelhantes à destes autos». Como o autor certamente não ignora, o argumento não tem qualquer relevância, nem sequer impressionando. Os Tribunais decidem livremente na aplicação do direito aos factos, nem sempre sendo coincidentes os entendimentos para solucionar determinadas questões, assim como também não o são, muitas das vezes, os envolvimentos factuais subjacentes.
Concluindo, improcede o recurso, não merecendo censura a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas do recurso a cargo do recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC).

Porto, 18 de Maio de 2020
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira