Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0725035
Nº Convencional: JTRP00040875
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE
DEFESA DA POSSE
CONSTITUTO POSSESSÓRIO
Nº do Documento: RP200712040725035
Data do Acordão: 12/04/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 259 - FLS. 7.
Área Temática: .
Sumário: 1. Adquirida a propriedade de um prédio em venda fiscal, mas não transmitida efectivamente a posse sobre o mesmo, não é viável a restituição provisória da posse, nem a defesa da posse mediante procedimento cautelar comum.
2. O constituto possessório é uma forma de aquisição da posse sem necessidade de acto material ou simbólico que a revele e que assenta em acordo no sentido da manutenção da detenção da coisa pelo antepossuidor ou por terceiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 5035/07-2 – Agravo
Decisão Recorrida: Proc. n.º ……../07.0TBVFR do ….º Juízo Cível de Santa Maria da Feira.
Recorrente: B……………….., Lda.
Recorrido: C…………….. e outros
Relator: Cristina Coelho
Adjuntos: Desemb. Rodrigues Pires e Desemb. Canelas Brás
Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO.
B……………., Lda., intentou o presente procedimento cautelar de restituição provisória de posse, contra C………………. e esposa, D………………, e E…………….. e esposa, F………………., pedindo que se ordene a restituição provisória à requerente da posse do prédio urbano destinado à habitação, sito no Lugar…………., freguesia de Lourosa, inscrito sob o art. 1081 e descrito na CRP sob o n.º 01295/020398.
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese, que:
- A requerente é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de imóveis, e, no âmbito da sua actividade adquiriu, por venda judicial em processo fiscal, efectuada em 5.12.06, um prédio urbano sito no ……………, Lourosa, inscrito na matriz sob o art. 1081 e descrito na CRP sob o n.º 0129/02039, o qual registou em seu nome, adquirindo, assim, além da propriedade, a posse sobre o imóvel.
- Os requeridos ocupam ilegitimamente o prédio e impedem a requerente de exercer os seus direitos, nomeadamente impedindo-a, em 25.05.07, de aceder ao prédio, com insultos e ameaças, que só não se concretizaram porque o legal representante da requerente e as pessoas que o acompanhavam se puseram em fuga.
- De tais factos resulta ter a requerente sido esbulhada da sua posse, de forma violenta.
- Ainda que assim não se considere, o procedimento cautelar deve convolar-se em procedimento cautelar comum, uma vez que a requerente está a sofrer avultados prejuízos, que se agravarão caso o prédio não lhe seja restituído, estando impedida de rentabilizar o investimento feito na aquisição, prejuízos esses que dificilmente poderão ser reparados.
Ouvidas as testemunhas arroladas, foi proferido despacho, no qual se indeferiu a providência, seja como restituição provisória de posse, seja como procedimento cautelar comum.
Não se conformando com o teor deste despacho, recorreu a requerente, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1º- Tendo em conta o conjunto da matéria de facto dada como provada, entende a recorrente que o Meritíssimo Juiz a quo deveria ter julgado totalmente procedente o presente procedimento cautelar de restituição provisória de posse.
2º- A requerente adquiriu a posse por “ constituto possessório ”, tal como prescreve o artigo 1264º do Cód. Civil.
3º- O facto da requerente ter adquirido o prédio em venda judicial não releva para efeitos do disposto nesta norma.
4º- Na venda judicial, porque coersiva, o Estado substitui-se ao dono da coisa penhorada, tudo se passando como se fosse o verdadeiro dono a efectuar a respectiva venda.
5º- Ao adquirir o prédio dos autos em venda judicial efectuada em 05.12.2006, em que era executado um terceiro, G……………., a requerente adquiriu nessa mesma data a posse de tal imóvel, conforme prescreve o n.º 2 da referida norma.
6º- Encontram-se preenchidos de igual forma os outros dois requisitos exigidos pelo art. 393º do CPC para a restituição provisória de posse, a saber: o esbulho e a violência.
7º- O esbulho resulta desde logo e de forma manifesta do facto provado em 4º - “ os requeridos ocupam o prédio e impedem a requerente de dele se apossar ”.
8º- A violência do esbulho resulta de forma clara dos factos provados em 7º, 8º e 9º, pois a requerente em Maio de 2007, tentou aceder ao prédio e interpelar os requeridos para que lho entregassem, recebendo insultos e ameaças por parte dos requeridos (factos 7º e 8º), com referências a um homicídio ocorrido há pouco tempo na região e a possibilidade de ser solto um cão ( facto 9º ).
9º- Estão, assim, verificados todos os requisitos exigidos para o decretamento do presente procedimento cautelar.
10º- A assim se não entender, o que só em tese se admite, sempre a requerida providência deveria convolar-se em procedimento cautelar comum, atento o disposto no art. 395º do CPC.
11º- Do facto provado em 2º resulta o direito de propriedade da requerente sobre o prédio sub judice e o facto provado em 4º que os requeridos ocupam esse prédio e impedem a requerente de dele se apossar.
12º- A requerente logrou também fazer prova do “ periculum in mora ”, isto é, do receio de que lhe seja causada lesão grave e dificilmente reparável, ao provar-se que a requerente adquiriu o prédio dos autos no exercício da sua actividade de compra e venda de imóveis (factos provados em 1º e 13º ), que não está a realizar os lucros que pretendia com essa aquisição (facto provado em 12º), que pretende a posse do imóvel para realizar obras e proceder à sua posterior venda, obtendo mais valias (facto 14º), que ao não lhe ser restituída a posse está impedida de rentabilizar o investimento feito nessa aquisição ( facto 15º ), a delonga da acção principal prolongará o período durante o qual não obterá lucros (facto 16º ), pelo que
13º- Sempre, pela convolação da providência em procedimento cautelar comum, deveria ser decretada a restituição provisória da posse da requerente, provado que está o seu direito e o risco de lesão grave e de difícil reparação.
14º- A douta sentença recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 1252º, n.º 1, 1263º, al. c) e 1264º do Cód. Civil e artigos 393º, 394º e 305º do CPC.
Termina pedindo a revogação da decisão recorrida, proferindo-se acórdão que declare a total procedência da presente providência cautelar de restituição provisória de posse ( existe manifesto lapso de escrita ao peticionar-se que se decrete a “ providência cautelar de arresto”).
Contra-alegaram os requeridos C…………….. e D……………, pronunciando-se no sentido da improcedência do agravo.
O Mmo Juiz recorrido proferiu despacho, mantendo a decisão recorrida.
QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente ( arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC ), as questões a decidir são:
a) se se encontram preenchidos os requisitos para se decretar o procedimento cautelar de restituição provisória de posse peticionado;
b) se sempre seria de decretar a restituição provisória de posse, provado que está o direito da requerente e o risco de lesão grave e de difícil reparação, pela convolação da providência em procedimento cautelar comum.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Resultam assentes os seguintes factos:
1º. A requerente é uma sociedade comercial que tem como actividade a compra e venda de imóveis.
2º. No exercício da sua actividade, por venda judicial efectuada em 05/12/2006, no processo de execução fiscal n.º 3441200010, cujos termos correm no 2º Serviço de Finanças deste concelho, foi adjudicado à requerente um prédio urbano, destinado à habitação, sito no Lugar ……………, freguesia de Lourosa, desta comarca, inscrito na matriz sob o art. 1081 e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n.º 01295/020398.
3º. A requerente tem registado o seu direito de propriedade sobre o dito prédio.
4º. Os requeridos ocupam o prédio e impedem a requerente de dele se apossar.
5º. Os requeridos estão ligados por laços familiares.
6º. Os requeridos habitam o prédio adquirido pela requerente.
7º. Em Maio passado, o representante da requerente, acompanhado pelas testemunhas ouvidas no presente processo, tentou aceder ao prédio e interpelar os requeridos para que lho entregassem.
8º. Como resposta recebeu insultos e ameaças por parte dos primeiros requeridos.
9º. Dentre os insultos e ameaças referidos – e que, em concreto, não foi possível apurar com precisão – constaram uma referência a um homicídio ocorrido havia pouco tempo na região, e a possibilidade de ser solto um cão.
10º. O requerente e seus acompanhantes abandonaram o local.
11º. As ameaças não se concretizaram e os insultos não continuaram
12º. A requerente não está a realizar os lucros que pretendia com a aquisição do prédio.
13º. A requerente adquiriu o prédio sub judice no exercício da sua actividade de compra e venda de imóveis.
14º. Pretende tomar a posse do imóvel para efectuar obras de restauro e proceder à sua posterior venda e dessa forma efectuar uma mais valia.
15º. Ao não lhe ser restituído de imediato o imóvel, a requerente fica impedida de rentabilizar o investimento por si efectuado na aquisição deste prédio na prossecução do seu objectivo último que é a obtenção de lucro.
16º. A delonga da acção principal prolongará o período durante o qual a requerente não obterá lucros.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Começa a recorrente por alegar que a decisão recorrida não fez um correcto enquadramento dos factos provados, dos quais resulta que se encontram preenchidos os requisitos para o tribunal decretar o procedimento cautelar de restituição provisória de posse peticionado.
Assim, alega a recorrente que resulta provada a posse, que adquiriu por constituto possessório, o esbulho, uma vez que os requeridos ocupam o prédio e impedem a recorrente de dele se apossar, e a violência, uma vez que impediram através de insultos e ameaças, com referências a um homicídio ocorrido na região e a possibilidade de ser solto um cão.
Um dos procedimentos cautelares especificados que o CPC prevê é o da restituição provisória de posse, estabelecendo o art. 393º do mencionado diploma legal que “ no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência ”.
E o art. 394º do CPC dispõe que “ se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordenará a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador ”.
Esta providência cautelar é correspondente ao direito conferido pelo art. 1279º do CC, que se enquadra no capítulo respeitante aos meios de defesa da posse, e que estatui que “ sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador ”.
Como referem Álvaro Moreira e Carlos Fraga, in “ Direitos Reais, pág. 207, “ outro efeito relevante da posse é o que se traduz nos respectivos meios de defesa – as chamadas acções possessórias. A posse confere a possibilidade de vir a juízo requerer determinadas providências, mediante as chamadas acções possessórias. Podemos, assim, falar de um contencioso possessório para designar o conjunto dessas acções, por oposição ao contencioso petitório, representado fundamentalmente pelas acções destinadas a defender a propriedade e não a posse. O que são as acções possessórias? São, genericamente, acções destinadas a defender a posse contra actos que a ameacem ou que a lesem. Quais são essas acções? São a acção de prevenção, a acção de manutenção, as acções de restituição da posse e os embargos de terceiro ”.
Estamos, pois, in casu, no âmbito de defesa da posse, que não se justifica com a titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel, mas sim, com a titularidade da posse sobre esse mesmo imóvel.
A posse, de acordo com o art. 1251º do CC, “ é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real ”.
Na posse diferenciam-se dois elementos, o corpus, ou domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou a possibilidade física desse exercício, e o animus, consubstanciado na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio.
Para poder lançar mão do procedimento cautelar em causa, a recorrente teria, pois, de ter alegado e demonstrado a sua posse sobre o imóvel em causa e o esbulho violento efectuado pelos recorridos.
Da matéria de facto provada ( e que foi a alegada ) resulta, desde logo, que a recorrente nunca teve a posse material do imóvel, tendo adquirido o direito de propriedade sobre o mesmo por arrematação em venda fiscal e, quando, na sequência dessa aquisição, tentou apossar-se do mesmo, foi impedida de o fazer pelos requeridos.
Alega a recorrente que adquiriu a posse por constituto possessório, nos termos dos artigos 1263º, al. c) e 1264º do CC.
Salvo o devido respeito, não lhe assiste, porém, razão.
Dispõe o art. 1263º do CC que “ a posse adquire-se: a) pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito; b) pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor; c) pelo constituto possessório; d) por inversão do título de posse ”.
E o art. 1264º do CC concretiza o que se entende por constituto possessório, estabelecendo que “ 1. se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa. 2. Se o detentor da coisa, à data do negócio translativo do direito for um terceiro, não deixa de considerar-se igualmente transferida a posse, ainda que essa detenção haja de continuar ”.
Em anotação ao art. 1264º do CC escrevem Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado ”, Vol. III, pág. 25, que “ o constituto possessório é uma forma de aquisição solo consensu da posse, isto é, uma aquisição sem necessidade de um acto material ou simbólico que a revele. Consiste, tradicionalmente, num acordo pelo qual o possuidor, alienada a posse, reserva, por qualquer título, a detenção da coisa e se dispensa, assim, de a entregar ao novo possuidor. O alienante, que tinha em relação à coisa uma causa possessionis, passa a deter a coisa em virtude de uma causa detentionis ( M. Rodrigues, ob. cit., pág. 240 ). O anterior possuidor passa a ter, depois do negócio, o animus alieno nomine detinendi. Está prevista esta modalidade no n.º 1. ... No n.º 2 está previsto um novo caso de dispensa de tradição, e, portanto, de transferência solo consensu. Supõe-se agora que o possuidor transfere a sua posse, estando a coisa, por qualquer título, detida por terceiro. Vende-se, por exemplo, um prédio arrendado ou uma coisa depositada, e pretende-se que o arrendamento ou depósito continue. Também neste caso a tradição material seria inútil ”.
E, também, António Lima Araújo e Fernando Reboredo Seara, in “Direitos Reais”, págs. 215 a 217, escrevem que da análise do art. 1264º “constatamos que a posse se transmite independentemente de qualquer acto expresso nesse sentido, independentemente de um acto material ou simbólico que a revele. É o que, geralmente, se denomina uma forma de aquisição “solo consensu ” de posse. ... O constituto possessório consiste, assim, na conversão de uma posse em detenção, em consequência da realização de dois actos jurídicos simultâneos – um principal e outro acessório: um acto jurídico que tenha como consequência a transferência de posse daquele que até ali era o seu titular, e depois um outro em virtude do qual seja considerado como detentor. O anterior possuidor passa, então, a ser considerado como um simples detentor ou possuidor precário .... O n.º 2 do art. 1264º prevê uma situação equivalente diferindo, apenas, na situação do sujeito que detém a coisa. Aqui o possuidor de certa coisa de que um terceiro é detentor transfere o seu direito real para outrem (... ), mantendo-se a relação de detenção”.
Para que ocorra a aquisição da posse por constituto possessório é necessário, como o próprio nome indica, que, subjacente à alienação do direito real, haja “ um acordo ” no sentido de manutenção da detenção da coisa pelo antepossuidor ou por terceiro, entre o possuidor titular que aliena o seu direito real, in casu o direito de propriedade, e o adquirente desse mesmo direito.
Ou seja, o adquirente do direito de propriedade sobre a coisa adquire a posse da mesma, não obstante a detenção sobre a mesma continue a ser exercida pelo anterior possuidor ou por terceiro, mediante acordo nesse sentido.
Ora, no caso sub judice, nada foi alegado que permita concluir nesse sentido, sendo certo que o facto da aquisição do direito de propriedade ter ocorrido em venda judicial em execução fiscal, leve a concluir pela sua não verificação, uma vez que a transmissão do direito não foi feita pelo titular inscrito e eventual possuidor, mas coersivamente pelo Estado.
Foi nesse sentido que bem se referiu na decisão recorrida, que a questão apreciada no Acórdão da RC de 27.01.04, in CJ, Tomo I, pág. 22 e ss., nada tem de semelhante com o caso dos autos, porque naquela a adquirente do direito de propriedade e os alienantes expressamente acordaram em que estes ficassem a viver no imóvel por determinado período, não obstante a venda.
Conclui-se, pois, não se verificar, no caso, a aquisição da posse por constituto possessório, como alegado pela recorrente.
Tal como não se verifica a aquisição da posse por mero efeito da transmissão do direito, uma vez que não se verificou o elemento “ corpus ” da posse, nada tendo sido alegado no sentido de que o depositário tomou posse efectiva do bem penhorado.
Não tendo a recorrente a posse do imóvel, não se verifica, desde logo, o primeiro requisito para que possa ser decretado o procedimento cautelar de restituição provisória da posse (tal como não resulta provado o esbulho que pressupõe que o possuidor foi privado da posse que tinha), bem tendo decidido, nesta parte, o tribunal recorrido.
E sempre seria de decretar a restituição provisória de posse, provado que está o direito da requerente e o risco de lesão grave e de difícil reparação, pela convolação da providência em procedimento cautelar comum, nos termos do art. 395º do CPC, como alega a recorrente?
Dispõe o art. 395º do CPC que “ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que ocorram as circunstâncias previstas no art. 393º, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum”.
Ou seja, a restituição imediata de posse, sem audiência do esbulhador, tem a sua justificação na violência cometida pelo esbulhador (neste sentido, Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 668, escreve que “ o benefício da providência é concedido, não em atenção a um perigo de dano iminente, mas como compensação da violência de que o possuidor foi vítima”), mas, não se verificando a violência, o possuidor esbulhado, e, agora, também, o perturbado, sempre poderá obter a restituição da posse, desde que demonstre fundado receio de que o demandado cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito.
O art. 395º do CPC permite que a posse seja defendida mediante procedimento cautelar comum nos casos em que o esbulho não foi violento ou quando apenas houve mera perturbação da posse, sendo requisitos de utilização do referido procedimento os requisitos gerais a que se reportam os arts. 381º, nºs 1 e 2 e 387º, nºs 1 e 2 do CPC.
Assim, os requisitos desta providência cautelar são a séria probabilidade de existência do direito, e o fundado receio de que outrem, antes de proferida decisão de mérito, cause lesão grave ou dificilmente reparável que não seja manifestamente inferior ao prejuízo dela derivado para o requerido.
Subjacente a este artigo continua, pois, a defesa do possuidor esbulhado, e face ao que se deixou dito não se verificam, desde logo, estes requisitos para lançar mão deste artigo.
Mas ainda que se entendesse, o que não se concebe, que basta para fundamentar esta providência o direito de posse assente no facto da requerente ser titular do direito de propriedade sobre o imóvel, também, in casu, não se verifica o requisito do periculum in mora (que se traduz no prejuízo que, para a requerente, possa advir da dilação do reconhecimento do seu direito ).
As providências cautelares não se propõem realizar directa e imediatamente o direito substancial, mas antes assegurar a eficácia da providência futura destinada a essa realização.
Mas a lei exige que o requerente demonstre um fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável.
Não é qualquer lesão que justifica o decretamento do procedimento cautelar; a lesão há-de ser grave e irreparável ou de difícil reparação.
Dos factos dados como provados resulta, de facto, que os danos causados à recorrente pela posse dos requeridos são graves, uma vez que a recorrente se vê impedida de rentabilizar o investimento que fez com a aquisição do imóvel, não podendo realizar obras com vista à sua venda e obtenção de lucros, como pretendia e é inerente ao exercício da sua actividade.
Mas tal lesão será sempre reparável, ao contrário do que defende a recorrente, por via da competente indemnização (arts. 483º, 562º, 563º e 566º do CC), a peticionar na acção competente.
Improcedem, assim, as alegações da recorrente.
DECISÃO.
Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
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Porto, 04 de Dezembro de 2007
Cristina Maria Nunes Soares Tavares
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Mário João canelas Brás