Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0516058
Nº Convencional: JTRP00039109
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DENÚNCIA
TRABALHADOR
AVISO PRÉVIO
Nº do Documento: RP200604270516058
Data do Acordão: 04/27/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 82 - FLS. 134.
Área Temática: .
Sumário: Tendo o trabalhador denunciado o contrato de trabalho independentemente de justa causa e não tendo concedido o prazo de aviso prévio, deve ser condenado a pagar à entidade patronal uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período de antecedência em falta, sem prejuízo da responsabilidade civil pelos danos eventualmente causados em virtude da inobservância do prazo (art. 448º do Código de Trabalho).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório.
B……, instaurou a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra C….., Lda., invocando em suma, que trabalhou para a ré desde 2002 até 22 de Junho de 2004, data em que rescindiu o seu contrato de trabalho. Invoca que a ré lhe não pagou o vencimento de Junho de 2004 no valor de Euros 1.229,66, as férias não gozadas de 2002 e respectivo subsídio na importância de Euros 1.229,66, bem como não lhe pagou as férias do ano de 2003 e respectivo subsídio no valor de Euros 2.459,32 e ainda os proporcionais de férias do ano de 2004, respectivo subsídio de férias e de Natal, no valor de Euros 1.844,49, tudo no valor de Euros 6.763,13.

A ré contestou, aduzindo em sintese, que o autor se despediu, tendo confirmado esse facto posteriormente por escrito. Mais diz que de todas as verbas pedidas pelo autor apenas aceita que não pagou o vencimento de Junho, nem os proporcionais das férias, subsídio de férias e de Natal de 2004. Alega ainda que, tendo-se o autor despedido sem aviso prévio, a ré não teve o período de 60 dias para, com calma, e através das normais buscas no mercado de anúncios de imprensa procurar substituto. No próprio dia da denúncia do contrato foram contactadas duas empresas especializadas no recrutamento e selecção de pessoal, para procurarem e seleccionarem um trabalhador que substituísse o autor, o que implicou para a ré o pagamento de Euros 6.788,95. Reclama a ré do autor, para além daquele importancia, a correspondente ao aviso prévio em falta, tudo no valor de Euros 10.376,95 a titulo de reconvenção. Invoca, subsidiaramente, a compensação e a reconvenção no valor excendente ao daquela.

O autor respondeu mantendo os seus pontos de vista.

Foi proferido despacho saneador, tendo-se relegado para final o conhecimento da excepção peremptória de pagamento e admitindo-se a reconvenção no valor excedente ao da compensação.
Foram fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória, alvo de reclamação, parcialmente atendida.
Teve lugar o julgamento, com gravação da audiência.
Foram declarados provados os factos e, nesse acto, logo proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de €3.074,15 a título de vencimento de Junho de 2004, retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, proporcionais ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato, e parcialmente procedente a reconvenção, tendo-se condenado o autor a pagar à ré a quantia de €9.248,27, a título de indemnização pela inobservância do prazo de aviso prévio e pela responsabilidade civil daquele pelos danos gerados por aquela inobservância.

Inconformado com a aludida decisão, veio o autor interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
A. A douta sentença de que recorre condenou o autor no pagamento do pedido reconvencional formulado pela ré no montante de Euros 6.788,95.
B. Referente ao valor que esta despendeu na contratação de duas empresas de recrutamento e selecção de pessoal para substuir o autor.
C. Uma vez que não foi dado cumprimento ao aviso prévio de 60 dias imposto pelos art.º 447, do Código do Trabalho.
D. A ré imputou ao autor a referida quantia, a título de danos extraordinários da responsabilidade civil, previstos no art.º 448 do Código do Trabalho.
E. Acontece, porém, que a indemnização decorrente do referido art.º 447 relativa ao aviso prévio já se traduz na faculdade de o empregador proceder às diligências necessárias para substituir o trabalhador.
F. Ora, se esse trabalhador não cumpre a aviso prévio fica obrigado ao pagamento de uma indemnização referente ao período em falta, nos termos do art.º 448.
G. O que já aconteceu através da condenação da quantia de Euros 2.459,32.
H. A indemnização preconizada pelo referido art.º 448, nos termos da responsabilidade civil, reporta-se aos danos extraordinários directamente causados pela saída intempestiva do trabalhador e que se consideram como danos específicos atendíveis.
I. Com o devido respeito, a quantia em causa não decorre directamente da saída intempestiva do autor, ma sim, trata-se antes de uma “despesa” normal e corrente, na actualidade, de substituição de um tabalhador por outro.
J. Assim sendo, não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil, mormente o do nexo de causalidade.
K. A douta sentença de que se recorre fez uma interpretação errada do art.º 448, do Código do Trabalho.
Conclui pela procedência do recurso e revogação da sentença da sentença.

A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido na primeira instância.

Ex.ª Procuradora Geral - Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.


2. Os Factos.
Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos.
1. O autor B…… foi admitido pela ré C……, L.da em Fevereiro de 2002 para, sob a sua autoridade e direcção, exercer as funções de Técnico Comercial, por tempo indeterminado, pagando-lhe a ré, como contrapartida, a quantia mensal líquida de €1.229,66 e ílíquida de €1.794,00.
2. O autor em 22.06.04, aquando de uma reunião com a administração da ré, rescindiu verbalmente o seu contrato de trabalho.
3. Pagou a ré ao autor a retribuição de férias de 2002, tendo-lhe pago integralmente o subsídio de férias desse ano, bem como lhe pagou a retribuição de férias de 2003 e o respectivo subsídio de férias.
4. A ré não pagou ao autor o vencimento correspondente a 22 dias de trabalho em Junho de 2004, nem os proporcionais de retribuição de férias (€614,83), subsídio de férias (€614,83) e de Natal (€614,83).
5. Nos anos de 2002 a 2004 o autor efectuou diversas deslocações ao estrangeiro para formação e no âmbito da sua actividade comercial, tendo-lhe sido dada formação específica antes ainda da data da sua admissão.
6. O autor tinha uma posição fulcral na estrutura da ré, dele dependendo toda a actividade comercial, pelo facto de ter recebido a formação referida na alínea anterior, bem como por o quadro da ré ser de três trabalhadores e por coordenar as vendas, sendo o único vendedor a “cobrir” a área de Lisboa.
7. Por à data da denúncia, a ré ter dois anos de actividade, o autor tinha que ser substituído de imediato, sob pena de estar em causa o projecto subjacente à criação da mesma.
8. No próprio dia da denúncia do contrato a ré contactou e contratou duas empresas especializadas em recrutamento e selecção de pessoal para procurarem e seleccionarem um trabalhador que substituísse o autor, tendo-lhes pago os seus serviços, no montante de €6.788,95.

Uma vez que a decisão proferida em primeira instância sobre matéria de facto não foi impugnada, nem padece dos vícios previstos no art.º 712, do CPC, mantêm-se a mesma nos seus precisos termos.

3. O Direito.
Considerando o preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º s 1 e 3 do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis ex vi do art.º 87 do Código do Processo de Trabalho (CPT), o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões dos recorrentes, as quais suscitam a questão de saber se a ré tem direito a ser ressarcida (para além do valor correspondente ao aviso prévio em falta) das despesas que suportou com duas empresas de selecção e recrutamento de pessoal para procurarem e seleccionarem um trabalhador que substituísse o autor.

Nos termos do art.º 447, n.º 1 do Código do Trabalho [Serão deste diploma todas as referências normativas sem menção específica]: “O trabalhador pode denunciar o contrato de trabalho independentemenet de justa causa, mediante a comunicação escrita enviada ao empregador com a antecedência mínima de trinta ou sessenta dias, conforme, tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade.”

Por seu turno, o art.º 448 estabelece que: “Se o trabalhador não cumprir, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio estabelecido no artigo anterior, fica obrigado a pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período de antecedência em falta, sem prejuízo da responsabilidade civil pelos danos eventualmente causados em virtude da inobservância do prazo de aviso prévio ou emergentes da violação de obrigações assumidas em pacto de permanência”.

Não tendo o autor concedido à ré o aviso prévio, que no caso era de 60 dias, importa apurar, como acima se aduziu, se será ainda devida a esta o valor de Euros 6.788,95, relativos ao pagamento que fez a duas empresas especializadas em recrutamento e selecção de pessoal para procurarem e seleccionarem um trabalhador que substituísse o autor.

O aviso prévio tem como finalidade evitar ou reduzir os danos que a ruptura brusca do contrato pode provocar na contraparte, permitindo ao trabalhador a busca de novo emprego e ao empregador a substituição do trabalhador demissionário. Com o pré-aviso, pretende-se, assim, estabelecer um ponto de equílibrio ou combinar o exercício do direito de extinção ad nuntum do contrato e os prejuízos que a ruptura abrupta possa provocar à contraparte (Cfr. Júlio Gomes, V Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Almedina, pág. 133).

A propósito da responsabilidade pela existência de outros prejuízos para além dos decorrentes da ruptura imprevista do contrato a que alude o art.º 448, importará atentar nos pressupostos da responsabilidade civil e, assim, averiguar da existência do dano, culpa e nexo de causalidade (art.º 483, do Código Civil). [Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina , 12.ª Edição, entende que “os danos que a lei se refere são somente aqueles que decorrem imediatamente da própria irregularidade do despedimento ... perturbações ou quebras de no processo produtivo directamente causadas pela falha imprevista de um dos seus elementos fundamentais.”]

No caso em apreço apurou-se que o autor tinha posição fulcral na ré, dele dependendo a actividade comercial, sendo o único vendedor a “cobrir” a área de Lisboa e que a ré tinha necessidade de o substituir.

Acontece, porém, que para além de se ter igualmente apurado, que a ré gastou a importância de € 6.788,95 com duas empresas de selecção e recrutamento de pessoal, nada a ré alegou ou demonstrou no sentido de lhe não ter sido possível, de todo, seleccionar outro trabalhador para o lugar do autor por outra via. Igualmente a ré não alegou, nem se demonstrou, que acabou por ser admitido outro trabalhador para o lugar do autor. E, mais relevante ainda, nem sequer alegou ou provou que, tendo-o feito, sofreu dano (naquele valor) com essa contratação. Uma coisa é ter despendido aquela quantia com as referidas empresas, outra bem diferente, é ter sofrido uma efectiva perda patrimonial - sem retorno - um prejuízo, por força da saída do autor.

Aliás, admitir-se com “facilitismo” o ressarcimento de despesa por parte do trabalhador que denuncia o contrato, como a tratada nestes autos, poderia traduzir-se numa clara violação à liberdade que assiste a este de se desvincular do contrato de trabalho, sabendo nós que as normas que introduzem excepções - ou limitações - à livre cessação do contrato por iniciativa do trabalhador assumem natureza excepcional, devendo ser interpretadas com as necessárias cautelas.

Assinala-se ainda que, ao invés do que sucede com o empregador, para quem a resolução do contrato de trabalho se encontra fortemente condicionada, exigindo o legislador que o despedimento assente numa causa justificativa (subjectiva ou objectiva), o trabalhador goza, com amplitude, da liberdade de optar e exercer a profissão ou género de trabalho, na perspectiva do direito de escolher, exercer e abandonar a profissão (Cfr. art.º 58, n.º 1 da CRP), o que seria fortemente postergado, ao admitir-se sem mais exigências, a responsabilidade do trabalhador por este tipo de gastos.

Deste modo, considerando o grau de liberdade de que goza o trabalhador de rescindir o seu contrato de trabalho e porque, em particular, se encontra apenas demonstrada, como se viu, a verificação da despesa e não a do dano, não se pode concluir pela verificação dos requisitos a que alude a segunda parte do citado art.º 448, não podendo, assim, o autor ser responsabilizado nos termos pretentidos pela ré.

4. A Decisão.
Em face do exposto, concede-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, como tal se absolvendo o autor do pagamento à ré da quantia de Euros 6.788,95.
Custas pela ré.

Porto, 27 de Abril de 2006
Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares