Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0434913
Nº Convencional: JTRP00037495
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
VENCIMENTO
Nº do Documento: RP200412160434913
Data do Acordão: 12/16/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO. APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I - A expressão “legal representante em Portugal” duma seguradora estrangeira encerra também matéria factual;
II - Matéria essa que deve ser considerada confessada se não houver contestação.
III - Sendo de considerar provido um agravo de decisão que obstacularizara ao conhecimento de mérito, o Tribunal da Relação deve, depois de ouvir as partes, avançar para esse conhecimento.
IV - O critério que tem sido seguido pelos tribunais portugueses para fixação de indemnização por perda da capacidade de trabalho nos casos em que não há perda efectiva de salário nem incidência profissional específica distingue de modo inusitado e injusto quem ganha bem de quem ganha mal.
V - É adequada a indemnização de 20 mil euros por danos não patrimoniais sofridos por uma mulher de 63 anos que teve fracturas do joelho, da tíbia e do pé, ficou com grandes limitações de mobilidade, sofreu e sofre muito, tem dores muito intensas e era saudável, com boas possibilidades de mobilidade que usava no seu dia-a-dia, nomeadamente em passeios.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I -
B........., casada, reformada, residente na ........., nº.. – ........., veio intentar contra:
C.........., S A, com sede na Rua ........., nº.., r/c esquerdo, .........;
A presente acção ordinária a fim de obter dela € 42.460 de indemnização pelos danos sofridos em acidente de viação.

Citada pessoalmente, a R. não deduziu contestação.

Após tramitação que abaixo pormenorizaremos, o Sr. Juiz julgou a R. parte ilegítima e absolveu-a da instância.

II –
Recorre a A., concluindo as alegações do seguinte modo:

1. A R. recorrida foi regular e devidamente citada em 22 de Maio de 2003 para contestar a presente acção (fls. 40) e tendo terminado o prazo da contestação em 26 de Junho de 2003 (fls. 52), não foi apresentada qualquer contestação, nem posteriormente.
2. Em consequência, a A., recorrente foi em 24 de Setembro de 2003, notificada do Douto Despacho de fls. 41, informando que “regularmente citada a R., não contestou a acção, pelo que se consideram confessados os factos articulados na p.i.”.
3. De seguida, e tendo sido notificada para os termos do disposto no art. 484º-nº 2 do CPC, a A. recorrente apresentou em 30/9/2003, as respectivas alegações, requerendo a prolação da sentença condenatória, como a Lei preceitua.
4. Porém, a R. recorrida, entendeu apresentar nos autos, posteriormente, mais propriamente em 20 de Outubro de 2003, uma exposição/requerimento a invocar a sua ilegitimidade e a sua absolvição da instância (fls. 45 a fls. 48).
5. A Mtª. Juíza recorrida, embora tenha considerado que o referido requerimento foi intempestivo e anómalo, acabou por o aceitar e acolher o que nele a R. afirmou, dando todo o valor e credibilidade à tese da R. recorrida, contra o disposto na Lei a este respeito (art. 484º-nº 1 e 2, art. 486º-nº 1, art. 487º, art. 489º-nº 1 e art. 494º-nº 1-al. e), todos do CPC).
6. Não existem dúvidas de que a R. recorrida foi regularmente citada, conforme fls. 40, não apresentou qualquer contestação, conforme fls. 52, não veio arguir nulidade de citação, nem invocar qualquer justo impedimento e apenas veio 4 meses volvidos, em 20/10/2003, conforme fls. 45 a 48, apresentar um requerimento considerado pelo próprio Tribunal anómalo e intempestivo, mas no qual estranhamente invoca a sua ilegitimidade, para de seguida requerer a sua absolvição da instância.
7. A Mtª Juíza “a quo” decidiu então dar acolhimento à atrás referida exposição de fls. 45 a 48, seguindo-se uma série infindável de notificações, requerimentos, contra-requerimentos, até que, e fazendo fé apenas nas afirmações da R. na dita exposição de fls. 45 a 48, a Mtª Juíza recorrida aceitou como boas e verdadeiras as afirmações unilaterais da R. seguradora, acabando por considerar esta parte ilegítima na acção, contra tudo quanto dos autos consta, mormente 3 (três) documentos escritos, dois pela própria Ré, recorrida, e outro pelo GABINETE PORTUGUÊS DA CARTA VERDE, todos a fls., onde se diz claramente que a R., C........., SA é a representante da seguradora estrangeira D.......... no nosso País.!
8. Os atrás referidos 3 documentos, que existem nos autos, a fls., não foram objecto de qualquer incidente de falsidade e apontam com muitíssimo mais intensidade e valor probatório para a legitimidade da R. seguradora, do que para o contrário (art. 376º-nº 1 do C. Civil)
9. A Mtª Juíza recorrida deu um tratamento a estes autos, como se os mesmos fossem um processo de jurisdição voluntária, permitindo-se aceitar um requerimento anómalo e intempestivo, como se realmente se tratasse de uma verdadeira e atempada contestação, nos termos legais previstos nos art. 486º-nº 1 e 487º-nº1, ambos do CPC,
10. o que violou de forma flagrante a Lei vigente, nomeadamente o disposto nos art. 484º-nº 1 e 2, art. 486º-nº 1, art. 487º, art. 489º-nº 1, art. 494º-nº 1-al. e), art. 508º e art. 669º-nº 2-al. b), todos do Código do Processo Civil e ainda o art. 376º-nº1 do C. Civil.

Contra-alegou a parte contrária, pugnando pela manutenção do decidido.

III –
Interessa, pois, saber se a ré devia ser considerada parte ilegítima.

IV –
A decisão a tomar assenta factualmente no seguinte, retirado dos elementos dos autos:

a) Na petição inicial, a A., imputa a responsabilidade pela eclosão do acidente a condutor de veículo seguro na companhia de seguros francesa D.......... .
b) Acrescentando “de que a ora R. … é legal representante em Portugal”.
c) Afirmando ainda que a obrigação de indemnizar desta mesma R. resulta ainda do facto de ela “já ter aceite a responsabilidade do seu segurado pela produção do presente sinistro”.
d) A ré foi citada através de carta registada com aviso de recepção;
e) Não contestou;
f) Por não ter contestado, o Sr. Juiz considerou confessados os factos articulados pela A. e ordenou a notificação prevista no art. 484º, nº2 do CPC (folhas 41);
g) A A. alegou nos termos deste preceito;
h) Estando o processo com conclusão para sentença, foi cobrado pela secretaria para ser junto um requerimento da R. no qual nega ser representante da seguradora francesa e invoca, consequentemente, a sua ilegitimidade;
i) A A. opôs-se a tal requerimento, pedindo a condenação por litigância de má fé da R. e juntando os documentos de folhas 58 e 59;
j) São estes uma carta e um fax da R. dirigidos à autora, donde consta, nomeadamente que “Confirmamos ser os representantes em Portugal da companhia de seguros estrangeira D..........” e “vimos pelo presente informar V.Ex.a que a nossa representada aceitou a responsabilidade pela produção do presente sinistro”.
l) A R. não impugnou estes documentos;
m) No despacho que se seguiu, o Sr. Juiz convidou a A. a fazer intervir a seguradora, sob pena de ilegitimidade e possível absolvição da instância;
n) Esta, pediu aclaração e juntou um documento do Gabinete Português da Carta Verde no qual refere que a representante no nosso país da seguradora estrangeira é a R.(folhas 94 e 100);
o) Continuando a entender que não resulta dos autos que a R. seja legal representante, em Portugal, da seguradora francesa, o Sr. Juiz manteve o despacho referido em m);
p) Nada requereu a A., quanto ao referido no despacho;
q) Entendeu, então, o Sr. Juiz que estava a tempo de conhecer da ilegitimidade, que a A. não fez prova de que a R. fosse legal representante da seguradora francesa e, consequentemente, absolveu esta da instância.

V –
Não se questiona – atento o disposto nos art.ºs 494º, e) e 495º do CPC – que o Sr. Juiz podia e devia conhecer oficiosamente da legitimidade.
Não se questiona também o entendimento do Magistrado na parte em que considerou estar a tempo de conhecer dela. Nos termos da parte final do nº2 do art. 484º do CPC, tinha que proferir sentença. Não havia decisão anterior que tivesse conhecido dos pressupostos processuais e era então a altura oportuna para o fazer.

VI –
Mas esse conhecimento tinha uma vinculação anterior, consistente em dever atender a que os factos alegados pela A. deviam ser tidos como provados.
Nem havia que atentar já no nº1, parte final, daquele artº484º. Tinha sido proferido, entretanto, um despacho que assim decidira, fazendo, porque não impugnado, caso julgado (cfr-se a alínea f) do número IV).

VII –
Que factos eram esses, constitui o cerne do nosso recurso.
Já vimos que a A. alega que a ré era legal representante da seguradora francesa e que a mesma ré já havia aceite a responsabilidade do seu segurado pela produção do presente sinistro.

Temos aqui, afirmações que não são isentas de dúvidas sobre se se situam no plano factual ou já jurídico. Ou, atento o que aqui nos interessa, se se devem considerar “confessadas” ou se escapam, pela sua natureza jurídica, à confissão.

Numa primeira análise, a expressão “legal representante” é jurídica. Todos sabemos o significado da palavra “legal” e não ignoramos que a “representação” é um instituto jurídico.
Mas, se bem a integrarmos em todo o contexto em que surge, vemos que não era de exigir à A. a decomposição em factos duma realidade perceptível perfeitamente pelo cidadão comum sem formação jurídica. Por outra palavras, as expressões encerram em si também conceitos vulgares.

Nos termos do art. 66º nº1 do DL nº94-B/98, de 17.4., as empresas de seguros que pretendam, em Portugal, cobrir riscos, deverão comunicar ao ISP o nome e a morada de um representante residente habitualmente em Portugal.
Neste quadro, quem tiver um acidente em Portugal a indemnizar por seguradora estrangeira, perguntará se ela não tem aqui “representante”. Tendo-o, este assumirá tudo em lugar dela. Isto é sabido pelo comum dos cidadãos, sem entrar em pormenores jurídicos sobre o que é a representação.
No fundo, estamos no mesmo plano das palavras “comprar“, “vender”, “emprestar”, “pagar”, etc., que, não podendo, como não podem, ser afastadas da invocação factual, devem ser atendidas e conferir-se-lhes o sentido vulgar (veja-se, prof. Manuel de Andrade, NEPC, 187).
No caso presente, é fácil constatar a relevância do que vimos dizendo se atentarmos no que a A. tinha de alegar para invocar de modo “puro” os factos que integram a representação: que, em tal dia, entre a seguradora francesa e a R. foi efectuado um acordo com as cláusulas tal e tal, que A R. comunicou ao ISP, etc.
Com tal preocupação de “pureza” estaríamos afinal a gongorizar as peças processuais e a encaminhar o Direito para o que ele não deve ser (pelo menos nos Tribunais). Repare-se que estas informações estão ao alcance do cidadão comum através do Gabinete Português da Carta Verde e este informa, com toda a simplicidade, como se pode ver de folhas 100, que a R. “é representante da seguradora estrangeira”.
A A. pretende saber apenas se recebe alguma coisa por causa do acidente e, na hipótese afirmativa, quanto e o tribunal andaria de diligência em diligência a saber os contornos fácticos que, após longo labor, lhe permitiam dizer que a R. é representante da seguradora francesa.
No caso presente até a realidade judicial seria ainda mais gravosa. Se se considerasse a expressão “legal representante” apenas como jurídica, faltariam factos e o malogro da acção era evidente. E, para evitar isso, a A. teria que considerar a referida informação do GPCV insuficiente e, com probabilidade, de se deslocar a França para saber junto da seguradora os contornos dos factos integrantes da “representação” que teria de carrear na acção a intentar. Se ela lhos revelasse.
Nem nos impressiona a palavra “legal” porque perfeitamente dispensável face ao comando do dito nº1 do art. 66º.

VIII –
Do que vimos expondo resulta que consideramos assente que a R. é representante da A. para efeitos de ser demandada e pagar a indemnização em causa.

IX –
Mas, para além disso, há a ter em conta que ela aceitou a “responsabilidade do seu segurado pela produção do presente sinistro” (al. c) do artº21º da p.i.).
O segurado não o era da R. mas da seguradora francesa.
Porém, entende-se bem o que a A. quis dizer e o que quis dizer encerra sem dúvidas a ideia de que a R. aceitou o vínculo de representação que agora vem pôr em causa.

X –
Esta aceitação está bem expressa nos documentos que a A. juntou a folhas 58 e 59 e que se referem na alínea j) da enumeração feita sob o nº IV.
E, com ela, conjugada com a credibilidade que a A. revela – e que qualquer pessoa acolheria – temos que a posição da R. assumida no sentido de negar o vínculo representativo, traduz um abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, violando o art. 334º do CC.
O que é de conhecimento oficioso, mesmo em sede de recurso.

XI –
Não existe, assim, por aqui, motivo para deixar de conhecer do mérito da causa. A R. é parte legítima.

Inexistem outras razões para deixar de se chegar a tal conhecimento, já que:
O tribunal é competente em razão da matéria e da nacionalidade. E, atento o disposto no art.º 753º, n.º1 do CPC, este tribunal da Relação é também competente em razão da hierarquia para proferir a apontada decisão de mérito.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária. Estão devidamente representadas.
A A. também é parte legítima.
Não há nulidades ou outras excepções que importe conhecer.

Assim, passamos ao conhecimento de mérito.

XIII –
Nos termos do n.º2 daquele artº 753.º, as partes produziram alegações.
A A. insiste pelo provimento do recurso sobre a legitimidade e sustenta a condenação da R. no pedido.
Esta defende que:
A idade a ter em conta como previsível cessação da vida laboral activa da A. é de 65 anos e não de 75;
É exagerada a quantia peticionada a título de danos não patrimoniais.

XIV -
Conforme já acima se referiu, foram considerados confessados os factos articulados pela A., sendo certo que nada se interpõe entre a confissão e a consideração de tais factos como provados.

São eles os seguintes:

1- No dia 22 de Agosto de 2002, cerca das 10,30 horas, na Estrada Nacional n° .., no interior da ........., circulava o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula francesa n° .........., conduzido pelo seu proprietário E.........., residente em ............. – França;
2- quando ocorreu um acidente de viação;
3- em que foram intervenientes esse veículo automóvel e a A. B.........;
4- O veículo automóvel circulava no interior da .........., no sentido de ......... para .........., a uma velocidade superior a 60 Km/hora, e ao chegar à passadeira que existe no local junto à Sapataria F.........., foi atropelar a ora A.;
5- que na altura atravessava a passadeira, e foi colhida nas pernas, com a parte lateral da frente direita do automóvel;
6- O veículo ficou com a roda da frente em cima do pé esquerdo da A., tendo na altura a filha da A., vendo esta caída e com o rodado em cima do pé, chamado por várias vezes a atenção do condutor do veículo atropelante, para fazer marcha atrás.
7- O E.......... fez ligeira marcha atrás, não saiu sequer do automóvel para socorrer a A., e seguiu, só parando depois bastante mais à frente.
8 - Na altura quem socorreu a A., foi uma senhora que estava no local, e vendo que a A. não podia levantar-se, nem andar, nem manter-se de pé, pediu uma cadeira para que a A. se sentasse,
9 - Até que fosse transportada, como foi, para o Hospital Distrital de .......... pelos Bombeiros Voluntários do ........... .
10 - A estrada no local do acidente configura uma ligeira recta, existindo no referido local uma passadeira assinalada na faixa de rodagem para travessia de peões;
11 - Sendo a largura da faixa de rodagem de 6 metros e 30 centímetros, sendo que o veículo atropelante circulava dentro da localidade do .......... por uma via marginada por edificações;
12 - O condutor do veículo seguia totalmente distraído, não votando qualquer atenção à sua condução e ao trânsito de peões na referida passadeira;
13 - O ter embatido com a frente direita nas pernas do peão, deve-se ao facto de não ter sequer travado ou parado,
14 - A responsabilidade civil por acidentes de viação, causados pelo veículo tinha sido transferida através da apólice n° ................. para a seguradora francesa D........ de que a ora R. C.........., SA é legal representante em Portugal;
15 - Mercê do atropelamento de que foi vítima, a A. sofreu diversas e graves lesões a nível de toda a perna esquerda (prato tibial externo do joelho esquerdo, com o fundamento fractura do I.º metatarsiano E, fractura da base do V.º metatarsiano D, deformidade em valgo do joelho E mais rigidez do joelho esquerdo, com diminuição da flexo-extensão do joelho, com fracturas a nível do joelho esquerdo, tíbia esquerda e pé esquerdo, com acentuada limitação da mobilidade;
16 - A A. era uma pessoa perfeita e saudável e que se deslocava sem dificuldades, o que após o atropelamento já não se verifica.
17 - Em resultado do acidente de que foi vítima, teve a A. avultados prejuízos que ao deante se descrevem:
18 - Em 27/8/02, a A. despendeu € 12,50 num par de canadianas articuladas com punho macio (doc. n° 2. que se junta);
19 - Por via do atropelamento e dado o facto da A. estar impedida de se pôr em pé, e portanto impedida de poder cozinhar, despendeu durante o período de 30/8/02 a 30/9/02, a quantia de € 480,00;
20 - Em medicamentos a A. despendeu a quantia de € 75,57;
21- Em 3/09/02 a A. despendeu em transportes, de ......... para ........., a quantia de € 8,00;
22- Em 30/9/02, a A. despendeu na G.N.R., pela obtenção de certidão do seu acidente, a quantia de € 6,40;
23 - Em 30/9/02, no transporte de ambulância do ......... para ........, a A. despendeu a quantia de € 8,00;
24 - Dado o facto de estar impedida de poder cozinhar, a A. durante o período de 30/9/02 a 15/10/02, despendeu no Restaurante G........., em almoços, a quantia de € 192,00;
25 - Na H........., a A. despendeu em 2 lentes e respectiva armação, a quantia de € 190,68 ;
26 - Em 24/10/02, no transporte de ambulância do .......... para o Hospital de ........, a A. despendeu a quantia de € 8,00;
27 - Durante o período de 16/10/02 a 30/10/02, a A. despendeu em almoços, a quantia de € 192,00 ;
28 - Em despesas de correio, a A. gastou a quantia de € 2,75;
29 - A A. despendeu na Lavandaria "I..........", a quantia de € 57,41 (doc. n° 15), devido ao facto de estar impossibilitada de poder lavar a roupa.
30 - Em 4/12/02, a A. no transporte de ambulância de ......... para ........., despendeu a quantia de € 8,00;
31 - Em consulta de ortopedia na Clínica de Reabilitação J.........., a A. despendeu a quantia de € 150,00;
32 - Em deslocações às consultas no Hospital de .........., respectivamente em 14/10/02, 25/II/02, e 17/03/02, a A. despendeu a quantia total de € 24,00;
33 - Na compra de um par de sapatos, em virtude dos que usava na data do acidente terem ficado danificados, a A despendeu a quantia de € 45,00;
34 - Em resultado do atropelamento, ficou a A. com várias marcas e sequelas, devido a várias fracturas sofridas e com afundamento do prato tibial e fractura externa do joelho esquerdo;
35 - Tendo ficado com grande limitação da mobilidade e muita dificuldade em caminhar.
36 - Aliás, por via do acidente, a A. esteve internada 7 dias (de 22/8/02 a 29/8/02), politraumatizada, no Hospital Distrital de .........., sem se poder mexer e onde foi submetida a várias cirurgias no joelho, na tíbia e no pé da perna esquerda;
37 - Devido a traumatismos vários no joelho esquerdo e pé esquerdo, com escoriações locais;
38 - Sofreu fractura do prato tibial externo e fractura do metatarso do pé esquerdo, tendo feito tala gessada e ficou internada no referido Hospital Distrital de ..........;
39 - Dada a dificuldade que continuou a sentir em poder movimentar-se, a A. consultou então 2 médicos da especialidade de Ortopedia, no sentido de obter opiniões relativamente ao seu estado clínico, pois continua a ter dores horríveis e grande dificuldade em poder mover-se;
40 - Em resultado do atropelamento, a A. sofre incapacidade parcial permanente de, pelo menos, 0,24% e tem bastantes dificuldades em se mover;
41 - Apenas podendo fazê-los por curtos espaços e por pouco tempo, e a maioria das vezes com o auxílio, de início através de canadiana e actualmente com o auxilio de uma bengala.
42 - A A. tem igualmente dificuldades actuais de se vestir e calçar, necessitando do auxilio do marido;
43 - Por outro lado, a A antes do atropelamento em causa, não obstante ter 63 anos, tinha um aspecto mais jovem, não aparentando mais de 50 anos de idade;
44 - Era perfeitamente saudável, e tinha por hábito diário dar passeios a pé com o marido, sendo que da sua residência ao centro do .......... distam cerca de 500 metros, numa rua bastante inclinada, que a A. subia perfeitamente, o que actualmente não pode fazer;
45 - De igual forma, a A., que era, e é doméstica, movimentava-se perfeitamente, cozinhando, lavando a roupa, fazendo a cama, e demais lides da casa;
46 - O que actualmente se vê impossibilidade de fazer, e o pouco que agora pode fazer como dona de casa, é feito com bastantes dificuldades e muitas dores;
47 - A A. por via do atropelamento sofrido teve necessidade de ser internada, ser submetida a várias cirurgias na perna esquerda, de ter tido um total de 8 consultas externas no Hospital Distrital de .........., e consultas particulares em médicos ortopedistas;
48 - sendo que, continua a ter necessidade de futuras consultas no Hospital Distrital de .........., tendo uma marcada para 23/6/2003;
49 - A A. sofreu e continua a sofrer dores horríveis em toda a perna esquerda;
50 - tendo muitas dificuldades em se movimentar e se poder deslocar;
51 - Por via do atropelamento, a A. sofreu dores e foi muito afectada psicológica e moralmente, não só quando esteve internada durante 8 dias no Hospital Distrital de .........., mas também actualmente e desde a data do atropelamento (22/8/2002);
52 - A A. ficou com muitas limitações em poder caminhar e movimentar-se, como antes do atropelamento fazia, tanto mais que apresenta actualmente uma diferença de 1 cm na perna esquerda, relativamente à perna direita;
53 - Facto que causa à A., não só grandes preocupações, angústia e graves traumas psicológicos e também complexos de ordem social, por actualmente ter de mancar para se deslocar, ao que acresce grande frustração e até vergonha, em termos estéticos, uma vez que é perceptível a actual deficiência física que tem na perna esquerda.

XV –
A A. foi atropelada na passadeira, por um veículo que por ali circulava a velocidade superior a 60 km/h.
Violou, assim, o condutor deste as disposições, quer do art.º27º, quer do art.º25.º, n.º 1 a) do Código da Estrada.
Esta conduta contravencional foi – não há dúvidas – causa adequada do acidente, de sorte que aquele foi culpado da verificação do mesmo.
Nada do comportamento da A. ou mesmo estranho a ela concorreu para este.
Assim, o E.......... foi o único culpado.

XVI –
Verificada a culpa e não havendo duvidas sobre a verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil, temos a obrigação de indemnizar, prevista no art.º 483º do CC.

XVII –
Esta obrigação de indemnizar abrange os prejuízos havidos pela A. que estejam dentro dos limites traçados pela relação de causalidade adequada.
Na enumeração dos prejuízos quantificados, vê-se que a maioria se impõe, a nível de tal relação de causalidade, pela evidência. Mas alguns há – como as lentes e respectiva armação e, bem assim, as despesas de correio – em que não surge em primeira linha essa evidência.
Cremos, no entanto, que, em todo o contexto da alegação da A., devemos entender estas despesas como emergentes do acidente. Tendo como alegação implícita – e a alegação implícita deve ser tida em conta (prof. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 676, nota de pé de pág. e, entre outros, os Ac.s do STJ de 3.2.99, no BMJ 484, 384 e da RC de 28.3.2000, na CJ, XXV, 2, 31) – que a A. terá ficado com os óculos partidos no acidente e que terá de ter feito as despesas de correio por causa deste.
Deve ela, pois, ser ressarcida, por aqui relativamente à quantia peticionada de 1.460 euros.

XVIII – 1
Quanto à IPP, o artº566º, n.º3 do CC remete-nos para a equidade na fixação da indemnização.
No preenchimento deste “iter” tem-se fixado a jurisprudência no critério consistente em encontrar um capital que de rendimento (por regra, juros) e dele próprio proporcione o que deixou de se auferir efectivamente ou o que teoricamente deixaria de se auferir, atenta a IPP, e se extinga no fim presumível de vida activa do lesado.
Não podia este critério ser aplicado sem ponderáveis do caso concreto, pois, de outro modo, estaríamos a trair a lei que aponta para a equidade.

XVIII - 2
Mas – já o referimos noutros arestos - este critério tem, a nosso ver, um flanco muito vulnerável à crítica e que vamos abordar por entendermos que desta abordagem alguma coisa “respiga” de interesse para o nosso caso.
É que, com ele, a jurisprudência (e não a lei, pelo menos directamente) enveredou por um caminho altamente discriminatório entre quem ganha pouco e quem ganha muito.

Expliquemo-nos:
Nos casos de IPP pode acontecer que:
O lesado veja diminuída a sua capacidade de ganho efectiva (o que é muito raro salvo nas incapacidades de grau muito elevado);
O lesado não veja diminuídos os seus proventos.

No primeiro caso, há que ressarcir os prejuízos (ainda que em grande parte futuros) que o juiz tem diante dele. São bastante concretos e nada há a dizer sobre o seu cálculo em correspondência com a realidade.

Mas no segundo o juiz ficciona.
Não há prejuízos efectivos. A capacidade de trabalho foi afectada, mas o montante auferido mantém-se.
A Jurisprudência tem entendido que, mesmo nestes casos, deve haver indemnização, quer porque o trabalhador se esforça mais para trabalhar (esta parte inclui-se nos danos não patrimoniais), quer porque vê diminuída a sua valorização no mercado de trabalho.

XVIII – 3
Nestes últimos casos, importaria distinguir:
A incapacidade para o trabalho com incidência profissional;
A Incapacidade de trabalho geral.

Havendo incidência profissional determinada, ainda se poderiam aferir os prejuízos prováveis a partir do montante da remuneração laboral auferida pelo lesado.

Mas, se se tratar de incapacidade de trabalho geral, entendemos que, com alguma dificuldade, se poderá encontrar um montante equitativo a partir de tal vencimento, usando o mencionado critério.

XVIII – 4
A questão tem particular acutilância porquanto a maioria das indemnizações fixadas em tribunal por IPP (não tratamos aqui do caso dos acidentes laborais) se incluem neste últimos capítulo: trata-se de incapacidades de trabalho geral sem reflexo na capacidade de ganho concreta.
E é agravada porquanto a nossa TNI (feita a pensar nos acidentes de trabalho e, por isso, com intuito de proteger o trabalhador) não só raramente distingue a incapacidade com incidência laboral específica da geral, como contém imensas realidades que, em boa verdade, nem traduzem qualquer diminuição de capacidade de trabalho.

Juntando todo este “puzzle” chegamos à conclusão de que a nosso jurisprudência civil, na grande maioria das vezes em que fixa indemnizações por IPP, socorrendo-se do critério que referimos, distingue com uma violência inusitada quem ganha mal de quem ganha bem, beneficiando estes em detrimento daqueles.
Se um trolha ou um médico especialista perderem, p. ex., alguns dos dedos dos pés, e continuarem a trabalhar como dantes – como é claro que continuam – receberá este – pela IPP – cerca de dez vezes mais do que aquele.

XVIII – 5
A necessidade de reponderação desta posição da jurisprudência portuguesa nota-se com mais acutilância se comparada, por exemplo, com o que se passa em Espanha.
Como é sabido, consagrou-se com a lei 30/95 de 8.11 o sistema de “baremo” relativo às indemnizações emergentes de acidentes de viação com veículos a motor que já vinha assumindo foros de realidade no plano administrativo.
Existem, assim, tabelas que muito resumidamente e no que aqui nos interessa se caracterizam pelo seguinte:
De acordo com as sequelas permanentes e utilizando a tabela publicada, é atribuído ao lesado um certo número de pontos.
Depois esses pontos multiplicam-se pelos valores constantes de outra tabela, que variam em função da idade.
Sobre o montante encontrado, haverá um aumento percentual que pode ir de 10 a 75% de acordo com o vencimento do mesmo lesado.
Pode haver outros acrescentos de acordo com outros factores (nomeadamente o grau de incidência profissional da incapacidade), mas a relevância do vencimento auferido situa-se apenas no acrescento entre os dez e os 75% do valor inicialmente encontrado.
Ou seja, no exemplo que demos em XVIII - 4, a indemnização ao médico não ultrapassaria a arbitrada ao trolha em mais de 65% do valor, igual para ambos, inicialmente encontrado.
Realidade bem diferente dos 1000% portugueses (incidentes até sobre o valor final a arbitrar ao trolha) que referimos a propósito de tal exemplo.

Como bem diferente do que se passa entre nós será ainda – estamos seguros – o resultado da harmonização na União Europeia dos regimes indemnizatórios relativos a vítimas de acidentes de viação, que se perspectiva no horizonte.

XIX –
De qualquer modo, sem perdermos de vista estas considerações, fixemo-nos no mencionado critério.
Não se tendo provado que a A. auferisse vencimento, mas também nada se tendo provado que a afastasse, ao tempo do acidente, da vida laboral activa, temos de nos arrimar ao salário mínimo nacional.
Normalmente tem-se como fim da vida activa laboral a idade de sessenta e cinco anos.
Decerto que muitos trabalham para além de tal idade, para mais nos tempos que correm em que, acelerada e felizmente, têm aumentado, não só o tempo de vida como a manutenção de saúde que permita uma vida activa. Mas esse trabalho, para além dos 65 anos, se não afastado pelas condições de saúde, é-o pelo normal da vida, pelo direito que o cidadão tem de descansar quando atinge aquele número de anos. E tanto assim é que o próprio DL n.º329/93, de 25.9 (De Protecção na Invalidez e Velhice) toma, no art.º 22º, como referência – ainda que elástica – a idade de 65 anos para a atribuição da pensão por velhice. Idade que foi tida, também como referência – para citarmos só os mais recentes – nos Ac.s do STJ de 14.10.2004 (Cons. Araújo de Barros), 1.4.2004 (Cons. Ferreira de Almeida) e 5.2.2004 (Cons. Salvador da Costa), todos com texto em www.dgsi.pt.
Neste quadro, por escapar à normalidade, já caberia à autora alegar e demonstrar factos que levassem o tribunal a concluir que ela trabalharia ou, pelo menos, estaria disponível para o mercado de trabalho, depois daqueles 65 anos. Não preenche tal alegação a simples referência aos 75 anos que é feita no art.º 60.º da petição inicial.

XX -
Tendo como correcta a idade de 65 anos, temos que o capital a encontrar se há-de ter como extinto no prazo de dois anos.
O smn era, em 2002, de € 348,01 por mês.
A IPP é de 24 %. Decorreu ano e meio desde o acidente até a A. perfazer 65 anos.
Temos, assim, um prejuízo, arredondado, de €1503.
Pouco relevando o rendimento do capital, mas tendo em conta o que deixámos dito em XVIII, fixamos por aqui a indemnização de € 1400 euros.

XXI –
Passemos agora aos danos não patrimoniais.
A A. pede 26.000 euros de indemnização.
Olhando para os acórdãos de 14.10.04 e de 5.2.04, referidos em XIX (e não referindo outros para não nos alargarmos em citações)vemos que tal quantia peca por exagero. Os casos ali apreciados – principalmente devido à idade dos lesados - eram mais graves e não se foi além do correspondente a 5 milhões de escudos.

XXII –
Aliás, existe um pouco a ideia de que as indemnizações portuguesas, nomeadamente por danos não patrimoniais, ficam muito aquém das vulgares na União Europeia e isso não é verdade.
Se atentarmos no que se passa, por exemplo, no maior país da União (e que é facilitado pela publicação duma compilação – com nova edição de actualização todos os anos - das decisões dos tribunais, em matéria de indemnização por danos não patrimoniais, a “Schmerzensgeldbeträge” [Que, aliás, não é única. Andreas Slizyk vem publicando também a sua “Schmerzensgeld –Tabelle Von Kopf bis Fuss”, de muita utilidade]), vemos que não há razões para ficarmos com complexos da nossa pequenez.
Assim, em tal obra e entre muitas, atentámos nas seguintes decisões:
De 18.12.1989, do OLB [Oberlandesgericht, o correspondente, “grosso modo” ao nosso Tribunal da Relação] de Koblenz:
Soldado com fractura da tíbia, com 4 estadias em hospital (de 3 semanas, duas de duas semanas e meia e a quarta de dez dias e duas intervenções cirúrgicas). Impossibilidade de continuação no desempenho das suas funções …. 16.000 DM (8.000 euros) de indemnização.
De 9.3.2000, do OLB de Stuttgard:
Futebolista com fractura exposta da tíbia, 2 estadias em hospital, no total de 4 semanas e duas intervenções cirúrgicas. Incapacidade para o trabalho a 100% durante seis meses e meio…. 25.000 DM (12.500 euros) de indemnização.
De 14.12.1987 do LG [Landgericht, correspondente muito “grosso modo” ao nosso Tribunal de Círculo] de Giessen:
Fractura da tíbia, com diminuição de 1/3 da capacidade de uso da perna, correspondendo a 25% de IPP. Possível agravamento da situação com o decorrer do tempo………30.000 DM ( 15.000 euros) de indemnização.
De 2.10.96 do LG de Chemnitz:
Jovem com fractura exposta da tíbia com ancilose do tornozelo. Cinco estadias em hospital, no total de cerca de 15 semanas, quatro intervenções cirúrgicas, risco de amputação, transplantação de pele, perna direita mais curta 2 centímetros e 30% de IPP. Impossibilidade de grandes percursos a pé e limitação quanto aos seus hobbys (ténis, futebol, dança e ciclismo). Necessidade de adiamento do exame final do ensino secundário ………. 40.000 DM (20.000 euros).

XXIII –
A A. teve fracturas do joelho, da tíbia e do pé. Ficou com sequelas de monta, com repercussão psíquica perfeitamente compreensível. Sofreu muito, como é normal, neste tipo de ferimentos. Já tinha 63 anos , mas era saudável, com boas possibilidades de mobilidade que usava no seu dia-a-dia, nomeadamente em passeios. Subia perfeitamente a rua onde mora e agora já o não pode fazer. Tem dores muito intensas.
Tudo ponderando, cremos como adequada a indemnização de € 20.000.

XXIV –
Todas as parcelas indemnizatórias fixadas têm como referência o valor monetário ao tempo da citação, pelo que nada obsta a que se concedam juros de acordo com o determinado no n.º3 do art.º 805.º do CC. Cuja taxa é a da Portaria n.º 291/2003, de 8.4.

XXV –
Nesta conformidade, face a todo o exposto supra:
Concede-se provimento ao agravo, julgando-se a R. parte legítima;
Condena-se esta a pagar à A. vinte e dois mil, oitocentos e sessenta euros, acrescidos de juros, à taxa de 4% ao ano, desde a citação até pagamento.
Absolve-se a mesma do demais pedido.

O agravo fica isento de custas, nos termos do art.º 2º, n.º1 g) do Código das Custas Judiciais.
As custas da acção serão pagas por A. (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário) e pela R. na proporção do vencimento e decaimento.
Porto, 16 de Dezembro de 2004
João Luís Marques Bernardo
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida