Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0332822
Nº Convencional: JTRP00032639
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: CENTRO COMERCIAL
Nº do Documento: RP200306050332822
Data do Acordão: 06/05/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 5 V CIV PORTO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: .
Decisão: .
Área Temática: .
Legislação Nacional: CCIV66 ART405 ART219.
Sumário: I - Para que haja contrato de instalação de lojistas em centro comercial é necessário que exista a prévia constituição de nova unidade global que é o centro, e que os lojistas, ao explorarem a loja que lhes é entregue, a pretendam integrar nessa organização unitária.
II - A um complexo constituído por supermercado e cinco lojas, apesar de não possuir aquele conjunto integrado e complementaridade, pode ser aplicado o regime dos lojistas em centro comercial
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Em 99.01.18, no Tribunal Cível da Comarca do ........., P.......... deduziu a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra P.........., L.da

pedindo
que seja declarada válida a denúncia do contrato e a Ré condenada a restituir imediatamente à autora a loja referida, livre e devoluta, ou subsidiariamente a pagar à A a quantia de 4.253.904$00 a título de indemnização pelo atraso na restituição da loja, ou subsidiariamente a pagar à A o dobro da quantia que for devida nos termos do art. 1045° n° 1 do Código Civil , caso proceda o pedido principal e a Ré não restitua a loja no prazo que vier a decorrer da sentença condenatória

alegando
em resumo, que
- por escritura de trepasse de 93.12.20, outorgada entre I.........., S.A. e a A, esta passou a explorar o estabelecimento comercial referido nos autos, onde funciona um Centro Comercial, compreendendo um supermercado, várias lojas, parques de estacionamento e estruturas de apoio e complementares;
- as lojas foram objecto de cedência a lojistas especializados, entre os quais a Ré, por carta-acordo segundo a qual a Ré passou a explorar uma loja de plantas e flores a partir de 94.02.01, mediante a renda mensal de 110.859$00, por um ano prorrogável por iguais períodos até ao limite de cinco anos;
- a autora endereçou uma carta à Ré informando-a de que era sua intenção não renovar o contrato, deixando o mesmo de produzir efeitos a partir de 96.02.01;
- a Ré não entregou a loja e desde 96.01.31 não paga qualquer contrapartida

contestando
e também em resumo
a Ré alegou que
- existe entre as partes um contrato de natureza arrendatícia, que configura um contrato-promessa;
- a loja em questão não se integra num Centro Comercial;
- não houve cessão de exploração porque o negócio versou sobre um espaço vazio;
- concluindo que é inexistente e ineficaz a pretensa denúncia ou resolução contratual pela A.

reconvindo
pediu a condenação da autora a
- reconhecer que o acordo celebrado entre esta e a ré, datado de 94.03.27 integra um contrato-promessa de arrendamento comercial, a reger-se pelo disposto nos arts. 410° ss do Código Civil , com antecipação dos efeitos do contrato definitivo, atenta a passagem da Ré ao gozo imediato do objecto do contrato, com o pagamento da correspondente retribuição a que, por efeito da conversão, deverão aplicar-se as regras próprias dos arrendamentos, de acordo com o regime vinculístico previsto no RAU, bem assim pelo regime geral da locação civil, pelo que apenas denunciável ou resolúvel nos termos da lei;
- ou, a não ser entendido, um contrato atípico, a reger-se pelas normas dos contratos típicos afins, bem como pelas regras gerais das obrigações;
- a declarar-se o incumprimento pela A da sua obrigação emergente do contrato em apreço, na celebração do contrato prometido, que deverá ser de arrendamento comercial, decretando-se a sua execução específica, em substituição da declaração negocial da faltosa, nos termos do art. 8° RAU, e assim considerado realizado um contrato de arrendamento para comércio

alegando
para o efeito que, como se trata de um contrato promessa de arrendamento não existe fundamento para a resolução, não tendo a A. cumprido a promessa a que estava obrigada de celebrar o contrato prometido pelo que assiste à Ré o direito de recorrer à execução específica

A A. apresentou réplica, respondendo à matéria das excepções, e à matéria da reconvenção, concluindo pela sua improcedência.

Foi apresentada tréplica pela Ré, tendo concluído por aditar ao n° 4 do seu pedido reconvencional , o seguinte teor: o qual, sendo a A. arrendatária comercial do respectivo imóvel, será de subarrendamento, nos termos dos arts. 1060° ss do Código Civil e arts. 44°e ss do Regime do Arrendamento Urbano.
Por despacho de fls.105, datado de 00.04.13, foi admitida a intervenção provocada de Im........, S.A. como associada da autora, requerida por esta.

Inconformada, a ré deduziu agravo, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

A autora contra alegou, pugnado pela manutenção do despacho recorrido.

Ao recurso foi fixado o efeito devolutivo a subida com posteriores agravos.

Tendo sido citada a chamada, esta ofereceu o seu articulado a fls. 109 a 111, alegando que é a proprietária da fracção autónoma onde funciona o alegado estabelecimento comercial, e que a Ré não tem título para ocupar a loja n° .., sendo que o contrato sempre seria nulo por falta de forma, pelo que conclui pedindo que a Ré seja condenada a reconhecer o seu direito de propriedade sobre a loja que ocupa e a desocupá-la e entregar-lha livre de pessoas e coisas .

A Ré veio deduzir oposição, alegando que carece de qualquer fundamento o pedido de nulidade do contrato uma vez que actualmente tais contratos apenas estão sujeitos a forma escrita, por força do DL n° 64-A/2000 de 22-4, pelo que conclui pela improcedência do pedido formulado pela interveniente.

A interveniente apresentou réplica, alegando o princípio da não retroactividade da lei dado que as leis que dispõem sobre os requisitos de validade só se aplicam a factos novos, e a não conversão do contrato em contrato promessa de arrendamento.

Proferido despacho saneador, fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Em 02.11.21 foi proferida sentença do seguinte teor:
Julgo totalmente procedente, por provada, a presente acção e, consequentemente condeno a Ré a restituir imediatamente à A e Interveniente a loja dos autos, livre e devoluta, reconhecendo o direito de propriedade da Interveniente sobre tal loja, e a pagar á A a quantia de 4.253.904$00 ou e 21.218,38, a título de indemnização pelo atraso na restituição da loja, e a pagar à A o dobro da quantia que for devida caso não restitua a loja no prazo que decorra da presente sentença.

Inconformada, a R. deduziu a presente apelação, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

A autora contra alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:
do agravo
A) – se não devia ser admitida a intervenção da sociedade Im.........., S.A.;
da apelação
B) – se a loja em causa se encontra instalada num centro comercial e
se o contrato realizado entre a autora e a ré se pode classificar como de arrendamento comercial;
C) – se a denúncia do contrato feita pela autora não era admissível

Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados na 1ª instância, assinalando-se com letras os tidos como assentes e com números os provenientes das respostas aos quesitos:
- a interveniente é dona e legitima possuidora da fracção autónoma correspondente à letra B do prédio urbano sito na Rua ........., ... a ..., na Rua ........., ... a ... e R. ..........., ... a ..., da freguesia de ............, concelho do ........., descrito na ..ª Conservatória do Registo Predial do .........., sob o n° ......., a fls. 27 do Livro ......., inscrito na respectiva matriz sob o n° 6575, composto por um estabelecimento comercial com 3 pisos---al. A);
- advindo-lhe essa fracção por lhe ter sido vendida por escritura de 27 de Março de 1996, celebrada no ..° Cartório Notarial do ........., pela sociedade S............, Lda, que por sua vez o adquirira ao Fundo de Investimento Imobiliário .........., que antes o arrendara à sociedade I............., S.A. em 02-6-1993---al. B);
- por escritura pública de trespasse, outorgada entre I............, S.A. (na qualidade de proprietária e trespassante) e a aqui Autora (na qualidade de trespassária), em 93.12.20, esta passou a explorar o estabelecimento comercial instalado e em funcionamento naquela fracção autónoma---al. C);
- nessa fracção daquele prédio encontra-se construído e em funcionamento um complexo comercial, compreendendo um supermercado, várias lojas (integradas em ramos de comercio especifico)--al. D);
- lojas essas que foram objecto de cedência a lojistas especializados---al. E);
- a A e a R subscreveram a "carta-acordo" de fls. 24, pelo qual a A se comprometeu conceder à R, para o ramo de comércio de plantas e flores, com exclusão de outro qualquer, pelo prazo de um ano, a começar em 94.02.01, renovável por iguais períodos, até ao limite máximo de cinco anos, a Loja n° .., sita na Rua .........., nºs ... a ..., no .........., mediante o pagamento de 110.859$00, acrescido de IVA (16% )---al. F);
- a qual, actualizável nos termos acordados, por aplicação dos coeficientes para os arrendamentos comerciais, foi em Fevereiro de 1995 aumentada e actualizada para a quantia mensal de 118.164$00---al. G);
- nos termos do referido acordo, a R pagaria à A uma quantia equivalente a duas mensalidades, a título de prestação de serviços---al. H);
- em caso de denúncia do acordo, a mesma deveria ser feita com uma antecedência mínima de noventa dias---al. I);
- nos termos do referido acordo, a A expressou à R que “aguardando as vossas prezadas notícias, no sentido de podermos marcar uma data para a celebração do contrato de promessa de cessão de exploração"---al. J);
- "e que é da vossa inteira responsabilidade, todos os licenciamentos e alvarás que eventualmente possam estar dependentes de obtenção"---al. K);
- a R passou a explorar a loja n° 5 a partir de 94.02.01, para o comércio de plantas e flores, pagando a respectiva renda---al. L );
- em 25-10-95, a A endereçou uma carta para a sede social da R, informando-a de que era sua intenção não renovar o acordo de cedência do estabelecimento supra citado, a partir de 96.02.01---al. M);
- por carta datada de 95.11.29, a A solicitou à R que, até 96.01.31 entregasse as chaves da loja ao gerente do supermercado P........ sito na mesma área comercial da loja da R---al. N);
- o que a Ré não fez---al. O);
- continuando a ocupar e a exercer a sua actividade naquela loja---al. P);
- sem prestar qualquer contrapartida à A---al. Q);
- e recusando-se a devolvê-la à A---al. R);
- a A. e R, não estipularam qualquer indemnização devida por atraso de restituição do espaço cedido, em caso de cessação da relação contratual---al. S);
- incumbe à A prestar os serviços de limpeza, segurança e promoção do complexo comercial referido na alínea D), tendo efectivamente implementado e prestado serviços de limpeza, segurança, electricidade e água---resp. quesitos 6° e 7°;
- a loja da R e as demais lojas beneficiam da existência do supermercado da A naquela área comercial---resp. quesito 10º;
- como do suporte publicitário da autora afixado no exterior---resp. quesito 11°;
- atraindo o estabelecimento da A um volume de clientes superior aos das restantes lojas---resp. quesito 12°;
- a loja da Ré e algumas das demais não abre ao Domingo---resp. quesito 13°;
- abrindo o supermercado da A nesses dias---resp. quesito 14°;
- a área bruta dessa área comercial totaliza 3.219 m2---resp. quesito 17°;
- tem cinco lojas---resp. quesito 18°;
- o estacionamento das viaturas no parque próximo é pago---resp. quesito 21°;
- sendo explorado por uma empresa que cobra o aparcamento---resp. quesito 22°;
- a loja da R confronta a sua montra com o passeio da Rua .........---resp. quesito 24°;
- o facto referido no quesito 24° constitui um atractivo para a própria loja---resp. quesito 26°;
- não dispondo nela a A de uma única peça, adorno ou utensílio que seja seu---resp. quesito 28°;
- a A nunca marcou a escritura---resp. quesito 37°;
- a R fez investimentos no espaço objecto do acordo---resp. quesito 39°;

Os factos, o direito e o recurso

A - Vejamos, então, como resolver a primeira questão.

No despacho agravado entendeu-se deferir o requerimento da autora de fazer intervir a seu lado a sociedade “Im..........., S.A.” porque tendo sido pedida por aquela a restituição da loja em causa nos autos, livre e devoluta, a interveniente tinha interesse na causa, como proprietária da coisa.

A agravante entende que a sociedade interveniente não é sujeito da relação material controvertida e por isso, não tem interesse em intervir na causa.

Cremos que não tem razão e se decidiu bem.

Do relatório do DL 329-A/95, de 12.12 extrai-se que a intervenção principal de terceiros abarca os casos em que o terceiro se associa a uma das partes primitivas, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsorcio ou coligação iniciais: é este que define a figura de intervenção principal, caracterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte a que se associa”.

Ou seja, o interveniente não tem que ser sujeito da relação material controvertida.

Tem apenas que ser sujeito de uma relação própria, conexa com aquela.

Ora no caso concreto em apreço está alegado que a requerida interveniente era a titular do direito de propriedade sobre o local arrendado.

Desta forma, podia estar, nessa qualidade, interessada na restituição do mesmo.

Esta relação de propriedade era conexa com a relação de arrendamento invocada pela autora.

Estão verificados, assim, os requisitos para a admissão da intervenção requerida, previstos nos arts.325º e ss. do CPCivil.

Pelo que nenhuma censura merece a decisão agravada.

B – Atentemos agora na segunda questão.

Na sentença recorrida entendeu-se que a loja em questão se encontrava instalada num centro comercial.

A apelante entende que não.

E entende que não porque não estariam reunidos os requisitos legalmente exigidos no art.1º da Portaria 424/85, de 5 de Julho.

Não tem razão.

Em primeiro lugar, porque o negócio jurídico em causa referido nas als.f) e segts da matéria dada como assente foi celebrado em 94.03.27, antes, pois, da existência daquela Portaria, pelo que a vontade das partes que nele outorgaram não podia estar condicionada por qualquer conceito jurídico dela derivada.

Em segundo lugar, porque tal Portaria visava especificamente disciplinar os horários de abertura e encerramento dos estabelecimentos de venda ao publico e de prestação de serviços, incluindo os localizados em centro comerciais, pelo que os requisitos aí enunciados não tinham necessariamente que ser considerados para o conceito jurídico em causa e, em consequência, para limitar a liberdade das partes em negócio jurídico relacionado com um espaço que consideravam integrado em centro comercial – cfr. arts. 294º e 405º do C.Civil.

Acresce que, como refere Pinto Furtado “in” Os Centros Comerciais e o seu Regime Jurídico 2ªed. pp. 20 e ss., ulteriores diplomas vieram regular o horário de funcionamento das grandes superfícies, desinteressando-se da figura especifica de “centro comercial”, que deixou, assim, de ter uma definição legal – cfr. DL 48/96 e Portaria 153/96, ambos de 15 de Maio.

De qualquer forma e quanto à área do denominado “centro comercial”, analisados os depoimentos de todas as testemunhas que depuseram ao quesito 17º e os documentos juntos aos autos a fls.285, 286 e 287 (relativos a documentos entregues na Direcção Geral do Comercio e da Concorrência), não vemos motivos para alterar a resposta ao quesito, como pretende a apelante, pelo que a área bruta a considera sempre seria a de 3.219 m2.

Mas independentemente de qualquer definição legal – que, como vimos, ainda não existe – será que, em face dos factos dados como provados, se pode concluir que a loja em causa se encontrava integrada em centro comercial?

Cremos que não.

Conforme refere Aragão Seia “in”Arrendamento Urbano 7ª ed., em anotação ao art.11º do RAU, para que uma organização funcione como centro comercial é necessário um imóvel adequado e que o seu proprietário esteja na disposição de ceder espaços em comercio integrado, ou seja, ceder o uso de espaços a comerciantes, mediante contrapartida periódica, para que neles instalem lojas comerciais e transaccionem os seus produtos, reservando para si o controlo da gestão dos interesses comuns do centro, com fornecimento da energia eléctrica, de água, de gaz, de segurança, de limpeza e de embelezamento de espaços comuns, etc..

As lojas de diversos ramos são distribuídas segundo um plano de integração previamente concebido pelo organizador ou explorador do centro, obedecendo a um critério de complementaridade, com pólos de atracção especial cuja missão é atrair visitantes, como cinemas, lojas de disco, salas de jogos, recintos de diversões e espaços para refeições ligeiras, de modo a fazerem parte de um conjunto harmónico e economicamente rentável e a satisfazerem o maior numero possível de necessidades do consumidor, para que este não necessite de completar as suas compras noutro local.

Como escreveu Antunes Varela “in” RLJ 129º, pp.54/55, para que haja contrato de instalação de lojistas num centro comercial é naturalmente necessário que exista a previa constituição da nova unidade global que é o centro e que os lojistas, ao explorarem a loja que lhe é entregue, a pretendem integrar nessa organização unitária.
É na ideia de complementaridade das várias lojas, no proveito reciproco que uma recebem das outras, (com destaque para a eficácia da lojas –âncora e o efeito recolhido pelas chamadas lojas magnéticas) e na uniformidade concertada da sua actuação (com as suas promoções globais, com o embelezamento das suas instalações e a ampliação dos seus serviços comuns, e com o combate determinado às prestações de má qualidade dentro do seu recinto) que reside a verdadeira trave mestra do centro comercial.

A disciplina no centro é imposta por um regulamento, enquadrado nos parâmetros legais, com limitações à actividade comercial do lojista, desde o modo da apresentação dos produtos, passando pela época das promoções, etc..

As lojas de um centro comercial não estão desralacionadas entre si, mas antes constituem um conjunto integrado de lojas com relações horizontais, umas e outras, e verticais, de cada uma com a entidade exploradora – Pais de Vasconcelos “in” Contratos de Utilização de Lojas em Centro Comercial – ROA 56º-539.

Ora, no caso concreto em apreço, está demonstrado que na fracção autónoma onde funciona o estabelecimento em causa está construído e em funcionamento um complexo comercial, com a área de 3.219 m2, compreendendo um supermercado da autora e cinco lojas, integradas em ramos específicos de comércio, lojas estas que foram entregues a lojistas especializados, incumbindo à autora prestar serviços de limpeza, segurança, electricidade e água, pagando a ré uma quantia por essas prestações e ainda a promoção do mesmo complexo, beneficiando as lojas da existência do supermercado como do suporte publicitário da autora afixado no exterior, atraindo a esse estabelecimento um volume de clientes superior ao das restantes lojas.

Ora, perante os conceitos atrás referidos, não há duvida que não nos encontramos perante um verdadeiro centro comercial, mas apenas por um complexo constituído por um supermercado e diversas lojas, sem que se tivesse demonstrado aquele conjunto integrado e complementaridade - cfr., respostas negativas aos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 8º e 9º e restritivas aos quesitos 6º e 7º da base instrutória - características estas essenciais à existência de um centro comercial, como acima ficou dito.

No entanto, a analogia das situações e para o efeito de se fixar o regime jurídico adequado às relações entre os lojistas – entre os quais se encontra a apelante – e a dona do complexo – a apelada – entendemos, tal como se entendeu, num caso similar, no acórdão do STJ de 02.05.14 “in” CJ STJ 2002 II 60, que esse regime deve ser o aplicável a lojas situadas em centro comercial.

Na verdade, ressalta da matéria dada como provada a existência de uma loja que funciona como âncora – o supermercado – assim como um acrescento de clientes às restantes lojas derivado desse estabelecimento, para além da existência de diversos serviços relativos ao dito complexo comercial prestados pela autora.

Tudo isto nos leva a conclusão que as partes, quando celebraram o negócio de cedência da loja, tinham a ciência de que não se tratava de um local isolado, mas antes integrado num espaço comercial, com as inerentes vantagens e encargos.

A isso acresce a interpretação da carta/acordo referida na al.F) da matéria assente e junta a fls.24.

Na verdade e conforme refere o professor Galvão Teles em parecer denominado “Utilização de Espaços nos “Shopings Centers” “in” CJ 1990 II 23, “a qualificação de um contrato como pertencente a esta ou àquela espécie, a este ou aquele tipo, necessária para determinar, pelo menos nos seus traços essenciais, o regime jurídico aplicável, é uma operação lógica subsequente à interpretação das declarações de vontade das partes e dela dependente. A interpretação tem de forçosamente de preceder a qualificação, que não se pode fazer sem saber o que as partes efectivamente quiseram, qual p real significado da sua palavra ou expressões”.

Ora, analisando aquela carta/acordo, verificamos que as partes convencionaram que o contrato teria o prazo de um ano, renovável por iguais períodos, até ao limite máximo de 5 anos, se qualquer uma das partes o não rescindir com uma antecedência mínima de 90 dias.

Conjugada esta clausula com a ciência, acima referida, que não se tratava de uma loja isolada do complexo comercial e com o facto de haver prestações de serviços, não podemos deixar de interpretar as declarações de vontade das partes no sentido de estabelecerem um contrato relativo a uma loja inserida num centro comercial.

Que não se tratava de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, referido no art.111º do RAU, resulta que não está demonstrado que algum estabelecimento comercial existisse na loja cedida – ver respostas ao quesito 28º.

E isto apesar de na carta/acordo se falar de “contrato promessa de cessão de exploração”, pois é sabido que a denominação que as partes dão ao um negócio não vincula o tribunal, tudo dependendo da interpretação acima aludida.

O facto de se prever um limite do prazo da cedência e a possibilidade de denúncia pelo cedente também indicia que as partes quiseram submeter o acordo ao regime de cedência de loja em centro comercia e não ao regime do arrendamento, pois na data em que esse acordo foi celebrado – 94.03.27 – não admitia este regime aquela possibilidade – cfr. arts.110º e 1º a 73º do RAU, com a redacção existente nessa altura.

Possibilidade essa que veio a ser introduzida pelo DL 257/95, de 30.09, que introduziu nova redacção aos arts. 117º e 118º do mesmo diploma.

Preceitos estes, no entanto, não são aplicáveis aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor – art.6º do referido DL.
Concluímos, pois, que o acordo revelado pelo documento de fls.24, pelo qual a loja foi cedida pela autora à ré, não pode ser submetido, quer ao regime jurídico da locação de estabelecimento comercial, quer ao regime jurídico do arrendamento, ou seja, à disciplina vinculística contida no RAU.

Antes, quanto ao seu conteúdo, está sujeito ao principio da liberdade contratual referido no art.405º do C.Civil.

E quanto á sua forma externa, ao principio da liberdade de forma, pois a validade das declarações negociais não depende da observância de forma especial – cfr. art.219º do mesmo diploma.

C – E sendo assim – e aqui entramos na analise da terceira questão – nada impedia a autora, decorrido que foi o prazo de um ano, de denunciar o contrato, conforme a faculdade clausulada no acordo feito com a ré.

Efectuada a denúncia pela autora nos termos acordados e chegada ela ao conhecimento da ré, obstou ela à renovação do prazo do contrato, pelo que a loja devia ser restituída “ex nunc” à autora.

Pelo que não merece qualquer censura a sentença recorrida.

Acrescentando-se apenas e ao abrigo do disposto no art.715º do CPC – o tribunal recorrido não se pronunciou sobre a questão, pelo que a sentença seria nula por esse motivo (cfr. art.668º, nº1, al.d) do mesmo diploma) – que por virtude de se ter considerado a existência de um contrato com o regime acima referido, não pode ser julgada procedente a reconvenção deduzida pela ré.

Finalmente dir-se-á que, por não questionada – cfr. art.684º do CPC – não se aprecia a condenação da ré a pagar as quantias aludidas na sentença recorrida e, por isso, se mantém a mesma.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em:
- negar provimento ao agravo;
- julgar improcedente a reconvenção;
- julgar improcedente a presente apelação e assim, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela agravante e apelante.

Porto, 5 de Junho de 2003
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
José Viriato Rodrigues Bernardo
João Luís Marques Bernardo