Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0325108
Nº Convencional: JTRP00036430
Relator: ALBERTO SOBRINHO
Descritores: COMPROPRIEDADE
TERRAÇOS
OBRAS
Nº do Documento: RP200311250325108
Data do Acordão: 11/25/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 9 V CIV PORTO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I - É a data da constituição da propriedade horizontal que define a lei aplicável onde se enquadram as partes que hão-de ser comuns e as que hão-de ser propriedade exclusiva.
II - O terraço que faça as vezes de telhado duma fracção do prédio que exorbite fisicamente do seu corpo principal constitui uma parte obrigatoriamente comum do edifício, não obstante estar afecto no título constitutivo ao uso exclusivo de um condómino.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

DOMINGOS..... e mulher ROSA....., residentes na Rua....., ....., intentaram esta acção declarativa, com processo ordinário,

contra

NELSON..... e mulher MARIA....., residente na Rua....., ....;
e outros,

pedindo que, cada um dos réus, seja condenado a pagar-lhe determinada quantia, que discrimina, num total de 3 595 255$90, acrescida de juros desde 1 de Fevereiro de 2001,

subsidiariamente,

que sejam os réus Nelson..... e mulher condenados a pagar-lhe integralmente a totalidade daquela importância, acrescida dos juros devidos.

Alega, no essencial, que teve de proceder, com prévio conhecimento dos réus, a obras urgentes de reparação num terraço de cobertura do edifício em propriedade horizontal de que todos são condóminos, valor que suportou na íntegra, recusando-se agora os réus a ressarci-lo da parte que lhes corresponde.
Para a hipótese daquele terraço integrar a fracção dos réus Nelson..... e mulher, pede que sejam eles a suportar o custo integral das obras.

Contestaram todos os réus, à excepção da chamada a intervir na acção Maria....... Os réus Nelson..... e mulher aceitam que o terraço é parte comum do edifício e que, consequentemente, o custo das obras é da responsabilidade de todos os condóminos. Os restantes réus invocam a sua ilegitimidade alegando que o terraço onde as obras foram efectuadas é um terraço intermédio, que não integra uma parte comum do edifício, antes configurando-se como propriedade exclusiva dos co-réus Nelson..... e mulher e concluem, por isso, que não têm que suportar o custo das obras efectuadas pelos autores, pedindo a improcedência da acção.

Replicam os autores para manterem a posição inicialmente assumida.

Saneado o processo e fixados os factos que se consideraram assentes e os controvertidos, teve lugar, por fim, a audiência de discussão e julgamento.
Na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada parcialmente procedente e os réus condenados a pagar aos autores, na respectiva proporção, o valor das obras efectuadas no terraço de cobertura do edifício.

Inconformados com o assim decidido, recorreram os réus Augusto..... e mulher, Luísa...., Sidónio..... e mulher, Licínio..... e mulher, Rogério..... e mulher e Bruno....., pugnando pela revogação da sentença e insistindo que o custo das obras é encargo exclusivo dos réus Nelson..... e mulher e não comum aos condóminos.

Contra-alegaram os autores e os réus Nelson..... e mulher defendendo a improcedência da acção.
***

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Âmbito do recurso

A- Ainda que tenham sido seis os réus recorrentes e tenham apresentado alegações separadas, essas alegações são em tudo idênticas, tendo sido decalcadas umas das outras.
De acordo com as conclusões - todas iguais - o inconformismo dos recorrentes radica no seguinte:

1- O título de constituição de propriedade horizontal do prédio urbano sito na Rua..... é de 07/07/ 1982.

2- O referido prédio é composto por cave, sobre-cave, rés-do-chão, e primeiro, segundo e terceiro andar.

3- A composição da fracção I é a constante da escritura de constituição da propriedade horizontal e está descrita como” habitação no rés-do-chão direito com acesso pelo número cento e cinquenta e dois da Rua....., constituída por vestíbulo, três quartos, dois quartos de banho, sala comum, arrumos, cozinha, terraço quintal e arrumos no vão de telhado, correspondendo a 15% do valor total do prédio, com as áreas de: habitação cento e setenta e oito metros quadrados, terraço trezentos e doze metros quadrados e quintal com vinte e cinco metros quadrados”.

4- Ora, do referido titulo, resulta que a fracção “I” é constituída por”... terraço...”.

5- Só têm acesso directo e originário ao referido terraço, os proprietários da fracção “ I”, bem como o uso exclusivo do mesmo.

6- O terraço situa-se ao nível do piso da fracção I e cobre parcialmente as fracções “ A e B”, que se situam na cave e abrangem toda a área do prédio incluindo o terraço.

7- O título constitutivo refere o que são partes comuns, não incluindo nessa descrição o referido terraço.

8- Trata-se de um terraço intermédio, incrustado num dos andares do prédio e que dá cobertura apenas a uma parte deste, que não se situa na sua parte superior, ao nível do último pavimento, terceiro andar.

9- Aos factos aplica-se o art.° 1421° n.° 1 al. b) do Código Civil, redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.° 267/94 de 25 de Outubro, e em vigor à data da constituição da propriedade horizontal, considera imperativamente comuns “... o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento”.

10- A Lei não abrange os terraços intermédios, pois se assim visasse teria certamente ressalvado, do mesmo modo, a afectação do uso desses terraços aos pavimentos contíguos.

11- Pelo que o terraço em referência não se caracteriza como “terraço de cobertura” para os efeitos do citado 1421.° do Código Civil e consequentemente não é bem comum.

12- Não se aplica também o preceito (al. e) do n.° 2 do artº 1421.°) porque o terraço em referência, tem estado, desde sempre, afectado ao uso exclusivo dos proprietários da fracção “I”, até porque só estes tem acesso a ele.

13- Como bem ensinam os Prof.°s Pires de Lima e Antunes Varela “.. a afectação a que alude aquele normativo é uma afectação material – uma destinação objectiva – existente à data da constituição do domínio”.

14- Temos forçosamente que concluir que esse terraço não constitui uma ”parte comum” configurando-se assim como propriedade exclusiva dos l.°s Réus, como deflui do n.° 2 al. b) do art.° 1421.° do C.C., « a contrario».

15- Ainda, neste âmbito e como decorrência da entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1995, da nova redacção dada à al. b) do n.° l do art.° 1421.°,que , ampliando o âmbito da primitiva redacção do mesmo preceito, passou a considerar como bens comuns os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção.

16- A principal diferença desta nova redacção reside no seguinte: passou a ser admissível que os telhados ou os terraços de cobertura sejam destinados «ao uso de qualquer fracção», e não apenas «ao uso do último pavimento».

17- Esta alteração modificou substancialmente o regime, uma vez que na redacção anterior consideravam-se apenas os terraços de cobertura ao nível do último pavimento.

18- Esta nova redacção não se aplica ao caso sub judice quer porque não se aplica o art.° 12.° n.° 2 do C.C. uma vez que com a afectação do terraço e inclusão na fracção “I”, ficaram definitivamente fixados o conteúdo e os efeitos do direito de propriedade, quer porque a nova lei, o citado D.L. n.° 276/94 nunca poderia aplicar-se retroactivamente a uma situação jurídica preexistente, em que o próprio título constitutivo da propriedade horizontal, ficou estabelecido a afectação de um terraço ao uso exclusivo de determinado condómino.

19- O terraço em causa não pode ser considerado parte comum mas sim parte integrante da fracção “I”, e como tal não pode ser exigida qualquer comparticipação nas obras efectuadas.

20- As despesas com o isolamento do terraço, por forma a evitar infiltrações pluviais, são indispensáveis à sua normal conservação e fruição, mas tal despesa é encargo exclusivo da fracção “I” e não é comum aos condóminos, pelo que não pode ser suportado na proporção do valor das suas fracções.

21- Não o entendendo assim, a douta sentença recorrida violou ou fez errónea interpretação do disposto nos arts. 1421.°, 1424.° e 1470.° do Código Civil.

B- De acordo com as conclusões formuladas, a verdadeira e única questão controvertida a decidir consiste em apurar se o terraço que cobre parcialmente duas fracções -“A” e “B”- do edifício, constitui ou não uma sua parte comum.

III. Fundamentação

A- Os factos

Foram dados como provados na 1ª instância os seguintes factos, que se têm como assentes:

1- o prédio urbano sito na Rua....., ....., está constituído em propriedade horizontal, sendo constituído pelas fracções autónomas designadas pelas letras “A” a “P”, estando descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do....., sob o nº..... do Livro B-...

2- Essas fracções autónomas são propriedade de:
“A” e “B” - dos autores,
“C” - dos RR Rui..... e mulher Vitória..... e Margarida....,
“D” e “J” - da ré Luisa.....,
“E”, “G” e “L”- dos RR Augusto e mulher,
“F” e “N” - dos RR Sidónio e esposa,
“H” e “I” -dos RR Nelson e mulher,
“M” - do interveniente Bruno,
“O” - dos RR Rogério e mulher
“P” - dos RR Licinio e mulher.

3- A composição das referidas fracções autónomas é a constante da escritura de constituição da propriedade horizontal, com cópia a fls. 18/24, estando a propriedade horizontal inscrita no registo.

4- Às ditas fracções autónomas correspondem os seguintes valores no total do prédio:
“A” (armazém na cave) -17,5%,
“B” (garagem na cave) -5%,
“C” (lugar de estacionamento) -0,75%,
“D” (lugar de estacionamento) -0,5%,
“E” (lugar de estacionamento) -0,5%,
“F” (garagem na sub-cave) -1%,
“G” (garagem na sub-cave) -1%,
“H”(habitação no rés-do-chão esquerdo) -5%,
“I” (habitação no rés-do-chão direito) -15%,
“J” (habitação no 1° andar direito) -10%
“L” (habitação no 1° andar esquerdo) -10%,
“M”(habitação no 2° andar esquerdo) -10%,
“N” (habitação no 2° andar direito) -10%,
‘O” (habitação do 3° andar esquerdo) -7%,
“P” (habitação no 3° andar direito) -7%.

5- A fracção “I” na escritura da propriedade horizontal, está descrita como “habitação no rés-do-chão direito com acesso pelo número cento e cinquenta e dois da Rua....., constituída por vestíbulo, três quartos, dois quartos de banho, sala comum, arrumos, cozinha, terraço, quintal e arrumos no vão do telhado, correspondendo a 15% do valor total do prédio, com as áreas de: habitação cento e setenta e oito metros quadrados, terraço trezentos e doze metros quadrados, quintal com vinte e cinco metros quadrados”.

6- Nunca foi constituída a “administração” do condomínio.

7- Os AA enviaram pelo menos aos RR Nelson e mulher a carta cujo texto conta de fls.43/44 bem como os documentos que constam de fls. 49/50, tendo este (Nelson) respondido nos termos dos documentos de fls.51 e 52/53.

8- À carta dos AA. de 11/10/2000 (fIs.74) respondeu o R. Rogério nos termos do documento de fls. 79.

9- O terraço referido em 5 é de uso exclusivo dos proprietários dessa fracção e ao qual apenas se a acede pelo interior da fracção “I”.

10- Os proprietários da fracção “I” aceitaram pagar aos AA o custo das obras na proporção da percentagem da sua fracção no valor total de prédio.

11- O dito terraço situa-se ao nível do piso da fracção “I” e serve de (terraço de) cobertura às fracções “A” e “B”.

12- Nas fracções “A” e “B” do prédio referido sob o nº 1 levam os AA a efeito a sua actividade comercial de comercialização de móveis e artigos de decoração.

13- Nessas fracções têm os AA instalado o armazém, sala de montagem, sala de exposições e escritório da sua empresa de comercialização desse artigos.

14- Nessas fracções começaram, logo após a sua aquisição pelos AA, em 27/4/98, a aparecer grandes manchas de humidade- sobretudo no local onde funciona o escritório – nas paredes e tectos.

15- Durante o ano de 1999, logo nos primeiros meses deste ano e nos últimos meses, tais manchas mais se alastraram e as humidades e infiltrações se multiplicaram.

16- Ao ponto de, sobretudo quando chovia, só com baldes se poder aparar a água que caia do tecto e escorria pelas paredes.

17- Tais infiltrações e humidades foram provocadas pelo péssimo isolamento de que padecia o terraço/cobertura que cobre parte das fracções “A” e “B” e que constituía o terraço integrado na fracção “I”.

18- Tão logo os AA. começaram a detectar estas anomalias de imediato foi dado conhecimento aos demais condóminos pessoalmente.

19- Até mesmo mediante uma convocação para 99/06/16 de uma reunião de condóminos convocada para o efeito pela 1ª R – Maria.....- proprietária das fracções “H” e “I”, nos termos do doe. de fls. 42.

20- Sendo tal reunião “inconclusiva”, apesar da presença da quase totalidade dos condóminos.

21- A situação após 99/06/16 – e sobretudo após as primeiras chuvas de Novembro e Dezembro 1999 – ainda mais se agravou ao ponto de ter ficado avariado um computador e estragos de dois quadros de parede, pelo facto da chuva copiosa ter entrado pelo escritório dentro.

22- Por esse facto, decidiram os AA., face à “inexistência de condomínio” e à posição de alguns condóminos que sobre a situação se pronunciaram, actuar no sentido da resolução do assunto, de modo a minimizar os prejuízos, mas sobretudo para evitar piores males futuros.

23- Foi assim que, em fins de Dezembro de 1999, os AA consultaram vários construtores civis no sentido de obter orçamentos não só para arranjos interiores das partes afectadas das fracções da sua (propriedade, como também fundamentalmente do terraço/cobertura, origem de todo o mal.

24- Como apenas um dos construtores consultado apresentou orçamento quer para o interior quer para o exterior, dirigiu em 2000/03/02 o A, por intermédio do seu advogado, a cada um dos condóminos a carta registada cujo teor consta de fls. 43/44.

25- A tais cartas anexava-se o orçamento fornecido pela empresa de Construção Civil “V....., Lda”, quer para as obras interiores quer para as obras exteriores, orçamentos que constam de fls. 49 e 50.

26- Importando as obras nos valores de Esc.420 000$00 + IVA (para as obras interiores) e de Esc. 2. 475 000$00 +IVA (para as obras exteriores).

27- Comunicado a cada um dos condóminos o começo das obras, foram as mesmas iniciadas pelos AA, em 19 de Junho de 2000.

28- Tendo, no fim das mesmas, os AA suportado e liquidado os respectivos custos, em 2000/06/30 e 2000/10/02.

29- Terminadas as obras, logo em 2000/10/11, os AA dirigiram a cada um dos condóminos nova carta registada, na qual davam conta da realização das obras e marcavam uma reunião de condóminos, para resolver a situação – nos termos dos does. de fls. 62 a 77.

30- Nessa reunião em que compareceram alguns dos condóminos nada foi decidido e, com excepção do Nelson, todos os outros presentes acharam não lhes competir suportar os custos das obras.

31- Nenhum dos RR, a quem os AA comunicaram os orçamentos, manifestou qualquer oposição ou discordância em relação aos mesmos.
32- A chuva e a humidade que escorreu das paredes e dos tectos danificou dois quadros (aguarelas) que ficaram completamente inutilizados e eram artigos de decoração para venda, os quais importavam no valor de 50 000$00.

33- O terraço referido constitui prolongamento do piso do r/c do prédio em referência nos autos.
Todo o terraço, que se situa na parte traseira do prédio, cobre parcialmente as fracções “A” e “B” do mesmo prédio, que se situam na cave e abrangem toda a área do prédio, incluindo o terraço.
Sobre o referido terraço não existe qualquer outro piso.


B- O direito

Da matéria de facto apurada, com interesse imediato para decisão da questão controvertida, há a realçar que:

A fracção “I” na escritura da propriedade horizontal, está descrita como “habitação no rés-do-chão direito com acesso pelo número cento e cinquenta e dois da Rua....., constituída por vestíbulo, três quartos, dois quartos de banho, sala comum, arrumos, cozinha, terraço, ...terraço com trezentos e doze metros quadrados.
O terraço é de uso exclusivo dos proprietários desta fracção “I” e a ele apenas se acede pelo interior da fracção.
Situa-se o terraço ao nível do piso da fracção “I”, constituindo um seu prolongamento, e serve de cobertura parcial às fracções “A” e “B”, que se situam na cave e abrangem toda a área do prédio, incluindo o terraço.
Nestas fracções “A” e “B” desenvolvem os AA a actividade de comercialização de móveis e artigos de decoração.
O título de constituição da propriedade horizontal do prédio em causa é de 7 de Julho de 1982.

Ao tempo em que a propriedade horizontal foi constituída vigorava o art. 1421º C.Civil, que define as partes comuns do edifício, na sua versão originária. Posteriormente este artigo sofreu alterações, sendo-lhe dada nova redacção pelo Dec-Lei 267/94, de 25 de Outubro, tendo estas alterações entrado em vigor a 1 de Janeiro de 1995.
À data da entrada em vigor da nova redacção do art. 1421º já estava constituída a propriedade horizontal e definidas as partes comuns do edifício e determinada a afectação de uma parte, concretamente aquele terraço, ao uso exclusivo de um condómino, ou seja, estava definitivamente fixado o conteúdo e os efeitos do direito de propriedade dos condóminos.
A nova lei, a nova versão do citado artigo, não é, por isso, aqui aplicável. Não obstante o nº 2 do art. 12º C.Civil determinar a aplicação da Lei Nova a situações jurídicas pré-existentes, quando aquela regula o conteúdo dessas situações, abstraindo dos factos que lhes deram origem, há que salvaguardar aqueles casos já constituídos e regulados de modo definitivo. Assim se pronunciou Baptista Machado [In Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, pág. 98.] ao dizer que a 2ª parte do nº 2 do art. 12º C.Civil não se aplica àquelas situações jurídicas constituídas por força da verificação de certos factos, cujo conteúdo, ou cujos efeitos ficam legalmente determinados em definitivo, com a produção desses factos e à medida dos mesmos factos.
Será o art. 1421º, na versão anterior às alterações introduzidas pelo Dec-Lei 267/94, o aplicável à situação vertente.

Em cada prédio urbano constituído em propriedade horizontal há partes comuns, pertencentes em compropriedade a todos os condóminos (arts. 1420º, nº 1 e 1421º C.Civil) e partes pertencentes em exclusivo a cada um deles (as fracções autónomas).
As fracções serão individualizadas no respectivo título de constituição da propriedade horizontal, aí se especificando as partes do edifício pertencentes a cada uma delas –art. 1418º C.Civil. E o que aí não esteja especificado como pertencente a cada fracção, será, em princípio, havida como parte comum, a não ser que esteja afectada ao uso exclusivo de um dos condóminos.
Das partes comuns do edifício, umas há que são imperativamente comuns a todos os condóminos -nº1 do art. 1421º, enquanto outras o são apenas presuntivamente –nº 2 do mesmo art.
Nas primeiras incluem-se aquelas que são objectivamente necessárias ao uso comum do prédio. Elas são comuns, como lucidamente advogam P.Lima e A.Varela [In C.Civil, Anotado, vol. III, em anotação ao art. 1421º], ainda que o seu uso esteja afectado a um só dos condóminos, pela razão simples de que a sua utilidade fundamental, como elemento essencial de toda a construção, se estende a todos os condóminos.
Face ao disposto na al. b) do nº 1 e nº 2 do citado art. 1421º podem ser consideradas comuns coisas destinadas ao uso exclusivo de um só dos condóminos. É o que acontece precisamente com os terraços de cobertura. A propósito desta estrutura do prédio dizem ainda aqueles Profs. [ob. e loc. cit.]: mesmo que o terraço se destine ao uso exclusivo de um dos condóminos (por estar situado no mesmo nível do último pavimento, ou o acesso se faça pelo interior desse pavimento, etc.), ele não deixa de ser forçosamente comum pela função capital (de cobertura ou protecção do imóvel) que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção.
O terraço em causa constitui um prolongamento da fracção “I”, situada a nível do rés-do-chão, e serve de cobertura, ainda que parcial, ao espaço onde se situam duas fracções, destinadas à actividade comercial; ou seja, a cave exorbita fisicamente do corpo do edifício e, nessa parte, aquele terraço é a única cobertura de que a cave dispõe. Exerce ele a tal função capital de cobertura de que falam P.Lima e A.Varela.
Mesmo estando a ser usufruído pelos condóminos da fracção “I” e o seu uso estar afectado, no respectivo título, em exclusivo a esses condóminos, o terraço transcende o âmbito dessa fracção. A sua existência é necessária, essencial mesmo à possibilidade de utilização de uma outra parte do prédio, que é a cave. Por outro lado, enquanto cobertura destas fracções ele integra a parte estrutural do edifício, com o bem se observa na sentença recorrida.
O terraço que faça as vezes de telhado numa fracção do prédio que exorbite fisicamente do seu corpo principal, constitui uma parte obrigatoriamente comum do edifício, não obstante estar afectado, no título constitutivo, ao uso exclusivo de um condómino.
E esta tomada de posição encontra acolhimento na al. b) do nº 1 do art. 1421º. Neste preceito incluem-se todos os terraços que tenham função idêntica à dos telhados, que os substituam, mesmo que não se situem no topo dos edifícios.
Diga-se ainda que as alterações introduzidas pelo Dec-Lei 267/94 mais que inovadoras são interpretativas ou esclarecedoras das situações anteriores, resultando agora de uma forma explícita que os terraços que sirvam de cobertura são partes comuns, independentemente da sua localização.
Considera-se, assim, que o terraço que serve de cobertura parcial às fracções “A” e “B” constitui uma parte comum do edifício.

Clarificada e decidida esta questão, a solução quanto ao pagamento do custo das obras outra não podia ser que aquela que foi encontrada na douta sentença recorrida.
Por que de reparações indispensáveis se tratava e com cunho urgente, os autores, enquanto condóminos, podiam tomar a iniciativa dessas obras – art. 1427º C.Civil, sendo o seu custo repartido por todos os condóminos na proporção do valor das suas fracções – art. 1424º C.Civil.
Esta questão nem foi impugnada pelos apelantes, que pacificamente a aceitaram e nenhum reparo merece.

IV. Decisão

Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirmar a douta sentença recorrida.

Custas pelos apelantes.

Porto, 04 de Novembro de 2003
Alberto de Jesus Sobrinho
Durval dos Anjos Morais
Mário de Sousa Cruz