Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0530532
Nº Convencional: JTRP00037814
Relator: ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: OBRAS
PRÉDIO CONFINANTE
OCUPAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP200503100530532
Data do Acordão: 03/10/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I - O proprietário do prédio vizinho àquele em que se impõe a realização de obras é obrigado a consentir que o seu prédio seja momentaneamente ocupado com vista à realização de tais obras, se tal ocupação for indispensável a tal desiderato.
II - Tal ocupação, só por si, não constitui o executante das obras na obrigação de indemnizar o dono do prédio ocupado, impondo-se para tal desiderato que daquela tenham resultado danos ou prejuízos, sendo aquele obrigado a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, sendo que esta obrigação de indemnizar só existe em relação ao danos que o lesado provavelmente não teria sofrido de não fosse a lesão. (art. 563º)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

B.......... e marido C.........., residentes na Rua .........., ..., .........., .........., .........., instauraram no Tribunal Judicial da Comarca de .........., os presentes autos (nº ..../03......) de acção declarativa com processo sumário contra D.........., residente na Rua .........., ..., .........., .........., .........., pedindo a condenação do Réu no pagamento da quantia 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais e ainda o valor que se vier a apurar em liquidação de execução de sentença, a título de danos patrimoniais, pelas despesas judiciais e com advogado que tiveram de efectuar, mercê do comportamento do Réu.
Para tanto alegam, em resumo, os factos seguintes:

- que são legítimos possuidores e proprietários de um imóvel composto de casa de rés de chão e andar, com logradouro, de comércio e habitação, que identificam;
- que esse prédio confronta, pelo seu lado nascente (sendo contíguo), com um imóvel de natureza mista, propriedade do R, sito na mesma Rua .........., n.º ...;
- que o prédio dos AA, pelo lado em que confronta com o R, carecia de um conjunto de obras, de manutenção, preservação e segurança, constituídas por: consolidação e reforço de vigas de suporte; colocação de placas de betão e arame, de reforço; reboque de muros; pintura, obras essas que manifestavam evidente carácter de urgência, uma vez que, em tal imóvel pertença dos AA., construído há mais de 70 anos, vinham a acentuar-se graves deficiências ao nível da sua estrutura, nomeadamente de vigamento;
- que estando tal imóvel a ficar “descalçado”, em virtude de, também, nomeadamente, há algum tempo o R. ter procedido à demolição de uns anexos que se situam no quintal, no lado que confronta com o prédio dos AA., mesmo “colado” ao prédio destes, e que tinham uma extensão de área coberta de cerca de 10 metros, no sentido longitudinal, norte-sul, por 3,5 metros de largura;
- Que em virtude da má construção da edificação e também por causa de tal demolição, o prédio dos AA apresentava um conjunto de fissuras e “buracos”, que vinham, progressivamente, a atingir proporções alarmantes, perigosas, de risco iminente, condições que, pelo natural decurso do tempo e pela deficiência do tipo de obras realizado aquando da sua construção, se agravam dia a dia, apresentando-se tal prédio com evidentes amostras de tijolo “vivo”, sem cimento, corroído pelo tempo, com paredes completamente esburacadas, com variadas “frinchas”, por onde entrava vento, frio, água, ratos;
- Que de acordo com informações recolhidas junto de empreiteiros e técnicos de construção civil, atento o seu estado, ao tempo, o prédio dos AA não “aguentaria” mais um inverno, rigoroso, como é do conhecimento público, no norte do país;
- Que tais obras eram, pois, urgentes, na medida em que, pelo descalçamento de uma parte do muro a reparar, o mesmo poderia aluir, o que poderia causar aos AA. prejuízos materiais e humanos irreparáveis;
- Que todos estes factos foram constatados pelo R aquando de uma das suas deslocações ao local, em sequência de solicitação verbal dos AA.;
- Que os AA. têm o direito de passagem forçada, e de praticar todos os actos inerentes às obras de reparação que pretendam efectivar no seu prédio;
- Que com vista à concretização de tais obras, os AA. tinham necessidade imperiosa de aceder ao prédio do R., para colocação de andaimes e outros materiais e objectos similares e aí praticar todos os actos análogos, inerentes a uma obra de reparação;
- Que temendo o perigo de agravamento ou deterioração grave das condições em que se encontrava o prédio dos AA., pela indicada confrontação com o prédio do R., aqueles comunicaram a este tal realidade, por carta remetida em que solicitavam autorização para passagem forçada para obras, bem como para todos os actos análogos previstos na lei, por um prazo de 15 dias (tempo seco);
- Que o R., não vivendo no prédio, na sequência da carta remetida pelos AA., deslocou-se ao local, tendo constatado a situação que lhe fora informada em tal missiva enviada;
- Que, como nada disse o R., antes de recorrer ao meio cautelar de que usaram mão, ainda os AA. – porque as obras se mostravam efectivamente urgentes e destinadas a afastar um perigo real – procederam à notificação judicial avulsa daquele, no sentido de lhe efectuar a comunicação de que iriam iniciar as obras, suportando, nos termos legais, os prejuízos eventualmente causados ao A.;
- Que o R., deslocando-se ao seu prédio na sequência de tal notificação, o R. não autorizou a utilização do seu prédio, para efeito de concretização das mesmas;
- Que a requerida providência cautelar (autos n.º ..../03...... – .. juízo cível), foi deferida;
- Que os AA. já realizaram, entretanto, as obras pretendidas e que se mostravam urgentes;
- Que com o comportamento descrito, o R. causou aos AA. prejuízos de duas ordens: patrimoniais e não patrimoniais;
- Que por força da acção impeditiva do R, que se prolongou por mais de 3 meses, os AA. tiverem de recorrer a um advogado;
- Que só com o deferimento de providência cautelar a que se aludiu e com base no “aviso”, da mesma constante, de que incorreria na pena do crime de desobediência qualificada, é que o R aceitou que os AA. avançassem com as obras, que eram urgentes;
- Que todo este conjunto de factos (contacto pessoal com o R, posterior necessidade de contactar o advogado, com vista a efectuar a comunicação do direito legal que lhes assistia, necessidade de procedimento judicial – por notificação avulsa e providência cautelar) causou aos AA. angústia, ansiedade e sofrimento;
- que um e outro tinham intervenções cirúrgicas marcadas: a A. mulher às cordas vocais, e o A. marido à bexiga, rins e próstata;
- que um e outro, em virtude e consequência directa da conduta do R., ficaram em estado de ansiedade e angústia acrescidas, irritação e tristeza profunda, sendo que a A. já não queria ser operada, andava muito nervosa, tensa, sem vontade de comer, e o A marido, que ia ser sujeito a intervenção mais delicada, por sua vez, vendo a mulher nervosa e tensa, ficou ansioso, com frequentes quebras de tensão e desfalecimentos, desanimado;
- que com o recurso a advogado, na sequência da resposta negativa do R às solicitações efectuadas, com consultas várias, deslocações ao local, notificação avulsa e providência cautelar deferida, os AA tiveram despesas que não podem agora apurar, por não lhes ter sido ainda apresentada a nota final de despesas e honorários, cujo valor ora se releva para posterior liquidação em execução de sentença.

Citado Réu, veio contestar, impugnando os factos alegados pelos AA., no fundamental sustentando que a conduta destes se traduziu em invasão da sua propriedade através de arrombamento de um portão, com subsequente ocupação do seu quintal com entulho, materiais de construção, ferramentas, veículos e trabalhadores, sendo que se tratava de obras não licenciadas.
Em reconvenção, pediu a condenação dos AA. a pagar-lhe uma indemnização de valor não inferior a € 5000, por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Alegou, para fundamentar a sua pretensão reconvencional, os seguintes factos:
- que os AA. ocuparam os seu prédio pelo período de um mês;
- que se aproveitaram do facto de o prédio estar desabitado e de o R. aí se deslocar raramente, agindo sem autorização do R., por assim lhes ser mais cómodo;
- servindo-se do quintal do R., aí fazendo circular pessoas e viaturas, depositando materiais e ferramentas, montando andaimes sobre o terreno e sobre o telhado de um anexo, entrando e saindo;
- que as obras se destinaram a melhorar a estética do prédio, não sendo urgentes, sendo que parte das mesmas eram executáveis do próprio prédio dos AA.;
- que, assim, actuaram os AA. com manifesto abuso de direito, sem o controle de ninguém;
- que o R., vendo-se privado do seu quintal e devassada a sua propriedade pelos AA., que chegaram a colocar um cadeado no seu portão, e pelas várias pessoas que ali trabalhavam, sentiu-se espoliado e vexado;
- Que tal conduta dos AA. causou mal-estar físico e psicológico ao R., que se sentiu revoltado e frustrado com a situação criada pelos AA.

Entendendo forneceram os autos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa, proferiu o Senhor Juiz despacho saneador- sentença, vindo a julgar improcedente o pedido principal deduzido pelos AA. e bem assim o pedido reconvencional.

Inconformado com tal decisão, veio o R. interpor recurso de apelação, oferecendo as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
- o pedido reconvencional estriba-se em factos que, uma vez provados, consubstanciam uma utilização abusiva do prédio do recorrente, dado que o recorrido ultrapassou os limites da decisão que autorizou a ocupação (art. 1349º do CC);
- o direito de propriedade atribui ao seu titular o gozo e disposição exclusiva do bem (art. 1305º do CC);
- a privação de uso de um bem imóvel constitui uma intervenção ou ingerência na esfera jurídica alheia, facto constitutivo de responsabilidade civil;
- aquele que usa e frui bem alheio sem causa justificativa obtém vantagem ou enriquecimento à custa de outrem, mesmo que o pedido reconvencional estriba-se em factos que, uma vez provados, consubstanciam uma utilização abusiva do prédio do recorrente, dado que o recorrido ultrapassou os limites da decisão que autorizou a ocupação (art. 1349º do CC);
- não ocorra dano patrimonial para o proprietário;
- a responsabilidade civil e o enriquecimento sem causa podem coexistir na qualificação da mesma situação (art. 483º e 473º do CC);
- o ressarcimento da privação do uso de um bem constitui dano autónomo de natureza patrimonial, não depende da prova ou invocação de qualquer prejuízo concreto, e deve ser compensado, em última análise, com recurso ás regras da equidade.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, tendo para o efeito em conta as conclusões que delimitam o objecto do presente recurso, nos termos dos arts. 684º nº 3 e 690º nº1 do CPC.

Ao conhecimento do mérito do recurso interessa a factualidade vertida no antecedente relatório, a qual., por isso, nos abstemos de aqui voltar a transcrever.

Na decisão recorrida, após se ter considerado a improcedência do pedido principal, o senhor Juiz apreciou a pretensão reconvencional, considerando o seguinte, depois de expor os factos alegados pelo R. reconvinte e de enquadrar juridicamente a sua pretensão:
“No caso concreto, a pretensão indemnizatória peticionada pelo reconvinte D.......... assenta em dois pressupostos essenciais:
1º - Privação do prédio imposta ao R.;
2º - O desgosto moral que sofreu pelo uso do seu prédio feito pelos reconvindos.
No tocante ao primeiro pressuposto o mesmo é reconduzível a um dano patrimonial e não a um dano moral.
Sucede que, para podermos concluir pela verificação de um qualquer dano, é indispensável a alegação individualizada de factos jurídico-concretos que, a serem provados, permitam concluir pela ocorrências de tais prejuízos patrimoniais ou não-patrimoniais.
Ora, no caso concreto, o Réu/reconvinte não alegou quaisquer factos donde se possa extrair que a privação do uso do seu prédio lhe tenha causado prejuízos. Não alegou, por exemplo, que ficou impossibilitado de cultivar o quintal; que a circulação de pessoas e viaturas, o depósito de materiais e ferramentas, a montagem de andaimes sobre o terreno, danificou culturas ou bens ali existentes; que, por força de tal ocupação, ficou impossibilitado, nesse período de tempo, de retirar os proventos que usualmente retirava de tal propriedade (com a necessária individualização).
Assim, atenta a omissão fáctica quanto a eventuais prejuízos resultantes da privação do uso do prédio, forçoso será concluir desde já pela inviabilidade de tal pretensão indemnizatória.”
E continua:
“Por outro lado, também o 2º pressuposto da pretensão indemnizatória - desgosto moral que o reconvinte sofreu pelo uso do seu prédio pelos reconvindos/AA. – está destinado ao fracasso, dado estarmos perante o exercício de um direito potestativo dos reconvindos/AA. que se impõe inelutavelmente ao proprietário do prédio confinante - no caso ao reconvinte -, o qual fica obrigado a consentir a passagem momentânea pelo seu prédio para permitir reparar o prédio daqueles que com ele confronta. Ou seja, a ocupação momentânea do prédio do R. pelos AA. para efeitos de reparação de um prédio que lhes pertence traduz a prática de um acto permitido por lei (art. 1349º, n.º 1 do Código Civil), o que preclude a formação de qualquer dano moral na titularidade do reconvinte, uma vez que, como já anteriormente assinalámos, a verificação de um dano moral pressupõe a prática de um acto ilícito, o que está excluído na hipótese em apreço nos autos. A ocupação do prédio do R. feita pelos AA. mostra-se, aliás, escudada em decisão judicial proferida nos autos de providência cautelar, que correram termos sob o n.º ..../03......, do .. Juízo Cível, nos quais foi determinada a notificação do requerido (ora Réu) no sentido de ser obrigado a consentir que, através do seu prédio, passem os requerentes e quem se encontra a realizar a obra destes, para nele proceder à consolidação e reforço de vigas de suporte, colocação e reforço de placas de betão e arame, reboque de muro e paredes e pintura, a fim de repararem um prédio que lhes pertence e confronta com o do requerido, conforme decisão proferida nos autos (cfr. fls. 50 e 51 dos autos de providência cautelar apensos.
Em suma, porque a actuação dos reconvindos traduz o exercício de um direito potestativo – lícito, portanto -, impõe-se concluir pela improcedência do 2º fundamento invocado na reconvenção, pois para tanto seria indispensável estarmos perante um acto ilegal, o que não é – como já vimos – a situação discutida nos autos.”

Apreciemos então as questões apontadas pelo recorrente:
A presente acção move-se em torno do art. 1349º do CC, que dispõe nos termos seguintes:
1- Se, para reparar um edifício ou construção, for indispensável levantar andaime, colocar objectos sobre prédio alheio, fazer passar por ele os materiais para a obra ou praticar outros actos análogos, é o dono do prédio obrigado a consentir nesses actos.
2 – É igualmente permitido o acesso a prédio alheio a quem pretenda apoderar-se de coisas suas que acidentalmente nele se encontrem; o proprietário pode impedir o acesso, entregando a coisa ao seu dono.
3 – Em qualquer dos casos previstos neste artigo, o proprietário tem direito a ser indemnizados do prejuízo sofrido.

O art. 1349º impõe uma restrição importante – a obrigação de dar passagem forçada momentânea, se um vizinho precisar, por exemplo para reparar um edifício, de colocar um andaime ou uma escada para reparar uma parede; tem de tolerar a passagem momentânea para esse fim.
Note-se que não se está aqui em face de qualquer servidão, não é uma servidão que se constitui, mas somente uma passagem momentânea, embora forçada [Mota Pinto, in Direitos Reais, 1970, 245].

A faculdade de acesso compete a todo aquele que tenha direito de gozo sobre o prédio onde pretende realizar as obras (direito real ou meramente creditório), sendo que há-de ser indispensável a utilização do prédio alheio; se houver outro meio de realização das obras, embora menos cómodo, deixa de ter aplicação a restrição legal [Henrique Mesquita, in Direitos Reais, 1967, 147].

O art. 1349º do CC confere legitimidade activa para o exercício do direito aí previsto a quem mostre fundado interesse em efectuar a obra [Ac. RP de 21.11.2002, processo nº 0231265, in www.dgsi.pt].

Este artigo estabelece uma restrição ao direito real, pois isenta certas pessoas da proibição geral de intervir no espaço juridicamente reservado ao titular de um direito real.
A pessoa que utilize a faculdade concedida por este artigo é responsável pelos danos que causar [Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, 587 e 607].

A passagem forçada momentânea por prédio alheio, nos termos do art. 1349º do Código Civil, embora lícita, implica o dever de indemnizar o proprietário pelos prejuízos sofridos. Dependendo o montante da indemnização do dano sofrido e do nexo causal, os factos respectivos devem ser levados à especificação e ao questionário [Ac. RP de 26.3.92, processo nº 9150832, in www.dgsi.pt].

É regra geral do nosso direito em matéria de responsabilidade extracontratual a de que só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei (cfr. Art. 483º nº 2 do CC), assim como, salvo havendo presunção legal de culpa, cabe ao lesado provar a culpa do autor da lesão (art. 487º nº 1), sendo que a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (art. 487º nº 2).
Mas também há responsabilidade civil e consequente obrigação de indemnizar independentemente de culpa, como acontece nos casos de responsabilidade civil pelo risco (art. 500º e segs.), e até por factos lícitos, designadamente nas hipóteses previstas nos art. 1347 a 1349º do CC [Por todos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 9ª ed., 739 a 741].

Tomadas estas notas doutrinais e jurisprudenciais, deveremos concluir que o proprietário do prédio vizinho àquele em que se impõe a realização de obras é obrigado a consentir que o seu prédio seja momentaneamente ocupado com vista à realização de tais obras, se tal ocupação for indispensável a tal desiderato.
A ocupação constitui constrangimento ou limitação lícita do direito de propriedade, cujo plena in re potestas se encolhe na exacta proporção da necessidade de ocupação do prédio pelo vizinho, que sem isso não lograria realizar as obras no seu prédio.

Tal ocupação, só por si, não constitui o executante das obras na obrigação de indemnizar o dono do prédio ocupado, impondo-se para tal desiderato que daquela tenham resultado danos ou prejuízos, sendo aquele obrigado a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º), sendo que esta obrigação de indemnizar só existe em relação ao danos que o lesado provavelmente não teria sofrido de não fosse a lesão (art. 563º).

Esta obrigação indemnizatória pode verificar-se, assim, mesmo sendo lícita a ocupação momentânea, bastando que da mesma tenha sido de alguma forma alterado o espaço ocupado, sendo necessário proceder á sua reposição no estado anterior, o que implica despesas, ou porque tal ocupação foi, por natureza das obras, morosa ao pondo de o proprietário de ver impedido de retirar determinadas vantagens da utilização do seu prédio, que para o mesmo teriam repercussão económica, que por isso deixou de se verificar.
É o que decorre com clareza do disposto na parte final do supra transcrito art. 1349º nº 3 do CC.

Do mesmo modo, pode também a obrigação de indemnizar radicar em acto ilícito subsequente à ocupação que ab initio era revestida de licitude, acto ilícito que aquela previsão legal já não contempla, impondo-se à sua subsunção às normas gerais da responsabilidade civil extracontratual (art. 483º e segs do CC).
Basta que o ocupante do prédio alheio tenha excedido os limites concedidos pelos dispositivo legal que lhe permitira a ocupação momentânea (art. 1349º), ou porque essa ocupação foi excessiva em termos temporais, arrastando-se no tempo para além do necessário, atenta a natureza e volume das obras, exercendo-se abusivamente o direito, ou porque o ocupante causou danos não decorrentes das obras que se propunha realizar, agindo assim em manifesta violação do direito de propriedade alheio, cuja restrição já não tem sentido, ou ainda porque tal ocupação não se processou de harmonia com as regras da boa fé, agindo o ocupante como se dono fosse, pondo e dispondo como se de coisa sua se tratasse, assim ferindo o sentimento ético-social envolvente do direito de propriedade exclusivo do seu titular, que inclusivamente sob a vertente não-patrimonial pode exigir responsabilidades indemnizatórias, desde que daí resultem danos que, pela sua gravidade, sejam merecedores da tutela do direito (art. 496º) .

Num caso e noutro, lícita (art. 1349º) ou ilícita (art. 483º e 1305º) a ocupação, sempre será necessária a verificação de prejuízos específicos, que excedam a mera ou simples ocupação momentânea do prédio, porque esta é lícita, e, sem mais, não é evidenciadora de danos indemnizáveis.

Assim, a lei impõe um limite até ao qual o dono do prédio tem de permitir a ocupação deste, sem que daí resulta para o ocupante a obrigação de indemnizar.

Para além desse limite, ou porque se verificaram prejuízos com repercussão na esfera jurídico- patrimonial do dono do prédio, ou porque a ocupação deixou de ter o chapéu de licitude criado pelo art. 1349º, invadindo o âmbito da ilicitude, sempre haverá lugar a indemnização.

No fundo, é o que o recorrente exactamente alega, que “o pedido reconvencional estriba-se em factos que, uma vez provados, consubstanciam uma utilização abusiva do prédio do recorrente, dado que o recorrido ultrapassou os limites da decisão que autorizou a ocupação (art. 1349º do CC)”.

Apreciando a factualidade alegada em sede reconvencional, diremos que no que toca a danos de ordem patrimonial nada foi alegado que concretamente possa espelhar lesão do património do reconvinte, que como dano directo quer como lucro cessante:
Foram as seguintes as alegações pertinentes com esta dimensão:
- que os AA. ocuparam os seu prédio pelo período de um mês;
- que se aproveitaram do facto de o prédio estar desabitado e de o R. aí se deslocar raramente, agindo sem autorização do R., por assim lhes ser mais cómodo;
- servindo-se do quintal do R., aí fazendo circular pessoas e viaturas, depositando materiais e ferramentas, montando andaimes sobre o terreno e sobre o telhado de um anexo, entrando e saindo;
- que as obras se destinaram a melhorar a estética do prédio, não sendo urgentes, sendo que parte das mesmas eram executáveis do próprio prédio dos AA.;
- que, assim, actuaram os AA. com manifesto abuso de direito, sem o controle de ninguém;

Todos os factos ora referidos se inscrevem no âmbito de restrição ou constrangimento do direito de propriedade consentido pelo supra transcrito e analisado (doutrinal e jurisprudencialmente) normativo inserto no art. 1349º do CCivil, pela seguinte ordem de razões:
- o facto de a ocupação ter decorrido durante um mês não é por si só elucidativa de conduta abusiva por parte dos AA. ocupantes – impunha-se ao reconvinte alegar que esse período de um mês foi excessivo para as obras realizadas – circunstância que o mesmo não alegou; a expressão “passagem forçada momentânea” (título do art. 1349º do CC) não significa que tal passagem tenha de decorrer por um dia, uma semana ou outro período de tempo determinado, mas sim durante o momento (latu sensu) em que as obras decorram, e para cuja realização seja indispensável a dita ocupação, que, como passagem que é, é sempre passageira;
- os factos de os AA. terem aproveitado a circunstância de o prédio estar desabitado e de o R. aí se deslocar raramente também não inculcam postura ilícita por parte dos recorridos, uma vez que estes mais não usaram uma prerrogativa que a lei lhes concede;
- também para o uso de tal prerrogativa não é exigível, como vimos, a autorização do dono do prédio ocupado;
- também o alegado uso do quintal por parte dos AA. (aí fazendo circular pessoas e viaturas, depositando materiais e ferramentas, montando andaimes sobre o terreno e sobre o telhado de um anexo, entrando e saindo) não retracta minimamente uso abusivo do mesmo;
- por outro lado, depois de contestar a natureza das obras invocadas pelos AA., ao dizer nos art. 4º e 5º da contestação que “os AA. não executaram as obras que enunciam em 3 da PI, o que fizeram foi demolir parte do muro do seu prédio e edificar um novo tendo ainda efectuado o reboco desse muro”, vem o R. reconvinte, em sede reconvencional dizer que “no essencial, as obras se destinaram a melhorar a estética do prédio, não sendo urgentes, sendo que parte das mesmas eram executáveis do próprio prédio dos AA.” – ora, com isto não alega factos, limitando-se a tecer juízos de valor, designadamente:
- - “melhorar a estética” – melhorar implica sempre um juízo comparativo, com carga objectiva, face ao estado do muro (ou prédio) no momento anterior e no momento posterior às obras, eivado também de subjectividade, consoante as exigências estéticas do observador – de todo em todo, não alegou o reconvinte factos que nos permitissem alcançar com um mínimo de objectividade, e aos olhos de um bom pai de família, tal desiderato;
- - diz o R. as obras não eram urgentes - urgência não constitui um conceito de facto, não é uma realidade factual a respeito da qual o Tribunal deva exercer indagação, sendo sim uma conclusão a que se pode chegar através da demonstração de um conjunto de factos que a evidenciem.
A urgência das obras não é uma realidade substantiva e palpável, sendo sim o juízo ou conceito de valor [No mesmo sentido o Ac. STJ de 4.11.2003, processo nº 04B1296, in www.dgsi.pt] que é possível fazer a respeito de uma determinada situação de facto, que nos permite concluir pela sua classificação ou qualificação como tal.
A urgência não é um facto material e concreto, revestindo-se in casu de carácter jurídico, sendo verdadeiramente um conceito de direito [Neste sentido o Ac. STJ de 28.11.96, in www.dgsi.pt], tanto quanto é certa a relevância que a doutrina e a jurisprudência atribuem ao carácter urgente das obras.
Assim, a sua demonstração ou indemonstração só pode ser extraída do conjunto de circunstâncias de facto que permitam o julgador concluir ou não pela sua verificação.
Não se deve perguntar se uma obra é ou não urgente.
Deve sim ser perguntado porque é que uma obra é ou não urgente, ou seja quais os factos que permitem a conclusão de que a realização dessa obra se impõe, ou antes pelo contrário, quais os factos reveladores de que a sua inexecução não acarreta quaisquer perigos ou prejuízos relevantes – e o certo é que o reconvinte, ora recorrente não alegou tais factos

- alega o R. que as obras eram em parte (qual parte? – não especifica!) executáveis pelo lado do prédio dos próprios AA.;
- por outro lado, alega o R., que, vendo-se privado do seu quintal e devassada a sua propriedade pelos AA., que chegaram a colocar um cadeado no seu portão, e pelas várias pessoas que ali trabalhavam, sentiu-se espoliado e vexado – aqui o único facto adicional reporta-se à instalação do cadeado, aspecto que, sem ser esclarecido, como não foi, nada de novo traz ao evoluir factual da tese reconvencional, já que não concretiza conduta ilícita por parte dos AA., que assim procederam necessariamente para salvaguarda das ditas viaturas, materiais, ferramentas e andaimes que ali, segundo o próprio R. (art. 33º da reconvenção) depositaram, não tendo servido o dito cadeado para impedir o acesso do R. ao seu prédio – tanto quanto é certo que tal nem foi alegado. Não se vislumbra, pois, qualquer ilicitude em tal conduta dos AA.
- Por fim, alega o R. que tal conduta dos AA. causou mal-estar físico e psicológico ao R., que se sentiu revoltado, vexado, espoliado e frustrado com a situação criada pelos AA.
Como vimos, não obstante a licitude da passagem sobre o prédio do R., poderia esta ter dado origem a prejuízos de ordem não patrimonial, que poderiam ser determinantes da obrigação de indemnizar por parte dos AA. – é o que resulta do nº 3 do art. 1349º acima transcrito.
Contudo, sempre se impunha a alegação dos factos subjacentes a tal realidade. Ora, limitou-se o R. a alegar os ditos mal-estar físico e psicológico, e os sentimentos de revolta, vexame e frustração, que são conceitos de tal forma vagos e imprecisos, tão ambíguos e inexactos sob o ponto de vista factual, e de tal forma conclusivos, que não permitem que o tribunal sobre eles faça indagação.

Como ensina Alberto dos Reis, “o juiz, ao organizar o questionário, deve evitar cuidadosamente que nele entrem noções, fórmulas, categorias, figuras ou conceitos jurídicos: deve inserir nos quesitos unicamente factos materiais e concretos... tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de facto, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória”.

Como é sabido, não revelam a gravidade (gravidade que há-de aferir-se por um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos) que deverão assumir os danos morais indemnizáveis, pela sua imprecisão, os meros transtornos, incómodos, preocupações [Ac. RE de 12.7.1983, in CJ, 1983, 4º, 311], o abalo moral [Ac. RC de 4.2.1992, in CJ, 1992, 1º, 232], do mesmo o mal-estar físico e psicológico, e os sentimento de revolta, vexame e frustração.

Improcedem assim todas as conclusões aduzidas pelo recorrente, não nos merecendo qualquer censura a decisão recorrida.

DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.
Porto, 10 de Março de 2005
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha