Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0632423
Nº Convencional: JTRP00039157
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: SUBSIDIARIEDADE
DÍVIDA
GARANTIA REAL
Nº do Documento: RP200605110632423
Data do Acordão: 05/11/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 670 - FLS 200.
Área Temática: .
Sumário: I - Por força do artº 835º, do C.P.C., que consagra a regra da subsidiariedade real, (por contraposição à subsidiariedade pessoal) respondem prioritariamente pelo cumprimento da obrigação os bens do devedor onerados com garantia real.
II - Na subsidiariedade real não se exige a prévia excussão dos bens que respondem prioritariamente, mediante a realização das vendas ou adjudicações, para se poderem penhorar os bens que respondem um último lugar. Basta que o exequente demonstre a insuficiência manifesta dos bens que devem responder em primeiro lugar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO.

1. “B………., S.A.”, instaurou, em 28/02/2003, no Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, execução ordinária hipotecária para pagamento da quantia de 111.155,53 Euros, acrescida de juros vincendos, contra C………., D………., E………. e F………., na qual veio a ser penhorado por termo datado de 13/05/2004 o imóvel (fracção autónoma) sobre que incidia a hipoteca e pertencente à 1ª executada.

2. Na pendência da execução a exequente, por requerimento de 2/11/2004, informou nos autos que tinha autorizado o expurgo da hipoteca incidente sobre o imóvel penhorado, mediante o pagamento de 82.250 Euros, que havia recebido, e que se encontrava em negociações com os executados com vista ao pagamento do remanescente, e requereu que fosse dada sem efeito a penhora, que não tinha chegado a ser objecto de registo e que lhe fosse concedido prazo não inferior a 60 dias para junção do acordo de pagamento.

3. Através de requerimento de 22/04/05, depois de informar não ter logrado obter acordo de pagamento da dívida exequenda remanescente, requereu o prosseguimento da execução nomeando à penhora um imóvel (fracção autónoma) propriedade dos executados E………. e F………. .

4. Sobre esse despacho incidiu o despacho do seguinte teor:
“Atendendo ao princípio da suficiência da penhora e mostrando-se já penhorado um bem imóvel (cfr. fls. 131), indefere-se, ao menos por ora, o requerido”.

5. Na sequência desse despacho, a exequente, através de requerimento de 6/06/05, reiterando o teor dos referidos em 2. e 3., a que acrescentou que, com o valor recebido (82.250 Euros), havia expurgado a hipoteca, requereu, de novo, que fosse dada sem efeito a penhora do imóvel e que a execução prosseguisse com a penhora do imóvel nomeado, o que foi indeferido por se ter considerado encontrar-se esgotado o poder jurisdicional com a prolação do despacho referido em 4.

6. Desse despacho agravou a exequente que, alegando, formulou as seguintes conclusões:
1ª: Na acção executiva da qual procede o presente recurso foi penhorado, nos termos do artº 835º do CPC, um imóvel que garantia, em parte, a dívida exequenda.
2ª: Em resultado de negociações havidas entre a exequente e a executada, devedora proprietária do imóvel, foi expurgada a hipoteca incidente sobre o mesmo, mediante o pagamento à exequente da quantia de 82.250 Euros, proveniente do produto da sua venda extrajudicial a terceiros, aliás, na sequência de criteriosa avaliação do imóvel pelos serviços próprios da exequente.
3ª: A exequente informou nos autos o referido expurgo, bem como o montante recebido, e requereu que fosse dada sem efeito a penhora, uma vez que a mesma não tinha sido, ainda, objecto de registo (requerimento de 02.11.2004).
4ª: E, face à frustração das negociações com vista à regularização ou pagamento extrajudicial da dívida remanescente, requereu, depois, o prosseguimento da execução com a penhora de novo bem, pertencente a outros executados (requerimento de 22.04.2005).
5ª: Tal pretensão foi indeferida com fundamento na suficiência da penhora (despacho de 12.05.2005).
6ª: Face aos valores em causa, com destaque para o valor pago à exequente para expurgo da hipoteca (82.250 Euros), resultante do produto da venda a terceiros do imóvel penhorado, e para o valor da quantia exequenda (111.155,53 Euros), a que acrescem juros vincendos e custas, é manifesta a inexistência de tal fundamento (suficiência da penhora anterior) para indeferir o prosseguimento da execução com a penhora de novo bem.
7ª: Tendo por isso sido reiterados, em novo requerimento, os pedidos para ser dada sem efeito a penhora do imóvel expurgado, e para prosseguimento da execução com a penhora do novo imóvel nomeado pela exequente, o que também veio a ser indeferido, através do despacho recorrido (requerimento de 06.06.2005 e referido despacho de 27.06.2005).
8ª: Ao ser indeferido o prosseguimento da execução com a penhora de novo bem, nas aludidas circunstâncias, foram violados os direitos reconhecidos à exequente no nº 2, al. a) e no nº 3 do artigo 836º do Código de Processo Civil, na sua redacção anterior à que foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.
Termina pela revogação do despacho recorrido e pela sua substituição por outro que ordene o prosseguimento da execução, para cobrança da dívida exequenda remanescente, com a penhora do imóvel por si nomeado.

7. Não foram oferecidas contra-alegações e foi proferido despacho de sustentação.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Os factos a considerar na decisão do agravo são os que constam do presente relatório.

2. Tendo em consideração que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que nelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão a decidir é a da saber se deve a execução hipotecária, nas circunstâncias dos autos, prosseguir com a penhora de imóvel sobre o qual não incide a garantia real em causa.

Tendo a execução sido instaurada em 28/02/2003, são-lhe aplicáveis as disposições do Código de Processo Civil na redacção anterior às introduzidas pelo DL nº 38/2003, de 8 de Março, cujo artº 21º, nº 1, estabelece que as alterações àquele diploma legal só se aplicam nos ou relativamente aos processos instaurados a partir do dia 15 de Setembro de 2003.
E, entrando na apreciação do agravo, desde já se adianta que ele merece provimento pelo que se passa a expor, mesmo sem considerar, por se tratar de questão nova, não suscitada no Tribunal agravado, a alegação da agravante de que o imóvel hipotecado e penhorado foi vendido.

Estando-se perante execução hipotecária, face ao disposto no artº 835º do CPCivil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar, sem outra menção de origem), a penhora começa pelo bem sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução.
Por sua vez, prescreve o artº 836º, nºs 2, al. a), e 3, que, efectuada a penhora, o exequente pode nomear outros bens, quando seja ou se torne manifesta a insuficiência dos bens penhorados, indicando os necessários para suprir a falta ou insuficiência.
Ora, quer o despacho agravado, que considerou esgotado o poder jurisdicional com a prolação do despacho anterior, quer esse despacho anterior (“Atendendo ao princípio da suficiência da penhora e mostrando-se já penhorado um bem imóvel (cfr. fls. 131), indefere-se, ao menos por ora, o requerido”) não procederam a uma correcta aplicação dos preceitos legais citados, atenta a alegação da agravante nos requerimentos sobre os quais incidiram, e ainda no requerimento de 2/11/04, no qual a agravante já havia requerido que fosse dada sem efeito a penhora do imóvel apreendido nos autos, que não tinha sido objecto de registo.

Por força do citado artº 835º, que consagra a regra da subsidiariedade real, (por contraposição à subsidiariedade pessoal) respondem prioritariamente pelo cumprimento da obrigação os bens do devedor onerados com garantia real.
E, como defende F. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 8ª ed., pág. 208, na subsidiariedade real não se exige a prévia excussão dos bens que respondem prioritariamente, mediante a realização das vendas ou adjudicações, para se poderem penhorar os bens que respondem um último lugar. Basta que o exequente demonstre a insuficiência manifesta dos bens que devem responder em primeiro lugar.
No mesmo sentido se pronuncia J. Lebre de Freitas, CPCivil Anotado, 2003, Vol. 3º, pág. 399, escrevendo que a verificação da insuficiência não tem de esperar a consumação da venda, acrescentando que essa regra de penhorabilidade cessa quando, por forma válida segundo a lei civil, tenha lugar a renúncia à garantia real constituída, caso em que o exequente pode, desde logo, fazer incidir a penhora noutros bens.
A renúncia do credor é causa de extinção da hipoteca, enquanto garantia real, renúncia essa que está sujeita à forma exigida para a sua constituição – artºs 686º, 730º, al. d) e 731º do CCivil.
No caso em apreço, nos vários requerimentos que dirigiu aos autos, a exequente, não só requereu que fosse dada sem efeito a penhora do imóvel onerado com garantia real (por duas vezes), como informou ter autorizado o expurgo da hipoteca sobre ele incidente mediante o recebimento da quantia de 82.250 Euros.
Desconhecendo-se embora se o Tribunal recorrido se havia anteriormente pronunciado sobre o pedido de que fosse dada sem efeito a penhora, pelo menos na sequência do requerimento de 6/06/05, sobre o qual incidiu o despacho agravado, deveria ter-se pronunciado sobre ele, não se compreendendo, até porque dele consta alegação diferente da do requerimento de 22/04/05, a justificação de que se encontrava esgotado o poder jurisdicional.
O que não podia era, oficiosamente, indeferir o requerido pela exequente, partindo do pressuposto de que a penhora subsistia e de que o bem penhorado era suficiente para pagamento da quantia exequenda, pois foi alegada a insuficiência (cfr. requerimento de 6/06/05 onde se informa que foi recebido o valor de 82.250 Euros pelo expurgo da hipoteca e que o valor da quantia exequenda ascendia a 111.155,53 Euros, acrescida de juros vincendos).
Deve, portanto, sob pena de violação do disposto no artº 836º, nºs 2, al. a), e 3, a execução prosseguir nos termos requeridos pela exequente, embora eventualmente exigindo comprovação do cancelamento da hipoteca que onerava o imóvel sobre que incidia essa garantia real (v.g. através de certidão do registo predial).

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao agravo devendo ser ordenado o prosseguimento da execução nos termos referidos na fundamentação.
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Sem custas.
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Porto, 11 de Maio de 2006
António do Amaral Ferreira
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Ana Paula Fonseca Lobo