Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
524/08.1TTVCT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: PENSÃO DE REFORMA
COMPLEMENTO DE PENSÃO
Nº do Documento: RP20100920524/08.1TTVCT.P1
Data do Acordão: 09/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O Fundo de Pensões E………., cujo contrato constitutivo foi publicado no DR, III Série, de 2004-12-31 e que foi criado em cumprimento do constante da Cl.ª 87.ª do AE aplicável à empresa C………., S.A., publicado no BTE, 1.ª série, n.º 1, de 2002-01-08, prevê nos artºs. 1.º e 4.º, al. b), do Regulamento de Regalias Sociais constante do seu Anexo I, que será atribuído aos trabalhadores do seu quadro permanente que passem à situação de invalidez pela segurança social um complemento da pensão de reforma “a partir da data de passagem à situação de invalidez”.
II - A obrigação de pagar tal complemento de pensão aos trabalhadores cabe àquele Fundo, consistindo a obrigação da C………., para além do mais, em entregar as respectivas contribuições àquele.
III - Valendo o acordo de alteração do Fundo de Pensões E………., inter partes, já o mesmo não ocorre com os trabalhadores, sendo imprescindível o conhecimento do conteúdo das alterações efectuadas, maxime, por qualquer dos meios assinalados na lei – DR, site do ISP, jornais e outros, previstos no Art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro – para além da autorização do ISP.
IV - A execução do contrato de trabalho coloca o trabalhador numa situação jurídica que goza de protecção legal, equivalente a um direito em formação, a ser tratado como direito adquirido, desde que a condição temporal se venha a verificar mas que, in casu, é suficiente para impedir as RR. de, relativamente ao A., proceder à alteração do contrato constitutivo do Fundo de Pensões E………..
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. N.º 694
Proc. N.º 524/08.1TTCVT.P1



Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


B………. deduziu em 2008-08-14 a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C………., S.A. e D………., S.A., pedindo que se condene as RR. a pagarem ao A.:
a) Um complemento mensal da pensão de reforma por invalidez que lhe é paga pela Segurança Social desde 27 de Setembro de 2007, no montante mensal de € 405,60, sem prejuízo da sua actualização de acordo com as tabelas salariais em vigor na R.;
b) A quantia de € 4.461,60 a título de complementos de pensão de reforma por invalidez já vencidos, sem prejuízo das prestações vincendas e das actualizações devidas, de acordo com as alterações salariais anuais que vierem a ser acordadas e que vierem a vigorar na R., a liquidar em [sic] execução de sentença ou em sede de ampliação do pedido;
c) No mês de Novembro de cada ano, para além do complemento mensal da pensão de reforma por invalidez, um quantitativo de valor igual a esse complemento;
d) Juros de mora sobre as quantias supra referidas desde a data do vencimento das mesmas e até integral e efectivo pagamento.
Alega, para tanto e em síntese, que tendo sido admitido ao serviço da antecessora da 1.ª R. em 2 de Março de 1981 com a categoria de Electricista de Turno, + 2 anos, em 2007-09-27 passou à situação de reformado por invalidez. Mais alega que por força do disposto na cl.ª 87.ª, n.º 1, al. c), do Acordo de Empresa [AE] aplicável e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego [BTE], 1.ª série, n.º 1, de 2002-01-08 e do Regulamento das Regalias Sociais, vigente desde a Ordem de Serviço 6/87, de 4 de Abril, tem direito a um complemento de reforma, que a R. não tem pago, com a justificação de que procedeu a uma alteração ao Plano de Pensões em 2007-07-13 e que o anterior plano de pensões já não estava em vigor à data em que cessou, por caducidade, o contrato de trabalho. Entende o A. que, tendo em atenção a data da sua passagem à situação de reforma por invalidez, essas alterações não se lhe aplicam, que esse complemento de reforma faz parte integrante do seu contrato de trabalho e, como tal, não podia ser alterado sem o seu acordo, não tendo dado o seu acordo ao novo Plano de Pensões e que a “Alteração do Contrato Constitutivo” do Fundo de Pensões apenas vincula as partes signatárias e não o A., que o não subscreveu, para além de que põe em causa um direito já adquirido.
Contestou a 2.ª R., alegando que a alteração do contrato constitutivo do “Fundo de Pensões E……….”, feita em 2007-07-13, é aplicável ao A., pois o contrato de trabalho apenas cessou por caducidade em 2008-02-21, pelo que ele era trabalhador no activo em 2006-12-31, isto é, tendo a alteração efeitos retroactivos a 2007-01-01, é irrelevante que a pensão de invalidez tenha reportado os seus efeitos a 2007-09-27. Mais alega que tal alteração foi levada a cabo com a intervenção de todos os interessados e visou evitar a insolvência do Fundo, tendo o A. passado a ter direito ao regulado no anexo II – Plano de Pensões de Contribuição Definida, com observância dos direitos adquiridos.
Contestou também a 1.ª R., alegando [apenas no que ao recurso interessa] que o pedido formulado apenas pode proceder contra o fundo de pensões, que é quem está obrigado a proceder ao pagamento daquele complemento de reforma, atento o Art.º 7.º, n.º 1, do Anexo I (denominado “Regulamento de regalias sociais”) do Plano de Pensões que vigorava na R. até 2006-12-31, publicado no Diário da República [DR] n.º 305, III Série, de 2004-12-31. Mais alega que de acordo com o AE publicado no BTE n.º 1, de 2002-01-08, a empresa podia negociar alterações ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões, ficando apenas limitado às condições de nenhuma alteração reduzir os valores das pensões em pagamento pelo fundo à data da alteração, nem reduzir os direitos adquiridos (cl.ª 87.ª do AE e19.ªA do “Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões E……….”), condições essas que não se verificam no caso, sendo lícita a alteração a que se procedeu. Alega, por último, que à data de 2007-07-13, o A. não recebia ainda qualquer pensão de reforma, pelo que não tinha qualquer direito adquirido ao abrigo do anterior plano e, daí, que se enquadrasse na cl.ª 6ª, nº 3 da alteração do contrato constitutivo do Fundo de Pensões (e não no nº 2 dessa cl.ª), sendo-lhe aplicável o novo plano de pensões (“plano de pensões de contribuição definida”) criado por essa alteração.
Na audiência de julgamento as partes prescindiram da produção da prova, tendo-se assentado os factos considerados provados, conforme consta do despacho de fls. 185 e 186, sem reclamações – cfr. acta de fls. 187.
Proferida sentença, foram as RR. condenadas a [sic] reconhecerem o direito do A. a receber:
a) Um complemento da pensão de reforma por invalidez que lhe é paga pela Segurança Social desde 27 de Setembro de 2007, no montante mensal de € 405,60, sem prejuízo da sua actualização de acordo com as tabelas salariais em vigor na R.;
b) A quantia de € 4.461,60 a título de complementos de pensão de reforma por invalidez já vencidos e dos que entretanto se venceram, sem prejuízo das prestações vincendas e das actualizações devidas, de acordo com as alterações salariais anuais que vierem a ser acordadas e que vierem a vigorar na R.;
c) No mês de Novembro de cada ano, para além do complemento mensal da pensão de reforma por invalidez, um quantitativo igual a esse complemento;
d) Juros de mora sobre estas quantias, vencidos e vincendos, à taxa legal e até integral pagamento.
Inconformada com o assim decidido, veio a 1.ª R. interpôr recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões:

A) Constituem, em concreto, os motivos da divergência da Recorrente, a errada consideração do M. Juiz a quo quanto à responsabilidade da Recorrente pelo pagamento das quantias peticionadas, as insuportadas construções desenvolvidas naquela peça em matéria de direitos adquiridos e do carácter contratual (em sede laboral) dos termos do Regulamento das Regalias Sociais, anexo ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões, bem como a data em que deve ser considerado o momento da passagem do trabalhador à reforma.
B) Constitui inequívoco fundamento do pedido formulado pelo Recorrido, a pretensão da existência do direito do que o mesmo alega ter a um montante determinado, a título de pensão complementar da reforma, calculada de acordo com o plano de pensões que vigorava na Ré até 31 de Dezembro de 2006, publicado no Diário da República nº 305, (III Série) em 31 de Dezembro de 2004, cuja cópia se encontra junta aos autos com os articulados, pretendendo, o Recorrido, com base naquele Plano, ver condenada a Recorrente no pagamento das referidas pensões, o que o Mº Juiz a quo entendeu não dever conceder de forma expressa, limitando-se a condenar, ambas as Rés, a reconhecer que o Recorrido tem o direito a receber tais quantias e não no seu pagamento, podendo, contudo, desta condenação, vir a retirar-se, ainda que em acção própria instaurada para esse fim, que tal pagamento possa competir à ora Recorrente, com o que esta, porventura por antecipação, não se conforma.
C) Como resulta dos autos - e é reconhecido de forma expressa na douta sentença recorrida! -, o contrato constitutivo celebrado entre a Recorrente e as entidades financeiras outorgantes do mesmo, foi negociado e outorgado pela Recorrente sem qualquer intervenção dos trabalhadores ou seus representantes, exercendo a Recorrente, no acto da outorga daquele contrato, as prerrogativas da liberdade de fixação desses termos que lhe foram reconhecidas em sede de contratação colectiva.
D) É a este respeito inequívoca e esclarecedora a redacção do nº 1 da Clausula 87ª do AE, nos termos da qual a Recorrente se obrigou a garantir a todos os trabalhadores diversas regalias, entre as quais o complemento de reforma, sendo, tais regalias, estabelecidas nas condições dos Instrumentos que naquele AE, se obrigou a criar.
E) Não assumiu, assim, a Recorrente, ao contrário do que pressupõe a douta sentença recorrida, a obrigação de proceder ao pagamento do complemento de reforma, mas apenas o de garantir a sua criação nos termos dos instrumentos cujo conteúdo poderia, de forma livre, negocial.
F) Resulta inequívoco do nº 1 do art. 7º do Regulamento das Regalias Sociais (anexo ao referido contrato constitutivo, de que faz parte e a cujas condições se deve considerar submetido!) que "o pagamento do complemento de pensão de reforma será assegurado pelo Fundo de Pensões", sendo certo, e bem evidente, que este (Fundo) não pertence à Recorrente, competindo o poder, e, simultaneamente, dever, de representação à entidade gestora, a que a Recorrente é alheia.
G) Não competindo à Recorrente, nos termos do instrumento que, como se obrigara, criou, o pagamento de quaisquer quantias a título de complemento de reforma, não poderá ser-lhe peticionado o reconhecimento do conteúdo dessa obrigação e muito menos o seu cumprimento que, obviamente, inexistia na sua esfera jurídica, julgando-se, de forma inexorável, improcedente, por não provado, aquele pedido, de que a Recorrente deveria, assim, ter sido absolvida.
H) Tendo, o Mº Juiz a quo, condenado a Ré a reconhecer que o Recorrido tem direito a receber quantias determinadas a titulo de complemento de reforma, fez, aquele Magistrado, na douta sentença recorrida, errada aplicação do Direito, por incorrecta consideração dos pressupostos da acção, devendo, por isso, ser revogada a douta sentença recorrida.
I) Considerou, igualmente, o M.º Juiz a quo, que as alterações introduzidas em 2007 no Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões, "não produzem qualquer efeito na esfera jurídica do A., ora Recorrido, não afectando o conteúdo da obrigação que recai sobre a Ré (ora Recorrente) de proceder ao pagamento do complemento de reforma que estava em vigor antes das alterações", por considerar que "a partir do momento em que a fórmula de cálculo do complemento de reforma passou a constar do Regulamento Interno de Regalias Sociais, "o direito ao complemento de reforma assim instituído passou a ser um direito efectivo dos trabalhadores, embora sujeito à condição suspensiva de verificação de um facto futuro".
J) Assim, concluiu o M.º Juiz a quo, apesar de não se inibir de exarar, na mesma douta sentença em que sustenta tal tese que "não há que trazer à colação o constante do Contrato Constitutivo do Fundo, pois que este não teve a intervenção dos trabalhadores ou dos seus representantes: vincula apenas a empresa e as estruturas financeiras que o subscreveram".
L) Vinculando, o contrato constitutivo, como reconheceu o Mº Juiz a quo, apenas a Recorrente e as entidades subscritoras do mesmo - que não são integradas pelos representantes dos trabalhadores - ,necessário se torna concluir que nenhuma convenção existiu entre a Recorrente e os Sindicatos representativos dos seus trabalhadores que permita considerar, que as condições do complemento de reforma foram acordadas com os trabalhadores ou com os seus representantes, que à empresa, Recorrente, tenham sido impostos os termos dessa fórmula de cálculo, ou que, igualmente, e por maioria da razão, à empresa tenham sido imposto limites - que não os plasmados no Contrato Constitutivo e os formais, decorrentes do nº 2 da cláusula 87ª do AE - para promover qualquer alteração ao contrato Constitutivo.
M) Não é, assim admissível defender (como fez o Mº Juiz a quo, no que constitui o suporte essencial da douta decisão recorrida) a necessidade de concordância dos trabalhadores para que fossem alteradas determinadas condições de cálculo de pensão de reforma, quando essas mesmas condições haviam sido estabelecidas sem que os trabalhadores ou seus representantes fossem ouvidos.
N) A inscrição, feita pelo Mº Juiz a quo, do direito a um concreto plano de pensões, nas relações colectivas de trabalho, radica, de acordo com a douta sentença recorrida, na cláusula 87ª do A.E. publicado no BTE nº 1 de 8 de Janeiro de 2002 (transcrita nas alegações) da qual resulta, bem ao contrário do que conclui o Mº Juíz a quo, inequívoco que a empresa deveria, apenas, criar instrumentos de regulamentação de regalias sociais, nomeadamente complemento de reforma, sendo, as condições dessas regalias, as que a empresa entendesse adequadas e, sobretudo, exequíveis, não tendo, em qualquer momento do texto acordado, as partes outorgantes, pretendido fixar os termos dessas regalias, que, aliás, expressamente foram afastados, pelos Outorgantes, do conteúdo do Acordo da Empresa.
O) A evidente diferença entre o texto desta cláusula e o da cláusula 90ª do anterior AE (igualmente transcrita nas alegações) demonstra inequivocamente que as partes outorgantes do AE de 2002 eliminaram o carácter contratual das condições do Regulamento do complemento de reforma expressamente deixando de o considerar parte integrante do Acordo como previa o anterior AE.
P) É, precisamente, por ter sido cometida à empresa a tarefa de criação do instrumento regulador das regalias sociais, que o dito "Regulamento de Regalias Sociais" veio a constar do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões E………. (anexo I do Contrato, cfr. Doc. junto aos autos).
Q) Ao contrário do que parece pretender o Mº Juiz a quo, não se está perante um regulamento interno da empresa, elaborado em matéria de organização e disciplina no trabalho que, depois de publicitado - e aceites os seus termos por ambas as partes na relação laboral (o que pode não suceder, nos termos legais!) constituí uma verdadeira fonte de obrigações,
R) Bem pelo contrário, o Regulamento em causa constitui um mero anexo ao Contrato Constitutivo do Plano de Pensões, contrato esse que, como é evidente, tem um regime legal próprio (ao tempo em que foi elaborado, o D.L. nº 12/2006, de 20 de Janeiro), não se confundindo com o regime da contratação colectiva.
S) Neste enquadramento, as alterações ao referido contrato regem-se quanto à sua admissibilidade, termos, condições e demais aspectos conexos, pelo disposto no Decreto-lei nº 12/2006, de 20 de Janeiro.
T) A convenção constante da cláusula 87ª do AE de 2002 não cria qualquer direito de o trabalhador reclamar uma concreta pensão complementar à sua reforma, não lhe conferindo sequer uma expectativa quanto ao seu montante.
U) A concretização dos termos do cálculo do complemento de reforma foi negociado entre a Recorrente e as estruturas financeiras outorgantes do contrato constitutivo, no qual não intervieram os representantes dos trabalhadores, no que constitui um óbvio reconhecimento de que tal matéria fora expurgada da contratação colectiva.
V) Não assistindo aos Sindicatos - por exclusão expressa desse direito em sede de negociação colectiva - a prerrogativa de negociar os termos do cálculo dos complementos de reforma, não assistirá a qualquer trabalhador o direito de negociar tais condições concretas de cálculo da sua pensão, não sendo, assim, susceptível de integrar o quadro dos direitos do trabalhador, individualmente considerado.
X) A noção de direitos adquiridos a ter em consideração na análise da questão controvertida não pode deixar de ser, atenta a matéria em apreço, a que resulta do contrato Constitutivo e da lei aplicável - o artigo 9º do D.L. nº 12/2006 -, segundo o qual: "1- Considera-se que existem direitos adquiridos sempre que os participantes mantenham o direito aos benefícios consignados no plano de pensões de acordo com as regras neste definidas, independentemente da manutenção ou da cessação do vínculo existente com o associado".
Z) Conforme consta do Anexo I ao Contrato Constitutivo do "Regulamento de regalias sociais" encontra-se consagrada, no seu artigo 4º, que, precisamente regula a matéria da "Aquisição do Direito", a seguinte solução: "Só terão direito ao complemento de pensão de reforma os trabalhadores do quadro permanente da empresa que tenham sido reformados por velhice ou passado à situação de invalidez”, o que exclui do benefício criado pelo regulamento qualquer trabalhador cujo contrato de trabalho viesse a cessar por motivo diverso da reforma.
AA) Necessário se torna concluir, deste texto e no que à aquisição do direito respeita que no âmbito do plano de pensões constante do Anexo I do Título Constitutivo de 31 de Dezembro de 2004, o direito ao complemento de pensão de reforma, para a generalidade dos trabalhadores, como o Recorrido, se adquire com a passagem à reforma, não havendo, assim, antes dessa reforma, qualquer direito adquirido.
AB) A tese que subjaz a douta sentença, que confunde a "aquisição do direito", nos termos anteriormente enunciados, com "meras expectativas", não tem qualquer acolhimento na letra do Contrato Constitutivo, o qual foi escrupulosamente respeitado pela Recorrente, quando promoveu as alterações ao mesmo em 13 de Julho de 2007.
AC) Nenhum "direito adquirido" resultando para qualquer trabalhador no activo da Recorrido, do Regulamento de Regalias Sociais em questão, toda a construção da douta sentença recorrida, pressupõe uma confusão (ilícita porque insustentável!) entre o conceito de direito e simples expectativas, que este Venerando Tribunal não deixará de censurar.
AD) Quando em 2004, a Recorrente negociou e contratou - sem intervenção dos trabalhadores ou dos seus representantes - o Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões (junto com os articulados desta acção) respeitou, a Recorrente, integralmente, os termos acordados, com os Sindicatos e plasmados no AE de 2002.
AE) De acordo com esse contrato constitutivo - único instrumento que vinculava a Recorrente na sua liberdade de conformação do seu conteúdo - qualquer alteração deveria ser sujeita à aprovação prévia do Institutos de Seguros de Portugal, sem necessidade de qualquer dos beneficiários a ela aderirem, ao contrário do que constitui pressuposto da douta sentença recorrida.
AF) Nesta alteração - e no processo a ela conducente - apenas cumpriria à Recorrente observar os termos impostos no contrato constitutivo e obter o parecer da Comissão de Trabalhadores, que nem sequer era vinculativo.
AG) Sucedeu que os termos em que estava determinado aquele plano - de beneficio definido - vieram a tornar insustentável aquele fundo, sendo inevitável concluir pela imperiosa necessidade de lhe introduzir alterações, tornando-o um Plano de Pensões de contribuição definida.
AH) Foi, assim, por esta consideração e no exercício das prerrogativas contratualmente permitidas à Recorrente, que esta promoveu negociação e alteração ao plano de pensões vigente, vindo, tal processo negocial, a culminar com a autorização do Instituto de Seguros de Portugal, para que certas alterações fossem promovidas, sendo assinado, em 13 de Julho de 2007, e com efeitos retroactivos a 1 de Janeiro desse ano, o texto de alteração do fundo de pensões E………., por cujo teor o Recorrido passou a estar abrangido.
AI) Foi, assim, licita a alteração promovida, pela Recorrente, uma vez que respeitou os termos legais aplicáveis (no caso concreto a legislação aplicável aos Fundos de Pensões), sendo inequívoco que não teria de obter, nessa alteração, a concordância dos Sindicatos ou dos trabalhadores, uma vez que os termos dessa regalia social manifestamente, não integravam já o domínio das relações colectivas de trabalho, tal como conformadas no respectivo Acordo de Empresa.
AJ) As soluções constantes do contrato e da lei são inteiramente coincidentes no que respeita ao direito ao complemento de reforma, o qual só se adquire aquando do preenchimento dos requisitos necessários para a respectiva atribuição.
AL) A cláusula 87ª do AE de 2002, permite, de forma tão expressa que não é razoável que se desconsidere, no seu nº 2, a alteração das regalias previstas no nº 1, entre as quais se conta a atribuição do complemento de reforma, estabelecendo-se no nº 3 da referida cláusula a limitação transversal a todas as previsões referidas, quer sejam de índole contratual ou legal: as alterações operadas não podem colocar em causa os direitos adquiridos.
AM) Como dos autos abundantemente resulta, não tinha, o Recorrido, ao tempo em que tais alterações se produziram e se iniciaram os seus efeitos, qualquer direito adquirido, carecendo, a este propósito, de qualquer fundamento a convicção (que é apenas disso que se trata) exarada pelo Mº Juiz a quo, quanto ao carácter menos favorável aos trabalhadores dos termos do plano resultante da alteração, pois que tal menor favorabilidade está, manifestamente, por demonstrar, sendo certo que tal demonstração competiria ao Recorrido.
AN) Do mesmo modo, salvo o devido respeito, a construção da douta sentença, suportada na teoria dita "da incorporação de direitos das convenções colectivas nos contratos individuais de trabalho", não encontra o menor suporte, não só porque tal "direito" não fora, ao tempo da alteração, adquirido pelo Recorrido, sendo desse modo um "não direito" ou um "direito inexistente", mas também porque tal matéria não integrava o "direito colectivo" não sendo, assim, preenchido um requisito necessário a essa "incorporação" que é, precisamente o de se transferir para a esfera individual do trabalhador um direito resultante de uma convenção colectiva que lhe seja aplicável.
AO) Tendo sido outorgada em 13 de Julho de 2007, alteração do contrato constitutivo do Fundo de Pensões E………. e definidos como participantes todos os trabalhadores que cumprissem as condições de elegibilidade definidas nos Planos de Pensão aí melhor descritos, e sendo o Recorrido, em 13 de Julho de 2007 um trabalhador que reunia as características próprias para integrar o novo plano de pensões, criado por aquela alteração, não poderá deixar de se concluir pela aplicação ao Recorrido, do plano de pensões resultante das alterações introduzidas em 2007 e não, como erradamente fez o Mº Juiz a quo, o plano de pensões constante do Anexo ao contrato constitutivo de 31 de Dezembro de 2004, revogado por aquela alteração.
AP) Conforme resulta da matéria de facto assente as partes agora em litígio, ao tempo partes num contrato de trabalho, tiveram conhecimento da passagem do Recorrido à situação de reformado em momento posterior ao da outorga da alteração ao titulo constitutivo (13 de Julho de 2007), sendo certo a este propósito dever ser esta a data considerada como data efectiva da prática do acto de alteração, com a imediata produção de efeitos a todos os trabalhadores no activo.
AQ) Nenhuma previsão legal suporta a atribuição, feita na douta sentença recorrida, de eficácia constitutiva ao momento da publicação dessas alterações pelo Instituto de Seguros de Portugal, sendo a publicação, apesar de obrigatória, uma mera formalidade que confirma uma eficácia já decorrente do próprio acto de outorga da alteração ao contrato constitutivo.
AR) Não é assim sustentável defender, como faz o M.º Juiz a quo que esta relação entre o conhecimento da situação de reforma e a produção dos seus efeitos seja diferente conforme se pretenda apreciar os direitos dos trabalhadores - e assim a sua eventual prescrição - e outras circunstâncias, nomeadamente a obrigação de proceder ao pagamento de complemento de pensão de reforma como se discute nos presentes autos.
AS) Resulta, aliás, inequívoco do art. 36º do Regulamento das Regalias Sociais que “a passagem à reforma determina, nos termos gerais do direito a caducidade do contrato de trabalho", o que significa que os outorgantes do contrato a que aquele regulamento está anexo, consideraram o momento da passagem à reforma, para a aplicação do mesmo Regulamento, como aquele em que, nos termos gerais do Direito, ocorre a caducidade do contrato de trabalho.
AT) Tal momento é, inquestionavelmente, o momento do conhecimento por ambas as partes da passagem à reforma do trabalhador, e não a data para a qual a Segurança Social, no exercício das competências que lhe advêm da relação que estabeleceu com o beneficiário (e a que a Recorrente é alheia), indica como a do inicio do pagamento das prestações de reforma.
AU) Apenas este - o momento do conhecimento pelas partes do contrato no trabalho de trabalho, da passagem à reforma do trabalhador - poderá ser considerado o momento da reforma para efeitos da ponderação da regalia social em apreço, sendo verdadeiramente insuportada construção jurídica que pretenda estabelecer aquela data como a da efectiva reforma do trabalhador, como desenvolveu o M. Juiz a quo, interpretando erradamente o Direito, pelo que também nesta matéria deverá ser revogada a douta sentença recorrida.
AV) A douta sentença recorrida fez errada interpretação da cláusula 87ª do A.E. aplicável às relações de trabalho entre Recorrente e Recorrido e do art. 12º do Dec. Lei 12/2006 de 20 de Janeiro, e dos art.s 387º alínea c) e 392º nº 1 ambos do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto, interpretando incorrectamente os documentos constantes nos autos devendo ser revogada.

Inconformada também com o assim decidido, veio a 2.ª R. interpôr recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões:

1. A questão a decidir na presente acção e submetida agora em recurso consiste em saber se o complemento de reforma a que o A. tem direito é aquele que decorre do contrato constitutivo do Fundo de Pensões que vigorava na R., ou se, pelo contrário, essa regalia é aquela que decorre das alterações a esse contrato assinadas em 13.07.2007";
2. O A. requereu a pensão por invalidez e em 21.02.2008 o Instituto da Segurança Social comunicou ao A. que passaria à situação de reforma, por invalidez (cfr. sentença ponto 5 dos "Factos Provados"); fazendo reportar o início da pensão a 27.09.2007 (cfr. sentença - ponto 6 dos "Factos Provados");
3. Posto o que, o contrato de trabalho em causa estava em vigor em 13.07.2007, data em que foi assinado o contrato de alteração do Contrato do Fundo de Pensões E………., como se viu, com efeitos retroactivos a 01 de Janeiro desse ano (cfr. sentença - ponto 9 dos "Factos Provados");
4. Por conseguinte, aquando da outorga da referida alteração do contrato constitutivo do Fundo de Pensões E………., o A. tinha o estatuto de trabalhador efectivo da empresa, sendo definidos como Participantes, todos os trabalhadores que cumprissem as condições de elegibilidade definidas nos planos de pensão aí descritos;
5. Estabeleceu-se que o Plano de pensões de contribuição definida seria aplicável a todos os trabalhadores efectivos em 1 de Janeiro de 2007 (que é o caso do A.) e a todos os trabalhadores que viessem a ser admitidos para o quadro de efectivos de qualquer das empresas associadas e que cumprissem as condições de elegibilidade definidas naquele plano (cfr. clausula 6ª);
6. O A. era, pois, em 13.07.2007 um trabalhador que reunia as características próprias para integrar o plano de pensões de contribuições definidas, criado por aquela alteração, não tendo qualquer direito adquirido ao abrigo do anterior plano, nem recebendo, em data anterior a 13.07.2007 qualquer pensão paga por aquele Fundo;
7. Ora o A. alega que o direito ao complemento de reforma a que se arroga fazia parte integrante do seu contrato de trabalho e, como tal, não podia ser alterado sem o seu acordo;
8. A sentença recorrida ao acolher tal tese erra duplamente pois, por um lado, não ficou provado (nem poderia ficar, uma vez que não tem qualquer suporte na verdade material subjacente) que o referido complemento de reforma fizesse parte integrante do contrato de trabalho do A.; por outro lado, erra quanto ao enquadramento legal interpretativo dos instrumentos contratuais em causa;
9. Com efeito, como já se salientou o direito ao complemento de reforma de que se trata não consubstanciava - no contrato constitutivo - um direito adquirido pelo trabalhador;
10. Postula a sentença (cfr. pág. 10) que "no caso que agora analisamos, não se vislumbra qualquer motivo ponderoso para que seja considerada outra data que não aquela que a Segurança Social indica como início da invalidez" e logo adiante, que o complemento de reforma a atribuir é o que for devido "desde o momento em que o trabalhador passa a receber a respectiva pensão prestada pelo sistema da segurança social" ..... "E parece-nos liquido que esse complemento de reforma é devido desde o momento em que a Segurança Social, por lhe ter atribuído a reforma por invalidez, lhe começou a pagar a respectiva pensão. Nessa medida, por ser então que nasce a obrigação que aqui está em causa, é que é esta a data relevante para averiguar qual o sistema que lhe é aplicável"
11. Posto isto, é paradoxal e afigura-se inaceitável que a sentença determine que o A. já era credor do complemento de reforma, tal como ele estava previsto antes das alterações ao contrato;
12. Com efeito, como já salientado, as alterações contemplam a aquisição de direitos anteriores ao momento da caducidade do contrato por reforma, o que não sucedia com o anterior contrato constitutivo, visto que é expressamente prevista a manutenção do direito aos benefícios acolhidos no Plano de pensões independentemente da manutenção ou da cessação do vinculo existente com o associado (v. art. 9° n.º 2 do DL 12/2006 de 20 de Janeiro).

O A. apresentou a sua contra-alegação a ambas as apelações, que concluiu pela improcedência dos recursos e pela confirmação da sentença.
O Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que as apelações não merecem provimento.
A 1.ª R. veio tomar posição quanto ao teor de tal parecer, tendo junto douto parecer jurídico da autoria do Exm.º Sr. Prof. Dr. Júlio Manuel Vieira Gomes.
Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão e entregues as respectivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[1], foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:

1 – O A. foi admitido, em 2 de Março de 1981, ao serviço de “F………., E.P.”, nas instalações fabris de G………., Viana do Castelo, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer a actividade de electricista.
2 – Em Dezembro de 1990, essa empresa foi transformada em sociedade anónima, com a denominação de “F………., S.A.”.
3 – Na sequência do desmembramento desta sociedade anónima, em Junho de 1993, o A. passou a desempenhar a sua actividade para a R.
4 – O A. auferia ultimamente a retribuição mensal ilíquida de € 1.395,23.
5 – Em 21/2/08, a Segurança Social comunicou ao A. que passava à situação de reformado por invalidez.
6 – O ISS fez reportar o início da pensão por invalidez a 27/9/2007.
7 – Em 2002, a R. e as associações sindicais representativas dos trabalhadores, na qual se encontrava filiado o A., subscreveram um Acordo de Empresa (BTE, 1ª, nº.1, de 8/1/02).
8 – Na sequência do que constava do artº. 87, nº. 1, c), desse AE, a R. subscreveu o contrato constitutivo do Fundo de Pensões E………. com H………., S.A., (D.R., III série, 31/12/04.
9 – Em 13/7/2007, a R. subscreveu juntamente com E………. e D………. (entidade que geria o fundo de pensões desde 1/01/06), uma alteração ao referido contrato constitutivo com efeitos reportados a 1/1/2007 (documento de fls. 118 a 125, cujo teor se dá aqui por reproduzido).
11[2] – O A. nunca deu o seu acordo à alteração referida em 9).

Fundamentação.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[3], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota(1), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 2000, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, são três as questões a decidir nesta apelação, a saber:
I – Junção de parecer jurídico com a resposta ao parecer do Ministério Público.
II – Se, não sendo a 1.ª R. a entidade responsável pelo pagamento do complemento de reforma, não deverá ser o sujeito passivo de tal obrigação.
III – Se ao A. não é aplicável o plano de pensões previsto no contrato constitutivo do Fundo de Pensões E………. publicado no DR, III Série, de 2004-12-31, mas sim o resultante das alterações introduzidas, em 2007-07-13 (com efeitos reportados a 2007-01-01), ao referido contrato constitutivo.

A 1.ª questão.
Reporta-se ela à junção de parecer jurídico com a resposta ao parecer do Digno Magistrado do Ministério Público.
Na verdade, a R., ora apelante, com a resposta a tal parecer, juntou aos autos um parecer jurídico emitido pelo Exm.º Prof. Dr. Júlio Manuel Vieira Gomes.
Vejamos, então.
“…Ao caso é aplicável, subsidiariamente, o CPC, na versão introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08, que revogou o então art. 706º, preceito que dispunha sobre junção de documentos e pareceres, matéria que passou a constar do art. 693º-B, aditado pelo citado diploma.
Acontece que este novo preceito é omisso quanto à junção de pareceres, reportando-se, apenas, à junção de documentos e dispondo, quanto a estes, que poderão eles ser juntos, apenas, com as alegações.
Apesar dessa omissão, afigura-se-nos que não oferecerá grande dúvida a possibilidade de junção dos pareceres com as alegações. Com efeito, não só não se vê razão que justifique tal proibição, como, nos termos do art. 525º do CPC, os pareceres poderão ser juntos, nos tribunais de 1ª instância, em qualquer estado do processo; ora, as alegações são apresentadas na 1ª instância.
Acresce que o art. 700º, nº 1, al. e) [do CPC], mantém nos poderes do relator a autorização ou recusa da junção de pareceres, o que só faz sentido se essa apresentação for possível[4].
O momento até ao qual os pareceres poderão ser juntos será, no processo civil, por aplicação seja do art. 525º, seja do referido art. 693º-B, as alegações, o que é também compreensível face à actual tramitação do recurso nessa jurisdição.
Acontece que, no processo laboral, este comporta a emissão, pelo Ministério Público (quando não seja patrono ou represente qualquer das partes), de um parecer sobre a decisão final a proferir, com a subsequente observância do contraditório (cfr. art. 87º, nº 3, do CPT).
Considerando, assim, tal especificidade do processo laboral, entendemos que razão alguma obsta a que, com a resposta ao parecer do Ministério Público, possam as partes juntar parecer jurídico...
Assim sendo, admite-se a junção do parecer de fls. da autoria do referido catedrático…”[5].
Ora, estando nós de acordo com os fundamentos expendidos, decidimos - sem necessidade de mais desenvolvidos fundamentos - também admitir a junção de tal parecer.

A 2.ª questão.
Trata-se de saber se, não sendo a 1.ª R. a entidade responsável pelo pagamento do complemento de reforma, não deverá ser ela o sujeito passivo de tal obrigação, mas sim o Fundo de Pensões.
Refere-se, adrede, no citado acórdão desta Relação de 2010-05-19:
“...Entende a Recorrente que não lhe poderá ser peticionado o reconhecimento e, muito menos, o pagamento, do alegado direito à pensão complementar de reforma.
Para tanto, considera, em síntese, que: face ao disposto na Clª 87ª, nº 1, do AE, a Recorrente obrigou-se, apenas, a garantir a criação de instrumentos, cujo conteúdo poderia livremente negociar, que assegurem aos trabalhadores diversas regalias, entre as quais o complemento de reforma, ao que foi dado cumprimento através do contrato constitutivo do Fundo de Pensões E………., publicado no DR, III Série, de 31.12.2004; do nº 1 do art. 7º do Regulamento das Regalias Sociais, que constitui o Anexo I ao referido Contrato Constitutivo, decorre que “o pagamento do complemento de pensão reforma será assegurado pelo Fundo de Pensões”, Fundo esse que não pertence à Recorrente e competindo o poder, e, simultaneamente, o dever, de representação do mesmo à entidade gestora, a que a Recorrente é alheia. Assim, não se tendo obrigado ao pagamento dos complementos de reforma e não lhe competindo esse pagamento, não poderá ser-lhe peticionado o reconhecimento do conteúdo dessa obrigação e, muito menos o seu cumprimento, pelo que deveria ter sido absolvida.
Vejamos.
2.1. Dispõe a Cl.ª 87ª do AE de 2002([6]) o seguinte:
1—A Empresa garantirá a todos os seus trabalhadores, nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar, as seguintes regalias:
a) Seguro de vida;
b) Seguro de doença;
c) Complemento de reforma de invalidez;
d) Complemento de reforma de velhice e sobrevivência;
e) Subsídio especial a filhos deficientes;
f) Subsídio de casamento e de funeral.
2—Será solicitado parecer aos representantes dos trabalhadores quando se verifiquem alterações nas regalias referidas no nº 1.
3—A Empresa reconhece os direitos adquiridos pelos trabalhadores ao abrigo de instrumentos anteriormente vigentes e reguladores destas matérias.
Para execução do comando previsto em tal cláusula, veio a ser criado o Fundo de Pensões E………., através do contrato constitutivo publicado no DR III Série, de 31.12.04, e de cujo Anexo I consta o Regulamento de Regalias Sociais, neste se prevendo:
Artigo 1º
A empresa atribuirá aos trabalhadores do seu quadro permanente que se reformem ou passem à situação de invalidez um complemento da pensão atribuída pela segurança social, nos termos e condições dos artigos seguintes. (…)”.
Artigo 7º
Pagamento
1 – O pagamento do complemento de pensão de reforma será assegurado pelo Fundo de Pensões.
2 – (…)
Artigo 13º
Pedido do complemento de pensão de reforma
A atribuição de complemento de pensão de reforma será proposto à administração, através do departamento de pessoal, devendo ser prestada informação sobre o valor mensal do complemento e a data prevista ou previsível do início do respectivo pagamento.
De referir ainda que o Fundo de Pensões é um património autónomo que se encontra exclusivamente afecto à realização de um ou mais planos de pensões (ou benefícios de saúde) – cfr. art. 2º, al. c) do DL 12/2006, de 20.01[7].
Da conjugação dos citados arts. 7º e 13º decorre que, conquanto o pagamento da pensão complementar seja assegurado pelo Fundo de Pensões E………., às empresas associadas compete a atribuição da mesma e, por isso, o reconhecimento da existência, ou não, do respectivo direito.
No caso, como decorre do dispositivo da sentença, não se coloca a questão da responsabilidade da ré, ora recorrente, pelo pagamento da pensão complementar já que a sentença não a condenou nesse pagamento. Com efeito, na sentença, apenas se reconheceu o direito ao complemento, rectius, apenas se condenou a ré a reconhecer que ao A. assistia tal direito. E, face ao referido art. 13, competindo à administração da Ré a atribuição do complemento da pensão, visando a acção o reconhecimento do direito ao seu pagamento foi, e bem, proposta contra a Ré.
Assim sendo, improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso...” – fim de citação.
Ora, estando nós de acordo com a fundamentação e decisão desta questão, tal como consta do referido Acórdão desta Relação e não sendo necessário aditar quaisquer outras considerações, concluimos no sentido da improcedência das conclusões A) a H) da apelação da 1.ª R.

A 3.ª questão.
Trata-se de saber se ao A. não é aplicável o plano de pensões previsto no contrato constitutivo do Fundo de Pensões E……… publicado no Diário da República, III Série, de 2004-12-31, mas sim o resultante das alterações introduzidas, em 2007-07-13 (com efeitos reportados a 2007-01-01), ao referido contrato constitutivo.
Ambos os recursos têm esta questão por objecto, senso o da 2.ª R. na sua totalidade e o da 1.ª R., parcialmente.
Vejamos.
As partes divergem porquanto, segundo o A., à data da alteração, ele tinha direitos adquiridos que a ela obstavam, entendendo as RR. que o A. não tinha direitos adquiridos, pelo que podiam alterar o plano de pensões, como efectivamente o fizeram.
A questão a resolver não é simples.
Entendem alguns autores que a execução do contrato de trabalho, conferindo o direito a uma expectativa jurídica, não conferem direito - adquirido - a um complemento de pensão, pois tal só surge na data em que o trabalhador passar a ser considerado reformado por velhice ou por invalidez[8]. Vai nesse sentido o disposto no Art.º 4.º do Regulamento de Regalias Sociais e na cláusula 8.ª, 1 do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões E………..
Entendem outros que o direito ao complemento de reforma integra um verdadeiro direito subjectivo, embora sujeito a condição suspensiva, facto futuro e incerto, por exemplo, a idade, a invalidez ou a morte[9].
O legislador, embora referindo-se a direitos adquiridos[10], também usa expressões do tipo expectativas, expectativas adquiridas[11], direitos em formação[12] ou direitos individuais em formação[13], ficando nós sem saber se temos duas categorias, expectativa e direito ou três, expectativa, direito em formação e direito, ou mais.
Seja como for, certo é que a execução do contrato de trabalho coloca o trabalhador numa situação jurídica que goza de protecção legal, como todos reconhecem, pois expectativa jurídica é algo mais que mera expectativa e direito em formação há-se ser algo mais que aquelas; daí que quando se refere direito adquirido, tratar-se-á certamente de um direito que esteve em formação ou que surgiu de uma situação jurídica terminada recentemente.
Daí que, a nosso ver, seja, pelo menos, duvidosa a tese que faz derivar do disposto no Art.º 4.º do Regulamento de Regalias Sociais e na cláusula 8.ª, 1 do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões E………., que a execução do contrato de trabalho só confere lugar a uma mera expectativa, por se tratar de uma concepção excessivamente redutora e desproporcionada. Tratar-se-á mais, certamente, de um direito em formação[14], a ser tratado como direito adquirido, desde que a condição temporal se venha a verificar mas que, in casu, seria suficiente para impedir as RR. de proceder à alteração do plano de pensões, como o fizeram em 2007-07-13.
Aliás, como se refere no Acórdão desta Relação, da mesma data, proferido no Proc. n.º 118/08.1TTVCT.P1, “Mesmo que se entenda o contrário, então - e dado que a atribuição do complemento de pensão de reforma é prática reiterada e uniforme, pelo menos desde 1987, por parte da 1ª Ré - estamos perante um verdadeiro uso da empresa que foi incorporado no dito Anexo I do Contrato Constitutivo e que deste modo passou igualmente a integrar os contratos individuais de trabalho (artigo 12º nº 2 da LCT e artigo 1º do C. do Trabalho de 2003, este último vigente na data da celebração do Contrato Constitutivo). Neste sentido é a posição defendida no acórdão do STJ de 5.7.2007 - publicado em www.dgsi.pt (processo 06S2576) - acórdão que mereceu o seguinte comentário, por parte do Professor Júlio Vieira Gomes e que passamos a transcrever: (.) " o uso não tem na sua base qualquer proposta negocial do empregador, encontrando-se, antes, o fundamento para a vinculação deste na confiança gerada por uma conduta reiterada que acaba por valer como regra e da qual resultam para os trabalhadores pretensões individuais que se inserem nos respectivos contratos de trabalho" - Novos Estudos de Direito do Trabalho, página 42.”
Em síntese e de qualquer modo, ao A. não é aplicável o plano de pensões resultante das referidas alterações introduzidas em 2007-07-13, mas o constante do contrato constitutivo do Fundo de Pensões E………., publicado no Diário da República, III Série, de 2004-12-31.

Improcedem, destarte, as restantes conclusões do recurso da 1.ª R. e a totalidade das conclusões do recurso da 2.ª R.

Decisão.
Termos em que se acorda em negar provimento à apelação, assim confirmando a sentença.
Custas pelas RR.

Porto, 2010-09-20
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho (com dispensa de visto)


_____________________
[1] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma.
[2] O n.º 10 encontra-se omitido nos autos, tanto no despacho respectivo, como na sentença.
[3] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532.
[4] Sobre esta questão cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, pág. 217.
[5] Seguiu-se de perto o Acórdão desta Relação do Porto de 2010-05-19, proferido no Proc. n.º 120/08.3TTVCT.P1, in www.dgsi.pt, de que foi Relatora a Exm.ª Desembargadora Dr.ª Paula Leal de Carvalho.
[6] A Clª 90ª do precedente AE, publicado no BTE, 1.ª série, nº 7, de 22.02.1999, dispunha que:
1—A empresa garantirá a todos os seus trabalhadores, nas condições das normas constantes de regulamento próprio, que faz parte integrante deste acordo, as seguintes regalias:
a) Seguro social;
b) Complemento de subsídio de doença e acidentes de trabalho;
c) Subsídio de casamento;
d) Subsídio especial a deficientes;
e) Complemento de reforma;
f) Subsídio de funeral.
2—O regime global de regalias sociais previsto no número anterior substitui quaisquer outros regimes parciais anteriormente existentes na Empresa, pelo que a sua aplicação implica e está, por isso, condicionada à renúncia expressa, por parte dos trabalhadores, a esses regimes parciais, ainda que estabelecidos em contrato individual de trabalho.
[7] Que revogou o antecedente DL 475/99, de 09.11, cujo art. 2º dispunha de forma essencialmente idêntica.
[8] Cfr. Bernardo Xavier, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, in Pensões complementares de reforma – Inconstitucionalidade da versão originária do art. 6.º, 1, e) da LRC, anotação ao Acórdão N.º 966/96 – Processo N.º 22/93 do Tribunal Constitucional de 1996-07-11, REVISTA DE DIREITO E DE ESTUDOS SOCIAIS, Janeiro-Setembro – 1997, Ano XXXIX (XII da 2.ª Série) – N.ºs 1-2-3, págs. 133 ss., nomeadamente, 155 a 160 e António Menezes Cordeiro, in Convenções colectivas de trabalho e direito transitório: com exemplo no regime da reforma no sector bancário, págs. 15 ss. e Dos conflitos temporais de instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, págs. 37 ss., ambos em TEMAS DE DIREITO DO TRABALHO, CADERNOS O DIREITO, N.º 1, 2007, Almedina.
[9] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, in Em torno de um equívoco na interpretação e aplicação das convenções colectivas de trabalho: o exemplo das cláusulas sobre pensões do Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário, págs. 57 ss. e Catarina Pires/João da Costa Andrade, in O regime jurídico relativo à atribuição e cálculo da reforma de certos trabalhadores do sector bancário: tentativa de superação de um (falso) problema de aplicação da lei no tempo, págs. 75 ss., ambos em TEMAS DE DIREITO DO TRABALHO, CADERNOS O DIREITO, N.º 1, 2007, Almedina.
[10] Cfr. os Art.ºs 24.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 415/91, de 25 de Outubro, 20.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 475/99, de 9 de Novembro e 24.º, n.º 2 e 60.º, n.º 1, b), ii) do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro.
[11] Cfr. os Art.ºs 56.º do Decreto-Lei n.º 475/99, de 9 de Novembro e 100.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro.
[12] Cfr. o Art.º 61.º, n.º 4, alínea a) do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro.
[13] Cfr. o Art.º 11.º, n.º 4, alínea d), § 2.º da Directiva 2003/41/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 2003-06-03, relativa às actividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais, in Jornal Oficial da União Europeia, L 235, de 2003-09-23, págs. 10 ss.
[14] Ou expectativa jurídica, mas em que a tutela é de intensidade semelhante àquela que é conferida pelo direito subjectivo, sob condição: cfr. Luís Gonçalves da Silva, in Breves Reflexões sobre a Convenção Colectiva aplicável à Pensão de Reforma no Sector Bancário, REVISTA DE DIREITO E DE ESTUDOS SOCIAIS, Janeiro-Setembro – 2004, Ano XLV (XVIII da 2.ª Série) – N.ºs 1-2-3, págs. 255 ss., nomeadamente, págs. 273 a 276.


__________________________
S U M Á R I O

I. O Fundo de Pensões E………., cujo contrato constitutivo foi publicado no DR, III Série, de 2004-12-31 e que foi criado em cumprimento do constante da Cl.ª 87.ª do AE aplicável à empresa C………., S.A., publicado no BTE, 1.ª série, n.º 1, de 2002-01-08, prevê nos artºs. 1.º e 4.º, al. b), do Regulamento de Regalias Sociais constante do seu Anexo I, que será atribuído aos trabalhadores do seu quadro permanente que passem à situação de invalidez pela segurança social um complemento da pensão de reforma “a partir da data de passagem à situação de invalidez”.
II. A obrigação de pagar tal complemento de pensão aos trabalhadores cabe àquele Fundo, consistindo a obrigação da C………., para além do mais, em entregar as respectivas contribuições àquele.
III. Valendo o acordo de alteração do Fundo de Pensões E………., inter partes, já o mesmo não ocorre com os trabalhadores, sendo imprescindível o conhecimento do conteúdo das alterações efectuadas, maxime, por qualquer dos meios assinalados na lei – DR, site do ISP, jornais e outros, previstos no Art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro – para além da autorização do ISP.
IV. A execução do contrato de trabalho coloca o trabalhador numa situação jurídica que goza de protecção legal, equivalente a um direito em formação, a ser tratado como direito adquirido, desde que a condição temporal se venha a verificar mas que, in casu, é suficiente para impedir as RR. de, relativamente ao A., proceder à alteração do contrato constitutivo do Fundo de Pensões E………..