Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
96/10.7GASBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: ALCOOLÉMIA
Nº do Documento: RP2011060896/10.7GASBR.P1
Data do Acordão: 06/08/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Não é legítimo inferir, de forma automática, que os resultados do alcoolímetro se tornam insusceptíveis de valerem como prova, a partir do dia em que expirou o prazo da anterior verificação: o que é legítimo esperar é que o tribunal, na posse de factos concretos que contrariem o resultado obtido e permitam, de forma fundamentada, questionar a sua fiabilidade e, constatando que o aparelho venceu os prazos da verificação, pondere, perante a existência de uma dúvida razoável, não aceitar o resultado fornecido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 96/10.7GASBR.P1
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade,
- após conferência, profere, em 8 de Junho de 2011, o seguinte
acórdão
I - RELATÓRIO
1. No Processo Abreviado n.º 96/10.7GASBR, do Tribunal Judicial da Comarca de Sabrosa, em que é arguido B…, foi proferida sentença que decidiu “absolver o arguido (…) da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal” [fls. 73].
2. Inconformado, o Ministério Público recorre, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [fls. 106-111]:
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3. Na resposta, o arguido refuta os argumentos do recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 115-119].
4. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls. 130-131].
5. Após os vistos, realizou-se a conferência.
6. A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva “motivação” [fls. 66-]:
«1. Factos provados
1- No dia 15 de Agosto de 2010, pelas 00.46h, o arguido B… conduzia o veículo ligeiro de passageiros, propriedade de C…, S.A.", com a matrícula ..-GV-.. na E.M. …, …, …., nesta comarca de Sabrosa, quando foi mandado parar pelos militares da GNR que se encontravam em missão de fiscalização de trânsito.
2- O arguido foi, então, submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, mediante a análise ao ar expirado, através do aparelho Drager Alcotest 7110MKIIIP, modelo ARAC - 0050.
3- O aparelho referido em 2 foi sujeito aos ensaios de controlo metrológico em 14.05.2009 (data da última verificação)
4- O arguido sabia que não lhe era permitido conduzir veículos sem motor com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2g/l.
5- Ao proceder do modo descrito em 1), o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente.
6- O arguido não possui antecedentes criminais registados.
2. Factos não provados
1- Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em 1 dos factos provados, o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,24 g/l.
3. Motivação da decisão de facto
O tribunal fundou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, de acordo com a sua livre convicção e as regras de experiência comum, tal como impõe o art. 127.º do Código Processo Penal, e, como doravante se passa a explicitar.
Desde logo, valorou o tribunal os depoimentos isentos e descomprometidos (por não revelarem qualquer interesse no desfecho da lide) das testemunhas D… e E…, militares da GNR responsáveis pela acção de fiscalização ao arguido nas circunstâncias enunciadas na acusação pública. Estas testemunhas confirmaram a veracidade do teor do auto de notícia de fls. 4, também valorado, afirmando terem sido responsáveis pela sua elaboração, constando do mesmo as suas assinaturas.
Asseveraram, de modo coincidente, que nas circunstâncias de tempo e lugar enunciadas no libelo acusatório, deram ordem de paragem ao arguido, que seguia ao volante do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-GV-.., propriedade de uma empresa de aluguer de viaturas (identificada no auto de notícia), sendo que este, sujeito a fiscalização, nomeadamente a teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue apresentou a taxa constante do talão de fls. 13.
O teor de talão de controlo de fls. 13 permitiu ao tribunal perceber qual a marca e modelo do alcoolímetro utilizado no exame de pesquisa de álcool no sangue a que o arguido se submeteu, e, bem assim, a data da última verificação do aparelho.
Quanto aos factos dados como provados relativos à convicção do arguido no momento da sua actuação, o tribunal considerou o conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, apreciadas à luz das regras enunciadas pelo art. 127.º do Código Processo Penal, porquanto a motivação e convencimento intrínseco do arguido constitui uma realidade não apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras de experiência comum.
Com efeito, lançando mão das regras de experiência, somos de concluir que o arguido não podia deixar de saber que a actividade consistente na condução de veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue de valor superior a 1,2g/l constitui ilícito criminal. Na verdade, várias foram as campanhas de prevenção contra este tipo legal de crime, que incutiram em todos os membros da comunidade a consciência de criminalização de tal conduta.
A circunstância atinente à ausência de antecedentes criminais registados resultou provada à custa do teor do certificado do registo criminal do arguido de fls.43.
Relativamente à factualidade não provada, temos que da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente do sobredito talão de controlo de fls. 13, resulta que o exame de pesquisa de álcool no sangue foi efectuado ao arguido através do aparelho Drager, modelo 7110 MK IIIP.
Esse aparelho foi aprovado pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ) a 24 de Abril de 2009, através do despacho n.º11037/07 e pela ANSR a 25 de Junho de 2009, através do despacho n.º19684/09, publicado do DR n.º166, 2ª Série de 27 de Agosto de 2009.
Neste último despacho é feita referência que no sentido que o aludido aparelho "contém os elementos necessários para medir a concentração de álcool no sangue."
Prescreve o n.º1 do art.1.- do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º18/2007, de 17 de Maio, que "a presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuada em analisador quantitativo."
Por sua vez, o n.º2 do citado preceito legal estabelece que "a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue."
Finalmente, o art. 14.º do citado regulamento prescreve que "nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária." Mais se consagra que "a aprovação (...) é precedida de homologação de modelo a efectuar pelo Instituto Português de Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros."
Por conseguinte, não existem dúvidas quanto à possibilidade de utilização do aparelho em causa - Drager Alcotest 7110 MK IIIP - para efeitos de fiscalização de pesquisa de álcool no sangue, tanto mais que a aprovação do modelo é valida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação do modelo (cf. art. 2.º, nº2 do Decreto-Lei n.º291/90, de 20 de Setembro, art. 6, nº3 do Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela portaria n.º1556/2007, de 10 de Dezembro, bem como o despacho da ANSR n.º19684/2009, a contrario)
Destarte, a questão que se coloca, in casu, prende-se com saber qual o valor probatório a conceder ao resultado de um controlo realizado com aparelho que, apesar de regularmente aprovado, ultrapassou o prazo de validade, sem ter sido objecto da competente verificação ou controle de medição.
Do talão de controlo de fls. 13, temos que a data da última verificação do alcoolímetro utilizado no controlo efectuado ao arguido remonta a 14.05.2009, tendo o arguido sido submetido ao controlo de pesquisa de álcool no sangue em 15.08.2010.
Vejamos então.
O Decreto-Lei n.º291/90, de 20 de Setembro, procedeu à "harmonização do regime anteriormente aplicável ao controlo metrológico com o direito comunitário, assegurando à indústria nacional de instrumentos de medição a entrada nos mercados da CEE em igualdade de circunstâncias." (cf. preâmbulo do decreto-lei em apreço)
Nessa medida, veio consignar um regime regulador do "controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição envolvidos em operações comerciais, fiscais ou salariais, ou utilizados nos domínios da segurança, da saúde ou da economia de energia, bem como das quantidades dos produtos pré-embalados e, ainda nos bancos de ensaio e demais meios de medição (...)"
A metrologia, enquanto ciência da medição, "assenta num conjunto de pressupostos prévios que (...) simplificam a actuação concreta de uma multiplicidade de situações que vão do campo do direito à actividade industrial." Em virtude do que, a metrologia legal "baseia-se no estabelecimento de um conjunto de características dos instrumentos de medição e na sujeição obrigatória destes a uma operação de aprovação de modelo, prévia à sua inclusão nos actos de controlo metrológico, operação que garante que os mesmos estão de acordo com a norma aplicável. Antes de entrarem em funcionamento e, depois, em intervalos regulares durante a sua vida útil, estes instrumentos são sujeitos a operações de verificação metrológica, que garantem que as características metrológicas continuam a satisfazer os requisitos legais." (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01.10.2008, proc. n.º0843774, in www.dqsi.pt.. citando Jorge Fradique, Isabel Morgado Leal e Rui Sá, in "A primeira verificação de instrumentos de pressão, de 2002 a 2004, com garantia metrológica)
É precisamente o sobredito Decreto-Lei n.º291/90, de 20 de Setembro, que estabelece o Regime Geral do Controlo Metrológico, constituindo o mesmo um diploma de aplicação generalizada aos diversos métodos ou instrumentos de medição. Na verdade, aí se prevê a existência de quatro operações de controlo metrológico: a aprovação do modelo, a primeira verificação, a verificação periódica e a verificação extraordinária, (cf. art. 1, nº3)
Nos termos do disposto no artigo 2.º, nº1 do diploma legal em apreço, "a aprovação de modelo é o acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria (...)".
Por sua vez, "a primeira verificação é o exame e o conjunto de operações destinados a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respectivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis." (cf. art. 3, nº1)
Já a verificação periódica "é o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo." (cf. art. 4, nº1)
Por último, "a verificação extraordinária ocorre apenas em casos de dúvidas ou de reclamações específicas, (cf. art. 5, nº1)
Coligido o regime geral, cumpre analisar a concreta regulamentação aprovada em matéria de alcoolímetros (cf. art. 1. nº1, parte final e 15.º do Decreto-Lei n.º291/90, de 20 de Setembro).
Tal regulamentação consta hoje da Portaria n.º1556/2007, de 10 de Dezembro, e aprova o denominado Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, isto é, dos "instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado." (cf. art. 2, nº1 da referida Portaria)
Veio, de igual modo, estabelecer regras relativas às verificações metrológicas, pois que aí se estabelece que "a primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano." (cf. art. 7, nº1)
Por sua vez, também ali se dispõe que "a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo." (cf. art. 7, n.º2) Preceito que confronta com estatuído no art. 4, n.95 do Decreto-Lei n.º291/90, de 20 de Setembro, o qual dispõe que "a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário."
Nesse conspecto, para solucionarmos a questão que o caso concreto nos coloca temos que interpretar adequadamente a norma prevista no art.7, n.º2 da Portaria n.º1556/2007, tendo sempre presente o estatuído no n.º5 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º291/90, de 20 de Setembro.
Com efeito, da leitura do regime geral do controlo metrológico depreende-se que aí se permite que a verificação periódica dos aparelhos permaneça com validade até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte àquele em que foi realizada a última verificação. Contudo, em tal regime não se vislumbra uma qualquer referência a um limite a que a verificação dos aparelhos esteja sujeita, seja mensal, semestral ou anual.
Ao invés, o regime especial consagrado no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros prevê que a operação de verificação periódica dos instrumentos de medição nele regulados deve obedecer a uma certa temporalidade, designadamente, estabelece que os aparelhos têm obrigatoriamente de ser objecto de controlo metrológico com uma periodicidade anual, isto, a não ser que outra coisa resulte do despacho que tenha aprovado o modelo do aparelho, o que não sucede.
Por via do exposto, cremos que o nº2 do art. 7.º da Portaria n.º1556/2007, de 10 de Dezembro, estabelece um regime especial em relação ao regime geral consagrado no n.º5 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º291/90, regulamentando-o especificamente e prevalecendo sobre ele.
Por outro lado, somos de considerar que sufragar o entendimento conducente à aplicação do regime geral consagrado no n.º5 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º291/90 ao controlo metrológico dos alcoolímetros afronta, inexplicavelmente, o teor literal do art.7, nº2 da citada portaria, subvertendo a intenção do legislador que, segundo se presume, em cada momento, exprime-se do modo mais correcto com vista a encontrar as soluções mais assertivas para realidades mundanas que reclamam a presença do direito, (cf. art. 9, nº3 do Código Civil) Seguir o regime geral quer significar a defesa da ideia que a intenção do legislador foi estabelecer, no regime especial, a obrigatoriedade da verificação dos alcoolímetros, pelo menos, uma vez em cada ano, todavia, tal interpretação não tem o mínimo de correspondência com o corpo legal do normativo do n.º2 do art. 7 da portaria em crise, de onde resulta evidente que a verificação periódica dos alcoolímetros tem, isso sim, de ser realizada no prazo de um ano a contar da data da última verificação.
Por outra via, a génese das exigências de verificação dos alcoolímetros assenta no propósito de garantir a fiabilidade dos aparelhos de medição, e, consequentemente, do resultado que eles produzem, plasmados nos respectivos talões de controlo.
Nessa medida, atento à especificidade dos alcoolímetros, o legislador quis estabelecer, mediante a imposição do regime especial em análise, um controle mais apertado aos alcoolímetros em relação a outros aparelhos de medição, fixando o aludido prazo de 1 ano para o controlo metrológico periódico, por entender ser esse o limite máximo a partir do qual a fiabilidade dos aparelhos pode ficar comprometida, razão pela qual necessitam de ser objecto de uma nova verificação.
Pugnar pela aplicação do regime geral seria consagrar a possibilidade do controlo metrológico de um alcoolímetro ter lugar decorridos quase dois anos sobre a data da última verificação, basta, a título de exemplo, ponderar a possibilidade de uma das verificações ter lugar em Janeiro de 2009 e a outra ocorrer em Dezembro de 2010. Alinhar neste entendimento constitui, a nosso ver, um atropelo ao regime especialmente consagrado pelo legislador, o qual é claro no sentido de apontar o prazo de um ano como sendo o necessário para a realização de um novo controlo metrológico, garantindo, dessa forma, a validade e a fiabilidade dos alcoolímetros, aparelhos de medição que constituem um suporte basilar dos processos judiciais, como instrumentos regularmente utilizados para a aquisição de prova.
Aqui chegados, e por mera hipótese de raciocínio, se ainda subsistissem duvidas sobre qual o regime a aplicar, geral ou especial, que a nosso ver estão absolutamente dissipadas, sempre teríamos de seguir o regime mais favorável ao arguido, ou seja, o regime especial consagrado no n.º2 do art. 7.- da Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro.
No sentido por nós sufragado, pode ler-se no Acórdão da Relação de Coimbra, de 25.03.2009, processo n.º141/08.6GTGRD.C1, publicado in www.dgsi.pt.." (...) nos termos da portaria n.º1556/2007, de 10 de Dezembro, os aparelhos de medição de TAS são submetidos a verificação periódica anual. Cremos que o legislador terá fixado em 1 ano a verificação periódica destes aparelhos, por entender ser esse o limite máximo a partir do qual os aparelhos necessitam de ser submetidos a nova inspecção para determinar a sua fiabilidade enquanto meio de aquisição de prova."
Volvendo a nossa objectiva ao caso vertente, entende o tribunal que aquando do controlo realizado ao arguido, datado de 15.08.2010, o prazo de validade do alcoolímetro utilizado para a realização do exame de pesquisa de álcool no sangue já se encontrava ultrapassado, porquanto a data da anterior verificação do aparelho remonta a 14.05.2009, mostrando-se ultrapassado o prazo de um ano prescrito pelo n.º2 do art. 1° da aludida portaria.
Perante tal entendimento, há que decidir sobre o valor probatório a conferir ao resultado constante do talão de fls. 13, no que a TAS diz respeito, considerando que o mesmo foi produzido por um alcoolímetro que havia expirado o seu prazo de validade.
Ora, visando a verificação periódica garantir a fiabilidade de um determinado aparelho de medição, no caso do alcoolímetro, é de duvidar da fiabilidade do seu resultado quando o mesmo é utilizado em controlos operados após o decurso do prazo de um ano a contar da data do último controlo metrológico do aparelho, prazo máximo estatuído para a renovação da verificação periódica.
Nessa medida, "não pode valer como meio de prova um controlo efectuado com aparelho que ultrapassou o prazo de validade, sem ter ido ao controlo de medição para aferir do rigor da medição feita pelo mesmo." (vide Acórdão da Relação de Coimbra, de 25.03.2009, processo n.º141/08.6GTGRD.C1, publicado in www.dgsi.pt.)
Em suma, não pode o tribunal valorar positivamente a prova obtida mediante a utilização de um aparelho de medição de álcool no sangue que não se mostra válido, por ter ultrapassado o seu prazo de validade.
Todo o exposto determinou o julgamento de facto do tribunal.
(…)»
II – FUNDAMENTAÇÃO
7. A sentença recorrida absolveu o arguido da prática de um crime de Condução de veículo em estado de embriaguez, do artigo 292.º, n.º 1, do CP, por considerar que o tribunal não pode “valorar positivamente a prova obtida mediante a utilização de um aparelho de medição de álcool no sangue que não se mostra válido, por ter ultrapassado o seu prazo de validade” [fls. 72].
8. Diligentemente, o tribunal apurou que o aparelho utilizado no exame de pesquisa de álcool no sangue foi aprovado por despacho datado de 25 de Junho de 2009; e, por considerar que o regime da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, “prevalece” [fls. 92] sobre o Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, conclui que o teste efetuado ao arguido em 15 de Agosto de 2010 [e que registou uma TAS de 1,24 g/l], não pode ser valorado [não é válido] por se mostrar ultrapassado o prazo para a realização da verificação periódica “anual” do alcoolímetro [artigo 7.º, n.º 2, da referida Portaria].
9. É extraordinário o cuidado e a atenção que, ultimamente, alguns juízes têm dado aos meandros do complexo mundo da metrologia, revelando um saber e uma ponderação que vão além do esperado pelo comum dos cidadãos. O caso dos autos é dos mais significativos, pela minúcia e pela profundidade dos juízos elaborados em torno dos diplomas legais vigentes.
10. Cumpre-nos, resumidamente, afirmar que de acordo com a lei, “a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização” – artigo 4.º, n.º 5, do DL 291/90, de 20/09, que, por não ter sido revogado, se acha em vigor. Na verdade, uma portaria é um ato administrativo que contém instruções acerca da aplicação de leis e de decretos-lei. Como tal, não “prevalece” sobre os diplomas legais [de valor hierarquicamente superior] que visa “regulamentar”.
11. São, pois, procedentes as razões do Ministério Público no presente recurso [nesse sentido, ver tb AcRP de 6/4/20110 e de 27/4/2011]: uma portaria [ato administrativo] não prevalece sobre um decreto-lei. E assim sendo, a verificação periódica do alcoolímetro não é inválida. Pelo que, concluímos, a sentença padece de erro notório na apreciação da prova [artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP] — o qual será suprido com a transmigração do facto dado como não provado [Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em 1 dos factos provados, o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,24 g/l.] para o conjunto dos Factos Provados [artigo 426.º, n.º 1, do CPP].
12. Há uma nota que talvez seja importante adicionar: a “verificação periódica é o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo” [artigo 4.º, n.º 1, do citado Decreto-Lei]. Ou seja, a Lei não diz que os resultados do aparelho ficam inquinados e passem a ser duvidosos a partir do último dia do prazo de validade da verificação. Não o diz este diploma, nem qualquer outra disposição legal conhecida. Em lado algum a Lei afirma que a falta de verificação periódica do aparelho é cominada com o vício de nulidade [AcRG, de 13.09.2010] ou que se traduz na produção de prova proibida. O que a Lei diz é que “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei” [artigo 125.º, do CPP].
13. Por isso, não é legítimo inferir, de forma automática e categórica – como o faz a sentença recorrida, portanto sem a concorrência de factos que permitam questionar o resultado obtido e levantar suspeita sobre a sua fiabilidade – não é legítimo inferir, dizíamos, que os resultados do alcoolímetro se tornam inválidos, i.é., insuscetíveis de valerem como prova, a partir do dia em que expirou o prazo de validade da anterior verificação. O que é legítimo esperar é que o tribunal, na posse de factos concretos que contrariem o resultado obtido e permitam, de forma minimamente fundamentada, questionar a sua fiabilidade, e constatando que o aparelho venceu os prazos da verificação, pondere, perante a existência de uma dúvida razoável, não aceitar o resultado fornecido.
14. Não foi isso que a sentença recorrida fez – optando, antes, por aderir a um procedimento automático que, como vimos, não tem cobertura legal. [A fiabilidade do aparelho utilizado não foi posta em causa no processo: o arguido não solicitou a realização de contraprova nem apresentou contestação e a audiência decorreu na sua ausência.]
15. Com a alteração determinada em §11, os Factos Provados integram, agora, os elementos objetivos e subjetivos que permitem responsabilizar o arguido pela prática de um crime de Condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do CP. Mas não permitem proceder à determinação da sanção [artigo 369.º, do CPP] uma vez que são completamente omissos quanto às condições pessoais, situação económica, antecedentes criminais e outras circunstâncias relevantes para a determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar. Cabe, pois, ao tribunal de 1ª instância, proceder à reabertura a audiência para a determinação da sanção [artigo 371.º, do CPP].
16. Em suma: o Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, mantém-se em vigor e não pode merecer uma interpretação revogatória parcelar apoiada em considerações extraídas de um diploma de valor hierarquicamente inferior, como seja uma portaria; e o vencimento do prazo para a verificação do alcoolímetro não implica, de forma direta e automática, a invalidade dos dados obtidos no teste efetuado.
A responsabilidade pela taxa de justiça
Não há lugar a tributação [art. 522.º, do CPP].

III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os Juízes acordam em:
● Conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, declarando que o arguido B… cometeu um crime de Condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), do CP, e ordenando a reabertura da audiência para a fixação da sanção.
Sem tributação.
[Elaborado e revisto pelo relator – em grafia conforme ao Acordo Ortográfico de 1990]

Porto, 8 de Junho de 2011
Artur Manuel da Silva Oliveira
José Joaquim Aniceto Piedade