Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4150/14.8T8LOU-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ABÍLIO COSTA
Descritores: INVENTÁRIO PARA SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
FORMA DE PROCESSO
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RP201601254150/14.8T8LOU-A.P1
Data do Acordão: 01/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 616, FLS.221-226)
Área Temática: .
Sumário: A separação de bens, na sequência de penhora de bens comuns, deve ser feita segundo o processo previsto no art.º 81.º do RJPI, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5/3, para o qual são competentes os cartórios notariais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4150/14.6T8LOU-A.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B…, cônjuge do executado C…, requereu, por apenso aos autos de execução, a separação judicial de bens, concluindo:
“Termos em que se requer conforme o exposto, bem como que, nos termos do disposto no artigo 740º do CPC, seja o presente incidente apensado aos autos de execução referidos em epígrafe, suspendendo-se os mesmos até efectivação da partilha.
Mais se refere que as funções de cabeça de casal deverão ser desempenhadas pela Requerente, por ser o cônjuge mais velho”.
Seguiu-se a prolação do seguinte despacho:
“B… veio requerer inventário para separação de bens em casos especiais, na sequência de penhora de bens comuns do casal composto por si e pelo executado na execução apensa, ao abrigo do disposto no art. 740.º do NCPC.
Acontece que, como resulta da conjugação do disposto nos arts. 3.º, n.º 6, e 81.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05.03, os tribunais judiciais não são competentes para o presente processo, sendo-o antes os cartórios notariais.
Verifica-se, no caso, uma situação de incompetência material absoluta do presente tribunal, com o consequente indeferimento liminar do requerimento, nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 64.º, 96.º. al. a), 97.º, 99.º, n.º 1, do NCPC – neste sentido, Ac da RP, de 26.06.2014, disponível em www.dgsi.pt.
Nestes termos, julgo o presente tribunal materialmente incompetente para o julgamento do presente processo de inventário para separação de bens em casos especiais, e, em conformidade, indefiro liminarmente o requerido”.
Inconformada, a requerente interpôs recurso.
Conclui:
- O tribunal a quo proferiu sentença julgando-se materialmente incompetente para o julgamento do pedido de separação de bens;
- Aquele articulado foi apresentado por apenso aos autos de execução;
- Entende o Tribunal a quo que os tribunais judiciais não são competentes para tal processo, sendo-o antes os cartórios notariais;
- Entende a Recorrente que o tribunal a quo incorreu em manifesto lapso, confundindo o pedido de separação de bens com o da efetivação da partilha, os quais, na opinião da Recorrente, são distintos e é-lhes dado diferente tratamento pela atual lei processual civil;
- Entende a Recorrente que, antes da partilha, a separação judicial de bens tem de ser decretada pelo tribunal competente;
- O inventário, que tem em vista a partilha, é, de facto, atualmente da competência dos cartórios notariais, ao abrigo da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, mas, como bem se constata do disposto no artigo 1770.º do Código Civil, apenas depois de ser decretada a simples separação de bens por sentença transitada em julgado, é que se procede à partilha que “pode logo ser feita nos cartórios notariais, e, em qualquer outro caso, por meio de inventário, nos termos previstos em lei especial”;
- A ação de simples separação de bens não é um processo especial, como se defende na douta sentença recorrida, mas sim de um processo comum — cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 17/03/2009, proferido no âmbito do processo nº 1090/08.3TJCBR.C1;
- Aliás, a simples separação de bens terá sempre que ser decretada judicialmente, porquanto se trata de uma exceção ao princípio da imutabilidade do regime de casamento e uma vez que os cônjuges não podem dispor extrajudicialmente do direito à separação judicial de bens, de acordo com o artigo 1714.º, nº 1 do Código Civil;
- Estando o caráter litigioso do pedido de simples apreciação de bens ilustrado no artigo 1768.º do Código Civil;
- Pelo que dúvidas não podem existir quanto à necessidade de a separação de bens requerida pela Recorrente ter de ser decretada judicialmente;
- A Recorrente peticiona que seja decretada a separação judicial de bens do casal/cônjuges;
- O Regime Jurídico do Processo de Inventário atribuiu aos cartórios notariais a competência para efetuar os atos e termos do processo de inventário e da habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra, podendo remeter o processo para os meios judiciais comuns que pode ter lugar não só por iniciativa do notário, como das partes – cfr. artigo 3.º, nº 1 e 16.º;
- A separação só pode ser decretada em ação intentada por um dos cônjuges contra o outro – artigo 1768.º do Código Civil;
- Após ser decretada a simples separação de bens por sentença transitada em julgado, e apenas aí, é que se procede à partilha que pode ser logo feita nos Cartórios Notariais e, em qualquer outro caso, por meio de inventário, nos termos previstos em lei especial – artigo 1770.º Código Civil;
- A separação judicial de bens é um processo litigioso porquanto só pode ser decretada em ação intentada por um dos cônjuges contra o outro, sendo que a partilha só tem lugar após trânsito em julgado da sentença que declarou a separação judicial de bens;
- O pedido formulado pela apelante foi o da separação judicial de bens, a fim de obstar à penhora de bens comuns do casal;
- A competência jurisdicional do tribunal, competência em razão da matéria, afere-se pela relação material controvertida, tal como é apresentada pelo autor;
- Uma vez que a Recorrente peticiona a separação de bens, dúvidas não restam que o tribunal a quo é o competente para o julgamento do presente processo;
- Neste sentido cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/12/2014, proferido no âmbito do processo nº 680/14.0TVLSB.L1-8;
- Uma interpretação dos artigos 740.º do CPC e 81.º da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, no sentido de que os tribunais judiciais não são competentes para decretar a separação de bens do cônjuge do executado no âmbito do processo executivo, é inconstitucional na medida em que viola o artigo 202.º da CRP;
- A douta sentença proferida faz uma incorreta interpretação e, consequentemente, viola o disposto nos artigos 740.º do CPC, 1714.º, 1768.º, 1770.º e 1771.º do CC, 81.º da Lei nº 23/2013 e 202.º da CRP.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Questão a decidir:
- competência para o processamento do requerido.
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A matéria a considerar já resulta do relatório.
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Resulta claro do requerimento apresentado pela recorrente – cfr. pontos 14. a 18. – pretender aquela prevalecer-se da faculdade prevista no art.740º do CPC, nos termos do qual:
“1 – Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns.
2 – Apensado o requerimento de separação ou junta a certidão, a execução fica suspensa ate à partilha; se, por esta, os bens penhorados não couberem ao executado, pode ser penhorados outros que lhe tenham cabido, permanecendo a anterior penhora até à nova apreensão”.
Não estamos, assim, perante uma acção de separação judicial de bens, intentada nos termos do disposto no art.1767º e ss. do C.Civil, com fundamento na má administração do outro cônjuge e consequente perigo de perda de bens. Separação judicial «autónoma» que, sendo intentada nos tribunais de competência genérica ou de competência especializada cível, segue a forma comum. Seguindo-se, uma vez decretada, a partilha, extrajudicial ou por inventário – art.1770º, nº1, parte final, do C.Civil. Observando-se, em caso de inventário, o regime processual previsto no art.79º do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei nº23/2013 de 5/3.
Antes, perante uma separação de bens «não autónoma», “decretada em processo que visa outro fim e em que a separação de bens é meramente reflexa” – cfr. PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA in Curso de Direito da Família, I, 600. Processo esse previsto no art.81º do referido Regime Jurídico do Processo de Inventário: “Processo para a separação de bens em casos especiais”.
Escreve, a propósito, RUI PINTO in Manual da Execução e Despejo, 540:
“Se o cônjuge requerer a separação de bens ou juntar a certidão de acção pendente em que a separação já tenha sido requerida, nos termos do nº5 do art.825º ou do nº2 do art.740º, fica suspensa a execução, mas não a penhora, uma vez apensado o requerimento ou junta aquela certidão.
O meio próprio para efectuar essa separação é:
a. Como consequência de prévia separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação do casamento o processo de inventário, regulado pela Lei nº23/2013 de 5 de Março (antes nos arts. 1326º e ss.) com as especialidades do art.79º da mesma Lei, provenientes do revogado art.1404º;
b. A título principal e exclusivo, o processo para a separação de bens em casos especiais regulado no art.1406º já revogado, mas recentemente integrado no art.81º da Lei nº23/2013, de 5 de Março”.
Assim sendo, requerendo o cônjuge do executado a separação de bens para efeitos do disposto no art.740º do CPC – penhora de bens comuns em execução movida contra um dos cônjuges – deverá recorrer ao processo para separação de bens em casos especiais previsto no art.81º do referido RJPI: ou seja, intentar inventário para separação de bens.
Atente-se que, enquanto a separação «autónoma» prevista no art. 1767º do C.Civil, carece de ser fundamentada – só provando-se a respectiva causa de pedir a acção será julgada procedente - a separação «não autónoma» prevista no art.740º do CPC é uma decorrência do referido processo.
Ora, consoante já acima se disse, a recorrente pretendeu com o seu requerimento, e nos termos do disposto no art.740º do CPC, a separação de bens, na sequência da penhora de bens comuns. Estando-se, assim, perante uma separação de bens «não autónoma» - o que não acontece no ac. da RL de 17-12-2014 citado pela recorrente, que respeita a uma acção de simples separação judicial de bens, inexistindo qualquer penhora de bens comuns do casal.
Pelo que, e para tal, deverá socorrer-se do processo previsto no art.81º do RJPI, para o qual são competentes os cartórios notariais, consoante decisão recorrida – art.3º daquele diploma legal. Não se verificando, em consequência, apontada inconstitucionalidade: a situação está expressamente prevista na referida norma legal.
O recurso não merece, atento quanto fica dito, provimento.
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Acorda-se, em face do exposto, em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão proferida.
Custas pela recorrente.

Porto, 25-1-2016
Abílio Costa
Augusto de Carvalho
José Eusébio Almeida