Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6833/09.5TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: CONTRATO
FORMAÇÃO DO CONTRATO
VONTADE REAL
FALSAS DECLARAÇÕES
OMISSÕES RELEVANTES
Nº do Documento: RP201202236833/09.5TBVNG.P1
Data do Acordão: 02/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Incidindo sobre a própria formação do contrato, as declarações falsas ou omissões relevantes impedem a formação da vontade real da contraparte, não sendo necessário que as mesmas influam efectivamente sobre a celebração ou as condições contratuais fixadas, bastando que pudessem ter influído ou fossem susceptíveis de influir nas condições de aceitação do / contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 6833/09.5TBVNG.P1 (Apelação)
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia (2.ª Vara de Competência Mista)
Apelante: Companhia de Seguros B…, S.A.
Apelada: C…, Ld.ª

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
C…, Ld.ª intentou acção declarativa condenatória, sob a forma de processo ordinário, contra Companhia de Seguros B…, S.A., pedindo a condenação desta no reconhecimento da validade e eficácia do contrato de seguro que celebraram e no pagamento da quantia de €274.487,94, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que celebrou com a é um contrato de seguro do ramo multiriscos relativo ao recheio, edifício e benfeitorias de um estabelecimento comercial. Ocorreram dois sinistros (furto e incêndio) que causaram os danos quantificados no pedido. A ré recusou o pagamento dos mesmos alegando a anulação da apólice pelo facto da autora ter referido, na proposta aceite pela ré, que não se havia registado qualquer sinistro no estabelecimento em datas anteriores e ter verificado a existência dos mesmos.
Contestou a ré, excepcionando a nulidade do contrato de seguro com o mesmo fundamento comunicado à autora e, com um outro, relativo à cobertura dos riscos relativos ao edifício, alegando que a autora declarou ser dona do edifício em causa apesar de ser arrendatária, concluindo que se a ré tivesse conhecimento da existência de sinistros anteriores ou da qualidade de arrendatária, não teria celebrado o contrato e não teria incluído aquele risco, respectivamente.
Impugnou, ainda, a totalidade da matéria de facto relativa à existência dos sinistros e danos alegados.
Foi apresentada réplica.
Após ter sido elaborado despacho saneador, seleccionada a matéria de facto e elaborada a base instrutória, procedeu-se a julgamento.
Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a ré a pagar à autora a quantia de €244.873,67, acrescida de juro de mora, calculados à taxa legal e contados desde 16/07/2009, absolvendo-a quanto ao demais peticionado.
Inconformada, apelou a ré, defendendo, a título principal, que seja declarado nulo o contrato de seguro e absolvida do pedido, e a título subsidiário, a alteração de parte da decisão quanto à matéria de facto; que seja reconhecida a ilegitimidade da autora relativamente ao pedido formulado por benfeitorias e a revogação parcial da sentença quanto ao valor da condenação relativamente ao material de escritório destruído.
Nas suas contra-alegações os apelados defenderam a improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.

Conclusões da apelação:
1 - A Recorrida encarregou, em princípios do mês de Julho de 2004, a mediadora "D…" de negociar com uma empresa seguradora a contratação de um seguro do ramo multiriscos para o prédio onde tinha instalado o seu estabelecimento comercial;
2 - Em 7 de Julho de 2004 a referida "D…" apresentou à Recorrida proposta de seguro com a Recorrente, previamente preenchida e assinada pelo representante da Recorrida;
3 - Tendo tal proposta sido submetida à responsável técnica da Recorrente, em Lisboa, a mesma transmitiu que a aceitação da proposta estava condicionada à inexistência de sinistralidade, informação que deveria constar da proposta;
4 - A Recorrente transmitiu à "D…", que agiu em nome e representação da Recorrida, as condições impostas pela sua responsável técnica para a aceitação da proposta;
5 - No dia 9 de Setembro de 2004, deu entrada na Delegação do Porto da Recorrente, uma proposta de seguro do ramo Multi Riscos Empresas, figurando como proponente tomadora a Recorrida, a qual estava subscrita pelo seu representante;
6 - Na proposta a Recorrida assinalou que efectuava o seguro na qualidade de dona do edifício que constituía o local do risco;
7 - Mais foi expresso na proposta a inexistência de sinistralidade anterior;
8 - Assim, cumpridos os pressupostos considerados pela Recorrente como essenciais, condição sine qua non" para a sua anuência à proposta de seguro, foi celebrado entre a Recorrente e Recorrida o contrato de seguro de multiriscos comercial, titulado pela apólice n.º ………./94;
9 - Na sequência das participações efectuadas pela Recorrida à Recorrente do furto de mercadorias, do local do risco, no dia 7 para 8 de Dezembro de 2004, bem como o sinistro de incêndio de 3.1.05, a Recorrente encarregou uma empresa, denominada de E…, para proceder à averiguação dos sinistros e dos danos;
10 - Na sequência dessa averiguação foi constatado que a Recorrida não era dona do prédio onde tinha instalada a sua actividade comercial, e que constituía o local do risco, mas arrendatária do mesmo;
11 - Apurado, ainda, que nos cincos anos anteriores a Recorrida tinha participado a diferentes seguradoras a existência de 9 sinistros;
12 - Por cartas de 31.5.05 e 3.6.05, a Recorrente comunicou à Recorrida que a apólice se encontrava anulada desde o seu início por "omissão de informação relevante na proposta";
13 - Por escrito de 15.6.05 enviado pela Recorrente à Recorrida, aquela esclareceu que o motivo da anulação se devia ao facto de na proposta de seguro assinada pela Recorrida se referir não se ter registado qualquer sinistro em datas anteriores;
14 - A Recorrida declarou falsamente na proposta de seguro, directamente e através da sua mediadora "D…", que agiu em nome e representação da Recorrida, quanto á qualidade de dona, que não era, do prédio, objecto do seguro, e quanto à inexistência de sinistralidade anterior;
15 - Se tivesse sido dado a conhecer à recorrente a existência de sinistros anteriores, não teria esta dado anuência à proposta de seguro, e não teria celebrado com a Recorrida o contrato de seguro em questão;
16 - As falsas declarações constantes da proposta induziram a Recorrente a celebrar o contrato de seguro que, de outra forma, não teria celebrado;
17 - As falsas declarações e a ocultação de factos que a Recorrente considerou essenciais para a celebração do contrato influenciaram, decisivamente, sobre a existência do contrato;
18 - Assim, e nos termos do disposto no art.º 429º do Cod. Comercial, e como era conhecido a Recorrida, pois constava expressamente da proposta de seguro, o contrato de seguro celebrado entre a Recorrente e Recorrida é nulo, e sem quaisquer efeitos desde a sua celebração;
19 - Na verdade, não se está perante um contrato de seguro celebrado a favor de terceiro ou por conta de outrem, como acontece no seguro obrigatório automóvel, mas perante um contrato de seguro por conta própria;
20 - Sendo nulo o contrato de seguro celebrado entre Recorrente e Recorrida, não podia a Recorrente ter sido condenada, como o foi, com base no referido contrato,
O que se invoca a título principal
Porém, e para o caso de assim se não entender, e a título subsidiário
21 - Ocorre erro de julgamento na decisão proferida sobre a matéria de facto dos quesitos 5º, 6.º e 26º da Base Instrutória;
22 - De acordo com documentação junta a fls. 248 dos autos, concretamente "Mapa de Reintegrações e Amortizações" do exercício de 2004 da Recorrida, são de, respectivamente, €18.733,65 o valor dos prejuízos nas benfeitorias realizadas no prédio nos anos de 1992, 1994, 1996, 1997 e 1998, e de € 7.301,96, os prejuízos verificados no material de escritório da Recorrida, em consequência do incêndio de 3.1.05;
23 - Face ao referido documento, a condenação da Recorrente nos valores dados como provados nos quesitos 5º e 6º, e objecto de impugnação da decisão da matéria de facto, constituem enriquecimento ilegítimo da Recorrida à custa da Recorrente;
24 - Igualmente impugnada a decisão da matéria de facto quanto ao quesito 26º da B. I. nos termos constantes do corpo das presentes alegações, os depoimentos das testemunhas nele mencionadas impõem uma decisão diversa da proferida na resposta ao quesito 26º, em termos de que a Recorrente não teria aceite a inclusão no contrato de seguro do risco referente ao edifício, caso tivesse conhecimento que a Recorrida não era dona, mas arrendatária do mesmo;
25 - Por último afigura-se incorrecta, com o devido respeito, a condenação da Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de € 125.000,00 pelas benfeitorias por esta realizadas;
26 - Com efeito, não sendo a Recorrida dona do edifício onde tinha instalado o seu comércio, e local do risco, nos termos do disposto no art.º 1046º do Cod. Civil e do art.º 4º do contrato de arrendamento junto com a contestação, as benfeitorias são pertença do prédio, carecendo a Recorrida de legitimidade para reclamar da Recorrente o valor referente às benfeitorias realizadas;
27 - O que constitui excepção dilatória, atempadamente invocada pela Recorrente;
28 - Assim, e independentemente do valor das benfeitorias, não poderia a Recorrente ter sido condenada a indemnizar, a esse título, a Recorrida, como aconteceu na douta decisão recorrida;
29 - A douta decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 429º do Cod. Comercial, 1046º do Cod. Civil e 515º do Cod. Proc. Civil.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objecto do Recurso:
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objecto do recurso nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), redacção actual, sem prejuízo do disposto no artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, as questões a decidir são:
- se ocorre fundamento para declarar a nulidade do contrato de seguro;
- se devem ser alteradas as respostas dadas aos pontos 5.º, 6.º e 26.º da base instrutória;
- se o contrato de seguro abrange a indemnização do valor das benfeitorias.

B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
A autora é uma sociedade comercial que se dedica à venda ao público de móveis e electrodomésticos e é possuidora de um estabelecimento comercial sito na …, nº. …, … em Vila Nova de Gaia (alínea A dos factos assentes).
Em Julho de 2004, o funcionário da "D…", F…, apresentou à A. proposta de seguro com a R., previamente preenchida, a qual o representante da A. assinou, nela apondo sob a epígrafe de "Antecedentes do Risco", a menção "Sim" quanto à declaração "Este risco está ou esteve seguro?", com a identificação da seguradora G… e da apólice n.º …………., e que o risco que pretendia segurar na R. havia estado anteriormente seguro (alínea B).
Na rubrica "qualidade em que pretende efectuar o seguro", assinalou a A. que o fazia na qualidade de dona do edifício que constituía o local do risco (alínea C).
Tal proposta foi submetida através de e-mail enviado em 19.7.04 pelo funcionário da Delegação do Porto da R., H…, e por e-mail de 18.8.04, a responsável técnica da R., em Lisboa, respondeu ao pedido feito pelo referido funcionário H…, nos seguintes termos: "Aceita-se o risco nas condições por vós propostas e nos seguintes pressupostos: - que não haja sinistralidade devendo esta informação contar da proposta definitiva assinada pelo proponente caso o risco seja subscrito na B…" (alínea D).
No dia 9 de Setembro de 2004, deu entrada na Delegação do Porto da R., sita na Rua … n.º …/…, uma proposta de seguro do ramo "Multi-Riscos Empresas" figurando como proponente tomadora a A., e subscrita pelo seu representante, o mencionado I… (alínea E).
O local do risco situava-se na … n.º …, …, Vila Nova de Gaia, onde se localizava a sede da A. e nela se assinalavam os riscos a cobrir, bem como os respectivos capitais, com a data início em 18.8.04 (alínea F).
Dela consta, na rubrica "Antecedentes do risco", que "o Objecto a segurar com este contrato não regista qualquer sinistro", e a identificação da Seguradora G…, e apólice n.º …………., como sendo a seguradora onde esteve anteriormente seguro o risco que a A. pretendia segurar na R. (alínea G).
A proposta de seguro dispõe que "o tomador de seguro ao assinar esta proposta garante a exactidão das declarações nela elaboradas e declara nada ter omitido que possa induzir a B… em erro na apreciação do risco proposto, ainda que esta tenha sido preenchida por terceiros e por si apenas assinada. Aceita que, no caso das suas declarações ou omissões não se conformarem com a realidade, a B…, nos termos do art.º 429º do Código Comercial, alegue a prestação de falsas declarações, declarando nula a Apólice e, se for caso disso, exerça eventual direito de regresso ou reclamação por perdas e danos" (alínea H).
Mais consta da proposta que o A. declarou terem-lhe sido dadas a conhecer as condições contratuais que regulam o seguro (alínea I).
Quer a data início proposta para o contrato, quer a menção de inexistência de sinistralidade anterior no objecto a segurara, foram manuscritos pelo funcionário da "D…", F... (alínea J).
Em Agosto de 2004, a Autora celebrou com a Ré um contrato de seguro de ramos multiriscos/comercial, titulado pela apólice nº………./94, a qual cobria, entre outros, os riscos de furto do recheio ou mercadoria que se encontrasse no estabelecimento comercial da Ré sito na …, nº. …, …, Vila Nova (alínea K).
Sendo os seguintes capitais de risco contratados:
1-Conteúdo do recheio
a)Linha castanha (entre outros TV, HI-FI, DVD)-25.000 euros;
b)Mobiliário-75.000 euros;
c)Linha branca (entre outros: frigoríficos, combinados, placas, fogões, fornos Etc)-15.000 euros;
d)Material de escritório (entre outros computadores, fax, máquinas de escrever, móveis)- 12.000 euros;
2-)Edifício + benfeitorias-160.000 euros (alínea L).
Em 24/09/04, a Ré emitiu a respectiva apólice e recibo do prémio que a A., pagou integralmente (alínea M).
A A. participou a ocorrência referida no número 1) às entidades policiais, bem como à Ré (alínea N).
Em 3/01/2005, a A participou o sinistro de incêndio à Ré (alínea O).
Em 17/05/05 a E…, empresa encarregue pela Ré para averiguar os danos, informou a A. de que todos os assuntos relacionados com o sinistro deveriam passar a ser tratados com os serviços técnicos (alínea P).
Com data de 31/05/2005 e 3/06/2005 a A. recebeu uma carta da Ré comunicando que a apólice supra se encontrava anulada desde o seu início por “omissão de informação relevante na proposta” (alínea Q).
Face a tal, em 6/06/05, por fax, a A solicitou à Ré o esclarecimento da concretização do motivo da anulação e em resposta, de 15/06/2005, a Ré informou por escrito a A. de que o motivo da anulação se devia ao facto de na proposta de seguro assinada pela A. se referir não se ter registado qualquer sinistro em datas anteriores, tendo sido apurado posteriormente a existência de vários sinistros participados a diferentes seguradoras (alínea R).
O local do risco seguro, o estabelecimento da A. da … em …, Vila Nova de Gaia, esteve seguro:
a ) Na Companhia de Seguros J…, de 12.8.93 a 27.9.04, por contrato titulado pela apólice n.º ……….;
b ) Na Companhia de Seguros K…, de 1.7.01 a 30.12.02, por contrato titulado pela apólice n.º ……..;
c ) Na Companhia de Seguros L… de 1.4.04 a 7.12.04, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..-..-…… (alínea S).
A A. participou os seguintes sinistros, no total de 9;
a ) À Companhia de Seguros J… em 4.8.93, 14.2.94, 18.1.98 e 22.3.98;
b ) À Companhia de Seguros K… em 10.3.02, 18.11.02, 3.12.02 e 24.12.02;
c ) À Companhia de Seguros L… em 13.7.04 (alínea T).
O edifício da A. que constituía o local do risco tinha sido por esta tomado de arrendamento em 1992 (alínea U).
Na madrugada do dia 7 para 8 de Dezembro de 2004, o estabelecimento comercial, objecto do contrato de seguro contratado foi assaltado através de escalonamento do telhado tendo sido furtados do aludido estabelecimento os seguintes aparelhos:
4-TV Lcd Beko Mod. LCD-20L23
1-TV Plasma Panasonic C/Movel TH-37PA30
1-TV LCD Panasonic TX-32LX1
1-TV Plasma DaeWoo DP-42SP+DCR9120;
1-TV LCD Sharp Mod. Lc-26GA4E;
1-Camara de filmar Sharp Mod VL Z500S
1- Câmara de filmar Sharp Mod VL-Z100S;
1- Sistema Prologic Panasonic Mod. HT-870 no valor global de € 14.759,67 (número 1 da base instrutória).
Foi agendada a peritagem ao estabelecimento pela empresa “E…, LDA, para o dia 4/01/2005 (número 2).
No dia 1/01/2005 deflagrou um incêndio no estabelecimento vizinho ao da autora, que consumiu parte significativa do imóvel onde situava o estabelecimento da autora, quer parte do recheio que aí se encontrava propriedade desta (número 3).
O incêndio destruiu quase a totalidade da mercadoria que a A. tinha em exposição e em stock no aludido estabelecimento, sendo que o material que sobrou ficou danificado, sem qualquer valor comercial, insusceptível de ser comercializado, material no valor de €93.114,00 (número 4).
À data do incêndio a A. tinha feito as seguintes obras/benfeitorias no estabelecimento comercial:
a) restauro de paredes, rebocar e arear;
b)levantamento das paredes ao lado (barbeiro) e parede central;
c)bigas, placa e escadas;
d)acertar piso e aplicação de tijoleira;
e)serviço de picheleiro;
f) serviço de electricista;
g) fazer tectos em baixo e em cima , paredes e soalho em madeira;
h) pintar e envernizar
i) colocação de portas, janelas, montras, grades e toldos, tudo no valor de € 125.000,00 (número 5).
Em resultado do mesmo, também ficou destruído pelo incêndio o material de escritório existente no estabelecimento, designadamente computadores, fax, impressora, máquina de escrever electrónica, máquina de calcular, secretárias, estantes e outros móveis, no valor de €12.000,00 (número 6).
Tal incêndio pelas proporções que atingiu, impediu e impede a A. de desenvolver a sua actividade comercial, que ficou assim privada do uso do local (número 7).
A A. não declarou, nem referiu na proposta de seguro que não se tinha registado qualquer sinistro nas datas anteriores (número 9).
Em princípios do mês de Julho de 2004, a autora contactou a sociedade D…, Lda, com o fim de negociar com uma empresa seguradora a contratação de um seguro do ramo multiriscos que cobrisse o imóvel, incluindo benfeitorias, onde se encontrava instalado o aludido estabelecimento Comercial (número 10).
Na sequência das negociações havidas entre a aludida mediadora e a A., em 6 de Agosto de 2004, aquela remeteu à Ré por, via fax a Proposta de Seguro e em seguida a mediadora enviou por correio para a A. o original da proposta de seguro, para que esta a assinasse e devolvesse (número 11).
Aquando a recepção do original da proposta de seguro o representante da A. constatou que nela [sob a epígrafe de “Antecedentes do Risco”-quadro 17 última folha) havia sido indicado pela mediadora que o risco não estava ou tinha estado seguro, e por isso, rectificou-a, alterando tal informação, através da supressão da cruz na quadrícula “Não” e da oposição de uma cruz na quadricula “Sim”, com identificação da seguradora (G…) e da apólice (…………..), em que a totalidade do risco que pretendia segurar na B… (imóvel, benfeitorias+ recheio) havia estado anteriormente seguro (número 12).
Depois de rectificada e assinada nos moldes supra descritos, no dia 17/08/04 a A. pelo correio remeteu à aludida mediadora a proposta original (número 13).
Sendo que, em 24/09/2004, a ré emitiu a apólice e recibo, onde apôs como sendo a data do início da vigência do contrato o dia 18/08/04 (número 14).
Só em Maio de 2005, após o pedido da A. à D… e à Ré, de cópia da proposta de seguro que tinha subscrito, veio a A. a verificar que a proposta que existia na Ré não correspondia aquela que havia assinado e enviado para a mediadora (número 15).
E que tinha sido alterada por terceiros, nas instalações da Ré sitas no Porto, sem o seu conhecimento e sem a sua autorização, da seguinte forma:
a) a data do inicio do contrato de seguro havia sido rasurada e alterada de 6 de Agosto para 18 de Agosto, sendo o numero zero rasurado para 1 e nº. 6 rasurado para 8.
b) No quadro 17 da proposta havia sido aposta uma declaração do seguinte teor: «O objecto a segurar com este contrato não regista qualquer sinistro. Vamos efectuar outro contrato da mesma empresa para outro estabelecimento bem como o AC trabalho.» (sendo que na proposta que a autora enviou tal ponto não se encontrava preenchido) (número 16).
Tais alterações foram apostas pelo punho de um funcionário da mediadora “D…, Lda”, na delegação da Ré a pedido e na presença de um funcionário desta, em data posterior a 18 de Agosto/04 (número 17).
A A. nunca foi informada pela Ré, de que a aceitação do risco estaria condicionada à inexistência de sinistros anteriores nem nunca a Ré solicitou à autora qualquer informação ou esclarecimentos sobre a ocorrência de anteriores sinistros (número 18)
A R. comunicou à mediadora da A., a mencionada "D…", o teor das condições impostas pela sua responsável técnica (número 20).
À data dos sinistros participados, a A. já não pagava, há alguns meses, a respectiva renda (número 24).
A R. não teria aceite celebrar o contrato de seguro caso tivesse conhecimento da existência de sinistros anteriores participados pela A. no âmbito do contrato de seguro anterior e ocorridos no estabelecimento comercial que explorava na …, em … (número 25).
Na rubrica onde consta a “qualidade em que pretende efectuar o seguro” a A. assinalou que o fazia na qualidade de dona do edifício por indicação da mediadora de seguros de forma a apólice abranger o risco por benfeitorias do edifício (número 27).

III- DO CONHECIMENTO RECURSO
1. Nulidade do contrato de seguro
A apelante/seguradora defende que o contrato de seguro multiriscos comercial, titulado pela apólice n.º ………/94, celebrada pelas partes, em Agosto de 2004, e que cobria, entre outros, os riscos de furto do recheio ou mercadoria que se encontrassem no estabelecimento comercial da ré, sito na …, n.º …, …, Vila Nova de Gaia (cfr. alínea K) dos factos provados), é nulo, nos termos do artigo 429.º do Código Comercial, por a apelada ter prestado, aquando da sua celebração, falsas declarações (quanto à qualidade em que celebrava o seguro, declarando que era proprietária, quando era arrendatária) e ocultado factos (inexistência de sinistro anteriores, quando os mesmos existiam). Acrescentando que se a apelada não tivesse ocultado a existência de sinistros anteriores e omitido a sua qualidade de arrendatária, não teria a apelante celebrado o contrato de seguro em apreço.
Analisando:
O contrato de seguro em geral é o acordo vinculativo assente sobre duas declarações de vontade (proposta e aceitação), contrapostas mas harmonizáveis entre si, através do qual a seguradora assume a obrigação, mediante a retribuição a pagar pelo segurado (prémio), de satisfazer uma indemnização pelo prejuízo por este sofrido ou um montante previamente determinado.
No caso dos autos, atenta a data da celebração do contrato de seguro e a data do sinistro, são lhe aplicáveis as estipulações constantes da apólice não proibidas por lei, e, na sua falta ou insuficiência, as constantes dos artigos 425.º a 431.º do Código Comercial (cfr. a norma transitória constante do artigo 2.º, n.º 2 e 3.º, da parte preambular, do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16/04).
Trata-se de um contrato formal, já que deve ser reduzido a escrito num instrumento, que constitui a apólice de seguro (art. 426.º do Código Comercial). É também um contrato de adesão na medida em que as cláusulas contratuais gerais são elaboradas sem prévia negociação individual e que os proponentes se limitam a subscrever.
Dispõe o artigo 429.º do Código Comercial do seguinte modo: “Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo.”
São declarações inexactas as declarações não conformes com a realidade. São declarações reticentes as que omitem factos com interesse para formação da vontade contratual da outra parte.[1]
Tem sido entendido que, apesar da lei aludir à figura jurídica da nulidade, deve-se entender-se que, tutelando o artigo 429.º, predominantemente, interesses particulares, de acordo com uma interpretação correctiva e teleológica, é de concluir que se pretendeu aí estabelecer um regime de anulabilidade e não uma nulidade. Por outro lado, também é o regime da anulabilidade que melhor defende o interesse público de ressarcimento dos lesados, naturalmente alheios às relações contratuais entre a seguradora e o seu segurado.
Acresce que a sanção da anulabilidade do contrato contemplada neste preceito legal não é mais do que o reconhecimento da existência de erro como vício de vontade (artigo 251.º do Código Civil). Efectivamente, incidindo sobre a própria formação do contrato, as declarações falsas ou as omissões relevantes impedem a formação da vontade real da contraparte (no caso, a seguradora), dado que essa formação assenta em factos ou circunstâncias ignorados, por não revelados ou deficientemente revelados. Daí que, como decorre do próprio texto do artigo, e é entendimento corrente, não é necessário que as declarações ou omissões influam efectivamente sobre a celebração ou as condições contratuais fixadas, bastando que pudessem ter influído ou fossem susceptíveis de influir nas condições de aceitação do contrato.
Também é certo que a lei não supõe o carácter doloso das omissões ou reticências de factos com relevância para a determinação da probabilidade ou grau de risco (nem sequer, à data dos factos, se distinguia entre declarações dolosas e negligentes), mas pressupõe que o declarante conheça os factos ou as circunstâncias passíveis de influir sobre a aceitação ou as condições do contrato, ou seja, que haja negligência. É o que resulta do § único do artigo 429.º, quando aqui se refere que “Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé o segurador terá direito ao prémio” [2]
Com base nestes princípios, e revertendo ao caso sub judice, temos que o que aqui está em causa são as respostas dadas pela autora, inseridas na proposta de seguro elaborada pela seguradora, previamente preenchida pela autora, respostas às questões colocadas num questionário que incorpora a dita proposta, respostas estas nas quais a seguradora deve confiar e, em função das quais, aceita ou não celebrar o contrato e, no caso afirmativo, fixa as respectivas condições.
Assim, o elemento decisivo para a celebração do contrato é, precisamente, o questionário apresentado ao potencial segurado, na medida em que se presume que através dele, o próprio segurador indica ao tomador as circunstâncias que julga terem influência no contrato a celebrar. É, pois, através dessas perguntas/respostas que a seguradora faz saber ao candidato as circunstâncias concretas em que se baseia para assumir o risco.
Ora, relativamente ao contrato em apreço provou-se o seguinte:
Quanto à questão da existência de sinistros participados ou reclamados nos últimos cinco anos, da matéria de facto provada não podemos concluir, quanto a esta matéria, que tenham ocorrido declarações inexactas ou reticentes, nos termos previstos no artigo 429.º do Código Comercial.
É certo que se provou que anteriormente o local de risco – estabelecimento sito na …, em …, Vila Nova de Gaia -, esteve seguro noutras seguradoras e foram participados vários sinistros ali ocorridos (alíneas S) e U) dos factos provados). Também se provou que a ré não teria aceitado celebrar o contrato de seguro caso tivesse conhecimento da existência e participação de sinistros ocorridos anteriormente no estabelecimento (número 25 dos factos provados).
Porém, não se provou que à autora tenha sido perguntado sobre a existência de anteriores seguros e participações, nos últimos cinco anos, e tenha omitido a informação. Ao invés, resulta da matéria de facto provada sob as alíneas B), G) e número 12 que a autora declarou que o local de risco tinha estado seguro na seguradora G…, mencionando a respectiva apólice, e que em relação a esse contrato de seguro, não participou qualquer sinistro. Aliás, a própria autora apercebendo-se da alteração das declarações, da autoria da mediadora do seguro, rectificou-as, declarando que o local seguro havia estado seguro na referida seguradora G… (número 12 dos factos provados). Confira-se, ainda, os números 16 e 17 dos factos provados, donde resulta que terceiros, nas instalações da seguradora, sem o conhecimento e autorização da autora, introduziram alterações às declarações da autora inseridas na proposta de seguro, sobre a matéria da inexistência de qualquer sinistro, o que, obviamente, não pode ser invocado contra a autora.
Por outro lado, e conforme resulta dos factos provados sob o número 18 dos factos provados, a autora nunca foi informada que a aceitação do risco estava condicionada à inexistência de sinistros anteriores, nem nunca a ré lhe solicitou qualquer informação ou esclarecimento sobre a ocorrência dos mesmos. Acresce, ainda, que a autora também nunca referiu na proposta que se tivesse registado qualquer sinistro nas datas anteriores (número 9 dos factos provados), nem que lhe tivesse sido perguntado se tinha havido participações anteriores nos últimos 5 anos e que a mesma tivesse respondido de forma desconforme à realidade. Portanto, e conforme se menciona na sentença recorrida, ao que damos a nossa adesão, “…não existiu qualquer omissão por parte do declarante em causa quanto à concreta questão. Esta, de todo, não foi objecto de declaração alguma, isto é: a A. não declarou que havia participado ou reclamado qualquer sinistro nos últimos 5 anos nem declarou que não havia participado ou reclamado qualquer sinistro nos últimos 5 anos, tendo apenas declarado que relativamente ao último seguro celebrado, que identificou, não registou qualquer sinistro. Nos termos demonstrados (cfr. apreciação do número 25) da base instrutória) a vontade da Ré foi condicionada, apenas, pela inexistência de sinistros relativamente ao seguro anterior, motivo pelo qual aceitou a proposta sem qualquer sinal prestado nas supra referidas quadrículas. Improcede, naturalmente, a excepcionada nulidade do contrato de seguro com tal fundamento.”
Quanto às declarações da autora sobre ser dona ou arrendatária do edifício onde se situava o estabelecimento:
Está provado que a autora declarou que fazia o seguro na qualidade de dona do edifício (número 27 dos factos provados), embora apenas e tão só arrendatária do mesmo desde 1992 (alínea U dos factos provados).
Conforme já se mencionou, o artigo 429.º do Código Comercial constitui um afloramento do erro do vício, ou seja, a seguradora decide-se a perseguir a função económico-social do negócio partindo de um conhecimento erróneo, de uma previsão enganosa. No entanto, não são todas as inexactidões ou reticências que conduzem ao vício referido, mas tão-somente aquelas que determinam a avaliação dos riscos por parte da seguradora: se esta soubesse de tais circunstâncias não teria certamente celebrado o contrato, ou teria celebrado o mesmo noutras condições.
Competia, porém, à seguradora, atento o disposto no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, alegar e provar que aquelas declarações influíram na existência e nas condições do contrato, de modo a que, se as conhecesse, não teria contratado ou teria contratado em condições diversas das que contratou.
No caso, a seguradora não cumpriu esse ónus, atenta a resposta negativa ao ponto 26.º da base instrutória. Mas, mais do que isso, até se provou que a indicação da referência a “dona do edifício” foi feita por “indicação da mediadora de seguros” (cfr. resposta dada ao número 27), o que significa que, para além da ré não ter provado que as declarações inexactas influíram na contratação, a autora até logrou provar que as mesmas foram feitas com base na indicação de alguém que representava a ré, o que, só por si, sempre afastaria a invocação da anulabilidade do contrato com base nessa inexactidão, por não se poder excluir o conhecimento e assunção da ré na produção daquela declaração desconforme à realidade, ou seja, a demonstração de erro vício na formação da vontade contratual da seguradora.
Assim sendo, com base na matéria de facto provada, e sem prejuízo da reapreciação da resposta dada ao ponto 26 da base instrutória, que a apelante impugna, embora apenas em sede de impugnação subsidiária, improcede a apelação na vertente da sua impugnação a título principal.

2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Previamente, importa mencionar que, pelo facto da apelante não mencionar concretamente o início e fim dos depoimentos das testemunhas que indica, com base nas quais impugna a decisão fáctica quanto ao ponto 26.º da base instrutória (cfr. artigo 685-.º-B, n.º 3 e 552.º-C, n.º 2 do CPC), não se justifica a rejeição daquela impugnação. Primeiro, porque na acta de discussão e julgamento há apenas uma referência genérica à gravação dos depoimentos, sem ela mesmo dar integral cumprimento ao disposto no segundo preceito citado, o que não pode, obviamente, prejudicar a apelante. Segundo, porque tendo a gravação sido efectuada no sistema Habilius Media Studio essa identificação encontra-se mencionada no CD que serve de suporte digital à mesma, o que torna fácil a identificação do início e fim de cada depoimento. Terceiro, porque a apelada não invoca diminuição das garantias da sua defesa por via da alegada omissão, pelo que a rejeição da impugnação sempre se apresentaria como uma sanção desproporcionada à omissão cometida.[3] Assim sendo, e por se encontrarem preenchidos os requisitos da referida impugnação da decisão quanto à matéria de facto (incluindo resposta ao ponto 26.º da base instrutória), passa-se à sua apreciação.
Sumariando a impugnação, a apelante invoca erro de julgamento quanto à decisão fáctica relativamente aos pontos 5.º, 6.º e 26.º da base instrutória, peticionando a sua alteração.
Os pontos 5.º e 6.º, que receberam a resposta de “provado”, correspondem, respectivamente, à seguinte matéria:
“À data do incêndio a A. tinha feito as seguintes obras/benfeitorias no estabelecimento comercial:
a) restauro de paredes, rebocar e arear;
b)levantamento das paredes ao lado (barbeiro) e parede central;
c)bigas, placa e escadas;
d)acertar piso e aplicação de tijoleira;
e)serviço de picheleiro;
f) serviço de electricista;
g) fazer tectos em baixo e em cima , paredes e soalho em madeira;
h) pintar e envernizar
i) colocação de portas, janelas, montras, grades e toldos, tudo no valor de € 125.000,00 (número 5).
Em resultado do mesmo, também ficou destruído pelo incêndio o material de escritório existente no estabelecimento, designadamente computadores, fax, impressora, máquina de escrever electrónica, máquina de calcular, secretárias, estantes e outros móveis, no valor de €12.000,00 (número 6).”
O ponto 26.º da base instrutória, que recebeu a resposta de “não provado”, foi formulado com a seguinte redacção: “A R. não teria aceite a inclusão no contrato do risco referente ao edifício, caso tivesse conhecimento, aquando da proposta de seguro, que a A. era arrendatária do mesmo.”
A apelante defende que a resposta ao ponto 5.º deve mencionar que os bens em causa tinham o valor de €18.733,65 no ano de 2004 (em substituição do valor dado como provado, ou seja, o valor de €125.000,00), e que a resposta ao ponto 6.º deve mencionar que os bens ali em causa tinham o valor de €7.301,96, no ano de 2004 (em substituição do valor dado como provado, ou seja, o valor de €12.000,00), com base no documento de fls. 248 (Mapa de Reintegração e Amortizações do Exercício de 2004).
Em relação ao ponto 26.º defende que deve ser dado como provado, com base nos depoimentos das testemunhas M… e N….
Vejamos, se lhe assiste razão:
Os valores referidos pela apelante resultam da soma das parcelas constantes do referido documento de 248, intitulado “Mapa de Reintegrações e Amortizações.” Quanto ao ponto 5.º, constam da rubrica “Outras Construções”, e quanto ao ponto 6.º, da rubrica “Ep. Administrativo e Social e Mob. Diversos”.
Este documento de cariz fiscal (cfr. artigo 121.º do CIRC, artigo 129.º do CIRS, Portaria n.º 359/2000, de 20/06, revogada pela Portaria n.º 92-A/2011, de 28/02), integra os elementos exigidos por lei para a determinação da reintegração e amortização do activo imobilizado corpóreo sujeito a depreciação, e tem regras específicas para a sua valorização, que passam por uma série de itens, que vão desde o preço de aquisição, às despesas adicionais, custos de construção/fabricação, juros de empréstimos, etc., sendo certo que a administração fiscal, se assim o entender, e dentro dos parâmetros legais, sempre pode corrigir os valores declarados.
Serve isto para dizer que este documento não tem força probatória plena relativamente ao apuramento dos valores dos bens cobertos por um contrato de seguro cuja cobertura abranja a perda de obras/benfeitorias realizadas, bem como o valor de equipamentos mencionados no contrato. Aliás, e conforme faz notar a apelada, as condições gerais da apólice, nos artigos 2.º, alínea d) e 6.º, alíneas a) e c), indicam que o valor que deverá ser atendido para determinação do capital seguro, será, respectivamente, o custo de reconstrução (obras/benfeitorias) e o custo actualizado dos bens mobiliários e equipamento e não os valores decorrentes de regras específicas de carácter fiscal.
Acresce que o tribunal a quo considerou provada a matéria dos pontos 5.º e 6.º com base nos elementos probatórios juntos ao processo: documentos de fls. 15 e 16 (balanço e mapa de activos) e de fls. 42 a 47 (facturas de aquisição de material), e, ainda, depoimento da testemunha O…, contabilista da autora.
Não tendo a apelado questionado haver erro na apreciação destes elementos probatórios, é patente que, por essa razão, quer pelo que se disse quanto à natureza e função do documento por ela invocado, não merece qualquer censura a resposta dada aos pontos 5.º e 6.º da base instrutória.
Quanto ao ponto 26.º, após audição dos depoimentos das testemunhas mencionadas pela apelante, não só não encontramos razão para alterar a resposta, como reconhecemos total acerto no julgamento do facto em causa, nomeadamente, na ponderação crítica da prova em apreciação.
A testemunha M…, profissional de seguros, e trabalhador da ré no sector do contencioso, declarou que não trabalha na área da aceitação das propostas de seguro. Só conhece as situações quando as mesmas chegam ao contencioso. Em relação ao contrato de seguro em causa nos autos, declarou que não participou nas negociações. Afirmou, mesmo assim, que com base na sua experiência profissional na B… achava que se tivesse havido conhecimento do que está em causa no ponto 26.º, a ré não aceitava fazer este seguro.
A testemunha N…, trabalhador da ré (actualmente gerente do escritório do Porto), disse que acompanhou a situação (não como gerente, que ainda não era, só o foi a partir de Janeiro de 2005), mas já depois do seguro estar celebrado. Quem tratou do seguro foi técnico comercial e o gerente na altura e que não participou nas negociações.
Perguntado sobre a “qualidade” em que a autora celebrou o contrato, referiu que foi como dono.
Sobre as benfeitorias, disse que se a companhia soubesse que a segurada era arrendatária, a ré não aceitaria o seguro. Referiu também que, em termos gerais, a seguradora não aceitaria celebrar o seguro se não fosse celebrado pelo dono.
Confrontado com o documento de fls. 129 onde se faz menção a benfeitorias feitas pelo inquilino, a testemunha disse que não conhecia o documento.
Da análise destes depoimentos resulta, de forma inequívoca e segura, que as mesmas não participaram nas negociações do contrato de seguro em causa no processo. Assim, a opinião que expressaram sobre a não celebração do contrato de seguro caso a seguradora conhecesse que a autora não era a dona do edifício, mas apenas arrendatária, ainda que possam ter sido prestada com base no conhecimento que tinham da prática seguida na ré, não garantem que, perante o caso concreto, não tenha sido outra a sua postura negocial. Por outro lado, e conforme consta da resposta ao ponto 27.º da base instrutória, que a apelante não impugnou, ficou provado que a mediadora de seguros, que interveio directamente na celebração do contrato, deu indicação à autora para assinalar que o fazia na qualidade de dona do edifício para, assim, ficar abrangido o risco por benfeitorias do edifício, o que prova, à saciedade, que não obstante a ré saber da desconformidade da declaração com a realidade, tal não obstou à celebração do contrato de seguro nas condições em que foi celebrado.
Em face do exposto, improcede a apelação, deduzida a título subsidiário, quanto à impugnação às respostas dadas aos pontos impugnados, nada havendo a alterar em relação à decisão sobre a matéria de facto.

3. Benfeitorias
A apelante discorda da condenação relativo às benfeitorias, invocando como fundamento o artigo 1046.º do Código Civil e artigo 4.º do contrato de arrendamento junto aos autos, defendendo que a autora não tem legitimidade para reclamar o valor das benfeitorias por ela realizadas, o que constitui, no seu entender excepção dilatória atempadamente invocada.
Vejamos:
Contrariamente ao alegado pela apelante, não vislumbramos no processo que tenha invocado em momento processual anterior ao recurso, e sobretudo “atempadamente”, ou seja, em sede de contestação (artigo 488.º e 489.º, nº 1, do CPC), a ilegitimidade da autora.
O que a ré invocou na contestação foi a nulidade do contrato de seguro por a autora ter declarado ser dona do edifício onde se situa o estabelecimento que explora e, afinal, ser apenas arrendatária. O que também veio reiterar em sede de recurso e já foi objecto de análise.
Ora, sendo a ilegitimidade um pressuposto processual (artigos 493.º, 494.º, alínea e) e 288.º, n.º 1, alínea d), do Código Civil), determinando a sua procedência o não conhecimento do mérito da causa, com a consequente absolvição do réu da instância, e não a improcedência do pedido, perante a defesa da ré apresentada na contestação (que pugna pela improcedência da acção), temos de concluir que tal excepção dilatória nem sequer foi invocada.
Assim, o que está em apreciação é se o valor das benfeitorias está coberto pelo contrato de seguro, considerando que quem as realizou foi a arrendatária e não o proprietário do edifício e se a ré pode invocar, perante a autora, a violação contratual do contrato de arrendamento.
É manifesto que a argumentação da apelante não tem qualquer base legal, por a mesma chamar à colação uma relação jurídica – de arrendamento – da qual não é parte, conforme resulta da leitura do documento de fls. 86 87 verso, denominado “Arrendamento”. Assim, todo o conteúdo das cláusulas inseridas naquele contrato de arrendamento (incluindo a relacionada com a realização de obras no locado), bem como as disposições legais aplicáveis ao mesmo contrato, apresentam-se como inter alia actos em relação à seguradora, pelo que as mesmas, na interpretação e aplicação do contrato de seguro (tendo como pressuposto a sua validade, como já se afirmou), são inoponíveis à autora.
Tendo-se provado que as obras/benfeitorias fora realizadas, no montante constante referido na resposta ao ponto 5.º da base instrutória, estando a abrangidas pelo capital seguro, do contrato de seguro em apreço, válido e eficaz à data do sinistro (cfr. artigos 2.º, alínea d), 6.º, alínea a) e 20.º, n.º1 das condições gerais da apólice), não merece censura o segmento da sentença que condenou a ré a suportar o seu pagamento.
Em suma, improcede in totum a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Dado o decaimento, a apelante suportará o pagamento das custas devidas pela apelação (artigo 446.º, n.º 1 e 2 do CPC).

Em síntese (n.º 7 do artigo 713.º do CPC):
I. Nos termos do artigo 429.º do Código Comercial são declarações inexactas as não conformes com a realidade. São declarações reticentes as que omitem factos com interesse para formação da vontade contratual da outra parte.
II. De acordo com uma interpretação correctiva e teleológica, tem sido entendido que o preceito se reporta à anulabilidade e não à nulidade.
III. Incidindo sobre a própria formação do contrato, as declarações falsas ou as omissões relevantes impedem a formação da vontade real da contraparte, não sendo necessário que as mesmas influam efectivamente sobre a celebração ou as condições contratuais fixadas, bastando que pudessem ter influído ou fossem susceptíveis de influir nas condições de aceitação do contrato.
IV. Compete à seguradora, atento o disposto no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, alegar e provar que aquelas declarações influíram na existência e nas condições do contrato, de modo a que, se as conhecesse, não teria contratado ou teria contratado em condições diversas das que contratou.

IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 23 de Fevereiro de 2012
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Ana Paula Pereira Amorim
José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira
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[1] Cfr., exemplificativamente, Ac. STJ de 24.04.2007, proc. 07S851, em www.dgsi.pt
[2] Cfr., entre outros, Ac. do STJ, de 17.10.2006, proc. 06A2852, em www.dgsi.pt
[3] Neste mesmo sentido já se pronunciou este colectivo, mormente no P 1890/10.4TJPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt