Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
242/10.0GAALJ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÁLVARO MELO
Descritores: ALCOOLÍMETRO
VERIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP20110427242/10.0GAALJ.P1
Data do Acordão: 04/27/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O termo “anual” usado no artigo 7.º, n.º 2, da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, não contraria o disposto no artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, significando, apenas, que os aparelhos têm de ser sujeitos a, pelo menos, uma verificação em cada ano civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 242/10.0GAALJ.P1

Acordam em conferência na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO:

No processo comum singular nº 242/10.0GAALJ o arguido B… foi submetido a julgamento tendo na sequência do mesmo sido proferida sentença que o absolveu da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, do Código Penal.

Discordando do decidido, interpôs o Ministério Público o recurso em apreciação, cuja motivação culmina com as seguintes conclusões, as quais balizam e limitam o âmbito e objecto do mesmo (transcrição integral):
«(…)
a) Por sentença proferida nos presentes autos, o Tribunal decidiu absolver o arguido B… como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.°292.° do Código Penal.

b) Fê-lo ao dar como não provado “que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1º o arguido apresentasse uma taxa de álcool no sangue de 1,90 g/l”, não valorando o teste efectuado;

c) Para dar como no provado tal facto, o Tribunal entendeu que o aparelho, no qual foi realizado o teste à quantidade de álcool no ar expirado, já há muito teria ultrapassado o prazo de validade do aparelho;

d) O teste objecto do presente recurso foi efectuado em 2 de Setembro de 2010;

e) O aludido aparelho foi aprovado pelo IPQ a 24 de Abril de 2009, através do despacho n.º 11037/07 e pela ANSR a 25 de Junho de 2009, através do despacho n.º 19684/09, publicado no D n.º 166, 2º Série de 27 de Agosto de 2009;

f) No que concerne aos prazos de verificação do aparelho supra citado, reina o DL nº 291/90, de 20 de Setembro, que estabelece o Regime Geral do Controle Metrológico, pois o aparelho em causa é um aparelho de medição.

g) Prescreve o artigo 4.º nº 5 do citado diploma legal que “a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário”.

h) A concreta regulamentação aprovada em matéria de alcoolímetros (cf. artigo 1º, nº 1, parte final e 15º, do DL nº 291/90, de 20 de Setembro) que consta hoje da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, e aprova o denominado Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, isto é, dos “instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado” (cf. 2º, nº 1, da referida Portaria).

i) Tal Regulamento veio, estabelecer regras relativas às verificações metrológicas:

j) “a primeira verificação é efectuado antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódico nesse ano” (cf. artigo 7º, nº 1).

k) “a verificação periódico é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo” (cf. artigo 7°, n°2)”.

l) Face a este quadro, diremos que o aparelho em causa foi aprovado e colocado em funcionamento em 25 de Junho de 2009.

m) Assim, e nos termos do art.º 4.º n.º5 do DL 291/90 de 20 de Setembro, o mesmo estaria dispensado de verificação até ao dia 31 de Dezembro de 2010.

n) Os Decretos-lei, nos termos do art.º 112.º da Constituição da República Portuguesa, são actos normativos, e portanto como tal, só poderão ser derrogados, ou postos em causa por acto normativo da mesma natureza.

o) Sucede porém que uma portaria não é um acto normativo, mas simplesmente um acto administrativo, o qual, não se pode sobrepor, nem afastar o estatuído num Decreto-Lei, não podendo, jamais, criar um regime especial face a este, porquanto terá de se conformar com ele, como resulta das regras de hierarquias de normas.

p) No entanto, nem cremos que seja esse a caso, pois é possível e deveria o Mmo Juiz ter feito uma interpretação das duas normas de forma a compatibilizá-las.

q) Obviamente que assim entendendo o aparelho em causa não teria qualquer problema de verificação e validação, e o facto dado como não provado deveria ter sido dado como provado, tendo o arguido sido condenado.

r) O aparelho está ainda dispensado das verificações periódicas anuais o que alude o artigo 7.º do Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

s) Com efeito, resulta expresso no n.º do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 291/90 de 20 de Setembro que, «os instrumentos de medição são dispensados de verificação periódica até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua primeira verificação, salvo regulamentação específica em contrário».

t) Encontrando-se o aparelho aprovado para fiscalização - e efectuada a sua verificação metrológica dentro dos períodos temporais legalmente previstos - e não existindo pois quaisquer elementos factuais que permitam duvidar da fiabilidade do aparelho - tanto mais que o próprio arguido na altura não requereu contra-prova e em sede de audiência admitiu que tinha bebido - não ficou o Tribunal colocado perante qualquer dúvida, susceptível de operar a favor do arguido por força do principio in dubio pro reo, devendo ter sido condenado.

u) Nos termos do artigo 118º, nº 1, do Código de Processo Penal, a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. Ou seja, neste preceito consagra-se o princípio da legalidade no domínio das nulidades dos actos processuais. Assim, para que algum acto processual, relativamente ao qual tenha havido violação ou inobservância das disposições legais do processo penal, padeça do vício da nulidade é necessário que a lei processual o diga expressamente.

v) Corno muito bem se afirma no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.09.2010 (proc. nº 431/l0,8GAFL.G1, in www.dgsi.pt), não existe “nulidade do exame efectuado” nas situações em que esteja em causa o falta de inspecção periódica do alcoolímetro, pois que “inexiste norma que comine a falta da inspecção periódico com o vício da nulidade”.

w) Na esteira do defendido no recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03/03/2010, processo 58/09.7PAMDL, disponível em www.dgsi.pt, que não constitui o exame ao álcool no sangue realizado por alcoolímetro um meio de prova, como é por exemplo aprova pericial, mas meio de obtenção de prova.

x) Como resulta de fls. 4 do presente processo, o arguido declarou não desejar ser submetido a exame de contraprova, demonstrando assim a vontade de que se conformava com o resultado que lhe era apresentado.

Y) Decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30/01/2008, processo 295/07.9GTLRA.C1, igualmente disponível em www.dgsi.pt, no qual se reiterou que Se dúvidas subsistem sobre a idoneidade do valor medido, o que a lei prevê é a possibilidade de ser feita a contraprova, ou através de novo exame em aparelho aprovado, ou através de análise ao sangue, á escolha do examinando (art. 153º, nº 3, do C. da Estrada).

z) Se dúvidas houvessem quanto ao âmbito da confissão do arguido, as mesmas ficariam esclarecidas da leitura atenta da sentença, visto que resulta da mesma que o próprio tribunal entendeu haver uma confissão e que a mesma se estendia a todos os factos da acusação, entendendo não poder valorá-la quanto à taxa de alcoolemia.

aa) Conforme ficou plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/02/2007, processo nº 4030/07, disponível em www.trp.pt, se a lei considera que provados os factos confessados, é porque desconsidera quaisquer irregularidades dos meios de prova junto aos autos. (...) A confissão não pode servir para evitar que o Tribunal esclareça pontos que, mais tarde, são invocados para fundamentar a nulidade da própria confissão. (...) Quando a lei considera os factos provados, está também a considerar irrelevantes as questões que poderiam inquinar quer a validade, quer a eficácia probatória dos respectivos meios. A confissão integral e sem reservas do arguido sobrepõe-se a tais irregularidades, por uma razão simples; a lei aceita que o arguido queria dizer a verdade, desprezando inclusivamente as eventuais incongruências da prova recolhida.

bb) Não haveria razão para o mesmo ter sido considerado como prova proibida, pois o aparelho não padecia de qualquer vício, estando aprovado e certificado para o efeito.

cc) O Mmo. Juiz duvidou do resultado do exame de pesquiso de álcool no ar expirado efectuado ao arguido.

dd) Dispõe o artigo 340.º nº 1 do Código de Processo Penal que: “O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.

ee) Assim, nosso entendimento que tal decisão violou o disposto nos artigos 118º, n.º 1 e 2, 340.º nº 1 e 2 e 379.º nº 1 alínea c) do Código de Processo Penal, padecendo ainda dos vícios elencados no artigo 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) todos do Código do Processo Penal, devendo ser revogada na parte em que deu como não provado o facto de “que nas circunstancias de tempo e lugar referidos em 1º o arguido apresentasse uma taxa de álcool no sangue de 1,90 g/l”, não valorando o teste efectuado”, devendo este facto ser dado como provado, e por essa via, ser o arguido condenado pela prática do crime pelo qual vinha acusado.».
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O arguido respondeu à motivação do recorrente, rebatendo as razões pelo mesmo aduzidas, e concluiu que o recurso deve improceder e a decisão recorrida deve ser mantida.
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Recebido o processo nesta Relação o Exmº Sr. PGA emitiu Douto parecer no qual com assinalável objectividade e poder de síntese conclui defendendo também que o recurso merece provimento.
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Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, o arguido veio responder ao parecer do Ministério Público, aduzindo abundante argumentação através da qual tenta contraditar a do mesmo.
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Seguiram-se os vistos legais e realizou-se conferência, cumprindo decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:

São os seguintes os factos considerados provados, não provados e a motivação da sentença recorrida (transcrição integral):

«1º - No dia 2 de Setembro 2010, pelas 22h30, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-TL, em …, Alijó.
2º - Antes de conduzir, o arguido havia ingerido, pelo menos, um brandy.
3º - Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1°, o arguido foi submetido por agentes da GNR a exame efectuado no ar expirado.
4º - O arguido sabia que não lhe era permitido conduzir veículos automóveis com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l.
5º - Ao proceder como referido em 1° e 2°, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente.
Mais se apurou que:
6º - O exame referido em 3º foi efectuado com o aparelho DRAGER Alcotest 7110MKIIIP, tendo a sua última verificação ocorrido no dia 13.05.2009.
7º - O arguido é pedreiro e aufere mensalmente a quantia de € 480,00.
8º - A companheira do arguido é doméstica e aufere mensalmente a quantia de € 400,00.
9º - O arguido reside em casa própria.
10º - Tem uma filha com 20 anos de idade, a qual se encontra ainda a seu cargo.
11º - A filha do arguido é estudante universitária em Vila Real, despendendo aquele a quantia mensal de € 100,00 pelo respectivo alojamento.
12º - O arguido despende mensalmente com água, luz e gás, respectivamente as quantias de € 5,00, € 20,00 e € 20,00.
13º - O arguido contraiu um crédito para realização de obras, pagando mensalmente, a esse título, a quantia de € 117,00.
14º - Tem como habilitações literárias o segundo ano de escolaridade.
15º - Não tem antecedentes criminais.

Factos não provados:
i) Que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1° o arguido apresentasse uma taxa de álcool no sangue de 1,90 g/l.
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III — Motivação
A convicção do Tribunal relativamente aos factos que considerou provados fundou-se na apreciação livre e crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com o preceituado no artigo 127° do Código de Processo Penal.
Assim para dar como provados os factos elencados de 1º a 5º, o tribunal teve em consideração desde o teor das declarações do arguido quanto aos mesmos, que admitiu tais factos. Ademais, teve ainda em consideração o tribunal o teor do auto de notícia de fls. 3, bem como o depoimento do militar C… que presenciou a condução do arguido.
No que tange ao ponto 6º, o tribunal baseou-se no teor do talão de fls. 22.
Por sua vez, no que concerne aos factos que se deram com provados de 7º a 14º, o tribunal estribou a sua convicção nos esclarecimentos prestados pelo arguido quanto às suas condições sócio-económicas, não se vislumbrando razões para neles não fazer fé.
Finalmente, no que tange ao ponto 15º dos factos provados, teve o tribunal em consideração o teor do CRC junto aos autos.
Relativamente ao facto que se deu como não provado cumpre tecer algumas considerações de modo mais cuidado.
A este propósito, e antes de mais, cumpre analisar o alcance da confissão do arguido no âmbito do tipo legal aqui em causa.
Ora, em nosso entender, a confissão do arguido não pode senão abranger as circunstâncias de ter ingerido bebidas alcoólicas e conduzido.
Com efeito, a concreta TAS de que era portador, em nosso entender, consiste num facto que o arguido não pode confessar, porquanto tal apenas pode ser, efectivamente medido, através de um controlo de natureza técnica e científica que o arguido não está habilitado a fornecer ao tribunal.
Assim, muito embora o arguido possa, de facto, ter ficado ciente da TAS indicada pelo aparelho no controlo de que foi alvo, tal não significa que se possa dar como provada tal taxa com base na confissão, pois que o arguido, como referido, não possui, nem poderia deter, qualquer conhecimento acerca da TAS de que na realidade era portador.
Isto posto, e em conclusão, é entendimento do tribunal que a prova de todos os factos da acusação não se basta, no caso, com a confissão do arguido, devendo a mesma ser complementada, necessariamente, pela prova resultante do controlo que ao mesmo foi efectuado.
Ultrapassadas estas primeira considerações, cumpre proceder à análise da validade do resultado do sobredito controlo efectuado enquanto meio de prova.
Da prova produzida, mais concretamente do teor do talão de fls. 4, resultou que o exame de pesquisa de álcool no sangue que foi efectuado ao arguido, o foi através do aparelho DRAGER, modelo 7110 MK IIIP.
O aludido aparelho foi aprovado pelo IPQ a 24 de Abril de 2009, através do despacho nº11037/07 e pela ANSR a 25 de Junho de 2009, através do despacho n°19684/09, publicado no DR n°166, 2 Série, de 27 de Agosto de 2009.
Neste último despacho refere-se que o aludido modelo “contém os elementos necessários para medir a concentração de álcool no sangue”.

Por sua vez, prescreve o artigo 10, n°1, do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n°18/2007, de 17 de Maio, que “a presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo”.
Por sua vez, dispõe o n°2 do mesmo artigo 1° do aludido Regulamento, que “a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue”.
Finalmente, o artigo 14° do Regulamento em apreço refere que ‘nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária”. Mais se consagra que “a aprovação (...) é precedida de homologação de modelo a efectuar pelo Instituto Português de Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”. Assim sendo, dúvidas não existem quanto à possibilidade de utilização do aparelho em causa — DRAGER Alcotest 7110 MK IIIP — para efeitos da fiscalização do estado de condução sob influência do álcool, tanto mais que a aprovação do modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação do modelo (cf. artigos 2°, n°2, do DL n°291/90, de 20 de Setembro, 6°, n°3, do Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n°1556/2007, de 10 de Dezembro, bem como o Despacho da ANSR n°19684/2009, a contrario).
Todavia, a vexata questio que se coloca no caso dos autos consiste em saber qual seja a validade, como meio de prova, do resultado de um controlo efectuado com aparelho que, apesar de regulamente aprovado, em concreto, ultrapassou o prazo de validade, sem ter sido submetido ao controle de medição. Ou, acrescentando, e ainda a montante, saber se, no caso do autos, o aparelho usado para efectuar o controlo da TAS ao arguido havia ou não ultrapassado tal prazo.
Vejamos.
Decorre do já mencionado talão de fls. 22 que a data de verificação do aparelho utilizado no controlo remonta a 13.05.09. Por sua vez, o controlo efectuado ao arguido ocorreu no dia 2.09.2010.
Analisemos então as normas legais aplicáveis.
O DL n° 291/90, de 20 de Setembro, veio proceder a “harmonização do regime anteriormente aplicável ao controlo metrológico com o direito comunitário, assegurando à indústria nacional de instrumentos de medição entrada nos mercados da CEE em igualdade de circunstâncias” (cf. Preâmbulo do DL em apreço).
Dessa forma, veio estabelecer um regime regulador do “controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição envolvidos em operações comerciais, fiscais ou salariais, ou utilizados nos domínios da segurança, da saúde ou da economia de energia, bem como das quantidades dos produtos pré-embalados e, ainda dos bancos de ensaio e demais meios de medição (...).
A metrologia, enquanto ciência da medição, “assenta num conjunto de pressupostos prévios que (...) simplificam a actuação concreta de uma multiplicidade de situações que vão do campo do direito à actividade industrial”.
Nessa medida, a metrologia legal “baseia-se no estabelecimento de um conjunto de características dos instrumentos de medição e na sujeição obrigatória destes a uma operação de aprovação de modelo, prévia à sua inclusão nos actos de controlo metrológico, operação que garante que os mesmos estão de acordo com a norma aplicável. Antes de entrarem em funcionamento e, depois, em intervalos regulares durante a sua vida útil, estes instrumentos são sujeitos a operações de verificação metrológica, que garantem que as características metrológicas continuam a satisfazer os requisitos legais (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1.10.2008, proc. 0843774, in www.dgsi.pt, citando JORGE FRADIQUE, ISABEL MORGADO LEAL e RUI SÁ, in “A Primeira Verificação de instrumentos de pressão, de 2002 a 2004, como garantia metrológica)
Ora, é o sobredito DL n°291/90, de 20 de Setembro, que estabelece o Regime Geral do Controle Metrológico, constituindo o mesmo um diploma de aplicação generalizada aos diversos métodos ou instrumentos de medição.
Nessa medida, ali se prevê a existência de quatro operações de controlo metrológico: a aprovação do modelo, a primeira verificação, a verificação periódica e a verificação extraordinária (cf. artigo 1°, n°3).
Nos termos do disposto no artigo 2°, n°1, sempre do mesmo diploma legal, “a aprovação de modelo é o acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria (...).
Por sua vez, “a primeira verificação é o exame e o conjunto de operações destinados a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respectivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis”(cf. artigo 3°, n°1),
Já a verificação periódica “é o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo” (cf. artigo 4°, n°1).
Finalmente, “a verificação extraordinária ocorre apenas em casos de dúvidas ou de reclamações específicas” (cf. artigo 5°, n°1).
Visto este regime geral, cumpre analisar a concreta regulamentação aprovada em matéria de alcoolímetros (cf. artigo 1°, n°1, parte final e 15°, do DL n°291/90, de 20 de Setembro).
Tal regulamentação consta hoje da Portaria n°1556/2007, de 10 de Dezembro, e aprova o denominado Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, isto é, dos “instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado” (cf. 2°, n°1, da referida Portaria).
O referido Regulamento veio, também ele, estabelecer regras relativas às verificações metrológicas.
Assim, ali se estabelece que “a primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano” (cf. artigo 7°, n°1).
Por sua vez, também ali se dispõe que “a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo” (cf. artigo 7°, n°2).
Finalmente, estabelece-se que “a verificação extraordinária compreende os ensaios da verificação periódica e tem a mesma validade”.
Ora, a resposta de uma das questões acima colocadas, nomeadamente a de saber se, no caso dos autos, o aparelho usado para efectuar o controlo da TAS ao arguido havia ou não ultrapassado o prazo estabelecido pela lei para a verificação periódica, passará pela interpretação da norma acima transcrita, prevista no artigo 7°, n°2, da Portaria n°1 556/2007, em confronto com a norma prevista no artigo 4°, n°5, do DL n°291/90, de 20 de Setembro.
Prescreve este último artigo que “a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário’.
Cumpre tomar posição.
Assim sendo, constata-se o seguinte:
O Regime Geral do Controlo Metrológico permite que a verificação periódica permaneça válida até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte.
Porém, no aludido regime (geral) não se refere que a verificação periódica tenha qualquer tipo de limite (por exemplo, mensal, trimestral, semestral, anual, etc.).
Ora, da análise do regime especial em que se traduz o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, constata-se, por um lado, que a verificação periódica para este tipo concreto e específico de instrumentos de medição deve obedecer a uma periodicidade anual, salvo se diferente indicação constar do despacho de aprovação de modelo (no caso, o Despacho n°19684/2009 da ANSR), o que, todavia, não sucede.
Assim sendo, em nosso entender, a Portaria n°1556/2007, de 10 de Dezembro, veio estabelecer um verdadeiro regime especial relativamente ao DL nº 291/90, de 20 de Setembro, traduzindo-se em regulamentação específica contrária ao ali previsto no artigo 4º, nº5.
E assim concluímos por quatro ordens de razões.
A primeira prende-se com o facto já acima aflorado de o regime geral, contrariamente ao especial, não estabelecer nenhum prazo máximo para realização da verificação periódica, mas tão-somente um critério abstracto de duração da respectiva validade. Assim, e nesse seguimento, cremos que, ao estabelecer a periodicidade anual para a verificação periódica, a Portaria aqui em análise veio regulamentar o Regime Geral de modo contrário às prescrições nele constantes.
A segunda razão prende-se com a interpretação a dar à expressão “anual” constante do artigo 7º, nº 2, da Portaria nº 1556/2007. Em nosso entender, preconizar o entendimento da aplicação do preceituado no artigo 4°, n°5, do DL n°291/90 ao regime do controlo metrológico dos alcoolímetros, significaria que o legislador havia pretendido consagrar (no regime especial) que a verificação periódica haveria de fazer-se “uma vez em cada ano”. Ora, no caso, não só o legislador não optou por tal redacção, nem tão-pouco, de forma eventualmente clarificadora, estabeleceu qualquer remissão da Portaria para o aludido artigo 4°, n°5, do DL n°291/90. Assim, cremos que não deverá o intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu, devendo, ademais, presumir-se que o legislador soube, em cada momento, exprimir-se de modo adequado e consagrar as soluções mais acertadas (cf. artigo 9°, n°3, do CC).
Uma terceira linha de argumentação reporta-se à razão de ser das verificações periódicas. Assim, se as mesmas visam constatar a qualidade metrológica dos instrumentos de medição, nomeadamente, mantendo-os dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo, é nosso entender que o legislador terá no caso (concreto) dos alcoolímetros querido, efectivamente, e pela especificidade que comportam (face a outros instrumentos de medição), fixar em 1 ano a verificação periódica de tais aparelhos, por entender ser esse o limite máximo a partir do qual os mesmos necessitam de ser submetidos a nova inspecção para determinar a sua fiabilidade enquanto meio de aquisição de prova. De resto, entender em sentido contrário, aplicando ao caso dos alcoolímetros sem mais o disposto no artigo 4°, n°5, do DL n°291/90, seria permitir que uma determinada verificação periódica pudesse ocorrer, de modo objectivo, e na prática, já perto dos dois anos, para tanto bastando que tal verificação ocorra no início de um determinado ano, mantendo-se a sua validade intacta até ao final do ano seguinte (imagine-se por hipótese um intervalo de verificações situado entre Janeiro de 2009 e Dezembro de 2010). Interpretar deste modo é, em nosso entender, violar frontalmente o regime legal constante da Portaria, regime esse em que o legislador quis verter e prever as especificidades concernentes ao instrumento de medição específico que é o alcoolímetro, sem olvidar que a sua utilização é feita, essencialmente, para fins de recolha de prova no âmbito de processos judiciais.
Finalmente, em quarto lugar, e sem prejuízo de toda a argumentação exposta, somos ainda de entendimento que, mesmo que alguma dúvida se suscitasse na articulação dos regimes geral e especial, sempre a mesma haveria que ser solucionada por via do recurso ao princípio geral da interpretação mais favorável ao arguido.
Isto posto, e descendo novamente ao caso concreto, somos de entendimento que, no caso concreto, aquando do controlo efectuado ao arguido a 30.09.2010[1], já há muito se encontrava ultrapassado o prazo de validade do aparelho utilizado para a realização do controlo/medição da respectiva TAS.
Decidido este aspecto, há que tomar posição quanto à segunda questão que nos propusemos resolver, ou seja, a da validade probatória a conferir ao controlo efectuado.
Assim, e desde já adiantando, cremos que, efectivamente, “não pode valer como meio de prova um controlo efectuado com aparelho que ultrapassou o prazo de validade, sem ter ido ao controle de medição para aferir do rigor da medição feita pelo mesmo” (cf. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.03.2009, proc. n°141/08.6GTGRD.C1).
De facto, e como já acima se foi referindo, se a verificação periódica visa garantir a fiabilidade de um determinado aparelho de medição, no caso o alcoolímetro, é de duvidar de tal fiabilidade quando o mesmo é utilizado em controlos ocorridos em momento posterior ao prazo máximo estabelecido para renovação da necessária verificação periódica.
Aparentemente, em sentido contrário pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.09.2010 (proc. n°431/10.8GAFL.G1, in www.dgsi.pt), quando, a certa altura refere que não existir “nulidade do exame efectuado” nas situações em que esteja em causa a falta de inspecção periódica do alcoolímetro, pois que “inexiste norma que comine a falta da inspecção periódica com o vício da nulidade”.
Todavia, cremos que o enquadramento a fazer da presente questão não se situa no âmbito da validade ou nulidade do exame/controlo em si, mas antes na validade da prova que do mesmo resulta. Isto é, sendo o exame/controlo um meio de obtenção de prova, admitimos que o mesmo não seja nulo se violar alguma das normas do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, por falta de norma expressa que o preveja. No entanto, cremos que há que distinguir entre o meio de obtenção da prova e o seu resultado, isto é, a prova em si e a sua validade/fiabilidade, sendo que, neste campo, e como acima referido, não cremos ser de valorar positivamente a prova obtida mediante a utilização de um aparelho de medição que ultrapassou o respectivo prazo de validade.
Sem prejuízo, a este propósito, poderia ainda, eventualmente, argumentar-se com a possibilidade de, mesmo neste caso, se de lançar mão das margens de erro admissíveis (EMA), previstas no Anexo à Portaria n°1 556/2007, de 10 de Dezembro.
Porém não cremos que tal solução seja admissível.
Com efeito, cremos que a Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, não estabelece qualquer margem de erro, mínimo ou máximo, para aferir dos resultados obtidos pelos analisadores quantitativos da detecção do teor de álcool no sangue, numa qualquer medição concreta.
Na verdade, é nosso entendimento, que as margens de erro a que acima se faz alusão respeitam, tão só, à aprovação e verificação periódica dos aparelhos de medição. Com efeito, o controlo metrológico tem por finalidade a certificação do controlo e conformidade metrológica encontrada, e, bem assim, garantir a inviolabilidade do instrumento de medição.
Tal controlo metrológico dos alcoolímetros ou analisadores quantitativos, é da competência do Instituto Português da Qualidade, que procede às operações legais de aprovação do modelo — primeira verificação — segunda verificação — verificação extraordinária. (cf. art. 5.° da Portaria n°1556/2007, de 10 de Dezembro).
Assim, uma vez verificado, pelo sobredito instituto, que o aparelho de medição não ultrapassa os erros (máximo e mínimo), a que faz alusão o art. 8° da Portaria, é aposta marca de qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis.
Com efeito, os EMA “são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra. É sabido que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da aprovação de modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas, por forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos erros máximos admissíveis prescritos no respectivo regulamento” (cf. CÉU FERREIRA e ANTÓNIO CRUZ, “controlo Metrológico de Alcoolimetros no Instituto Português de Qualidade”, citado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.5.2008, proc. 0841722, in www.dgsi.pt).
Nessa conformidade, não podem, em momento ulterior, designadamente quando o agente de autoridade está a proceder à acção de fiscalização, ser considerados quaisquer valores de erro (EMA) a deduzir ao valor apurado ou obtido pelo alcoolímetro ou analisador quantitativo. É que, como acima de disse, os erros máximos admissíveis são, apenas, objecto de valoração e ponderação no momento do controlo metrológico e em momento anterior à certificação pelo IPQ (cf. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30.1.2008, proc. 91/07.3PANZR.C1; Acórdãos da Relação de Lisboa de 23.10.2007, proc. 3226/2007-5; de 3.10.2007, proc. 4223/2007-3; de 9.10.2007, proc. 5995/2007-5; de 18.10,2007, proc. 7213/2007-9; de 23.10.2007 proc 7089/2007-5; de 23.10.2007, proc. 7226/2007-5; de 20.02.2008, proc. 183/2008-3; e de 8.04.2008, proc. 1491/2008-5; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 6.02.2008, proc. 0716626; de 12.12.2007, proc. 0744023; de 14.03.2007, proc. 0617247; de 1.10.2008, proc. 0843774; e, em sentido contrário, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26.02.2007, proc. 2602/06-2; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.12.2007, proc. 0746058: de 2.04.2008, proc. 0810479, de 7.05.2008, proc. 0810638; de 15.10.2008. proc. 0813607; de 302.2010, proc. 658/09.5GBAMT P1; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22 05.2007 proc. 442/07-5, todos in ww.dgsi.pt).
Face ao exposto, o tribunal entende não valorar positivamente o resultado do teste de medição da TAS feito ao arguido, motivo pelo Qual não deu como provado ponto da acusação pública contra ele formulada.».
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Da síntese das conclusões do recurso acima transcritas resulta que a principal questão a apreciar e decidir consiste em saber se o facto de o aparelho DRAGER Alcotest 7110MKIIIP, cuja última verificação teve lugar em 13.05.2009, e através do qual o arguido foi fiscalizado para detecção de condução sob o efeito de álcool em 2-9-2010, tendo apresentado uma taxa de álcool no sangue de 1,90 g/l, se encontrava em situação de fiabilidade para a obtenção da prova daquele grau de alcoolemia, ou se, o facto de o prazo da verificação ter sido ultrapassado conduz à não fiabilidade do resultado obtido, justificando-se, por isso, a conclusão de não provado que naquele dia 2-9-2010 o arguido conduzisse o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matricula ..-..-TL e por isso, a subsequente absolvição do arguido.

Salvo o devido respeito, e pese embora o muito tempo, papel e tinta já despendidos no tratamento da questão, a mesma é, a nosso ver, bem mais simples do que o que parece.

Na verdade, e afirmámo-lo uma vez mais com o devido respeito, a questão resume-se a saber se, como se defende na decisão recorrida, o artigo 7º, nº 2, da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, estabelece um regime especial face ao disposto no nº 5, do artigo 4º do Dec. Lei nº 291/90, de 20-9.

Vejamos:

O artigo 7º, nº 2 da Portaria referida estabelece que: “A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo”.

Por sua vez, o nº 5, do artigo 4º, do Dec. Lei 291/90 dispõe que: “A verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário”.

Ora, o termo “anual” usado na Portaria referida não constitui, a nosso ver, regulamento específico em contrário ao que estatui o Dec. Lei referido, ou seja, cabe perfeitamente no âmbito da norma, significando apenas que os aparelhos têm que ser sujeitos a, pelo menos, uma verificação em cada ano civil.

Assim sendo, tendo o aparelho em questão sido objecto de verificação em 13-05-2009 – facto referido sob o nº 6º, constante dos fundamentos de facto da decisão recorrida – a validade da verificação, manteve-se até 31-12-2010, pelo que tendo a utilização do aparelho no caso sub judice ocorrido em 02-09-2010, encontrava-se o mesmo perfeitamente dentro do período de validade da verificação efectuada, pelo que nenhuma objecção deve colocar-se ao valor obtido no acto de fiscalização efectuado.

Assim sendo, padece a decisão recorrida do vício notório na apreciação da prova, vício esse patente no texto da decisão recorrida, e que é de conhecimento oficioso, embora tenha sido arguido pelo recorrente.

Não pode, assim, manter-se o facto não provado referido em i) dos Factos não provados.

Em consequência e de acordo com o estatuído nos artigos 528º e 431º, do CPPenal, altera-se a matéria de facto no sentido de da mesma passar a constar, no parágrafo 3º dos “fundamentos de facto” que: “Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1º, o arguido foi submetido por agentes da GNR a exame efectuado no ar expirado, tendo apresentado uma taxa de álcool no sangue de 1, 90 g/l” .

Em consequência, deixa tal facto de constar dos factos não provados, deixando, assim, na decisão de facto de existir factos não provados.

Verifica-se assim que o arguido terá que ser condenado pela prática, em autoria material, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 292º, do CPenal.

Isto posto, coloca-se agora a questão de saber deve a condenação na pena principal e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor deve ter lugar neste Tribunal da Relação, ou se devem os autos ser remetidos ao tribunal da 1ª instância para o efeito, uma vez que o arguido vai ser condenado pela primeira vez neste processo.

Ora, o artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa estatui como uma das garantias de defesa do arguido o direito ao recurso.

Quanto a esta questão escreveu-se no recente Acórdão desta Relação de 08-09-2010, processo nº 358/09.GBOAZ.P1, relatado pelo Exmº Sr. Desembargador Coelho Vieira, acessível em www.dgsi.pt:
«Neste caso entendemos que as penas terão que ser aplicada pelo tribunal da 1ª instância, em obediência ao disposto no art. 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece como uma das garantias de defesa do arguido o direito ao recurso: «o direito ao recurso em matéria penal (duplo grau de jurisdição), inscrito constitucionalmente como uma das garantias de defesa no art. 32º, n.º 1, da CRP, significa e impõe que o sistema processual penal deve prever a organização de um modelo de impugnação das decisões penais que possibilite, de modo efectivo, a reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena...» - S.T.J. 26-9-2007, processo 07P2052. Caso fosse este Tribunal a escolher e determinar a pena concreta sairia preterido o direito ao duplo grau de jurisdição, uma vez que se retirava quer ao arguido, quer ao Ministério Público a possibilidade de ver apreciada em 2ª instância a decisão proferida em tal matéria. Depois, esta é «a solução imposta pelo nosso modelo – processual e substantivo – de determinação da sanção. Por um lado, a relativa autonomização do momento da determinação da sanção (quase cesure), leva a que só depois de decidida positivamente a questão da culpabilidade, o tribunal pondere e decida sobre a necessidade de prova suplementar com vista à determinação da sanção (cfr art. 469º nº 2 e 470º, do CPP) e eventual reabertura da audiência (cfr art. 471º do CPP), na qual pode ser necessário, para além do mais, ouvir o próprio arguido». Finalmente, e «como destaca Damião da Cunha, “os direitos de defesa do arguido, no âmbito da determinação da sanção, (...) [assumem] também uma função positiva, dentro das eventuais possibilidades de sancionamento que estejam dependentes da sua livre «vontade»”, como sucede nos casos em que é suposto o consentimento do condenado (v.g. prestação de trabalho a favor da comunidade, sujeição a tratamento médico ou plano individual de readaptação social no âmbito da pena de suspensão da execução da pena de prisão, isto quanto à pena principal). Assim sendo, torna-se claro que, para além da necessidade – decisiva – de cumprir o princípio do duplo grau de jurisdição, também o cabal cumprimento das normas de direito processual e substantivo relativas à escolha e determinação da pena, implica que deva ser o tribunal de 1ª instância a proferir a respectiva decisão, depois de ponderar sobre a eventual necessidade de reabrir a audiência e de ordenar ou levar a cabo quaisquer diligências que entenda serem adequadas» - acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19-12-2006, processo 1752/06-1.
No mesmo sentido vide o acórdão desta Relação do Porto de 28-11-2007, processo 5421/07; ainda da mesma Relação, Acs., de 5/03/08, www.dgsi.pt.»
Esta jurisprudência não é pacífica (vejam-se, v.g., o voto de vencido nestes arestos), mas a nosso ver é a que melhor se ajusta ao caso dos autos.».

Embora já tenhamos perfilhado a solução contrária, reponderada a questão, entendemos aderir a esta corrente jurisprudencial, pelo que se ordenará a remessa dos autos à 1ª Instância para fixação da pena.

O recurso procederá, pois, nos termos referidos.
*
III – DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso do Ministério Público e, em consequência, em alterar a matéria de facto nos termos supra referidos, ou seja, passando a constar do parágrafo 3º da fundamentação de facto que: “Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1º, o arguido foi submetido por agentes da GNR a exame efectuado no ar expirado, tendo apresentado uma taxa de álcool no sangue de 1,90 g/l”, e em ordenar, nos termos expostos, o envio dos autos à 1ª Instância para aí serem fixadas as penas, principal e acessória a aplicar ao arguido.

Não é devida tributação.

[Elaborado e revisto pelo relator, com o verso das folhas em branco – art. 94º n.º 2, do CPP]

Porto, 2011-04-27
António Álvaro Leite de Melo
Maria Deolinda Gaudêncio Gomes Dionísio
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[1] Pretendia, obviamente, dizer-se 02.09.2010.