Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
28/17.1PDMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: CRIME
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ALCOOLÍMETRO
VERIFICAÇÃO PERIÓDICA
Nº do Documento: RP2017101128/17.1PDMAI.P1
Data do Acordão: 10/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º51/2017, FLS.80-83)
Área Temática: .
Sumário: O artº 7º nº 2 da Portaria nº 1556/2007 de 10/12 (Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros), ao estabelecer que a verificação periódica do alcoolímetro é anual não constitui a “regulamentação especifica em contrário” estabelecida no artº 4º 5 do DL 291/90 de 20/9 de modo a tornar inaplicável esta norma aos alcoolímetros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 28/17.1PDMAI.P1
1ª secção
Relatora: Eduarda Lobo
Adjunta: Lígia Figueiredo

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
Nos autos de Processo Sumário que correm termos no Juízo Local Criminal da Maia – Juiz 2, da Comarca do Porto, com o nº 28/17.1PDMAI foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo a final sido proferida sentença, depositada em 22.02.2017, que condenou o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. no artº. 292º nº 1 do Cód. Penal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículo motorizados pelo período de 4 meses.
Inconformado com a sentença condenatória, veio o arguido interpor o presente recurso extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. Atenta a prova constante dos autos, não poderia ter sido dado como provado que o arguido conduzia um veículo automóvel com uma TAS de 1.805 g/l, praticando assim um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punível pelos artºs 292º nº 1 e 69º nº 1 alínea a), ambos do Código Penal;
2. Considerando a falta de prova, o arguido deveria ter sido absolvido;
3. Entre a data da verificação periódica do alcoolímetro, conforme consta do nº 2 do artº 7º da Portaria nº 1556/2007 de 10 de Dezembro – Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, e a data em que foi efetuado o exame ao arguido, já havia decorrido mais de um ano;
4. A última verificação periódica efetuada pelo IPQ ocorreu em 12-02-2016 (fls. 2 a 4 dos autos);
5 O arguido efetuou o exame em 22-02-2017, ou seja, mais de um ano após a última inspeção ao aparelho;
6. Somos da opinião que, não pode valer como meio de prova um controlo efetuado com um aparelho que ultrapassou o prazo de validade, sem ter sido sujeito ao controlo metrológico, para se aferir do rigor da medição feita pelo mesmo;
7. O aparelho não foi sujeito à verificação periódica em 2017, o que, tendo em conta os fins prosseguidos pela obrigatoriedade de verificações anuais, a fiabilidade do meio de prova constituído pelo teste feito com aquele alcoolímetro, necessariamente afeta tal fiabilidade;
8. Para valer como meio de prova, o aparelho em causa deveria ter sido submetido a inspeção até ao dia 11-02-2017, o que não sucedeu;
9. Estamos, assim, perante uma total ausência de prova de que na data em causa nos autos, o arguido conduzisse sob a influência de álcool, por o alcoolímetro utilizado, face à falta da verificação anual, imposta por lei, não merecer qualquer fiabilidade, não podendo assim servir como prova incriminatória;
10. O apuramento concreto da TAS com que o arguido alegadamente se apresentava, é essencial ao preenchimento de um dos elementos do tipo objetivo de ilícito;
11. Esse apuramento concreto da TAS só é possível mediante a realização de um teste fiável, o que não sucedeu no caso presente;
12. Impunha-se assim a absolvição do arguido. Pois que, sendo o Processo Penal de estrutura acusatória, tendo a acusação emanado de uma prova inexistente, não estamos perante a prática de qualquer crime.
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Na 1ª instância o Ministério Público respondeu às motivações de recurso, concluindo que o mesmo não mercê provimento.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em sentido concordante com a resposta do Mº Pº na 1ª instância.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos: transcrição após audição do suporte em CD enviado da 1ª instância
No dia 21.02.2017 pelas 4,28h da manhã, na Rua …, Maia, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros Peugeot …, de matrícula ..-..-JM propriedade de C…, tendo acusado a TAS de 1,80 após deduzido o erro máximo admissível.
O arguido não desejou contraprova.
O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, conduzindo veículo na via pública, bem sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade superior a 1,2 g/l e que por isso não lhe era lícito conduzir, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
O arguido foi condenado no âmbito do Processo nº 55/11.2GATCS que correu termos pelo Tribunal Judicial de Trancoso, pela prática de um crime de furto qualificado em 30.12.2011 e foi condenado por decisão de 02.1.2012, transitada em julgado em 02.02.2012, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão suspensa por igual período de tempo.
O arguido encontra-se desempregado, sendo que a título de biscates faz feiras, recebendo cerca de €200,00 mensais; o arguido recebe RSI de cerca de €180,00; o arguido vive com a companheira e com três filhos, sendo os dois primeiros com 10 e 8 anos e a terceira filha com 7 meses de idade; vivem em casa arrendada, pagando o arguido €220,00 de renda; a companheira recebe RSI de cerca de €180,00; o arguido tem o 6º ano completo de escolaridade; o arguido tem as despesas correntes com água, luz, eletricidade e com o agregado familiar.
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A matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos:
A convicção do tribunal baseou-se no auto de notícia junto aos autos a fls. 3 e 4, no talão de fls. 5, assim como no CRC do arguido a fls. 12 e 13.
Também se teve em consideração as declarações do arguido, que confessou livre, integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado.
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
Das conclusões de recurso é possível extrair a ilação de que o recorrente delimita o respetivo objeto à questão de saber se o aparelho com que foi efetuada a pesquisa de álcool no ar expirado pelo arguido pode ser utilizado validamente como meio de obtenção de prova, sendo certo que foi sujeito a última inspeção periódica em 12.02.2016, tendo sido utilizado no exame realizado no dia 21.02.2017.
Como consta do auto de notícia de fls. 3 e 4 e do talão junto a fls. 5, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado foi efetuado com o aparelho da marca Drager Alcotest 7110 MKIII P nº 0001, aprovado pelo IPQ através do Despacho nº 11037/2007 de 24 de Abril, aprovação de modelo nº 211.06.07.3.06, aprovado para fiscalização pelo Despacho nº 19684/2009 da ANSR, de 25 de Junho e verificado pelo IPQ em 12.02.2016.
Com efeito, o teor de álcool no sangue tem de ser apurado por meio de exames, sendo que os meios e processos adequados para detetar e comprovar de forma segura a taxa de alcoolemia foi remetida para regulamentação autónoma pelo artº. 158º, n.º 1 do Cód. da Estrada.
Essa regulamentação consta da Lei n.º 18/2007,de 17/05, que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas. Os meios aí referidos vêm a traduzir-se nos analisadores qualitativos, nos analisadores quantitativos e na análise do sangue. Os primeiros destinam-se a detetar a presença de álcool no sangue e os segundos, a proceder à sua quantificação. Os analisadores quantitativos, por sua vez, devem obedecer a determinadas características metrológicas fixadas em regulamentação própria e estão sujeitos a aprovação por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, precedida de homologação do modelo pelo Instituto Português da Qualidade, I.P. - IPQ, em conformidade com o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros. Este Regulamento, aprovado pela Portaria n." 1556/2007, de 10/12, define o que são alcoolímetros (... "instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado" - art. 2.º) e os requisitos a que devem obedecer ("Os alcoolímetros deverão cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos pela Recomendação 126 da Organização Internacional de Metrologia Legal - OlML R 126." - art. 4.°). No seu art. 5.° designa-se a autoridade competente para proceder ao controlo metrológico dos alcoolímetros - o I.P. - IPQ, que deve proceder, entre o mais, à aprovação do modelo, à primeira verificação, à verificação periódica e à verificação extraordinária.
O alcoolímetro da marca "Drager", modelo "7110 MKIII P", foi aprovado por despacho do IPQ n°.11037/2007, de 24.04, publicado no D.R 2ª. série nº.109, de 06.06.2007, correspondendo-lhe o n°.211.06.07.3.06. aí se estabelecendo, também o prazo de validade de 10 anos.
Dispõe, por outro lado, o artigo 7° nº 2 do referido Regulamento (aprovado pela Portaria nº 1556/2007) que a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo.
Este Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, como consta expressamente do mesmo, foi aprovado pelo Governo, “ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 1.º e no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, conjugado com o disposto no n.º 1.2 do Regulamento Geral do Controlo Metrológico anexo à Portaria n.º 962/90, de 9 de Outubro”.
O referido Regulamento veio, também ele, estabelecer regras relativas às verificações metrológicas.
Assim, estes aparelhos estão sujeitos a quatro verificações, como resulta do art. 5.º, que são a verificação para aprovação de modelo, a primeira verificação, a verificação periódica e a verificação extraordinária.
O art. 7.º, n.º 2, dispõe que a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo (o que, no caso dos autos, não sucede).
A expressão “anual” tem o significado comum daquilo que se faz, celebra, acontece ou realiza em cada ano ou num período de cada ano, ou, ainda, todos os anos.
Ora o termo “anual” usado no art.º 7.º n.º 2 da Portaria nº 1556/2007 não constitui regulamento específico em contrário ao que estatui o art.º 4.º, n.º 5, do Decreto-lei n.º 291/90, ou seja, cabe no âmbito desta última norma.
E, de acordo com o disposto no artº 4º nº 5 do Dec-Lei nº 291/90 “a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário”.
No entender do recorrente, tendo a verificação periódica do aparelho sido efetuada em 12.02.2016, quando foi submetido a exame para pesquisa de álcool no ar expirado – em 21.02.2017 -, já havia decorrido mais de um ano desde a última verificação, pelo que não pode valer como meio de prova um controlo efetuado com um aparelho que ultrapassou o prazo de validade sem ter sido sujeito a controlo metrológico.
Contudo, da letra da lei, não resulta que a verificação periódica tenha de ser feita com intervalos rigorosos de 12 meses entre si, como defende o recorrente, mas sim que tal verificação tem que ser feita anualmente. No caso em apreço, tendo a última verificação ocorrido em 12.02.2016, a verificação periódica terá necessariamente de ser efetuada em 2017, mas não necessariamente no mês de Fevereiro, já que, de acordo com o artº 4º nº 5 do Dec-Lei nº 291/90, a verificação efetuada no ano de 2016 é válida até ao dia 31 de Dezembro de 2017[3].
Se não confia no resultado do exame realizado, o sujeito ao teste tem ao seu dispor a contraprova consistente numa análise ao sangue destinada a elidir a presunção em que assenta a exatidão do valor fornecido pelo aparelho, o que não sucedeu no caso em apreço.
E não se diga, como o recorrente, que o artº 4º nº 5 do Dec-Lei nº 291/90 salvaguarda “regulamentação específica em contrário” e que a Portaria nº 1556/2007 constitui essa regulamentação específica em contrário.
Como vimos, a Portaria nº 1556/2007 foi aprovada “ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 1.º e no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro ...”, não faria, assim, qualquer sentido que a Portaria contrariasse o diploma ao abrigo do qual foi aprovada.
Por outro lado, como se acentua no Ac. desta Relação do Porto de 06.04.2011[4] «O art.º 112.º da Constituição da República Portuguesa, que versa sobre os «atos normativos», concretiza os princípios da hierarquia das fontes de direito, da tipicidade das leis e da legalidade da administração. Os atos normativos contemplados são os atos legislativos e os atos regulamentares, sendo atos legislativos as leis, os decretos-lei e os decretos legislativos regionais – n.º 1.
O principal ato normativo infra constitucional é, portanto, o ato legislativo.
Quanto à portaria, que não integra o conceito de ato normativo, é um ato administrativo, com hierarquia inferior, cujo conteúdo tem que respeitar as fontes legais de hierarquia superior.
Considerando, portanto, a hierarquia das leis, nunca uma lei de hierarquia inferior pode contrariar lei de hierarquia superior, antes tem de se conformar com ela. Mas se o fizer é a primeira que vale, em sede de aplicação do direito».
Assim, a Portaria n.º 1556/2007 não pode prevalecer sobre o sentido que emerge do Decreto-lei n.º 291/90 que aquela visa regulamentar.
Conclui-se, assim, que não existem quaisquer dúvidas quanto à regularidade e fiabilidade do alcoolímetro utilizado na pesquisa de álcool ao ar expirado pelo arguido, sendo de valorar como prova o resultado pelo mesmo emitido e, consequentemente, provada a taxa de álcool constante do talão de fls. 5, depois de deduzido o erro máximo admissível.
Razão por que improcede o fundamento do recurso.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B…, confirmando consequentemente a sentença recorrida.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s – artº 8º nº 9 do RCP e tabela III anexa.
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Porto, 11 de outubro de 2017
(Elaborado pela relatora e revisto por ambas as signatárias)
Eduarda Lobo
Lígia Figueiredo
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[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Neste sentido, a grande maioria dos Tribunais da Relação. Cfr., a título exemplificativo, os Acs. do TRP de 06.04.2011, Des. Olga Maurício; de 27.04.2011, Des. Álvaro Melo, de 25.05.2011, Des. Airisa Caldinho; de 26.10.2011, Des. Joaquim Gomes; de 14.12.2011, Des. Ricardo Costa e Silva; de 18.01.212, Des. Joaquim Gomes; de 7.11.2012, Des. Elsa Paixão; de 26.02.2014, Des. Lígia Figueiredo. Acs. do TRCoimbra de 13.12.2011, Des. Vasques Osório; 03.07.2012, Des. Alberto Mira; de 26.09.2012, Des. Jorge Dias; de 30.01.2013, Des. Alice Santos. Acs. do TRGuimarães de 05.12.2016, Des. Paula Roberto e de 24.04.2017, Des. Fátima Furtado. Acs. do TRÉvora de 22.11.2011, Des. Fernando R. Cardoso; de 13.11.2012, Des. Martinho Sousa Cardoso; de 20.01.2015, Des. Sérgio Corvacho e de 06.12.2016, Des. Clemente Lima, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] Proferido no Proc. nº 270/10.6GAALJ.P1, Des. Olga Maria dos Santos Maurício, disponível in www.dgsi.pt.