Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15129/15.2T8PRT-A.S1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: MANDATÁRIO JUDICIAL
INSCRIÇÃO SUSPENSA NA OA
ADVOGADO EM CAUSA PRÓPRIA
Nº do Documento: RP2017040615129/15.2T8PRT-A.S1.P1
Data do Acordão: 04/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 764, FLS 32-38)
Área Temática: .
Sumário: I - Os tribunais judiciais não podem declarar a nulidade de actos administrativos por ser reserva da jurisdição administrativa.
E o conhecimento da nulidade pelos tribunais judiciais, no sentido de desconsiderarem o acto nulo nas suas decisões, apenas pode ter lugar perante uma situação ostensiva e indubitável dessa invalidade que não passe por avaliar elaborações teóricas e questões de tecnicidade muito específica do direito administrativo. 
II- Tendo o recorrente a sua inscrição suspensa, não detém a qualidade de advogado, não podendo, por isso, beneficiar de um estatuto profissional (o de Advogado), para, com base nele, pretender exercer a advocacia, ainda que, apenas, em causa própria. E a suspensão da inscrição equivale à não inscrição na Ordem dos Advogados.
III- Não existe violação do princípio fundamental da igualdade, ou não discriminação, consagrado na Constituição; nem do artigo 8.º da mesma lei fundamental por desrespeito da Convenção Europeia dos Direitos Humanos ou da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Na verdade, o advogado com inscrição suspensa na ordem tem todo o direito a constituir advogado com quem alinhará a sua estratégia de intervenção processual, sendo que, em caso de insuficiência económica, disporá, como todo o cidadão, de apoio judiciário, nos termos definidos na legislação a esta matéria concernente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 15129/15.2 T8PRT-A.S1.P1
Porto- Inst. Central- 1ª Secção Cível

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
Na presente acção de processo comum, em que é autor B..., ré C... e assistente D..., relativamente a um requerimento apresentado por este assistente, foi proferido o seguinte despacho:
Quanto ao pedido formulado na al.a) do requerimento apresentado: o presente Tribunal não tem competência (em razão da matéria) para se pronunciar sobre o requerimento apresentado sendo que a questão já foi, ao que parece decorrer dos documentos juntos com o requerimento apresentado, colocada em sede própria (Tribunais administrativos) (não se podendo retirar dos documentos juntos se já foi decidida em termos definitivos).
Nessa medida, enquanto, nessa sede administrativa, o Requerente não obtiver a procedência da alegada impugnação por si efectuada do acto de suspensão da sua inscrição na Ordem dos Advogados, esse acto mantém-se em vigor para todos os efeitos, e, no que mais importa, mantém-se essa suspensão de inscrição na Ordem dos Advogados para a presente acção
Indefere-se, pois, o requerimento.
Quanto ao pedido formulado na al. b): importa dizer que mostrando-se o Requerente com a inscrição na Ordem dos Advogados suspensa, não pode exercer Advocacia (art 61, do Estatuto da Ordem dos Advogados e Lei 49/2004 de 24 de Agosto), pelo que, em consequência não pode Advogar em causa própria]
Nesta conformidade, indefere-se o requerimento apresentado.”

Veio então o assistente apresentar recurso per saltum para o Preclaro STJ, nos termos do artigo 678º do CPC, concluindo:
i) A deliberação, datada primeiro de 1995, depois, de ‘993, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados publicitada através dos Editais n.2 449/2000 e nº. 2051/2001 do Bastonário constitui um acto administrativo nulo de pleno direito, porquanto desprovido de suporte em qualquer norma de direito público: contrário, portanto, ao preceituado no artigo 120º. do Código do Procedimento Administrativo então vigente. Com efeito,
ii) em qualquer daquelas datas, o Estatuto da Ordem dos Advogados em vigor (decretado em 1984) especificava, no nº 1do artigo 69º, as actividades e funções incompatíveis com o exercício da advocacia, entre as quais não figura a função de revisor oficial de contas, e previa residualmente, na última alínea do mesmo preceito, outras incompatibilidades criadas por lei especial (o que, positivamente, nunca se verificaria), e não, em absoluto, por acto do conselho geral ou dalgum outro órgão da Ordem dos Advogados. Aliás,
iii) desde Janeiro de 2014, à invalidade de tal deliberação no plano de jure acresce a sua falta de fundamentação de facto, porquanto o advogado em mira, exercitando um direito estatutário potestativo, suspendeu então voluntariamente aqueloutras funções, ditas incompatíveis, até à requerida declaração da nulidade apontada. Por consequência,
iv) ao omitir pronúncia, contra o expressamente requerido, sobre a nulidade ex tunc dessa deliberação, o Despacho recorrido violou o artigo 162., n.2 , do CPA em vigor e, simultaneamente o artigo 92., n.º 2, do CPC,
v) dessarte caindo sob a alçada da nulidade adjectiva prevista na alínea d), 1ª arte, do nº 1do artigo 615.º do CPC;
vi) Independentemente da invalidade de tal deliberação, o advogado com a inscrição suspensa por incompatibilidade poderá encontrar-se (ilicitamente) impedido de exercer a advocacia a título profissional, não de advogar em causa própria: conforme assente pelo Supremo Tribunal de Justiça já em 2000 caso de auto patrocínio a incompatibilidade é de ter por inoperante. Por consequência
vii) ao desconsiderar este julgado de tribunal superior, documentado nos autos, o Despacho recorrido violou, ademais, o artigo 8º, nº 3 Código Civil;
viii) Independentemente de inscrição activa no quadro geral da Ordem dos Advogados, qualquer advogado inscrito na vigência do primeiro Estatuto interno pode — nos precisos termos do artigo 164.º n.º 1desse diploma, estabelecendo um direito legalmente adquirido qua tale expressamente resguardado pelo artigo 81º do Estatuto actual, decretado em 2005 — praticar, desde o inicio do estágio, actos próprios da profissão de advogado em causa própria ou do seu cônjuge, ascendentes ou descendentes. Por consequência,
ix) ao recusar este direito pessoal do advogado signatário, expressamente invocado, o Despacho recorrido violou, em acúmulo, o normativo estatutário indicado;
x) Independentemente de inscrição activa no quadro geral da Ordem dos Advogados, qualquer advogado — mercê do principio hermenêutico da identidade de razão, argumento a pari — pode advogar pro domo sua, tal-qual o podem os magistrados judiciais e do Ministério Público, nos termos dos respectivos estatutos, sem necessidade de inscrição na ordem profissional em causa. Por consequência,
xi) ao recusar este direito pessoal ao advogado signatário, que expressamente o invocou, Despacho recorrido aplicou a norma do n.º 1 o artigo 61.º do vigorante Estatuto da Ordem dos Advogados segundo uma dimensão materialmente inconstitucional por violação do principio fundamental da igualdade, ou não discriminação, consagrado no artigo da Constituição;
xii) Todo o cidadão civilmente capaz goza, universalmente, do direito fundamental à autodefesa judiciária, densificado desde o processo penal — por alcance dos tratados internacionais e supranacionais englobados na previsão do artigo 8.º da Constituição Portuguesa — no sentido de que é o acusado quem exerce efectivamente o direito de defesa, limitando-se o eventual advogado da sua parte a assisti-lo tecnicamente, sem que a aceitação ou solicitação dessa assistência qualificada envolva renúncia ou impedimento do próprio para se defender per se. Tal direito — em virtude do princípio hermenêutico da maioria de razão, argumento a fortiori — é extensivo a todo e qualquer processo judicial. Por consequência,
xiii) ao não conceder ao cidadão e advogado intervindo nos autos em causa própria esse direito processual fundamental, de conhecimento oficioso obrigatório, o Despacho recorrido viola, supinamente, os artigos 6.º n.º 3 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 14, n.º 3 do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos e 48.º n.º , da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,
xiv) todos e cada um de per si consagrando um direito, de teor absoluto nuclearmente idêntico, que — pela dupla via do valor supralegal (reforçado) dos respectivos diplomas e, mormente, pela sua recepção in totum como direito fundamental de natureza análoga a constitucional, no artigo 17.º directamente aplicável na ordem interna, por força do n.º 1 do artigo 18º da Constituição— derroga, tácita mas inquestionavelmente, todo o normativo infraconstitucional doméstico — designadamente, o artigo 40.º n.º 1, do CPC — que preceituam o patrocínio judiciário obrigatório;
xv) Encontram-se in casu verificadas todas as condições previstas no n.º1 do artigo 678. do CPC, pelo que, congruentemente, requerida é a subida directa do presente recurso ao Supremo Tribunal de Justiça.
19. Fundadas razões por que, fazendo no caso, como é seu apanágio, sã e inteira justiça, o augusto Supremo Tribunal ad quem dignar-se-á:
A) Revogar liminarmente o Despacho recorrido;
B) Admitir, acto contínuo, o Advogado portador da cédula profissional nº 3613-P abaixo-assinado, a, de todo legitimamente, pleitear nos presentes autos, onde Intervém em causa própria, expressamente reconhecendo, cumulativamente, que:
a) a suspensão administrativa da sua inscrição procede de acto nulo ipso jure et ipso facto
b) a suspensão do exercício da advocacia por motivo de incompatibilidade é inoperante em caso de auto patrocínio, e, em geral, o impedimento de advogar em causa própria seria discriminatório dos advogados relativamente aos magistrados e outros licenciados em Direito, que não carecem de inscrição em ordem profissional alguma para poderem legalmente advogar pro domo sua ou em acção oficial; e,
c) muito principalmente, a proibição indiscriminada do exercício do jus postulandi pro se, ainda que prevista na legislação ordinária nacional, jaz totalmente abatida pelo atinente direito internacional de natureza constitucional primando na ordem interna.

Pelo STJ foi decidido convolar o recurso em apelação, remetendo os autos para este tribunal.

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, as questões a resolver consistem em saber se:
- ao omitir pronúncia sobre a nulidade ex tunc da deliberação, o despacho recorrido violou o artigo 162º., n.2, do CPA em vigor e, simultaneamente o artigo 92, n.º 2, do CPC, caindo sob a alçada da nulidade prevista na alínea d), 1ª parte, do nº 1do artigo 615.º do CPC;- independentemente de inscrição activa no quadro geral da Ordem dos Advogados, qualquer advogado pode advogar pro domo sua;
- existe violação do princípio fundamental da igualdade, ou não discriminação, consagrado na Constituição; ou do artigo 8.º da mesma lei fundamental por desrespeito da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

II – Fundamentação de facto
Para a decisão do recurso releva a factualidade que se extrai do relatório supra.

III – Fundamentação de direito
Alega o recorrente que a deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados constitui um acto administrativo nulo de pleno direito, porquanto desprovido de suporte em qualquer norma de direito público: contrário, portanto, ao preceituado no artigo 120º. do Código do Procedimento Administrativo então vigente.
Ao omitir pronúncia, contra o expressamente requerido, sobre a nulidade ex tunc dessa deliberação, o despacho recorrido violou o artigo 162º., n.2, do CPA em vigor e, simultaneamente o artigo 92, n.º 2, do CPC, caindo sob a alçada da nulidade adjectiva prevista na alínea d), 1ª arte, do nº 1do artigo 615.º do CPC.
Vejamos.
As ordens profissionais são associações públicas e têm o estatuto de pessoa colectiva de direito público.
O regime jurídico da criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais encontra-se fixado pela Lei n.º 2/2013, de 10 de Janeiro, que substituiu a Lei n.º 6/2008, de 13 de Fevereiro.
O Professor Jorge Miranda, in As Associações Públicas no Direito Português, ed. Cognitio, 1985, explica que as Ordens Profissionais prosseguem interesses públicos traduzidos na garantia de confiança nos exercícios profissionais, que envolvem especiais exigências de natureza científica, técnica e deontológica.
São associações públicas criadas pelo Estado por devolução de poderes (recebem do Estado poderes a ele pertencentes), e, por isso, a sua criação e organização é regulada pelo direito público e não pelo direito privado.
Também Vital Moreira, in Administração autónoma e associações públicas. Coimbra, Coimbra Editora, 1997, refere que o traço comum a todas elas é o seu interesse geral relevante, apertados preceitos deontológicos e estrutura disciplinar autónoma (as penas disciplinares podem ir até à interdição do exercício da actividade profissional).
Assim, a deliberação em causa é um acto administrativo praticado por um órgão colegial cuja impugnação cabe aos tribunais da jurisdição administrativa Vide artigo 4º, nº 1 al. b) do ETAF.
Atentemos agora na alegação de que se trata de um acto nulo e de que houve violação do artigo 162º, nº 2 do novo CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro.
Dispõe o nº 1 deste artigo 162º que o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.
Salvo disposição legal em contrário, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode, também a todo o tempo, ser conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação. (nº2).
É consabido que o ordenamento jus administrativo consagra duas formas de invalidade: a nulidade e anulabilidade. A anulabilidade é a regra geral em termos de desvalores do acto administrativo. O acto anulável, embora seja inválido, é, em regra, eficaz, produzindo todos os efeitos jurídicos típicos como se fosse válido. Tal significa, no fundo, que os interesses públicos protegidos pela norma violada não se revestem de uma importância que justifique uma paralisação total dos efeitos do acto. Embora eficaz, o acto não deixa de ser um ente jurídico precário.
Desde logo, existe sempre a possibilidade de impugnar o acto num tribunal administrativo, com sujeição a prazos de caducidade.
A sanção de nulidade no direito administrativo português assenta, por contraposição à anulabilidade, na maior proeminência de interesses e valores que estão subjacentes às normas administrativas. Mas não só. A nulidade, enquanto desvalor do acto, apresenta-se também como consequência de certas desconformidades tão flagrantes e tão evidentes que só por condescendência se poderia admitir a produção de efeitos desse acto.
O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos. Nenhuma relação jurídica se constitui, modifica ou extingue por virtude de um acto nulo e, como consequência, a mesma é invocável a todo tempo.
O objecto de impugnação contenciosa é diferente consoante estejamos perante um acto administrativo nulo ou anulável. Nos actos anuláveis, o objecto dessa impugnação não é o próprio acto, mas sim a pretensão anulatória daquele que dele recorre, existindo igualmente uma negação da posição que a Administração assumiu perante o mesmo, quer em termos formais quer em termos materiais. No caso de estarmos perante um acto nulo, a impugnação do mesmo já não se dirige a anulação; o acto, por expressa cominação legal, é nulo, procurando-se agora a declaração de nulidade do mesmo, mediante a existência de uma sentença com força de caso julgado. Esta sentença deixará claro que aquele acto não pode de uma vez por todas valer perante a ordem jurídica.
Num acto ferido de anulabilidade, uma sentença anulatória tem, em primeira linha, efeitos constitutivos Ou seja, a negação do poder da administração implica que todos os efeitos que o acto anulável produziu sejam apagados da ordem jurídica, fundamentando-se esta circunstância na sua invalidade. Os efeitos do acto são destruídos, desde o momento da sua emissão, tudo se passando como se o mesmo não tivesse sido praticado.
No acto nulo já não é assim.
Como o acto não produziu quaisquer efeitos jurídicos, a sentença limita-se a reconhecer essa circunstância, não existindo a necessidade de modificar nada na realidade jurídica.
Existe ainda um outro efeito associado à impugnação e anulação de actos administrativos. Trata-se do chamado efeito repristinatório, mediante o qual a administração fica vinculada a reconstituir a situação que existiria se o acto inválido não tivesse sido praticado, hoje consagrado nos artigos 173º e ss. do CPTA. Nos actos anuláveis, existe a necessidade de fazer corresponder a verdade jurídica, introduzida pelo alcance da sentença anulatória, à verdade factual e é nessa medida que se impõe o dever à administração de executar a sentença. Nos actos nulos, é certo que não houve efeitos jurídicos, mas poderão certas circunstâncias de facto ter-se consolidado ao abrigo do acto. É precisamente sobre essas realidades de facto que vai incidir o dever da administração de repor a situação de facto que existiria se o acto nulo não tivesse sido praticado. Os limites do efeito repristinatório da anulação são traçados pelos nº3 e 4º do artigo 173º do CPTA.
Estabelecia o nº 2 do artigo 134º do anterior CPA de 1991que a nulidade era invocável a todo o tempo por qualquer interessado e podia ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.
Mas se fosse lido literalmente este nº 2 do artigo 134º não se compatibilizava nem com a reserva de jurisdição administrativa, nem com a competência para praticar o acto. Deverá, por isso, entender-se que apesar de os tribunais judiciais poderem conhecer de nulidades administrativas, não têm poder para as declarar. No mesmo sentido, se é verdade que todos os órgãos administrativos podem conhecer do acto nulo, só o órgão competente para o praticar pode declarar a sua nulidade.
Esta clarificação veio a ser feita pelo novo CPA no acima transcrito nº 2 do artigo 162º.
De toda esta explanação resulta que os tribunais judiciais não podem declarar a nulidade de actos administrativos por ser reserva da jurisdição administrativa.
E o conhecimento da nulidade pelos tribunais judiciais, no sentido de desconsiderarem o acto nulo nas suas decisões, apenas pode ter lugar perante uma situação ostensiva e indubitável dessa invalidade que não passe por avaliar elaborações teóricas e questões de tecnicidade muito específica do direito administrativo.
Ora, é claro que se não apresenta aqui uma tal situação.
Logo, evidentemente não ocorre a nulidade de omissão de pronúncia.
No que respeita ao artigo 92º, nº 1 do CPC que estatui que se o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie, importa apenas referir que esta é uma questão nova, suscitada agora pelo recorrente.
Nessa medida, não foi conhecida no despacho recorrido pelo que não pode valer em recurso.
Mas advoga o recorrente que, independentemente de inscrição activa no quadro geral da Ordem dos Advogados, qualquer advogado — mercê do princípio hermenêutico da identidade de razão, argumento a pari —, pode advogar pro domo sua, como o podem os magistrados judiciais e do Ministério Público, nos termos dos respectivos estatutos, sem necessidade de inscrição na ordem profissional em causa.
Atentemos.
É consensual que o desempenho de cargos em áreas particularmente sensíveis, como a da justiça, justifica que o Legislador preveja um conjunto de atributos e aptidões que pode vir a condicionar o livre exercício de uma determinada profissão, como é o que sucede com a advocacia.
O estatuto legal da advocacia consagra certo tipo de regras destinadas, precisamente, a acautelar determinados interesses que o Legislador teve por merecedores de tutela, designadamente, os inerentes aos valores de independência e da dignidade da profissão de advogado. Por esta visão a liberdade de escolha de profissão não significa liberdade do seu exercício em concreto, podendo, naturalmente, estar sujeito a limites (neles se inserindo, por exemplo, os relacionados com as incompatibilidades do exercício da advocacia com o desempenho de funções públicas), sendo estes legítimos desde que se possam justificar designadamente, pela necessidade de preservar os mencionados valores de independência e dignidade da profissão de advogado, bem exemplificativos da função ético-social da advocacia.
Por isso, nada obsta a que o exercício de determinadas profissões, como a advocacia, possa ser regulamentado e, inclusivamente, com sujeição à inscrição dos que a pretendam exercer.
A inscrição na Ordem condiciona, normalmente, o exercício da profissão de advogado.
De acordo com artigo 66.º nº 1 do actual ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro, “Sem prejuízo do disposto no artigo 205.º, só os advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional, praticar atos próprios da advocacia, nos termos definidos na Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto.”
Esta disposição sempre esteve presente nas diferentes versões do estatuto.
Assim, tem de concluir-se que, tendo o recorrente a sua inscrição suspensa, não detém a qualidade de advogado, não podendo, por isso, beneficiar de um estatuto profissional (o de Advogado), para, com base nele, pretender exercer a advocacia, ainda que, apenas, em causa própria.
Ao advogar em causa própria, o recorrente não deixa de estar a exercer a advocacia, não acolhendo o EOA qualquer distinção entre o que constitui o exercício profissional da advocacia e o mero exercício pontual da advocacia.
A suspensão da inscrição equivale à não inscrição na Ordem dos Advogados, como se evidencia do preceito citado. (neste sentido v.g. acórdãos do STA, de 25-05-2000, proc. 045922 e de 28-02-2002, proc. nº 048332, in www.dgsi.pt.
E não existe violação do princípio fundamental da igualdade, ou não discriminação, consagrado na Constituição; nem do artigo 8.º da mesma lei fundamental por desrespeito da Convenção Europeia dos Direitos Humanos ou da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Na verdade, o advogado com inscrição suspensa na ordem tem todo o direito a constituir advogado com quem alinhará a sua estratégia de intervenção processual, sendo que, em caso de insuficiência económica, disporá, como todo o cidadão, de apoio judiciário, nos termos definidos na legislação a esta matéria concernente.
Aliás, mesmo ao nível do Processo Penal, se tem entendido que o arguido que é advogado não se pode auto-representar na prática de actos que a lei reserva ao defensor, sendo que esta solução legal é conforme à CRP e não afronta as disposições constantes de instrumentos internacionais sobre a matéria, designadamente, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
Cita-se Ireneu Cabral Barreto, In Comentário à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pág., 117, quando refere que a al. c), do n.º 3, do art.º 6.º, da CEDH, não erige em direito absoluto o de o acusado se defender a si próprio, podendo os Estados, pela via legislativa ou por via judicial, impor a obrigação de a defesa ser confiada por advogado.
Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente

Porto, 6 de Abril de 2017
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
Maria Cecília Agante
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Sumário
I - Os tribunais judiciais não podem declarar a nulidade de actos administrativos por ser reserva da jurisdição administrativa.
E o conhecimento da nulidade pelos tribunais judiciais, no sentido de desconsiderarem o acto nulo nas suas decisões, apenas pode ter lugar perante uma situação ostensiva e indubitável dessa invalidade que não passe por avaliar elaborações teóricas e questões de tecnicidade muito específica do direito administrativo. Ora, é claro que se não apresenta aqui uma tal situação.
Logo, evidentemente não ocorre a nulidade de omissão de pronúncia.

I - Tendo o recorrente a sua inscrição suspensa, não detém a qualidade de advogado, não podendo, por isso, beneficiar de um estatuto profissional (o de Advogado), para, com base nele, pretender exercer a advocacia, ainda que, apenas, em causa própria. E a suspensão da inscrição equivale à não inscrição na Ordem dos Advogados.
Ao advogar em causa própria, o recorrente não deixa de estar a exercer a advocacia, não acolhendo o EOA qualquer distinção entre o que constitui o exercício profissional da advocacia e o mero exercício pontual da advocacia.
II - Não existe violação do princípio fundamental da igualdade, ou não discriminação, consagrado na Constituição; nem do artigo 8.º da mesma lei fundamental por desrespeito da Convenção Europeia dos Direitos Humanos ou da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Na verdade, o advogado com inscrição suspensa na ordem tem todo o direito a constituir advogado com quem alinhará a sua estratégia de intervenção processual, sendo que, em caso de insuficiência económica, disporá, como todo o cidadão, de apoio judiciário, nos termos definidos na legislação a esta matéria concernente.

Ana Lucinda Cabral