Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
285/10.4TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: BASE INSTRUTÓRIA
FACTOS INSTRUMENTAIS
FACTOS ESSENCIAIS
Nº do Documento: RP20120611285/10.4TVPRT.P1
Data do Acordão: 06/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ANULADO O JULGAMENTO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I- Os factos instrumentais, podem, eventualmente, coadjuvar o julgador no sentido de fixar o sentido do negócio outorgado, apesar de não o enformarem ou o caracterizarem na sua essência e autonomia.
II- Devem quesitar-se, em simultâneo, os factos indiciários ou instrumentais e os essenciais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Proc. nº 285/10.4TVPRT.P1 - APELAÇÃO

Relator: Caimoto Jácome(1312)
Adjuntos: Macedo Domingues()
António Eleutério()

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1-RELATÓRIO

B……., com os sinais dos autos, intentaram a presente acção declarativa, de condenação, sob forma ordinária, contra o C….., S. A., com sede no Porto, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 348.000,00 acrescida, quanto a € 300.000,00 de juros contados à taxa de 4% desde a data de propositura desta acção até efectivo e integral pagamento.
Alega, para tanto, os danos por si sofridos decorrentes do não cumprimento do contrato por si celebrado com o Réu, que desrespeitou as instruções expressas que lhe deu já que ordenou a compra de obrigações emitidas pela sociedade com sede nos Estados Unidos da América “D…..” e obrigações emitidas pela sociedade com sede no Reino Unido “E…..”, com instruções de aplicar € 150.000,00 em cada uma dessas operações, tendo este compreendido e aceite aquelas ordens, assumindo cumpri-las de acordo com as instruções recebidas, fazendo-o no dia 21 de Março de 2006 e ficando com os títulos à sua guarda sem que os tenha visto, tendo considerado que o constante dos extractos anteriores a 31/5/2007 e do extracto integrado nº 5/2007, datado de 31/5/2007 (em que o R. incluía, sob a rubrica “Obrigações”, a indicação de que tinha na sua carteira um produto financeiro chamado “D1……”, cuja data de vencimento era 29.09.2049, com taxa de remuneração seria de 5.125, numa quantidade de 150 títulos com o valor nominal de € 1.000,00 cada um, com a cotação, naquela data, de 97,45% e num valor total de € 146.175,00 e um outro produto financeiro chamado “E1…..”, cuja data de vencimento era 29.11.2049 e com taxa de remuneração seria de 5.5, numa quantidade de 150 títulos com o valor nominal de € 1.000,00 cada um, com a cotação, naquela data, de 98.57% e num valor total de € 147.848,10) era a consequência do cumprimento da ordem dada, o que se não verificou, tendo sido compradas acções. Sustenta, ainda, que, em reunião de 05.11.2008, recordou ao Réu que havia dado instruções de que lhe deveriam ser apresentadas somente opções de investimento em Obrigações e o Representante do R. referido, confirmou ter recebido do A. exactamente aquelas instruções e acrescentou que se tinha comprado para o A. acções da “D…..” e acções do “E…..” o tinha feito na convicção de que lhe estava a comprar Obrigações.
Citado o Banco réu contestou, por excepção peremptória ao invocar o abuso de direito do autor e a prescrição do direito deste, face ao que dispõe o nº2, do art. 324º, do Código dos Valores Mobiliários, por terem decorrido mais de dois anos desde a data em que o Autor tomou conhecimento da natureza dos títulos adquiridos (Março de 2006) e a data da instauração da presente acção.
Impugnando, sustenta o réu que o autor teve, no momento da compra efectuada a que se reportam os presentes autos, conhecimento das operações e opções de investimento, sabia o tipo de valores mobiliários que estava a adquirir, a natureza dos produtos e os seus riscos, deu a sua concordância, aceitou e validou cada uma das operações de compra dos referidos valores mobiliários que foram realizadas estando bem ciente das diferenças existentes entre as referidas acções preferenciais e as obrigações bem sabendo que os produtos “D…..” e “E…..” em que ia investir eram acções preferenciais e que a compra das ditas acções preferenciais foi realizada por instruções do Autor, que escolheu os valores mobiliários que foram adquiridos e ordenou a sua aquisição.
Houve réplica do demandante.
**
Saneado, condensado e instruído o processo, efectuou-se o julgamento.
Após julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu (dispositivo):
Nos termos expostos, julgo a presente acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo a sociedade Ré, C……, SA, do pedido que contra ela vem formulado.
*
Condeno o Autor, como litigante de má fé, na multa de 10 Ucs.
*
Custas pelo Autor.”.
**
Inconformado, o autor apelou da sentença tendo, na sua alegação, concluído:
1ª. A M.ma Juiz a quo não valorizou, fosse por que forma fosse, o resultado do depoimento de parte do Recorrente;.
2ª. desvalorizou, desacertada e injustamente, os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Recorrente;
3ª. valorizou desacertada e injustamente os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Recorrido;
4ª. e embora tenha declarado terem sido “relevantes os documentos juntos aos autos (…), em particular os documentos de fls. 77 a 80 e 81 a 83”, deles, de facto, não retirou a prova que necessária e indiscutivelmente fazem do que o Recorrente alegou e lhe cabia provar, pois que, sendo todos (na sua existência e no seu conteúdo) contrários à tese do Recorrido, escolheu erradamente entender “que foram analisados e explicados” (devendo ler-se “desculpados”) “pelas testemunhas do Réu” – que é como quem diz que, afinal, não interessavam).
5ª. Está-se, pois, perante caso de flagrante erro de julgamento da matéria de facto constante da Base Instrutória.
6ª. O Tribunal aprecia livremente as provas, mas essa liberdade está vinculada obrigatoriamente a uma convicção prudente.
7ª. No caso, sem quebra do devido e merecido respeito, a M.ma Julgadora, face às provas existentes nos autos e às provas produzidas em audiência de julgamento, deveria ter efectuado o julgamento da matéria de facto formando e fundando prudentemente a sua convicção (i) nas evidentes seriedade e coerência do Recorrente (nos procedimentos pré-judiciais como no seu depoimento judicial), (ii) na franqueza e honestidade das testemunhas do Recorrente (como pessoas e também no teor dos seus depoimentos, conhecedores do que eram conhecedores, mas disso, que era importante, conhecedores impolutos), (iii) na veracidade e inquestionabilidade do conteúdo dos documentos existentes (que só por eles provam o caso do Recorrente!) e (iv) na natureza do interesse das testemunhas do Recorrido (estando como estava em causa o rigor dos respectivos trabalhos profissionais), na confusão dos seus depoimentos (em que, além do muito mais, quiseram fazer equivaler totalmente acções e obrigações), e no conhecimento directo que tinham do ocorrido, que se limitava a um deles (cuja “palavra” os documentos do próprio Recorrido desmentiam).
8ª. Se tivesse assim agido, se tivesse sido capaz de fazer uma correcta consideração e conjugação daqueles elementos de prova (testemunhal, da parte de Recorrente e Recorrido, e documental), do julgamento da M.ma Juiz a quo deveriam necessariamente resultar, para o que se perguntava na Base Instrutória (excepto quanto ao nº 1, já dado por provado), respostas inversas às que lhes foram oferecidas, ou seja, respostas também de “Provado” ao que se perguntava nos nºs 2 a 15 e respostas de “Não provado” ao que se perguntava nos nºs 16 a 21:
(i) provados inteiramente os nºs 2 a 15 (além do nº 1), em consequência do depoimento de parte do Recorrente, dos depoimentos das testemunhas por ele arroladas, dos documentos juntos aos autos e inclusive dos depoimentos das testemunhas do Recorrido (cfr., supra, nºs 19 a 43 e 47 d));
(ii) não provados os nºs 16 a 21, desde logo, por ser diferente resposta incompatível com as respostas de “provados” aos anteriores; e, além disso, se necessário fosse, em consequência do depoimento de parte do Recorrente, dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das próprias testemunhas do Recorrido (cfr., de novo, supra, os nºs 19 a 43 e 47 d)).
9ª. Deve, pois, ser revogada a decisão da matéria de facto proferida na 1ª Instância e substituída por nova decisão, conforme o constante da conclusão anterior.
10ª. A Sentença proferida deverá ser revogada, tanto no que respeita à decisão de mérito (a de absolvição da Recorrida do pedido) como no que concerne à condenação do Recorrente em multa (como alegado litigante de má-fé); e a procedência da acção, resultará automaticamente do solicitado provimento deste Recurso no que se reporta ao alegado e demonstrado erro de julgamento sobre a matéria de facto;
11ª. mas mesmo na eventual não procedência do Recurso – por razões que nem se conseguem imaginar –, a condenação referida não pode manter-se e deve ser revogada, pelo menos pelas razões invocadas, supra, no nº 60.
12ª. Quanto ao caminho jurídico a seguir no sentido de ser estabelecida a condenação do Recorrido no pedido (entender-se a acção (i) como um pedido de indemnização resultante de incumprimento de contrato pelo Recorrido, com indemnização consistente no reembolso do dinheiro aplicado contra as instruções recebidas e aceites, pois que foi ele totalmente perdido – prova, esta, que foi efectuada pelas testemunhas do Recorrido –, ou (ii) como um pedido de anulação do contrato com fundamento em erro sobre o objecto do negócio, com reembolso também da totalidade do dinheiro erradamente aplicado, pois que, repete-se, todo ele se perdeu) é indiferente ao Recorrente,
13ª. pelo que é inútil fazer-se, aqui, essa discussão.
14ª. Julgando como julgou, a M.ma Senhora Juiz de que se recorre violou, pois, pelo menos, as normas constantes dos artºs 655º, 3º-3, 201º e 456º do Código de Processo Civil e dos artºs 562º e segs. ou 251º do Código Civil.
Termos em que,
(i)revogando a decisão proferida quanto à matéria de facto constante da Base Instrutória,
(ii) substituindo-a por decisão que declare “provados” (além do facto do nº 1) os factos perguntados nos respectivos nºs 2 a 15, e declare “não provados” os dos nºs 16 a 21,
(iii) revogando a sentença proferida, tanto na absolvição do Recorrido do pedido como na condenação do Recorrente em multa, e
(iv) condenando o Recorrido no pedido.

Na resposta às alegações a apelada defende o decidido e “apenas para a hipótese que apenas a título especulativo se admite de a decisão sobre a matéria de facto e ou a sentença poderem, contra o que fundadamente se espera, virem a ser alterados, requer-se, por mera cautela, a ampliação do âmbito do recurso, de modo a abranger a impugnação do despacho que indeferiu a reclamação contra a base instrutória reproduzida na secção anterior das presentes alegações”.
EM RESUMO E CONCLUSÃO - IMPUGNAÇÃO DO DESPACHO QUE INDEFERIU A RECLAMAÇÃO CONTRA O QUESTIONÁRIO – INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO N.º 2 DO ARTIGO 684.º-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
20.1 - A matéria de facto alegada nos n.ºs 9 - 10 - 11 - 13 - 14 - 17 - 18 - 19 - 23 - 31 - 33 - 36 - 44 - 47 - 49 - 54 - 55 - 58 - 59, 60, 71, 78, 79, 80, 83 a 87 da contestação reveste-se de manifesto interesse para a solução de direito e nomeadamente para a interpretação do sentido e alcance do que consta das alíneas G), H), I) e J) da matéria assente.
20.2 - Daí que os factos em causa devessem ter sido levados à base instrutória.
20.3 - O mesmo se diga do alegado nos n.ºs 65, 66 e 67 da contestação.
20.4 - Por último, os factos articulados nos n.ºs 107 - 108 - 109 - 110 - 120 - 122 (na parte em que foi alegado que o autor recebeu os juros/rendimentos aludidos na alínea k) da matéria assente, sem qualquer espécie de objecção) e 128 da contestação também se revestem de interesse para a solução de direito.
20.5 - Em conformidade com a conclusão 20.4, deveriam ter sido levados à base instrutória os seguintes factos:
20.5.1 - Os obrigacionistas da D…., a exemplo do que sucedeu com os titulares das acções preferenciais sem voto, não têm recebido qualquer remuneração do seu capital, nem este lhe foi amortizado total ou parcialmente?
20.5.2 - A situação patrimonial de uns (titulares das acções preferenciais sem voto) e de outros (titulares de obrigações) é idêntica?
20.5.3 - As acções preferenciais sem voto do "E….." têm o seu prazo de maturidade em 2049, data em que o capital será reembolsado?
20.5.4 - Este banco tem pago a remuneração fixada de 5,5% ao ano e mesmo, durante os anos em que o Banco o não possa fazer, os dividendos em atraso poderão ser pagos em exercícios posteriores?
20.5.5 - O autor recebeu do E….. os juros aludidos na segunda parte da alínea k) da matéria assente sem colocar qualquer espécie de objecção?
21 – Decidindo, com decidiu, o despacho recorrido violou o disposto no artigo 511.º n.º 2 do Código de Processo Civil, pelo que o despacho deve ser revogado, ordenando-se o aditamento à base instrutória dos factos indicados nas conclusões 20.1, 20.3 e 20.5 (cinco itens).
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão da matéria de facto, bem como a sentença recorrida, ou, quando assim não se entenda, ampliado o julgamento do recurso, e revogado o despacho que indeferiu a reclamação contra a base instrutória.
**
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 3, do C.P.Civil.

2.1- OS FACTOS E O DIREITO

O apelante insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, proferida a fls. 357-361.
Na sua perspectiva, devem ser considerados inteiramente provados os nºs 2 a 15, da base instrutória, em consequência do depoimento de parte do Recorrente, dos depoimentos das testemunhas por ele arroladas, dos documentos juntos aos autos e inclusive dos depoimentos das testemunhas do Recorrido e, por outro lado, não provados os nºs 16 a 21, desde logo, por ser diferente resposta incompatível com as respostas de “provados” aos anteriores; e, além disso, se necessário fosse, em consequência do depoimento de parte do Recorrente, dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das próprias testemunhas do Recorrido.
Pois bem.
Fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, consagrada no artº 655º, nº 1, do CPC, em princípio essa matéria é inalterável.
A decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nas situações previstas no artº 712º, do CPC.
Estas constituem as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na 1ª instância.
Porém, a apelada sustenta (artº 684º-A, nº 2, do CPC)a necessidade de ampliação da matéria de facto, concretamente a referida na sua reclamação contra a selecção da matéria incluída na base instrutória, não atendida pela Srª Juíza da 1ª instância (artº 511º, nºs 2 e 3, do CPC).
Obviamente, esta questão deve ser apreciada desde já, ou seja, antes da análise da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (artº 712º, nºs 1, 2 e 4, do CPC).
Vejamos.
Sinteticamente, importa referir que, para além do direito substantivo, consagrado no Código Civil, em matéria de direito obrigacional (responsabilidade civil), assumindo a ré a qualidade de uma Instituição de Crédito ou Financeira, haveria ainda que considerar as normas constantes do RGIC, consagradas no DL 298/92, de 31/12, vocacionas para que estas entidades, sem embargo de se encontrarem num sector de mercado de forte concorrência e que visa a obtenção de rendimentos através de operações de natureza financeira, acautele os interesses daqueles que a elas recorrem para melhor administrarem e gerirem os seus bens. Daí a imposição dos deveres de diligência, discrição, lealdade e de informação a que aludem os arts 72º a 77º, deste ultimo diploma, regulando, desta forma, a actuação da instituição financeira com o seu cliente, com referência aos arts. 363º, 406º e 407º do C. Comercial, face à natureza da actividade desenvolvida. Poderá relevar, ainda, no caso, o estatuído Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, que aprovou o Código dos Valores Mobiliários (CVM), designadamente nos artºs 304º, 305º, 306º, 307º, 310º, 311º e 314º.
Ponderando o estatuído na lei processual civil, saliente-se que, na fase de condensação, o julgador seleccionará apenas a matéria de facto pertinente (relevante) vertida nos articulados, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (nº 1, do artº 511º, do CPC).
Com efeito, na organização da base instrutória o julgador deve ordenar, numa determinada sequência lógica e cronológica, os factos controvertidos pertinentes (relevantes), segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (artº 511º, n.º 1, do CPC, e Prof. Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, p. 515). Atenta a relação de instrumentalidade existente entre o direito processual civil e o direito substantivo, é à luz do direito substantivo aplicável ao caso concreto que deve ser feita a determinação dos factos constitutivos da pretensão formulada pelo autor, bem como dos que, em relação a ela, são impeditivos, modificativos ou extintivos. Ao autor apenas cabe a prova dos factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito por si pretendido, ou sejam, os factos correspondentes à situação de facto subjacente à norma substantiva em que assenta a pretensão (artº 342º, n.º 1, do CC, e A. Varela, RLJ, 116º/317 e segs.).
Assim, os factos relevantes a levar à base instrutória são os constitutivos do direito invocado e/ou os impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.
Ao juiz cabe seleccionar a versão da matéria de facto controvertida que, de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova (artº 342º e segs. do CC), deva ser provada, tendo em vista a procedência da acção ou que o efeito jurídico pretendido pelo autor seja considerado impedido, modificado ou extinto. Deve, pois, o julgador, utilizando um critério objectivo de relevância, ater-se aos factos relevantes (essenciais e instrumentais) e às regras do ónus da prova.
Como se sabe, “a base instrutória mais não é do que um acervo de questões (sobre se os factos nela insertos se verificam ou não) que hão-de obter resposta ulterior do tribunal, não tendo a natureza de decisão mas de peça pré-preparatória da decisão, é indiscutível que, mesmo depois de decididas as reclamações, ela não constitui caso julgado.” (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, 2001, vol. 2º, pag. 382)).
No mesmo sentido, veja-se Miguel Teixeira de Sousa referindo-se ainda à base instrutória: (in "Estudos sobre o Novo Processo Civil", pág. 314) “Ela nunca torna indiscutível que não existam factos relevantes que não foram sequer seleccionados, nem que os factos incluídos na base instrutória sejam efectivamente controvertidos, nem ainda que os considerados assentes não sejam afinal controvertidos”.
Entende, e bem, A. Abrantes Geraldes (Temas, II, 3ª ed., p. 145-147) que “Cabe ao juiz avaliar casuisticamente quando é que um determinado facto pode ou não ser "relevante" para a decisão da causa. Inequivocamente devem ser inseridos na base instrutória os factos essenciais, isto é, aqueles que de acordo com as normas aplicáveis ao caso exerçam uma função constitutiva do direito invocado pelo autor ou, pelo contrário, tenham natureza impeditiva, modificativa ou extintiva do mesmo, de acordo com alguma das soluções plausíveis da questão de direito.
Quanto aos factos instrumentais, circunstanciais ou probatórios, é certo que da respectiva prova não deriva imediatamente a solução jurídica do caso. Mas razões ligadas a um mais correcto apuramento da verdade material podem conjugar-se e aconselhar a sua inserção na base instrutória, de modo que, prevenindo ou prevendo a necessidade de utilização de presunções judiciais na apreciação da matéria de facto quer por parte do tribunal de 1ª instância quer da Relação, pode exigir-se a inserção de factos instrumentais susceptíveis de revelar, de acordo com as regras da experiência, os factos essenciais cuja prova directa é difícil ou inacessível ao conhecimento humano.”.
Acrescenta ainda que “(…) Quer-nos parecer, todavia, que a variedade de situações que são objecto de processos cíveis e a complexidade de que se reveste o cumprimento do ónus de alegação, conexionadas com determinados pressupostos de aplicação das normas, pode justificar a colocação na base instrutória de factos que, apesar de excluídos directamente da norma aplicável, sirvam para apoiar o estabelecimento de presunções judiciais ou para preencher, de uma forma tão ampla quanto possível, determinados conceitos jurídicos ou juízos de valor relevantes para a procedência da acção ou da defesa.
Devem, pois, quesitar-se, em simultâneo, os factos indiciários ou instrumentais e os essenciais.
Tendo em consideração o expendido e o teor dos quesitos 16º a 21º, da base instrutória, afigura-se-nos de interesse para a boa e justa decisão da causa (responsabilidade civil imputável à demandada) ampliar a base instrutória, nela incluindo a matéria de facto (só esta) vertida nos artigos nºs 9, 10, 11, 13, 14, 23, 31, 33, 36, 48, 49, 54, 58, 59, 60, 71, 78, 79, 83 a 87, 107 a 110 e 120, da contestação do Banco réu.
Alguns desses factos assumem a natureza de instrumentais, podendo, eventualmente, coadjuvar o julgador no sentido de fixar o sentido do negócio outorgado, mas que não o enformam nem o caracterizam na sua essência e na sua autonomia.
Quer dizer, essa factualidade, porventura, em parte, instrumental, é, a nosso ver, relevante, tendo em vista as teses em confronto e, obviamente, as regras do ónus da prova, bem como a eventual alteração da decisão sobre a matéria de facto, tal como vem impugnada pelo demandante.
Na verdade, a prova (discussão) e decisão sobre essa pertinente matéria de facto mostra-se, a nosso ver, importante, a fim de se apreciar, ulteriormente, em toda a sua amplitude, a impugnação sobre a matéria de facto.
Impõe-se, assim, o uso dos poderes conferidos pela referida norma do CPC (artº 712º, nº 4), com vista ao apuramento, em audiência de julgamento, da toda a matéria de facto articulada que interessa à boa decisão da causa, tendo sempre presente a necessidade de apuramento da verdade bem como a justa e definitiva composição do litígio.
Pensamos que a discussão dessa factualidade poderá ajudar na indagação dos pressupostos da eventual responsabilidade civil contratual e/ou extracontratual da ré.
Refira-se, por fim, que do processo não constam todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a), do nº 1, daquele normativo, permitam a (re)apreciação da matéria de facto em causa, tendo presente, além do mais, a possibilidade de as partes indicarem novos meios de prova atinentes à matéria de facto ampliada.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em anular a decisão proferida pelo Tribunal a quo em matéria de facto, bem como os termos subsequentes (sentença inclusive), a fim de se proceder a novo julgamento, na 1ª instância, com vista à produção de prova do alegado nos artigos nºs 9, 10, 11, 13, 14, 23, 31, 33, 36, 48, 49, 54, 58, 59, 60, 71, 78, 79, 83 a 87, 107 a 110 e 120, da contestação do Banco réu, podendo na 1ª instância serem apreciados outros factos, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.
Custas pela parte vencida, a final.

Porto,11/06/2012
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
António Eleutério Brandão valente de Almeida