Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1989/08.0TVPRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
TERRAÇO DE COBERTURA
PARTE COMUM
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP201605021989/08.0TVPRT.P2
Data do Acordão: 05/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º624, FLS.62-88)
Área Temática: .
Sumário: I - Os terraços de cobertura mencionados na b), do n.º 1, do Artigo 1421.º, do Código Civil, são estruturas em si mesmas não cobertas, cujo piso constitui, ao mesmo tempo, tecto ou parte do tecto da fracção do piso imediatamente inferior ou de partes comuns situadas nesse piso.
II - A natureza comum dos terraços de cobertura justifica-se atendendo ao interesse que existe em garantir a segurança e a protecção do edifício, interesse que depende da sua permanente e adequada vigilância e conservação (mesmo que sejam terraços de cobertura situados em cotas inferiores à do telhado), acção que não pode ficar dependente da vontade individual de um ou alguns condóminos, mas do condomínio.
III - A norma do artigo 1421.º do Código Civil é imperativa e não pode, por isso, ser derrogada pelas declarações exaradas pelos condóminos no título constitutivo da propriedade horizontal.
IV - Os terraços de cobertura são partes comuns mesmo no domínio da redacção original da al. b), do n.º 1, do Artigo 1421.º, do Código Civil, anterior à nova redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.
Recurso de Apelação.
Processo n.º 1989/09.0TVPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Porto - Instância Central - 1ª Secção Cível - J2.
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Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.
1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.
2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.
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Sumário:
I - Os terraços de cobertura mencionados na b), do n.º 1, do Artigo 1421.º, do Código Civil, são estruturas em si mesmas não cobertas, cujo piso constitui, ao mesmo tempo, tecto ou parte do tecto da fracção do piso imediatamente inferior ou de partes comuns situadas nesse piso.
II - A natureza comum dos terraços de cobertura justifica-se atendendo ao interesse que existe em garantir a segurança e a protecção do edifício, interesse que depende da sua permanente e adequada vigilância e conservação (mesmo que sejam terraços de cobertura situados em cotas inferiores à do telhado), acção que não pode ficar dependente da vontade individual de um ou alguns condóminos, mas do condomínio.
III - A norma do artigo 1421.º do Código Civil é imperativa e não pode, por isso, ser derrogada pelas declarações exaradas pelos condóminos no título constitutivo da propriedade horizontal.
IV - Os terraços de cobertura são partes comuns mesmo no domínio da redacção original da al. b), do n.º 1, do Artigo 1421.º, do Código Civil, anterior à nova redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro.
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Recorrente…………………... B…, com residência em rua …, ….-… Porto.
Recorridos……………………C…, residente que foi em Rua … …, …, ….-… Porto, falecida na pendência da causa, aqui substituída pelos seus herdeiros D…, E… e F….
………………………………….D…., com residência em Rua …, n.º … - …, ….-… Porto.
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I. Relatório
a) B… intentou a presente acção declarativa comum, na forma ordinária, contra G… e D…. (1.ºs Réus), Condomínio do prédio urbano sito na Rua …, no Porto (2.º Réu) e H…, Lda. (3.ª Ré), e conclui pedindo que os Réus fossem solidariamente condenados no seguinte:
a) A reconhecer o direito de propriedade do Autor relativamente à fracção destinada a habitação designada pela letra «M», correspondente ao …, com entrada pelo n.º … do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, 4150 Porto, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob a ficha n.º 1295/20080227, com inscrição da propriedade horizontal n.º 15923 a fls. 104-v do Livro F-24 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o art. 2376;
b) A reparar e eliminar, com carácter definitivo, todos os defeitos e vícios respeitantes ao terraço integrante do 4.º andar do prédio sito na Rua …, Porto, com carácter de urgência, em prazo a fixar pelo Tribunal nunca superior a 30 dias; ou em alternativa,
c) Caso não procedam a tal reparação, a reconhecerem ao próprio Autor o direito a ele próprio eliminar o respectivo defeito, a expensas exclusivas dos Réus;
d) A pagarem ao Autor adequada indemnização por todos os prejuízos por este sofridos, ou a sofrer, quanto à parte já liquidada, no valor de EUR 30.333,80, acrescido do valor de EUR 375,00 por mês, a contar de Setembro de 2009 até efectiva reparação do vício do terraço do 4.º andar do sempre aludido prédio e definitiva reparação da fracção do Autor;
e) A pagarem ao Autor todos os demais prejuízos, ainda não quantificáveis, a liquidar em execução de sentença;
f) A pagarem a título de sanção pecuniária compulsória a quantia de EUR 150,00 diários por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação prevista na alínea b) deste pedido;
g) A pagarem juros ao Autor, a contar da citação, até integral pagamento, sobre todas as quantias em que vierem a ser condenados e bem assim o acréscimo previsto no art. 829.º-A do Código Civil.
Para tanto, alega que é proprietário da fracção «M» (3.º andar direito) desde Fevereiro de 1984, sendo que os 1.ºs Réus são, desde Fevereiro de 1989, os proprietários da fracção designada pela letra «P», a qual se localiza por cima da fracção do Autor, onde este habita com o seu agregado familiar.
Acrescenta que faz parte da fracção dos 1ºs Réus um terraço, do lado nascente, ao nível do 4.º andar, terraço este que é parte integrante dessa fracção e, ao mesmo tempo corresponde à «cobertura» da zona de quartos da fracção «M».
Devido a anomalias existentes neste terraço, originadas por obras aí realizadas pelos Réus, ocorreram infiltrações de águas na zona dos quartos da fracção «M», que causaram os danos e indemnizações pedidas na acção.
Na fase do despacho saneador os Réus Condomínio e a empresa H…, Lda. (3.ª Ré), foram absolvidos da instância.
No final foi proferida a seguinte decisão:
«Pelo exposto decide julgar-se improcedente a presente ação no concernente à concreta pretensão de tutela que é direcionada contra os réus D… e C… (entretanto falecida, tendo sido habilitados como seus sucessores o igualmente réu D… e bem assim E… e F…), absolvendo-os, por isso, do pedido que contra eles é aduzido nestes autos. Custas pelo autor. Notifique e registe».
b) É desta decisão que recorre o autor.
Concluiu do seguinte modo:
«I – O presente recurso visa a impugnação da sentença recorrida, quer quanto à questão de facto, quer quanto à questão de direito.
II – E visa ainda sindicar, em sede de recurso, o despacho refª 9058795, a conclusão de 27.05.2013, que indeferiu a reclamação apresentada pelo A. quanto à condensação (factos dados como assentes e base instrutória).
III – E ainda o despacho de 6.07.2015 que indeferiu a junção de documentos, requerida pelo A. em 30.06.2015, nos termos do art. 5 e 523 n.º 2 do CPC.
IV – As conclusões seguirão tal como a fundamentação do recurso, a cronologia das decisões impugnadas.
E assim,
V – Antes de mais, entende o A. que em vária sede a decisão recorrida é inválida/nula, quer por omissão de pronúncia, quer por contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos expostos, e como melhor se demonstrará nas seguintes conclusões. Depois,
VI – Em 1.º lugar continua a entender o A. ter fundamento a sua reclamação quanto à condensação, pelo que deveria ter sido ela admitida e não o tendo sido pelo Tribunal a quo, a tal deve proceder o Tribunal da Relação, nos termos reclamados pelo A., com todas as consequências legais e/ou se necessário levando-se em consideração os factos que no entender do A. e a ter procedência o recurso do A. nesta parte devem ser considerados como assentes ou provados.
VII – Entende também o A. que os documentos cuja junção requereu em 30.06.2015, deveriam ser admitidos, ao contrário da decisão proferida pelo Tribunal a quo em 6.07.2015.
VIII - Não se desconhece que a nova Lei cria um “crivo” mais apertado, quanto ao momento da apresentação de documentos pelas partes, conforme estabelecido no invocado art. 423 do CPC.
VIII - A razão de ser para o caracter limitativo daquela norma poderá estar na invocada melhor organização e celeridade dos trabalhos, evitando-se imprevistas suspensões de audiências (por virtude da junção “tardia” de documentos…).
IX - Mas, como é evidente, a melhor organização (?!) e celeridade dos trabalhos é um valor eminentemente adjectivo que tem que ceder sempre perante valores maiores, nomeadamente de natureza verdadeiramente substantiva, como sejam a melhor aplicação do Direito com vista à realização da Justiça e a busca para o efeito, da verdade material.
X - Estes princípios essenciais têm hoje assento na própria Lei adjectiva, mitigando (e de que maneira) o próprio principio do dispositivo.
XI - Ou seja, o movimento legislativo da lei processual das últimas décadas (que vem antes da actual reforma), vai no sentido de que o Tribunal deve (está obrigado) à busca da verdade material com vista à realização da Justiça, para além da própria alegação e da prova produzida pelas partes.
XII - Salvo o devido respeito, no entender do A. o valor do dever judicial da busca da verdade material com vista à justa composição do litigio, sobrepõem-se a normas de tutela jurídica meramente adjectiva, tanto mais que o Tribunal tem poderes verdadeiramente inquisitórios da procura da verdade material (e deve – está obrigado – a usá-lo).
XIII - Ora, no caso, a junção dos documentos requerida pelo A. em 30.06.2015, resultou necessária da prova produzida em audiência.
XIV - Concretamente, o Réu, D…, em depoimento de parte, veio sustentar que nunca lhe tinham sido reclamados vícios respeitantes ao seu terraço, previamente às obras realizadas no prédio pela “I…” (para “justificar” que a origem dos prejuízos que o A. estava a sofrer nada tinham que ver com as obras que ele, Réu, havia realizado na sua fracção, inclusive no terraço, mas sim teriam a ver com intervenções sempre posteriores a 1997…).
XV – Sucede que o A. e outras testemunhas, que depuseram nos autos, fizeram-no em sentido contrário.
XVI – Este facto consubstanciou a fundamentação para a junção naquele momento dos referidos documentos, que só então se mostrou necessária.
XVII - Trata-se de documentos dos primeiros anos da década de 90 - nomeadamente cartas de 11.11.94, 4.12.2995 e 9.12.1997 – que são prova clara não só da veracidade das declarações prestadas pelo A. e sua mulher, como também da falta de veracidade do depoimento do Réu sobre tal questão.
XVIII - A razão de ser da junção tardia dos documentos foi expressa no requerimento do A. e é um facto face aos depoimentos prestados em Juízo, atrás sucintamente invocados.
XIX - Tanto mais que os documentos eram pertinentes quanto o Tribunal, naquilo que no entender do A. consubstancia uma lógica de afastar a responsabilidade dos RR., veio a responder mitigadamente ao facto controvertido sob o n.º 3 e respondeu também limitadamente aos factos controvertidos sob os nºs 6 e 7, retirando da matéria dada como provada as reclamações e comunicações feitas ao Réu.
XX – Que os documentos eram necessários para a melhor busca da verdade material, resulta da circunstância de o tribunal ter decidido a questão de facto de forma contrária à realidade.
XXI – O Tribunal está obrigado à busca da verdade material e, nos termos da Lei, tem todos os deveres/ poderes necessário à sua procura.
XXII – O Tribunal deveria, pois, ter admitido a junção dos referidos documentos, até por sua iniciativa, ao abrigo do princípio do oficioso – busca da verdade material com vista à mais justa resolução do litígio. Por outro lado,
XXIII - O Tribunal a quo, errou, parcialmente, quanto à decisão da questão de facto, por erro da apreciação da prova e violando a mais elementar experiencia de vida e até factos públicos e notórios, do conhecimento geral, que não necessitam de alegação e prova.
XXIV – A decisão recorrida errou na apreciação da questão da prova nos termos expostos.
XXV - São as seguintes as respostas constantes da decisão recorrida quanto à questão de facto de que o A. discorda:
- A forma mitigada/reduzida como o Tribunal entendeu responder aos factos controvertidos nos pontos 3, 5, 6, 7, 20, 22 e 28 da b.i.
XXVI – O Tribunal da 1ª Instância, sob a perspectiva do A. deveria ter dado como provada, sem qualquer limitação, a resposta à matéria de facto dos pontos 3, 5, 6, 7, 20, 22 e 28 da b.i.
XXVII – Não o tendo feito o Tribunal de 1.ª Instância, deve sempre em qualquer caso alterar as respostas a tais quesitos, a Relação do Porto, nos termos dos poderes que a lei lhe confere, v. g. artigo 662 do CPC, visto estarem reunidos nos autos todos os pressupostos legais para o efeito – o que se requer e no que se confia.
XXVIII - O A. baseia e fundamenta esta sua pretensão nos seguintes elementos probatórios:
- o alegado pelas partes, quer em sede da p.i., quer em sede da contestação, quer na réplica;
- nos documentos juntos com a p.i. quanto à composição das fracções de A. e RR., titulo constitutivo da propriedade horizontal e caderneta predial da fracção do A.;
- nos documentos juntos aos autos, nomeadamente os documentos juntos com o requerimento do A. de 30.06.2015;
- no depoimento do Réu, D…, na parte em que pode constituir confissão;
- no depoimento das testemunhas dos AA..:
- J…, depoimento prestado na audiência de 5 de Maio de 2015, Gravação digital de 00.00.22 a 00.58.46;
- K…, depoimento prestado na audiência de 5 de Maio de 2015 Gravação digital de 00.00.20 a 00.23.24;
- L…, depoimento prestado na audiência de 5 de maio de 2015, Gravação digital de 00.00.36 a 00.14.09
- na parte em que possa servir de prova nos termos expostos o depoimento da testemunha dos RR., M…, realizado na audiência de julgamento de 16 de Junho de 2015, gravação digital 00.00.08 a 00.35.18, nos termos atrás identificados.
- nas declarações do A., prestadas na audiência de 16 de Junho de 2015, gravação digital 00.00.12 a 00.37.31.
XXVII – A sentença erra claramente quanto à apreciação da questão de facto.
XXIX - É sabido que a Lei portuguesa estabelece o princípio da livre apreciação de provas – art. 655.º do CPC.
XXX - Trata-se, no entanto, de um poder/ dever vinculado.
XXXI - Isto para concluir, em sede geral que o principio da livre apreciação da prova não é um principio desvinculado, “absoluto” e muito menos “arbitrário”.
XXXII -– O tribunal valorou erradamente a prova à qual a Lei confere valor pleno (documentos autênticos e não impugnados pelas partes), valorou indevidamente quer no sentido positivo, quer no sentido negativo, o depoimento do Réu, não valorou adequadamente a perícia realizada ao local, valorou de forma incorrecta a prova testemunhal e permitiu até a produção de prova testemunhal a factos que não devia conceder, tudo conforme exposto.
XXXIII - No entender do A., também a solução dada pelo Tribunal a quo, para a questão de Direito, é errónea.
XXXIV - Antes de mais, alterada a decisão da 1ª Instância sobre a questão de facto, por maioria de razão, deve alterar-se a decisão de direito, no sentido da procedência total da acção.
XXXV – O A. veio apresentar a Juízo vários pedidos contra os RR., a saber:
“…serem os RR. solidariamente condenados a:
a) Reconhecer o direito de propriedade do Autor relativamente à fracção urbana identificada no artigo 1º desta p.i.;
b) Reparar, e eliminar, com carácter definitivo, todos os defeitos e vícios respeitantes ao terraço integrante do 4º andar do prédio sito na Rua …, …, Porto, melhor identificado nos artigos 4º, 5º e 6º da p.i., com carácter de urgência, em prazo a fixar pelo Tribunal nunca superior a 30 dias; ou em alternativa,
c) Caso não procedam a tal reparação, que seja reconhecido ao próprio A. o direito a ele próprio eliminar o respectivo defeito, a expensas exclusivas dos RR.;
d) A pagarem ao A. adequada indemnização por todos os prejuízos por este sofridos, ou a sofrer, quanto à parte já liquidada, no valor de 30.333,80 Euros, acrescido do valor de 375,00 Euros por mês a contar de Setembro de 2009 até efectiva reparação do vicio do terraço do 4.º andar do sempre aludido prédio e definitiva reparação da fracção do A., nos termos expostos;
e) A pagarem ao A. todos os demais prejuízos, ainda não quantificáveis, a liquidar em execução de sentença;
f) A pagarem a título de sanção pecuniária compulsória a quantia de 150 € diários por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação prevista na alínea b) deste pedido;
g) A pagarem juros ao A. a contar da citação, até integral pagamento, sobre todas as quantias em que vierem a ser condenados e bem assim o acréscimo previsto no art. 829-A do Cod. Civil.
h) Tudo com custas e demais encargos pelos RR…”.
XXXVI – No que respeita ao pedido da al. a) ninguém colocou em crise o direito do A..
XXXVII – Não obstante, o Tribunal da 1.ª Instância não se pronunciou sobre ele.
XXXVIII – A questão não é despicienda, mesmo em questão de custas.
XXXIX – É claro, antes de mais, verificar-se omissão de pronuncia na sentença recorrida, sendo que, face à matéria dada como assente, desde logo, na al. a) dos factos assentes, o primeiro pedido formulado pelo A. só pode proceder.
XL - Em 2.º lugar, o A. invoca vícios e defeitos respeitantes ao terraço integrante do 4.º andar do prédio sito na Rua …, n.º …, que é pertença dos RR. e pede a reparação e eliminação dos referidos vícios, sob pena de o A. a tal proceder a expensas dos RR. (pedidos das als. b) e c), tudo com a cominação do pedido da al. f).
XLI – Ora, face à matéria que deve dar-se como provada, nos termos expostos, mas mesmo face à matéria que de forma errónea foi dada como provada mitigadamente pelo Tribunal (nas als. b), c), d), e), f), g), h) i) j), l) m), n o) p), q) s) e t)) salvo o devido respeito, também os pedidos formulados nas als. b), c), d), g) e h) do petitório deveriam – deverão – proceder.
XLII – Com efeito, está dado como provado que o referido terraço pertence aos RR., que os RR. realizaram nele obras (pelo menos nas respectivas soleiras), que só se tem acesso a ele pela fracção deles, RR., que os RR. têm a sua posse, uso, fruição exclusivas.
XLIII – Ora, face a este quadro, naturalmente que compete aos RR. a conservação, guarda e vigilância da integralidade da sua fracção, inclusive do seu terraço.
XLIV – Ainda que se considere que, ao contrário do que está dado como provado e resulta do titulo constitutivo da propriedade horizontal, o terraço é zona comum – no que não se consente – e que por isso as obras de reparação deveriam ser do Condomínio (no que também não se consente), sempre a acção deveria ser também dirigida contra os RR. e estes igualmente condenados, nos termos expostos.
XLV – É que ainda que se efectuasse um pedido no respectivo sentido – reparação de vícios do telhado - exclusivamente contra o condomínio a condenação deste seria manifestamente insuficiente e inútil se não se convencessem igualmente os RR., pois que sem a participação activa destes, o Condomínio não poderia realizar quaisquer obras de reparação.
XLVI – Nesta hipótese – académica – (que parece ser a tese da sentença recorrida, embora errónea), estar-se-ia no caso até perante a necessidade de um litisconsórcio necessário entre os RR., proprietários do 4.º andar, e o próprio Condomínio (ao contrato do decidido nos autos anteriormente …).
XLVII – A verdade, porém, é que tal não corresponde à melhor subsunção de Direito, visto que, no quadro exposto, e face aos factos dados como assentes, são os RR. os proprietários da fracção do 4.º andar do prédio.
XLVIII – O caso sujeito a juízo não se circunscreve a relação entre condóminos e condomínio, mas a um caso de responsabilidade civil perante terceiros – lesado – que, neste caso, é o A.
XLIX – No caso dos autos é claro que impende sobre os RR. o dever de conservação, guarda e vigilância da sua fracção e, em qualquer caso, sob o referido terraço, nos termos dos art. 492 e 493 do Cod. Civil (independentemente da caracterização da “propriedade” do terraço).
L – Estas normas impõem aos RR. – quem tem as referidas obrigações – o ónus da prova de factos que afastem a sua responsabilidade, face à expressa inversão dos ónus de prova, que contemplam.
LI – Sendo certo que não estão dados como provados factos que excluam a responsabilidade dos RR., pelo contrário.
LII – Aliás, a responsabilidade dos RR. não é afastada por qualquer outro tipo de responsabilidade, nomeadamente de natureza contratual de terceiros (nomeadamente em sede de intervenções posteriores ao inicio dos factos imputados aos RR. no âmbito de contratos de empreitada).
LIII – Ainda que se considere, por outro lado, a existência de responsabilidade por parte do Condomínio, esta responsabilidade, em face da especificidade do caso, será sempre conjunta com os RR., não afastando a responsabilidade destes.
LIV – Donde só se possa concluir pela procedência de tais pedidos contra os RR.
LV – E, concomitantemente, pelas mesmas razões devem proceder os pedidos formulados nas als. d), e), g) e h), face à matéria dada como provada nos autos
Acresce que,
LVI – A sentença recorrida errou também na apreciação (consideração de outras normas de Direito que utilizou para afastar indevidamente a responsabilidade dos RR..
É que
LVII - O Tribunal dá como provado que pertence – a propriedade - aos RR. a integralidade do 4.º andar em questão; que é de uso exclusivo destes, que a ele só tem acesso pelo interior da referida fracção, acesso que aos RR. pertence (ou seja dá como provada a posse, utilização e acesso exclusivos do terraço pelos RR.).
LVIII - O tribunal, aliás, não declarou a nulidade do título constitutivo de propriedade horizontal
LIX - Mas considera (não obstante aqueles dados como assentes) que o terraço é parte comum do prédio, para também ao abrigo deste “fundamento”, alijar a responsabilidade dos RR. (??!) LX – Está porém dado como provado que os RR. realizaram obras na sua fracção em 1989 (resposta ao quesito 46)
LXI - Está dado como provado que os RR. usam a sua habitação e dão-na de arrendamento, inclusive o terraço – resposta aos quesitos 50, 58, 59 e 60 da b.i..
LXII - Está dado como provado que nem os RR., nem ninguém por eles se deslocaram ao local para proceder à vistoria, a efectuar por um representante do A. e por um da “H…”
LXIII - Antes de mais, o A. entende que a sentença nesta parte é também nula por contradição entre os fundamentos e a decisão
LXIV - De facto, o tribunal desenvolve o raciocínio no sentido da imputação da responsabilidade aos RR., mas depois inverte a decisão sustentando que não obstante a regra do art. 1424 n.º 3 do CC, no caso concreto, as despesas de manutenção do terraço competiriam ao Condominio !?).
LXV - Acresce que, em qualquer caso, o A. considera a subsunção de Direito errada, face à matéria dada como assente.
LXVI - Uma coisa não pode ser o que é, e a sua contrária simultaneamente.
LXVII - Para o Tribunal considerar que o terraço (ou varanda) do 4.º andar da fracção dos RR. é parte comum teria necessariamente que desconsiderar judicialmente o respectivo titulo previamente.
LXVIII - O que uma decisão não pode, é dar como provado que uma fracção tem uma determinada composição e, depois, decidir que uma parte dela não lhe pertence – existe desde logo, aqui e à partida, uma insanável contradição.
LXIX - Para que efectivamente o Tribunal pudesse apreciar se o terraço é, ou não, pertença da fracção dos RR. teríamos que ter outro tipo de acção ou judicio (sem perder de vista que esta questão não é essencial para a melhor solução de direito).
LXIX - Era necessário que os RR., em acção ou reconvenção, promovessem a declaração de nulidade parcial (ou redução) do título da constituição da propriedade horizontal, com a correspondente alteração da descrição predial da sua fracção.
LXX - E, para isso, teriam que chamar à acção todos os proprietários do prédio (!?).
LXXI - Aqui é uma questão de responsabilidade civil perante terceiros (e de reconhecimento de um direito de propriedade e de condenação na prestação de facto - reparação).
LXXII - Pelo que o Tribunal deveria considerar para este efeito – tout court – a realidade registal do prédio (que os RR. aliás reclamam) e em função da propriedade, da posse e do uso, retirar a indispensável conclusão jurídica, visto que não está em causa a apreciação da composição da fracção dos RR., nem do
titulo constitutivo da propriedade horizontal dos prédios – apreciação que ninguém pediu.
LXXII - É certo que o Tribunal não “decidiu” tal matéria (se não teria decidido mais do que o pedido e a decisão seria também por isso inválida)
LXXIII - Mas, por ser assim, não pode o tribunal decidir o “desfecho” da acção considerando “a latere” tal redução ou alteração do titulo constitutivo
Acresce que,
LXXIV – Face à especificidade do caso, a questão da propriedade do terraço que integra a fracção dos RR. é irrelevante para a boa decisão da causa.
LXXV - No caso dos autos, o titulo constitutivo da propriedade horizontal, que é anterior à nova formulação legal, datando de 1983, estabelece que os terraços do 4.º andar direito da entrada … do prédio em questão, são partes integrantes da fracção dos RR. (fracção “P).
LXXVI - O projecto camarário aprovado que serviu de base à constituição da propriedade horizontal estabelece esta realidade em momento anterior ao novo normativo.
LXXVII - Portanto, de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal de data anterior à nova Lei, os ditos terraços fazem parte da fracção dos RR. e são assim propriedade destes.
LXXVIII - Á data da constituição da propriedade horizontal, o titulo constitutivo do referido prédio era válido legalmente (como parece ninguém colocar em crise).
LXXIX - Ora, a ser assim, como é, a 1.ª observação a fazer é a de que este titulo se mantém válido, não só porque o novo normativo legal não é interpretativo nem de aplicação retroactiva – não se aplica aos negócios jurídicos previamente constituídos ao abrigo de anterior Lei.
LXXX - Mas também porque nunca tal titulo foi, nem é, nestes autos, colocado em crise nos termos da lei.
LXXXI - Ora, ao contrário do pretendido na sentença recorrida, a alteração do art. 1421.º do Cod. Civil, salvo o devido respeito, representa, no melhor entendimento, não ter carácter interpretativo (não havia nada a interpretar) (admitindo-se no entanto poderem existir decisões judiciais diversas).
LXXXII - O Legislador decidiu apenas tomar uma solução diferente – tout court
LXXXIII - No entender do A., é claro que o caso dos autos não integra os requisitos indispensáveis a conceder à LN carácter interpretativo e/ou efeito retroactivo (a polémica, alias continua …) trata-se no caso de uma solução nova, tão somente.
LXXXIV - No caso, nunca seria de aplicação retroactiva, pois que a própria Lei – art. 13 do CC - ressalva da sua aplicação os efeitos já produzidos por sentença, ainda que por decisão não transitada, ou por actos de análoga natureza.
LXXXV - Se é assim, como é, é claro que tal norma jamais se poderia considerar aplicável de negócios jurídicos consolidados há décadas, nos termos da lei
LXXXVI - Pois pensar de outra maneira seria lançar a maior confusão no comércio jurídico em geral.
LXXXVII – Em qualquer caso, nunca poderia considerar-se a alteração do título constitutivo.
LXXXVIII - Salvo o devido respeito é pacifica a Jurisprudência no sentido de considerar que a propriedade horizontal se determina pelo respectivo estatuto regulador.
LXXXIX - Ou seja, pelo respectivo titulo constitutivo em conformidade com o projecto aprovado pela entidade administrativa competente.
XC - Sendo certo que os Tribunais tem entendido que há nulidade de título quando contraria o que foi aprovado pela Câmara Municipal – veja-se Acordão do Tribunal Constitucional de 7.12.1993.
XCI - A modificabilidade do titulo só pode ser conseguida por unanimidade de todos os condóminos, ou por decisão judicial, mas para isso é necessário que se reúnam todos os pressupostos legais, nomeadamente a desconformidade com o projecto aprovado – vejam-se art. 1419 e 1422 do Cod. Civil
XCII - Ora, no caso concreto, ninguém colocou a Juízo o pedido de declaração de nulidade, ainda que parcial, ou redução, do titulo constitutivo de propriedade horizontal do prédio em questão nos autos, nos termos expostos.
XCIV – E daí que só se possa concluir pela inadequação da fundamentação constante da decisão recorrida e, por maioria de razão, da inadequada decisão proferida.
XCV - Convirá ainda dizer, mesmo que no titulo constitutivo da propriedade horizontal fosse um terraço de zona comum, embora de uso exclusivo, ou fosse integrado em momento anterior à entrada da nova Lei, os RR. seriam sempre responsáveis.
XCVI – É que o Tribunal em questão nunca poderia considerar o terraço um terraço de cobertura
XCVII - “Os terraços de cobertura são coberturas que excluem o telhado, ou melhor telhados sui generis, feitos geralmente de pedra, cimento ou outra matéria impermeável, sendo acessíveis por baixo. Podem cobrir todo o edifício ou apenas parte dele. Não há que confundir terraços e cobertura com os terraços existentes nos planos dos vários pisos com acesso pelos mesmos e que deles fazem parte. A esta última espécie de terraços, que não são comuns, dão os italianos o nome de “terrazo a livello” - José Antonio de França Pitão, Propriedade Horizontal, anotações aos artigos 1414 a 1438-A do Codigo Civil, Almedina, pag XCVIII - É que estes terraços são mais varandas fechadas do que terraços de cobertura – é o caso dos autos
XCIX - Note-se que se trata de terraços que constituem verdadeiras utilidades integradas na fracção, que podem simplesmente a céu aberto constituírem verdadeiros jardins, espaços de convívio ou lazer, perfeitamente integrados nas fracções, sendo que se acede a eles apenas por estas e sem acesso às partes comuns – é o caso dos autos.
C - A sua caracterização e a sua funcionalidade é, essencialmente, respeitante à fracção e é completamente diferente dos terraços de cobertura.
CI - Os terraços de cobertura têm acesso a partes comuns do prédio, normalmente através de alçapão ou de escada que constitui o último lanço e tem características de construção que privilegiam a segurança e estanquicidade em detrimento da estética e/ou de outras utilidades.
CII - Os terraços/varanda, como o dos autos, estão perfeitamente integrados na fracção, não têm acesso por zonas comuns e são dotados de equipamentos e elementos construtivos de acordo com a estética da fracção e de acordo com os seus utilidades privadas, as mais das vezes ao gosto dos respectivos proprietários, nomeadamente no que respeita aos pavimentos cerâmicos e/ou outros equipamentos.
CIII - Assim, não obstante se reconheça que esta questão é uma questão polémica, o A. perfilha entendimento diverso ao da sentença recorrida.
CIV - Mas, no caso, a responsabilidade dos RR. seria sempre evidente.
CV - Em 1.º lugar, os RR. consideram o referido espaço – terraço - como bem próprio e fruem-no como tal, colhendo dele os frutos naturais e civis.
CVI - Isto quer dizer que se arrogam o direito de realizar obras no local, sem limitação, sem prévia autorização do Condomínio – e a verdade é que realizaram nele obras neste pressuposto.
CVII - Os RR., para além disto são os exclusivos possuidores e fruidores – tem a posse e uso exclusivos do referido espaço.
CVIII - O acesso ao dito terraço só é possível pela fracção dos RR., ou seja os RR. são os únicos que tem a tal espaço acesso.
CIX - O referido espaço é parte integrante da fracção dos RR – direito que estes reclamam e exercem.
CX - Os RR. realizaram obras no dito espaço.
CXI - O dito espaço é, essencialmente, um bem de utilidade para os RR.
CXII - Um terraço/varanda com estas características não constitui uma qualquer utilidade para os restantes condóminos (mas apenas uma pequena cobertura para o condómino imediatamente inferior…).
CXIII - Só os RR. sabem o que fazem no seu terraço e o seu estado de conservação.
CXIV - Pois que só eles tem a ele acesso.
CXV - Face a este quadro, no modesto entendimento do A. só os RR. hão-de – só podem – ser sempre responsáveis perante terceiros, nomeadamente perante o A..
CXVI – Assim, qualquer que seja a perspectiva por que se analise o caso sub judice, só se pode concluir pela procedência da acção.
CXVII - Aliás se considerasse diferentemente, sempre o assunto cairia na alçada do abuso de direito que se alega subsidariamente e em ultima instância, nos termos expostos.
CXVIII - Violou, assim a sentença recorrida, por erro na aplicação da Lei, diversas disposições legais, nomeadamente as normas dos artigos 2, 3, 5, 6, 13, 152, 411, 412, 413, 414, 423 e segts., 596, 607, 609 todos do CPC, artigos 334, 342, 393, 483, 492, 493, 1418, 1419, 1421, 1422, 1423, 1424, todos do Cod. Civil e artigos 12 e 13 da CRP
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência:
Deve revogar-se a decisão recorrida e substituir-se por outra que julgue a acção procedente por provada, alterando-se antes de mais, se necessário, a decisão recorrida quanto à questão de facto, reapreciando a Veneranda Relação do Porto a prova dos autos, nos termos expostos.
Sem prescindir, a assim de não entender ou entender necessário, deve sempre revogar-se a decisão 9058795, a conclusão de 27.05.2013 que indeferiu a reclamação apresentada pelo A. sobre a condensação e bem assim a decisão de 6.07.2015 que indeferiu a junção de documentos requerida pelo A., admitindo-se estes nos autos e sendo sempre valorados para os devidos efeitos legais, tudo levando sempre à procedência da acção,
Pois assim se fará Justiça»
c) Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.
Finalizaram as contra-alegações da seguinte forma:
«A. O despacho saneador que o presente recurso pretende colocar em crise não padece de qualquer falta de fundamentação, antes efectuando uma correcta interpretação e aplicação dos factos e direito;
B. O despacho de indeferimento da prova requerida, proferido em 6.07.2015 encontra-se transitado, sendo, por isso, extemporâneo o seu recurso;
C. A base instrutória não padece de qualquer vício, sendo insusceptível de reparo;
D. Face à prova produzida em julgamento e sua valoração pelo Tribunal a quo, nenhuma alteração pode ser assacada aos factos provados e não provados;
E. Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, resultou evidente do julgamento que os danos verificados na sua fracção são consequência da eventual má construção do prédio e das deficientes reparações que foram sendo realizadas ao longo dos anos;
F. O prédio, na sua quase totalidade, padece das mesmas infiltrações que o Recorrente veio alegar nestes autos;
G. Os terraços de cobertura são sempre zona comum do edifício (clausula imperativa e que prevalece sobre o título constitutivo da propriedade horizontal), sendo da responsabilidade de todos os condóminos a sua reparação e eventual indemnização por danos daí decorrentes;
H. Deste modo, nada haverá a apontar à decisão ora recorrida que, pela sua perfeição, quer na análise jurídica, quer na análise fáctica que fez dos contornos que revestem os presentes autos, deverá ser mantida na íntegra, sem qualquer reparo, realizando a acostumada justiça!».
II. Objecto do recurso
De acordo com a sequência lógica das matérias, a regra consiste em começar pelas questões processuais, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e, por fim, resolvidas estas, com as atinentes ao mérito da causa, salvo se a procedência de alguma das questões colocadas inviabilizar a apreciação das restantes.
1 – Em primeiro lugar cumpre analisar as nulidades da sentença.
a) Por omissão de pronúncia.
Esta nulidade vem apontada à circunstância do tribunal não se ter pronunciado quanto ao primeiro pedido que foi este: «a) Reconhecer o direito de propriedade do Autor relativamente à fracção urbana identificada no artigo 1.º desta p.i.», referindo o Autor que esta questão é relevante inclusive para efeitos de custas.
b) Por contradição entre a fundamentação e a decisão.
O Autor argumenta que o tribunal desenvolveu o raciocínio no sentido da imputação da responsabilidade aos Réus, mas depois inverteu a decisão sustentando que não obstante a regra do art. 1424.º, n.º 3, do Código Civil, no caso concreto, as despesas de manutenção do terraço competiriam ao Condomínio.
2 – Em segundo lugar, analisar-se-á a reclamação do autor que foi indeferida conforme despacho ref.ª 9058795 e conclusão de 27 de Maio de 2013.
a) O Autor pretende que se acrescente à redacção da al. E) dos factos assentes, no final do seu teor, a seguinte expressão «conforme sua descrição na Conservatória do Registo Predial».
b) Também deve constar dos factos assentes o teor dos artigos 10.º e 14.ºda p.i., aditando-se novas alíneas, imediatamente antes da al. H).
c) Quanto à alínea L), que se reportará à matéria dos artigos 36, 26 e 37 da p.i., deve acrescentar-se-lhe a expressão «tendo sido feita nova participação pelo A. em Setembro de 2006».
d) Deve ser retirada a matéria da alínea R) por não ter interesse para os presentes autos, o mesmo ocorrendo em relação às alíneas U), V), X), Z) e BB.
e) Por ser matéria aceite pelas partes deve ser aditada uma nova alínea aos factos assentes com a matéria do art. 69.º da p.i. e documentos juntos aos autos, nomeadamente documento junto com a p.i. sob o n.º 4.
f) Por se tratar de matéria importante, qualquer que seja a solução de direito, deve também ser levada aos factos assentes a matéria dos artigos 12.º e 13.º da p.i..
3 – Em terceiro lugar, verificar-se-á se deve subsistir a decisão de indeferimento proferida na audiência de 6 de Junho de 2015, quanto à junção de documentos requerida pelo Autor.
4 – Em quarto lugar, será apreciada a impugnação da matéria de facto.
Na perspectiva do Autor, o tribunal da 1.ª instância deveria ter dado como integralmente provada, portanto sem quaisquer restrições, a matéria de facto dos pontos 3, 5, 6, 7, 20, 22 e 28 da base instrutória.
Trata-se de saber quando é que surgiram os primeiros problemas de infiltrações na fracção do Autor, sendo que este imputava os primeiros incidentes às obras realizadas pelos Réus, enquanto os Réus sustentam que as infiltrações na habitação do Autor se haviam iniciado a partir de 1997, após a intervenção de terceiros (as empresas I…», «H…» e «N…»).
E trata-se também de saber quando é que o Autor comunicou aos Réus tais infiltrações.
5 – Quanto às questões de direito.
a) A questão fundamental consiste em saber se o terraço faz parte da fracção dos Réus ou é parte comum, tendo em consideração não só as disposições legais como o título constitutivo da propriedade horizontal, o qual é cronologicamente anterior à actual redacção da al. b, do n.º 1 do artigo 1421.º, Código Civil (cumpre verificar ainda: (I) se é necessário declarar previamente a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal antes de concluir que o terraço é parte comum, caso seja esta a classificação que resulta da lei; (II) se a actual redacção da al. b, do n.º 1, do artigo 1421.º, Código Civil, tem natureza interpretativa em relação à norma anterior ou se, não tendo tal natureza, a actual norma poderá ser aplicada retroactivamente; (III) se o terraço em questão pode ser qualificado como um terraço de cobertura ou é um terraço com a função de uma varanda, o qual, neste último caso, é uma utilidade integrada na fracção dos Réus, que podem simplesmente a céu aberto constituírem aí um jardim, espaço de convívio ou lazer, perfeitamente integrado na fracção, sendo que se acede a ele apenas pela fracção dos Réus, não havendo acesso pelas partes comuns e se (IV) ocorre abuso de direito caso se conclua que o terraço é parte comum, na medida em que os Réus sempre a consideraram propriedade exclusiva).
b) Se se concluir que o terraço pertence exclusivamente aos Réus, cumpre, por fim, apreciar os pedidos formulados na petição à luz de tal conclusão.
III. Fundamentação
a) Nulidades de sentença
1 – Os Autores dizem que a sentença padece de nulidade, por omissão de pronúncia, porque, no que respeita ao primeiro pedido, relativo à declaração do direito de propriedade dos Autores sobre a fracção, ninguém o colocou em crise.
Por conseguinte, devia ter constado do dispositivo da sentença que os Autores são titulares do direito de propriedade sobre a fracção urbana identificada no artigo 1.º da petição.
Porém, o tribunal da 1.ª instância não se pronunciou sobre ele, sendo certo que a questão não é despicienda, dizem, em questão de custas.
É claro, antes de mais, verificar-se omissão de pronúncia na sentença recorrida, sendo que, face à matéria dada como assente, desde logo, na al. a) dos factos assentes, o primeiro pedido formulado pelos Autores só pode proceder.
Há efectivamente falta de pronúncia sobre este pedido, mas não tem as utilidades apontadas pelos Autores no que respeita à repartição das custas do processo.
Com efeito, o pedido de reconhecimento do direito de propriedade é apenas um antecedente lógico dos restantes pedidos e como não foi contestado não há base para condenar os Réus em custas.
No caso dos autos, como em noutros, sendo paradigmático este tipo de pedido formulado nas acções de reivindicação, em que se pede o reconhecimento do direito de propriedade para a seguir pedir a entrega da coisa, o pedido de reconhecimento prévio é aparente, não sendo o verdadeiro pedido que é formulado na acção, pois o verdadeiro pedido é o da entrega da coisa.
Como sustentou Alberto dos Reis, «... ao pedir-se o reconhecimento do direito de propriedade (efeito declarativo) e a condenação na entrega (efeito executivo), não se formulam dois pedidos substancialmente distintos, unicamente se indicam as duas operações ou as duas espécies de actividade que o tribunal tem de desenvolver para atingir o fim último da acção» ([1]).
Neste caso, continuava o mesmo professor, há cumulação aparente de pedidos; contraposta à cumulação real que se verifica quando se formula mais do que um pedido de carácter substancial, isto é, mais do que um pedido a respeito da relação jurídica material ([2]).
Por conseguinte, tem de se concluir que o primeiro pedido feito não tem autonomia, pelo que se justifica que as custas recaiam apenas sobre os Autores.
Mas será julgado procedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade, mas sem reflexo, como se disse, no que respeita a custas.
2 - Nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão.
Os recorrentes sustentam que a sentença padece de nulidade porque há contradição entre os fundamentos e a decisão.
Isto porque o tribunal desenvolve o raciocínio no sentido da imputação da responsabilidade aos Réus, mas depois inverte a decisão sustentando que não obstante a regra do art. 1424.º n.º 3 do Código Civil, no caso concreto, as despesas de manutenção do terraço competiriam ao condomínio.
Vejamos então se a decisão recorrida é nula por existir contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos da al. c), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
É negativa a resposta a esta questão.
A nulidade de sentença é um vício de natureza processual e consiste num erro lógico patenteado pelo raciocínio exposto na sentença, ou seja, há nulidade de sentença quando o dispositivo da sentença está em contradição com as premissas antes adoptadas pelo juiz (com as premissas que o juiz efectivamente adoptou e não com as premissas que ele poderia ter adoptado).
Como referiu o Prof. Alberto dos Reis, «Quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a compromete. A lei quer que o juiz justifique a sua decisão. Como pode considerar-se justificada uma decisão que colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia?» e acrescenta, «Há contradição entre os fundamentos e a decisão quando «…os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto» ([3]).
Repetindo, esta nulidade ocorre quando o juiz conduz a argumentação que consta da fundamentação jurídica da sentença num certo sentido e, depois, no dispositivo da sentença, tira uma conclusão inesperada, isto é, contraditória com a argumentação anterior.
É nisto que consiste a contradição apontada nesta norma.
Ora, tal contradição não ocorre no caso dos autos.
Com efeito, se um leitor hipotético fizer o exercício de ocultar o dispositivo da sentença e ler de seguida apenas a respectiva fundamentação, se esse leitor tivesse de escrever a decisão após ter lido a fundamentação, concluiria no mesmo sentido que consta do dispositivo da sentença sob recurso, isto é, a conclusão (decisão) da sentença é a esperada face às premissas que o juiz fez constar da fundamentação.
Quando a parte discorda da fundamentação indicada na sentença, por exemplo, devido a eventual errada aplicação do direito aos factos, tal discordância insere-se na questão jurídica de fundo, de mérito, mas não respeita a matéria de natureza processual, como é o caso das nulidades de sentença.
Improcede, por conseguinte, a invocada nulidade de sentença.
2 – Indeferimento da reclamação do Autor quanto ao conteúdo da base instrutória.
a) O Autor pretende o seguinte:
– Que se acrescente à redacção da al. E) dos factos assentes, no final do seu teor, a seguinte expressão «conforme sua descrição na Conservatória do Registo Predial».
O tribunal indeferiu esta pretensão referindo que «Quanto à alteração da redacção da Alínea E) dos Factos Assentes, não se vê qualquer utilidade na mesma, designadamente porque da alínea em questão consta a referência ao título constitutivo da propriedade horizontal».
A al. E) tem a seguinte redacção:
«Nos termos do título constitutivo da propriedade horizontal, a fracção propriedade dos Réus, é constituído, para além do mais, por um terraço, do lado Nascente, ao nível do 4.º andar».
Tem alguma utilidade fazer constar da dita alínea que o título constitutivo da propriedade horizontal se encontra registado.
Por isso, será acrescentado o segmento pretendido na al. E).
– Que deve constar dos factos assentes o teor dos artigos 10.º e 14.º da p.i., aditando-se novas alíneas, imediatamente antes da al. H).
Os factos 10.º e 14.º são estes:
«10º Sucede que, a partir daí, e posteriormente, começaram a surgir humidades, cada vez mais frequentes, nos tectos e paredes de toda a zona de quartos da fracção/ habitação do A., ou seja começaram a surgir bolores, humidades e até queda de água nos 4 quartos que compõem a parte Este da fracção do A. e cuja cobertura corresponde ao aludido terraço ao nível do 4º andar, que é parte integrante da fracção dos 1ºs RR.
14º No ano de 2004, verificando-se algumas patologias/ avarias no imóvel, nomeadamente de falta de impermeabilização ao nível de coberturas e fachadas, os condóminos do referido prédio, deliberaram a realização de obras de significativa dimensão».
O tribunal indeferiu esta pretensão referindo o seguinte:
«Relativamente à factualidade do art. 10º da Petição, a mesma encontra-se vertida, na parte relevante, no Item 3º da Base Instrutória. Por outro lado, não se poderá incluir a mesma nos Factos Assentes por estar impugnada pelos Réus, designadamente nos art. 9º da Contestação do Réu D… e 59º da Contestação da Ré C….
Quanto à factualidade do art. 14º da Petição Inicial, a mesma encontra-se já vertida, na parte relevante, na alínea AA) dos Factos Assentes. De qualquer modo, se o Autor entender que, complementarmente, interessa a prova da
deliberação do Condomínio referida, poderá juntar aos autos cópia da respectiva Acta».
Verifica-se que efectivamente a matéria do artigo 10.º da petição foi impugnada nos termos referidos no despacho recorrido, razão que impede a sua especificação como «provada».
A matéria do artigo 14.º da petição encontra-se suficientemente referida na al. AA) da base instrutória.
Indefere-se esta pretensão.
– Quanto à alínea L), solicita que se acrescente a expressão «tendo sido feita nova participação pelo A. em Setembro de 2006».
Não pode ser satisfeita tal pretensão porque o Réu D… impugnou tal matéria no art. 9º da sua Contestação e a Ré C… no art. 105º da sua Contestação, tendo tal matéria passado a fazer parte do artigo 9.º da base instrutória.
Indefere-se a pretensão.
– O recorrente pretende que se elimine a matéria da alínea R) por não ter interesse para os presentes autos, o mesmo ocorrendo em relação às alíneas U), V), X), Z) e BB.
Não se concorda com a pretensão, pois tais factos sempre terão, pelo menos, a utilidade de contribuírem para a compreensão de toda a problemática factual.
– Que seja aditada uma nova alínea aos factos assentes com a matéria do art. 69.º da p.i. e documentos juntos aos autos, nomeadamente documento junto com a p.i. sob o n.º 4, por ser matéria aceite pelas partes.
O artigo 69.º tem o seguinte teor «Por defeito/ avaria de impermeabilização do referido terraço, resultante de obra nova ou falta de conservação, verificaram-se e verificam-se infiltrações de águas na zona de quartos, em especial no quarto designado suite».
Não assiste razão ao Autor.
Tal matéria encontra-se dispersa pelos pontos de facto n.º 3º, 4º, 6º, 10º, 11º, 17º, 18º, 19º, 21º e 32º da base instrutória, tratando-se de matéria impugnada pelos Réus.
– Que se leve aos factos assentes a matéria dos artigos 12.º e 13.º da p.i..
Estes artigos têm a seguinte redacção:
«12 - O referido condomínio constituído pelos proprietários de todas as fracções, incluindo o aqui A. e os RR., há vários está dotado do competente regulamento» e
«13º Sendo certo que a sociedade, 2ª Ré, “O…, Lda.”, é a actual administradora do referido imóvel, como sempre foi ao longo dos últimos anos e durante os períodos a que se reportam os factos em questão nestes autos – doct. nº 3 ao diante junto ….».
Como o condomínio já não é parte nos autos, a matéria indicada é dispensável, não se levando aos factos provados, indeferindo-se assim tal pretensão.
3 – Junção de documentos – Indeferimento. A decisão de indeferimento quanto à junção de documentos requerida pelo Autor foi proferida na audiência de 6 de Junho de 2015.
O Autor recorre deste indeferimento no recurso que interpôs da sentença.
Relativamente a esta matéria não assiste razão ao Autor.
Com efeito, a decisão de indeferimento foi proferida já no domínio de vigência do actual Código de Processo Civil, o qual entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2013, aplicando-se ao caso o novo Código de Processo Civil (cfr. artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).
Nos termos da al. d), do n.º 2 e n.º 3 do artigo 644.º e 638.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o recurso do despacho que rejeite algum meio de prova sobe imediatamente e o prazo para recorrer é de 15 dias.
Por conseguinte, tal despacho transitou em julgado antes do Autor ter interposto recurso do mesmo.
Improcede, por conseguinte, esta pretensão do Autor.
4 – Recurso da matéria de facto.
Na perspectiva do Autor, o tribunal da 1.ª instância deveria ter dado como integralmente provada, portanto sem restrições, a matéria de facto dos pontos 3, 5, 6, 7, 20, 22 e 28 da base instrutória.
Em síntese, está em questão saber em que data surgiram os primeiros problemas
de infiltrações na fracção do Autor, sendo que este imputava os primeiros incidentes às obras realizadas pelos Réus, enquanto os Réus sustentam que as infiltrações na habitação do Autor se iniciaram a partir de 1997, após a intervenção de terceiros (as empresas I…», «H…» e «N…»).
E trata-se também de saber quando é que o Autor comunicou aos Réus tais infiltrações.
Vejamos então.
Facto n.º 3 da base instrutória.
Tem este teor: «A partir do aludido em G), começaram a surgir bolores, humidades, e até queda de água, nos 4 quartos que compõem a parte Este da fracção do A. e cuja cobertura corresponde ao aludido terraço ao nível do 4.º andar?».
O tribunal julgou provado o seguinte:
«Provado que a partir de data concretamente não determinada começaram a surgir bolores, humidades e até queda de água, nos quatro quartos que compõem a parte Este da fração do autor e cuja cobertura corresponde ao terraço referido na alínea E) da matéria de facto assente».
Ou seja, o tribunal não declarou provado que o aparecimento de «bolores, humidades e até queda de água» nos quatro quartos situados sob o terraço tenham surgido após as obras que os Réus fizeram na sua fracção.
A justificação dada pelo tribunal foi esta:
«Quanto à materialidade vertida nos factos controvertidos nºs 3, 4, 21, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 29, 30, 33, 35, 36, 39, 40, 41, 52 e 53, a resposta dada estribou-se primordialmente na perícia colegial realizada no âmbito do presente processo (cfr. fls. 941 a 956), em cujo relatório se evidenciam, de forma circunstanciada, as patologias existentes no interior da fração do demandante, aí se esclarecendo outrossim as causas próximas das infiltrações que se registam nessa fração, que terão origem, designadamente, no terraço nascente da fração P, onde constataram, nomeadamente, paredes exteriores e muretes deteriorados, fissurados e mal isolados e bem assim problemas nas telas asfálticas e na sua colocação com inerente fissuração das mesmas, com comprometimento da sua impermeabilização».
E «…no que tange à facticidade plasmada na primeira parte do facto controvertido nº 3, os elementos probatórios que foram carreados para os autos não permitem razoavelmente concluir que as obras que foram levadas a cabo pelos réus no final da década de 80 tenham estado na génese do problema de infiltrações que se registam no interior da fração do autor. De facto, retirando o depoimento prestado por J… (esposa do autor, a qual prestou depoimento marcadamente emotivo e que, sobre este aspeto, se nos revelou pouco consistente) e as declarações de parte prestadas pelo próprio autor, os quais referiram que o início das infiltrações terão ocorrido concomitantemente com a realização das aludidas obras, nenhuma outra prova foi produzida que permitisse confirmar tal afirmação de facto. Aliás, algumas das testemunhas arroladas pelo demandante (v. g. P… e L…) ligam o início da ocorrência de infiltrações às obras que foram executadas (durante o ano de 1997) pela sociedade I…, Lda., mas com particular incidência a partir de 2003/2004, afirmação esta confirmada pelas testemunhas S… (com ligação à administração do condomínio desde 1999/2000 e que é presentemente administradora do mesmo) e T… (que reside no imóvel há mais de trinta anos, tendo desenvolvido a função de administrador do condomínio ainda antes da intervenção levada a cabo pela I…), que adiantaram ainda que o problema das infiltrações se registou então em diversas outras frações autónomas que compõem o edifício em questão; ainda a este propósito haverá que ressaltar o depoimento prestado pela testemunha M… (que, como se referiu, conduziu os trabalhos que foram executados na fração P em 1989/1990), o qual afiançou que os serviços então realizados foram devidamente executados, tendo sido inclusive efetuado o reforço das telas de impermeabilização junto das soleiras de acesso à sala e ao escritório dessa fração. De igual modo, não resultou outrossim da prova testemunhal produzida no âmbito do presente processo que o ajuizado terraço apresentasse falta de limpeza, mormente no concernente a ausência de retirada de folhas caídas de plantas aí existentes, sendo que, ainda assim, conforme adiantado pela testemunha M…, jamais uma situação dessa natureza (isto é, de acumulação de folhas no terraço) seria passível de gerar as infiltrações registadas no interior da fração do autor.
Porque assim, na ausência de outros subsídios probatórios mais consistentes e atentas as implicações neste domínio do princípio plasmado no art. 414 do Cód. Processo Civil, propendemos, pois, para dar como não demonstrada a afirmação de facto constante do referido segmento do facto controvertido nº 3».
O Autor pretende que se responda ao quesito afirmando que as infiltrações na sua fracção tiveram início a partir do momento em que os Réus fizeram obras no
prédio, antes de terem ido viver para lá, sendo tais obras datadas entre os anos 1989 e 1991/1992.
O Autor justifica a alteração da resposta com base no seu próprio depoimento, no da sua esposa J…, ouvida como testemunha, e do próprio réu D….
Efectivamente a sua esposa referiu que logo após as obras realizadas pelos Réus começaram a surgir infiltrações.
Referiu isso aos minutos 05:12 (foi a partir do berbequim que as infiltrações começaram; dois anos após os Réus terem ido viver para o andar e ter levantado o pavimento (minuto 05:22 e 26:05); começamos a ver manchas de água nos tectos e nas paredes de água e depois a situação foi piorando. Minuto 41:47 (quando vivia lá o Dr. U… não havia infiltrações). Minuto 55:40 (até o Sr. D… (o réu) ter começado com as obras não tinham existido infiltrações.
Invoca também a seu favor o depoimento do Réu, o qual entre o minuto 10:30 e o minuto 11:10 referiu que antes de ir residir para a sua fracção (P) colocou novas soleiras e janelas duplas nas janelas da fracção, mas sem retirar as soleiras que já lá estavam. Tendo referido ao minuto 20:00 que criou também um degrau na zona das soleiras das aberturas que davam acesso ao terraço, para evitar que a água que se acumulasse no terraço entrasse para dentro de casa, tendo sido isolado tudo com tela asfáltica, ficando, por isso, mais reforçada a impermeabilização do terraço, sem ter mexido no resto da área do terraço impermeabilizada (minuto 32:25), tendo acrescentado (minuto 21:30) que até à ocorrência da primeira intervenção por parte de uma empresa contratada pelo condomínio não teve qualquer notícia de terem existido qualquer infiltração de água.
No essencial é esta a prova disponível para se poder afirmar positivamente que as infiltrações começaram logo após os Réus terem feito obras na sua fracção.
Afigura-se, no entanto, que estes elementos probatórios são insuficientes, pelas seguintes razões:
Em primeiro lugar, cumpre referir que a testemunha J… é esposa do autor e, como tal, tem interesse em que a acção tenha um desfecho favorável ao seu marido.
Esta circunstância exige que o depoimento, mais que outros que não apresentam esta circunstância, seja corroborado por outros elementos probatórios e pelas regras da experiência.
Tal pode ter ocorrido ou não e, em caso afirmativo, embora não seja exactamente isso que se pergunta no quesito, ainda seria necessário estabelecer um nexo de causalidade entre tais obras e as infiltrações, sendo certo que o autor não identifica as obras que foram feitas,
Mas não há dúvida que existiram e ainda existirão infiltrações e que em 1997 o condomínio contratou uma empresa (a I…) para fazer obras no prédio, incluindo obras destinadas a sanar as infiltrações aqui em causa.
Verifica-se que para além das palavras da testemunha J… não há outros elementos de prova que permitam formar uma convicção positiva no sentido de que as infiltrações começaram logo após a realização das obras por parte dos Réus.
Em segundo lugar, as obras destinadas a solucionar as infiltrações, assim como outro tipo de intervenções, só ocorre em 1997, mais ou menos 5 anos depois de terem surgido as infiltrações referidas pelo Autor.
É certo que a testemunha J… explicou que este tempo foi necessário porque foi preciso convencer alguns condóminos a participar em despesas em relação às quais não se sentiam responsáveis (cfr. minuto 42:00 a 45:00), mas não deixa de ser um período longo para resolver um problema que em princípio seria urgente, o que indicia que as infiltrações possam ter tido uma evolução lenta e com origem na degradação da impermeabilização
Em terceiro lugar, não há dúvida que as despesas foram suportadas por todos os condóminos o que também indicia que não foram imputadas responsabilidades aos Réus nas apontadas infiltrações.
A testemunha J… explicou esta comparticipação de todos com o facto de serem «meia dúzia de condóminos» e das pessoas «não quererem problemas» (minuto 27:33), mas não se afigura que esta explicação seja suficiente para dissipar a dúvida que fica indicada.
Em quarto lugar, não há prova que mostre ter existido levantamento do pavimento do terraço afecto à fracção P (dos Réus), o que seria facilmente demonstrável, pois o pavimento seria diverso do original e não seria porventura difícil verificar tal facto.
Ora, não existe prova no sentido do pavimento ter sido levantado. Por isso, torna-se difícil formar a convicção no sentido de que as humidades no piso dos Autores resultaram de obras feitas pelos Réus na área do terraço.
Em quinto lugar, a prova pericial realizada nos autos, com a finalidade de estabelecer a origem ou causa das infiltrações, não indicou como causas factos ligados ao levantamento do pavimento ou colocação de um degrau na entrada entre o terraço e a parte coberta da fracção dos Réus.
Com efeito, a resposta ao quesito 4.º da peritagem foi a seguinte:
«Acabamentos das saídas e entradas de tubos de queda de águas pluviais, atravessando paredes ou muretes, partidos, deteriorados e mal isolados (Fig. 7, Fig. 8, Fig. 9 e Fig. 10) com consequente entrada de água sob as telas»;
«Descarga directa de tubos de queda de águas pluviais sobre os terraços sem caixas de recepção, respingando as paredes/muretes adjacentes Fig. 11) e ralos executados sem a respectiva caixa sob o mosaico»;
«Foram detectadas fissuras generalizadas nos muretes de protecção ao terraço do 4.º andar, lado nascente do prédio, levando à entrada de água, destacando-se ainda a colocação das telas asfálticas à superfície dos alçados de alvenaria, nomeadamente nas respectivas dobras (destacadas dos alçados de alvenaria), com as inerentes consequências de fissuras nas próprias telas asfálticas»;
«Foram detectadas várias fissuras nas paredes exteriores do perímetro dos terraços levando à entrada de água, com as patelas/pedras de ardósia/lousa colocadas no peitoril destacadas do seu local de execução (Fig. 13). No foi feliz a opção por este tipo de pedra atendendo à sua porosidade e às condiç8es climatéricas normais junto do Mar nem a sua colocação foi das melhores atendendo às fissuras detectadas nas suas juntas».
«Foram ainda detectados ferimentos da impermeabilização dos muretes (Fig. 14)».
Ora, com certeza suficiente, apenas se pode concluir que os Réus colocaram janelas duplas e colocaram um degrau na abertura que dava acesso, a partir do interior da fracção, ao terraço.
A prova pericial não indicou como causas das infiltrações patologias ligadas às janelas e ao referido degrau.
Não é, por isso, possível estabelecer um nexo de causalidade entre estas obras feitas pelos Réus e as causas apontadas para as infiltrações.
Em sexto lugar, cumpre ter em consideração que a factualidade mencionada no facto a provar n.º 3 não foi tida como relevante pelo autor, pois os danos que essas primeiras obras feitas pelos Réus terão causado na sua fracção, segundo ele próprio referiu, nem estão em causa na acção.
Com efeito, na réplica que apresentou em 15 de Setembro de 2009, o autor referiu nos artigos 136.º a 139.º isso mesmo, ao dizer:
«136º - Ora, não estão aqui em causa as obras que os 1ºs RR. efectuaram em 1989, impugnando-se, de resto, a data (que o A. já não recorda).137º - O que está em causa é a responsabilidade dos 1ºs RR. pela falta de permanente conservação e adequada utilização ao longo dos anos, até ao presente, do referido terraço. 138º - Não podendo deixar de referir-se que o A. apenas peticiona prejuízos posteriores a 2006».
Por conseguinte, face à posição do autor, a terem existido infiltrações após as primeiras obras feitas pelos Réus estas terão tido pouco relevo.
Quer pelas razões indicadas pelo tribunal de 1.ª instância, acima transcritas, quer pelas acabadas de indicar, concorda-se com a resposta dada pelo tribunal ao quesito 3.º, no sentido de permanecer a dúvida sobre se as infiltrações começaram logo após a realização pelos Réus de obras na fracção «P» que adquiriram.
Mas para que não existam contradições na matéria de facto deve harmonizar-se esta resposta com a que será dada ao quesito 22.
Com efeito, resulta suficientemente provado que existiram infiltrações de água em toda a zona de quartos, que provocaram bolores, manchas, apodrecimento de estuques de paredes e tetos, pelo menos desde Março de 1997.
Com efeito, é consensual (ver als. U) e AA) dos factos assentes - base instrutória) que em Março de 1997, foi celebrado entre o condomínio do prédio e a sociedade
«I…» um contrato de empreitada e um dos trabalhos a executar foi precisamente a impermeabilização do terraço dos Réus.
E em Julho de 2004, o Condomínio adjudicou à empresa H…» outra empreitada que teve também, entre outros trabalhos, por objecto, a realização do mesmo tipo de trabalho de impermeabilização do terraço dos Réus de modo a estancar as infiltrações para a fracção do Autor.
Por conseguinte, estas empreitadas prevendo estes trabalhos corroboram as afirmações do Autor e da esposa, a testemunha J…, não se afigurando que existam dúvidas relevantes sobre estas datas.
Por isso, é facto certo que em 1997 já se verificavam as referidas infiltrações na fracção do Autor.
Pelo exposto, altera-se a resposta a este quesito cuja redacção passará a ser esta:
«Provado que em Março de 1997 existiam bolores, humidades e até queda de água, nos quatro quartos que compõem a parte Este da fração do autor e cuja cobertura corresponde ao terraço referido na alínea E) da matéria de facto assente».
Factos n.º 5, 6, 7 e 20 da base instrutória
O quesito 5.º tem esta redacção: «5.º - Em Março de 2006, surgido o problema (artigos 4.º e 5.º), foi ele de imediato comunicado ao Réu D…, que nada referiu?».
A resposta foi: «provado o que resulta das alíneas H) e I) da matéria de facto assente»
Das alíneas H) e I) conta o seguinte:
Al. H) - «O Autor comunicava aos Réus o aparecimento de humidades e infiltrações na parte da zona dos quartos da sua fracção».
Al. I) - «Em Março de 2006, foi o problema comunicado à Ré C…, que nada referiu».
O quesito 6.º da base instrutória tem esta redacção: «6.º - Após o Verão de 2007, o problema reapareceu?».
A resposta foi esta: «provado que após o verão de 2007 registaram-se humidades e infiltrações na zona de quartos da fração do autor».
O quesito 7.º da base instrutória tem esta redacção: «7.º - O A. insistiu com a "H.." para que o reparasse e de conhecimento do facto ao Réu D…?».
A resposta foi esta: «provado que o autor insistiu com a “H…” para que procedesse à reparação do problema de humidades e infiltrações referido na resposta ao facto controvertido nº 6».
O quesito 20.º da base instrutória tem esta redacção: «20.º - O facto foi, de novo, participado ao Réu D…?».
A resposta foi esta: «provado o que resulta das alíneas H) e I) da matéria de facto assente».
Sobre a matéria relativa à informação dada pelo Autor e esposa aos Réus, acerca das infiltrações e suas consequências devem manter-se as respostas dadas, ou seja, deve responder-se como consta da alínea H) dos factos provados constante da base instrutória, isto é, «O Autor comunicava aos Réus o aparecimento de humidades e infiltrações na parte da zona dos quartos da sua fracção».
Nada mais há a acrescentar.
Facto n.º 22 da base instrutória
Tem esta redacção: «22.º - Pelo menos desde 2004, as referidas infiltrações de água em toda a zona de quartos (4 quartos e um corredor na fracção do A.), provocam persistentes bolores, manchas, apodrecimento de estuques de paredes, tectos e caixilharias de madeira, e bem assim com precoce oxidação dos puxadores?».
A resposta foi esta: «provado que, desde data concretamente não apurada, as referidas infiltrações de água em toda a zona de quartos provocam bolores, manchas, apodrecimento de estuques de paredes e tetos».
Quanto a esta matéria deve considerar-se provado o que já consta da resposta dada acima ao quesito 3.º, mas agora limitada à época referida no quesito, isto é 2004, pois é desta época que se trata, mas não no que respeita a caixilharias de madeira e oxidação de puxadores, pois a fundamentação da impugnação da matéria de facto feita pelo autor não especifica razões para considerar provados
estes aspectos factuais.
Por conseguinte, a redacção ficará a ser esta: «Em 2004 as referidas infiltrações de água continuaram a provocar em toda a zona de quartos bolores, manchas, apodrecimento de estuques de paredes».
Facto n.º 28 da base instrutória
Tem esta redacção: «28º - Uma habitação com as características da habitação do A. (T4+ 1), com a área de cerca de 200 m2, não é possível arrendar por menos de 1.500 Euros/ mês?».
A resposta foi esta: «provado que na zona onde se situa a fração do autor, a renda de um imóvel destinado a habitação com a área de 200 m2 e com um lugar de garagem, sem padecer de quaisquer patologias, cifra-se num montante mensal não inferior a € 1.500,00».
Trata-se da resposta adequada, pois estamos a falar do andar concreto dos autores e só um andar com as características dele, mas sem as patologias que apresenta (ou apresentava), poderia ser arrendado mensalmente por a €1.500,00».
É esta a resposta dos peritos ao quesito da peritagem n.º 28, quando referiram que «No estado físico actual da fração os peritos não crêem que seja possível contratar qualquer contrato de arrendamento habitacional. Contudo, na envolvente (…), uma habitação com a área de cerca de 200m2 e com um lugar de garagem, sem padecer de quaisquer patologias, é credível o valor apontado de 1.500,00 euros por mês, para efeitos de arrendamento».
Mantém-se a resposta.
c) Matéria de facto provada (com as alterações introduzidas)
1- O Autor é, desde Fevereiro de 1984 e até ao presente, o único e exclusivo dono de uma fracção destinada a habitação designada pela letra «M», correspondente ao 3.º andar direito com entrada pelo n.º … do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua …, … a …, …. Porto, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob a ficha n.º 1295/20080227, com inscrição da propriedade horizontal n.º 15923 a fls. 104-v do Livro F-24 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o art. 2376, fracção essa correspondente a uma habitação tipo T4 + 1 (alínea A) da matéria de facto assente).
2- Os Réus são, desde Fevereiro de 1989, e até ao presente, os proprietários de uma fracção destinada a habitação designada pela letra «P», correspondente ao 4.º andar direito com entrada pelo n.º … do referido e mesmo prédio urbano (alínea B) da matéria de facto assente).
3- O prédio sito na Rua …, …/…, no Porto, encontra-se, desde 1983, constituído em propriedade horizontal, conforme escritura lavrada no 2.º Cartório Notarial do Porto, no dia 26 de Abril de1983, a fls. 74 Vº a 76 do Livro D-65, devidamente registada na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 15923 a fls. 104-v do Livro F-24 (alínea C) da matéria de facto assente).
4- A fracção dos Réus corresponde à habitação localizada por cima da fracção do Autor (alínea D) da matéria de facto assente).
5- Nos termos do título constitutivo da propriedade horizontal, a fracção propriedade dos Réus, é constituído, para além do mais, por um terraço, do lado Nascente, ao nível do 4.º andar, conforme sua descrição na Conservatória do Registo Predial (alínea E) da matéria de facto assente).
6- O referido terraço corresponde, por outro lado, à «cobertura» da zona de quartos da fracção do A. (alínea F) da matéria de facto assente).
7- Há alguns anos atrás, os Réus levaram a efeito obras na sua fracção (alínea G) da matéria de facto assente).
8- O Autor comunicava aos Réus o aparecimento de humidades e infiltrações na parte da zona dos quartos da sua fracção (alínea H) da matéria de facto assente).
9- Em Março de 2006, foi o problema comunicado à Ré C…, que nada referiu (alínea I) da matéria de facto assente).
10- O Autor deu conhecimento à Ré C… do reaparecimento da humidade e de ter insistido com a «H…» para a respectiva reparação (alínea J) da matéria de facto assente).
11- Em Abril de 2008, o Autor deu conhecimento à Ré C… de que reapareceram, de novo, humidades nos tetos dos quartos e, no que concerne ao quarto suite, pelo lado Norte, pingava mesmo água do teto (chovia no quarto) (alínea L) da matéria de facto assente).
12- O Autor deu conhecimento à Ré C… da carta datada de 2 de Abril de 2008, que faz fls. 92 a 94 (alínea M) da matéria de facto assente).
13- Nem os Réus, nem ninguém por eles, se deslocaram ao local para proceder à vistoria, a efectuar por um representante do Autor e por um da «H…» (alínea N) da matéria de facto assente).
14- O Autor enviou à Ré C… a carta que faz fls. 109 dos autos (alínea O) da matéria de facto assente).
15- O Autor não tem acesso ao 4.º andar (alínea P) da matéria de facto assente).
16- O teto de cobertura da fracção do Autor, na parte Este (junto à Rua …), a que corresponde à zona de quartos é composto pela placa de pavimento do 4.º andar contíguo (por cima) à habitação do A. (alínea Q) da matéria de facto assente).
17- Os Réus encontram-se divorciados, por sentença datada de 12 de Março de 2007, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.º 376/06.6TMPRT, o qual correu termos na 2.ª secção do 2.º juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto (alínea R) da matéria de facto assente).
18- O terraço que se situa ao nível da fracção autónoma da Ré e que serve de cobertura à zona dos quartos no interior da fracção autónoma do Autor é de uso exclusivo dos proprietários da referida fracção «P» e a ele apenas se acede pelo interior dessa fracção (alínea S) da matéria de facto assente).
19- Situa-se o terraço em apreço ao nível do piso da fracção «P», constituindo um seu prolongamento e servindo, ao mesmo tempo, de cobertura parcial à fracção autónoma propriedade do Autor (alínea T) da matéria de facto assente).
20- Em Março de 1997, foi celebrado entre o Condomínio do prédio e uma sociedade denominada por «I…, Lda.» um contrato de empreitada, o qual teve por objecto o edifício descrito nos autos, e, concretamente, a impermeabilização dos terraços e coberturas adjacentes à fracção autónoma do Autor e dos Réus (alínea U) da matéria de facto assente).
21- Por terem sido deficientemente executadas as obras por si contratadas, o Condomínio protagonizou uma iniciativa judicial contra a identificada «I…, Lda.», a qual correu termos na 5.ª Vara Cível do Porto, 1.ª Secção, sob o n.º 638/99 (alínea V) da matéria de facto assente).
22- Nessa acção judicial pediu a 2.ª Ré a resolução do contrato de empreitada celebrado com a dita «I…» e a sua condenação no pagamento de indemnização de cerca de € 60.000,00 (alínea X) da matéria de facto assente).
23- A decisão judicial da referida acção judicial declarou resolvido o referido contrato de empreitada e condenou a falada «I…» no pagamento à aqui 2.ª Ré do montante de €49.879,79, valor a que acresciam juros à taxa legal então em vigor (alínea Y) da matéria de facto assente).
24- Determinou ainda a decisão judicial proferida que seria relegada para execução de sentença a liquidação do valor de outros danos sofridos no interior das fracções após a sua impermeabilização pela dita «I…», até ao limite de €9.975,96 (alínea Z) da matéria de facto assente).
25- Em Julho de 2004, o Condomínio adjudicou à «H…, Lda.» a empreitada cuja cópia faz fls. 45 a 83 dos autos.
Através de circular datada de 2 de Agosto de 2004, o Condomínio comunicou a todos os condóminos do edifício a adjudicação dessa empreitada (alínea AA da matéria de facto assente).
26- Através de circular datada de 16 de Novembro de 2004, o Condomínio deu nota a todos os condóminos que a obra contratada à «H…» havia terminado e solicitou a todos os condóminos que apresentassem «…por escrito, no prazo de dez dias, todas as reclamações ou vícios quanto à obra realizada» (alínea BB) da matéria de facto assente).
27- O Autor é casado com J…, sendo que o seu agregado familiar é constituído por ambos os cônjuges e seus 2 filhos, V…, com 21 anos de idade e W…, com 19 anos de idade, ambos estudantes (resposta ao facto controvertido n.º 1).
28- Desde que o Autor adquiriu a referida fracção, ela é residência habitual, no Porto, do seu agregado familiar (resposta ao facto controvertido nº 2).
29 - Em Março de 1997 existiam bolores, humidades e até queda de água, nos 4 quartos que compõem a parte Este da fração do autor e cuja cobertura corresponde ao terraço ao nível do 4.º andar (resposta ao facto controvertido nº 3).
30 - Sempre que chovia com mais quantidade, as humidades e infiltrações vindas do terraço do 4.º andar, continuavam a aparecer na parte da zona de quartos da fracção do A. (resposta ao facto controvertido nº 4).
31 - Após o verão de 2007 registaram-se humidades e infiltrações na zona de quartos da fracção do autor (resposta ao facto controvertido nº 6).
32 - O Autor insistiu com a «H…» para que procedesse à reparação do problema de humidades e infiltrações referido em 31.º (resposta ao facto controvertido n.º 7).
33 - Em Abril de 2008, tendo chovido com alguma frequência, reapareceram, de novo, humidades nos tetos dos quartos (resposta ao facto controvertido n.º 10).
34 - E no que concerne ao quarto suite, pelo lado Norte, pingava mesmo água do teto (chovia no quarto) (resposta ao facto controvertido n.º 11).
35 - Em outubro/novembro de 2008, a «H…» deslocou técnicos ao terraço do 4.º andar do prédio sito na Rua …, nºs …/…, tendo constado que, por lapso, não haviam impermeabilizado uma caleira ou conduta de águas (resposta ao facto controvertido n.º 12).
36 - Procederam então aos referidos trabalhos, no final de 2008, ficando o Autor a aguardar até aos primeiros meses de 2009 – época das chuvas – com vista a saber se efectivamente a impermeabilização havia sido conseguida (resposta ao facto controvertido nº13).
37 - E, de facto, no quarto suite da habitação do A., a partir daí deixou de verificar-se pingos de queda de água do piso superior (terraço do 4.º andar) (resposta ao facto controvertido n.º 14).
38 - Em 2008, o Autor reparou toda a parte Este da sua habitação – 4 quartos, corredor e duas casas de banho - respectivas paredes, tetos, caixilharias, madeiras (resposta ao facto controvertido n.º 15).
39 - Ficando com o teto do seu quarto/suite, a aguardar a solução do problema para conclusão das obras de reparação, (com uma área sem estuque nem reboco, com a laje à vista), situação que perdura até hoje (resposta ao facto controvertido n.º 16).
40 - Em Agosto de 2009, voltou a chover no quarto/ suite do A. (pinga água no quarto, na cama e mesinhas de cabeceiras) (resposta ao facto controvertido n.º 17).
41 - No quarto do filho do Autor continuam a surgir humidades (resposta ao facto controvertido nº 21).
42 – Em 2004 as referidas infiltrações de água continuaram a provocar em toda a zona de quartos bolores, manchas, apodrecimento de estuques de paredes (resposta ao facto controvertido n.º 22).
43 - No que toca às paredes e tetos dos 4 quartos, o Autor removeu os rebocos e estuques apodrecidos, de novo e massa das paredes e tetos e procedeu-se à pintura dessas áreas, tendo sido reparadas as caixilharias de madeira deterioradas (resposta ao facto controvertido n.º 23).
44 - Os trabalhos de carpintaria ascenderam ao valor de 2.100,00 Euros (resposta ao facto controvertido n.º 24).
45 - Os trabalhos de trolha e pintura (massas e pinturas) ascenderam a um valor de cerca de € 2.000,00 (resposta ao facto controvertido n.º 25).
46 - Por outro lado, sofreram também precoce degradação os estores e as fitas das persianas (respeitantes a essas 4 dependências de quartos) (resposta ao facto controvertido nº 26).
47 - A sua reposição, ou substituição, implicou um encargo de pelo menos 1 800,00 Euros (resposta ao facto controvertido nº 27).
48 - Na zona onde se situa a fracção do autor, a renda de um imóvel destinado a habitação com a área de 200 m2 e com um lugar de garagem, sem padecer de quaisquer patologias, cifra-se num montante mensal não inferior a €1.500,00 (resposta ao facto controvertido nº 28).
49- Frequentemente, tinham as paredes e tetos com bolores e permanentes infiltrações de água (resposta ao facto controvertido nº 29).
50 - Os estuques do teto apodreceram e pelo menos em 2 quartos – o quarto do
A. e o quarto do seu filho W… – ameaçaram queda dos respetivos estuques (resposta ao facto controvertido nº 30).
51- Com frequência, os filhos do A., em especial seu filho W…., que sofre de asma alérgica, via-se (e vê-se) impedido de dormir no seu quarto, tendo que pernoitar na habitação de seus avós, que se localiza no mesmo prédio, no 1º andar (resposta ao facto controvertido nº 31).
52- Por largos períodos, chovia no quarto principal da habitação do A. (resposta ao facto controvertido nº 32).
53- Para a realização das obras de reparação referidas em 43º foram necessários, pelo menos, quinze dias (resposta ao facto controvertido nº 33).
54- Para o efeito, o A. e seu agregado familiar tiveram que retirar o mobiliário desse sector para o outro sector da casa, a qual ficou entregue aos técnicos da construção civil para realizarem a obra (resposta ao facto controvertido nº 34).
55- A verificação de humidades e o aspecto desagradável das paredes e tetos provocam angústias e padecimentos no A., e seu agregado familiar (resposta ao facto controvertido nº 35).
56- Uma das divisões da fracção do autor esteve adaptada a escritório (resposta ao facto controvertido nº 36).
57- O aspecto da área e a redução das condições de habitabilidade dificultavam e dificultam que os filhos do A. recebessem amigos e colegas e desenvolvessem a sua actividade normalmente (resposta ao facto controvertido nº 37).
58- Pelo que tiveram que transferir o seu local de estudo para uma varanda (marquise) próxima da sala de estar (resposta ao facto controvertido nº 38).
59- Concluída que seja a reparação, haverá necessidade de proceder à substituição do parquet do quarto suite da fracção do A. (pelo menos) (resposta ao facto controvertido nº 39).
60- E a novas reparações nos tetos, paredes, caixilharia de madeira (resposta ao facto controvertido nº 40).
61- E nova pintura da referida área da casa (100 m2) (resposta ao facto controvertido nº 41).
62- Com a água que pinga no referido pavimento e com o apodrecimento de estuques o referido parquet da parte Este da casa do A. foi danificado (resposta ao facto controvertido nº 42).
63- O Autor teve despesas destinadas a financiar acções judiciais e extrajudiciais dos efeitos desses comportamentos (resposta ao facto controvertido nº 43).
64- Teve de proceder a buscas, deslocações, solicitar serviços de terceiros e perder tempo (resposta ao facto controvertido n.º 44).
65- Tem ainda de suportar os custos associados à prestação de serviços por Advogados e outros mandatários, às acções judiciais, a pagamento de preparos e custas e à obtenção de outros documentos oficiais (resposta ao facto controvertido nº 45).
66- No ano de 1989, os RR realizaram obras de conservação da fracção, tendo reforçado as telas de revestimento do aludido terraço junto às soleiras de acesso à sala e ao escritório da fracção (resposta ao facto controvertido nº 46).
67- Desde 18 de Novembro de 2002, os RR encontravam-se separados de facto, tendo o Réu marido, desde então, deixado de usar e fruir a fração sua propriedade (resposta ao facto controvertido nº 47).
68- A fracção dos RR, desde 18 de Novembro de 2002, vem sendo ocupada e administrada em exclusivo pela Ré C… (resposta ao facto controvertido nº 48).
69- A fracção foi usada pela Ré mulher até Março de 2005 para sua habitação própria (resposta ao facto controvertido nº 50).
70- O revestimento dos pavimentos da fracção autónoma propriedade dos Réus é em madeira (resposta ao facto controvertido nº 52).
71- Para além da “I…”, deu-se uma outra intervenção técnica posterior, a qual visou eliminar parte das patologias que o edifício apresentava, designadamente ao nível da impermeabilização dos terraços de cobertura (resposta ao facto controvertido nº 53).
72- A qual ocorreu em 2001 e foi da autoria de uma sociedade denominada por “N…” (resposta ao facto controvertido nº 54).
73- Uma vez mais contratada pelo Condomínio do prédio (resposta ao facto
controvertido nº 55).
74- Pelo Condomínio foi enviada a todos os condóminos do prédio descrito nos autos, a comunicação que faz fls. 292 dos autos (resposta ao facto controvertido nº 56).
75- Na sequência da solicitação aludida em 26º, a Ré C… dirigiu ao Condomínio, em 21NOV2005, as reclamações constantes do Doc. de fls. 299 (resposta ao facto controvertido nº 57).
76- Por contrato celebrado em 24NOV2005, a Ré C… deu de arrendamento a fracção autónoma de que é proprietária a X… e Y… (resposta ao facto controvertido nº 58).
77- A relação arrendatícia então firmada teve início em 01JAN2006 e terminou em OUT2009 (resposta ao facto controvertido nº 59).
78- Durante o período em que durou o arrendamento, os arrendatários colocaram na laje do terraço de cobertura afecto à sua fracção autónoma, um conjunto de vasos que continham plantas (resposta ao facto controvertido nº 60).
b) Apreciação das restantes questões objecto do recurso.
1 - Como se enunciou na sentença recorrida, a questão fundamental destes autos consiste em verificar se os Réus estão constituídos na obrigação de reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais alegados pelo Autor na petição inicial, por sua vez consequência de infiltrações de água que se registaram no interior da fracção autónoma de que é proprietário.
A solução desta questão depende, por sua vez, da resolução a dar a uma outra questão que consiste em saber se o terraço através do qual se deu a infiltração de água é uma parte comum do edifício, (com)propriedade dos condóminos, ou é propriedade individual dos Réus.
Cumpre, por conseguinte, decidir esta questão, desde já se deixando dito que se trata de parte comum, como se sustentou na sentença, pelas razões a seguir indicadas.
1 – O nascimento do direito de propriedade na esfera jurídica de alguém rege-se pela lei em vigor à data da ocorrência dos respectivos factos constitutivos.
Com efeito, uma vez constituído o direito de propriedade sobre um bem, o direito só se extingue pelas formas previstas na lei, como vem referido no artigo 1308.º do Código Civil, onde se determina que «Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei».
Por conseguinte, o direito de propriedade no que respeita ao mencionado terraço constituiu-se de acordo com a lei em vigor à data da constituição da propriedade horizontal e de acordo com o respectivo título constitutivo.
Uma lei que altere posteriormente o estatuto das partes comuns e das partes individuais inerentes à constituição do direito de propriedade horizontal não produz «uma expropriação sem indemnização» de direitos anteriormente constituídos, antes respeita as situações já existentes e consolidadas.
Por isso, os direitos já definidos não podem ser afectados.
O que se afigura estar de acordo com o disposto na 1.ª parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, onde se dispõe que «Quando a lei dispõe (…) sobre (…) quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos».
Com efeito, uma lei que, posteriormente à constituição da propriedade horizontal, altere a definição legal acerca daquilo que é parte comum do edifício ou parte individual de um edifício construído em regime de propriedade horizontal, versa sobre um facto, ou seja, sobre a construção de um edifício com determinadas características, que o tornam apto para a constituição da propriedade horizontal, e versa também sobre os efeitos desse facto, isto é, sobre que partes do edifício são obrigatoriamente comuns, individuais ou livremente submetidas pelo título a uma destas situações jurídicas, pelo que a nova lei só se aplica às situações factuais que surjam após a sua vigência.
2 – No caso dos autos verifica-se que existiu uma alteração legislativa no que respeita ao artigo 1421.º do Código Civil onde se definem quais são as partes comuns do edifício submetido ao regime da propriedade horizontal.
Com efeito, no caso dos autos, à data da constituição da propriedade horizontal, a al. b) do n.º 1, do Artigo 1421.º, do Código Civil, dispunha que eram comuns «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento».
Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, reformulou esta norma, a qual passou a ter a seguinte redacção: «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção».
Face à redacção actual da al. b) do n.º 1, do Artigo 1421.º, do Código Civil, não existiria qualquer dúvida no sentido de que o terraço em causa seria parte comum.
Porém, a lei à luz da qual tem de se verificar se o referido terraço é parte comum ou individual, é a lei em vigor à data da constituição da propriedade horizontal e tal lei é a que resulta da redacção primitiva do Código Civil.
Afigura-se, no entanto, que a nova redacção dada à al. b), do n.º 1, do Artigo 1421.º, pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, constitui lei interpretativa em relação à anterior redacção.
Como referiu Batista Machado,
«Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o legislador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face dos textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a LN vem consagrar, então esta é decididamente inovadora» ([4]).
Como resulta do acabado de expor sob a al. b) do ponto 3, era controvertida a solução dada pela doutrina e jurisprudência anteriores relativamente à questão de saber se os «terraços de cobertura» integravam as partes comuns do edifício ou eram propriedade individual do respectivo condómino.
Com efeito, a lei em vigor à data da constituição da propriedade horizontal, dispunha que «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento» - al. b) do n.º 1, do Artigo 1421.º, do Código Civil.
Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, reformulou esta norma, para a seguinte redacção: «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção».
Eliminou-se a referência ao «último pavimento», segmento que poderia dar a entender que os terraços de cobertura intermédios não integravam o conceito de «partes comuns», ficando agora claro que todos os terraços de cobertura são comuns.
Ora, já era possível chegar a esta conclusão no âmbito da lei antiga, como resulta do antes exposto, embora aquela norma desse também origem a decisão em sentido oposto.
Afigura-se, por isso, que a nova lei veio colocar termo à controvérsia, sendo por isso uma lei interpretativa, cuja aplicação abrange as situações constituídas antes da sua entrada em vigor, nos termos do n.º 1, do artigo 13.º do Código Civil onde se dispõe que «1. A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza» ([5]).
3 – De acordo com o título de constituição da propriedade horizontal, a fracção «P», propriedade dos Réus, é constituída, para além do mais, por um terraço, do lado nascente, ao nível do 4.º andar, o qual corresponde, ao mesmo tempo, à «cobertura» da zona de quartos da fracção do Autor, situada no 3.º andar.
Ou seja, o terraço mencionado nos autos é o «telhado» dos quartos da fracção do Autor.
Coloca-se, pois, a questão de saber se este terraço é propriedade individual dos Réus ou integra as partes comuns do edifício.
A resposta consiste em afirmar que o terraço integra as partes comuns do edifício, pelas seguintes razões:
a) Em primeiro lugar, cumpre ter presente, como se referiu no ponto 4 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 40.333, de 14 de Outubro de 1955, relativo à definição dos bens comuns aos diversos proprietários, diploma que definiu o regime da propriedade horizontal até ao início de vigência do novo Código Civil, que «A ideia fundamental sobre a qual deve repousar o critério de distinção entre as coisas comuns e as coisas de propriedade singular parece ser esta: devem considerar-se comuns, na falta de título em contrário, as coisas que se encontram afectadas ao uso comum dos diversos proprietários.
Não significa isto que as duas ideias – uso em comum e propriedade comum – andem necessariamente associadas no capítulo do domínio horizontal. Concebe-se perfeitamente que uma coisa possa ser usada por alguns ou todos os interessados, que todos os co-utentes concorram por esse facto para as respectivas despesas de conservação e funcionamento e, no entanto, a propriedade dela caiba a um ou a alguns deles apenas.
Mas não é esse o regime correspondente à intenção com que, em regra, agem os interessados».
Por conseguinte, a natureza e função do direito de propriedade horizontal não exclui que uma parte do prédio pode ser comum e, no entanto, o seu uso exclusivo pode encontrar-se reservado para um dos condóminos.
b) Em segundo lugar, a letra e o sentido da norma constante da al. b), do n.º 1, do artigo 1421.º, do Código Civil, apontam no sentido de se considerarem como partes comuns os terraços com função de cobertura.
Com efeito, afigura-se ser esse o sentido imediato da norma: são comuns «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento».
Com efeito, toda a cobertura de um edifício ou parte de um edifício, interessa ao universo dos condóminos, pois a cobertura tem uma função de protecção da totalidade ou de parte do edifício.
A natureza comum de tais partes do edifício justifica-se apelando ao interesse comum que existe no sentido de garantir permanentemente a segurança e protecção do edifício, pois a boa manutenção das coberturas do edifício (mesmo que sejam terraços de cobertura situados em cotas inferiores à do telhado), torna-se necessária para garantir a «saúde» do edifício.
Sendo assim, os terraços de cobertura existentes no edifício não podem ficar na dependência da vontade individual de um condómino, por se correr o risco do mesmo poder vir a ser negligente na sua conservação, designadamente se abandonar a sua fracção e a mantiver encerrada e sem vigilância.
No sentido dos terraços que servem ao mesmo tempo de cobertura serem sempre comuns, independentemente do piso em que se situam, pronunciou-se RUI MILLER ao comentar a nova redacção dada à al. b) do n.º 1, do Artigo 1421.º, pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, quando referiu:
«O Decreto-Lei n.º 267/94, além de aditar a este artigo o n.º 3, introduziu ligeiras alterações nas alíneas b) e d) do n.º 1 e d) do n.º 2.
Na primeira dessas alíneas, veio afirmar que são comuns o telhado ou os terraços de cobertura ainda que destinados ao uso de qualquer fracção e não apenas, como constava, ao do último pavimento. Veio, assim, tornar certo o que já podia concluir-se por interpretação do texto anterior: pois que, sendo o telhado ou a cobertura do edifício essencial à normal fruição do prédio por todos os condóminos, o seu uso por um só deles, seja ele o do último pavimento ou de qualquer outro, ou por parte ou pela totalidade daqueles, é insusceptível de desvirtuar a natureza comum dessa parte do edifício» ([6]).
Neste sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 16 de Outubro de 2003, com o seguinte sumário: «I- Os terraços de cobertura de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal, são partes imperativamente comuns. II- Quanto às partes obrigatoriamente comuns, não vale qualquer convenção em contrário, nomeadamente contida no título constitutivo de propriedade horizontal» (ver em www.DGSI.pt, identificado com o número 03B2567); bem como o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de Novembro de 2003, cujo sumário é o seguinte: «I - É a data da constituição da propriedade horizontal que define a lei aplicável onde se enquadram as partes que hão-de ser comuns e as que hão-de ser propriedade exclusiva. II - O terraço que faça as vezes de telhado duma fracção do prédio que exorbite fisicamente do seu corpo principal constitui uma parte obrigatoriamente comum do edifício, não obstante estar afecto no título constitutivo ao uso exclusivo de um condómino» (ver em www.DGSI.pt, identificado com o número 0325108).
Em sentido oposto pronunciou-se MOUTINHO DE ALMEIDA quando referiu que «Os terraços de cobertura são coberturas que excluem o telhado, ou melhor, telhados sui generis, feitos geralmente de pedra, cimento ou outra matéria impermeável, sendo acessíveis por baixo. Podem cobrir todo o edifício ou apenas parte dele. Não há que confundir terraços existentes nos planos dos vários pisos com acesso pelos mesmos e que deles fazem parte. A esta última espécie de terraços, que não são comuns, dão os italianos o nome de “terraza a livello»([7])
Decidiu neste sentido o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 8 de Abril de 1997, cujo sumário é o seguinte: «I - Não é terraço de cobertura, para efeitos do artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do CCIV66, o terraço intermédio, incrustado num dos vários andares do prédio e que dá cobertura apenas a uma parte deste, que não se situa na sua parte superior ao nível do último pavimento. II - Tal terraço intermédio não se presume comum, desde que exclusivamente afecto ao uso de um dos condóminos, isto por interpretação a contrário do artigo 1421.º, n.º 2, alínea e), do citado Código. III - O artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do CCIV66, na redacção do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, não abrange os terraços intermédios, embora podendo servir de cobertura a outros andares. IV - Mesmo que assim não devesse entender-se, a nova redacção desse preceito dada pelo Decreto-Lei n.º 267/94 não se aplica às situações jurídicas constituídas por força da verificação de certos factos, cujo conteúdo ou cujos efeitos ficaram legalmente determinados com a produção desses factos e à medida dos mesmos factos, como sucede no caso de o terraço já ter sido afectado ao uso exclusivo de determinado condómino no domínio da lei na sua primitiva redacção, sob pena de se atribuir efeito retroactivo à nova redacção do preceito, efeito que ela não tem» (ver em www.DGSI.pt, identificado com o número 96A756).
Como se disse, afigura-se que a melhor interpretação é a primeira porque é aquela que promove os interesses dos condóminos, dado que os terraços de cobertura existentes nos edifícios, dados os riscos que apresentam para a degradação dos edifícios, não podem ficar na dependência da vontade individual de um ou alguns condóminos.
c) O terraço em questão é um «terraço de cobertura».
No presente caso não estamos perante uma varanda, pois o pavimento de uma varanda não constitui ao mesmo tempo parte do tecto da fracção do piso imediatamente inferior.
Em contraposição com as varandas, os terraços de cobertura são estruturas em si mesmas não cobertas e cujo piso constitui, ao mesmo tempo, tecto ou parte do tecto da fracção do piso imediatamente inferior ou de partes comuns situadas nesse piso.
Não se vislumbra que possa existir alguma diferença entre esse terraço situado na parte média da altura do edifício e o mesmo espaço físico mas agora coberto com um telhado (deixando de ser terraço) ([8]); ou entre o mesmo terraço com acesso a partir da fracção dos Réus e o mesmo terraço, mas sem acesso a partir da fracção dos Réus.
No primeiro caso, não restaria dúvida que estaríamos perante um espaço qualificável com telhado, portanto coisa comum, ainda que situado no mesmo local do actual terraço, isto é, a meio da altura do edifício.
No segundo caso e dada a segunda hipótese, não se colocariam dúvidas sobre a natureza comum do espaço, mas a diferença entre ambos os tipos de hipóteses consistia apenas no uso exclusivo do terraço; pelos Réus, num caso e a impossibilidade desse uso no outro caso.
Por exemplo, no caso dos autos, qual a diferença entre a fracção dos Réus com porta de acesso ao terraço ou a mesma fracção sem qualquer acesso a esse terraço?
Apenas a possibilidade de uso exclusivo.
Ora, como se viu, a possibilidade de uso exclusivo não é critério de distinção entre partes comuns e partes individuais.
4 – A conclusão de que o terraço é parte comum não é invalidade pelo facto de constar do título constitutivo da propriedade horizontal que o dito terraço faz parte da fracção dos Réus.
Com efeito, a norma do artigo 1421.º do Código Civil é imperativa ([9]) e não pode, por isso, ser derrogada pelas declarações exaradas pelos condóminos no título constitutivo da propriedade horizontal.
Por conseguinte, resultando directamente da lei, não se torna necessário obter previamente a declaração judicial de nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal para considerar que o terraço em questão integra as partes comuns do edifício.
5 – Questão do abuso de direito.
Os Autores sustentam que existirá abuso de direito se se considerar que o terraço é parte comum, desresponsabilizando assim os Réus.
O abuso de direito consiste no facto dos Réus sempre se terem arrogado e comportado como exclusivos proprietários do terraço, não podendo agora vir sustentar que a final, nos termos da lei (da nova lei) o terraço é questão que tem a ver com o condomínio e não com eles.
Este modo de analisar a situação representaria uma situação enquadrável no vector «venire contra factum proprium», violador do dever de confiança, bons costumes e boa-fé.
Não resulta da matéria de facto uma situação factual que leve a concluir pelo abuso de direito.
Com efeito, desde 1995 que foram executadas obras no terraço pagas pelos condóminos, o que excluiu a situação factual invocada pelos Autores.
Improcede, por conseguinte, este fundamento do recurso.
6 – Tendo-se concluído que o terraço é parte comum cumpre absolver os Réus do pedido (sem contudo deixar de lamentar que os tribunais não tenham conseguido solucionar a questão colocada pelos Autores, pois é evidente que os Autores têm direito a ser indemnizados por alguém).
7 A alteração da matéria de facto não implica procedência do recurso porque é instrumental em relação à decisão de direito, pelo que mantendo-se a decisão no que concerne ao direito, o recurso improcede na sua totalidade para efeitos tributários.
IV. Decisão
Considerando o exposto:
Julga-se o recurso parcialmente procedente e condenam-se os Réus a reconhecer que o Autor é proprietário da fracção destinada a habitação designada pela letra «M», correspondente ao ..º andar direito, com entrada pelo n.º … do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, …. Porto, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob a ficha n.º 1295/20080227 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o art. 2376.
Julga-se o recurso parcialmente procedente quanto à alteração da matéria de facto, nos termos que ficaram indicados.
Julga-se o recurso improcedente no restante, mantendo-se, nessa parte a decisão constante da sentença recorrida.
Custas pelo Autor.
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Porto, 2 de Maio de 2016
Alberto Ruço
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
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[1] Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III. Coimbra 1946, pág. 148.
[2] Ob. cit., pág. 147. Ver também Castro Mendes, Direito Processual Civil, Vol. II. Lisboa, Edição da AAFDL, 1980, pág. 325. Com algum interesse, embora o caso não seja idêntico, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4-1-1983, Colectânea de Jurisprudência, Ano VIII-I-18.
[3] Código de Processo Civil Anotado. Coimbra Editora, 1984.Vol. V (reimpressão), pág. 141.
[4] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador. Coimbra, Almedina, 1989, pág. 246/247.
[5] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23 de Setembro de 2008 (Sílvia Pires), proferido no processo n.º 521/1996, onde se ponderou «Estamos, pois, perante uma lei interpretativa que se integra na lei inte­grada (art.º 13º, do C. Civil), pelo que o esclarecimento interpretativo efectuado deve ser considerado para classificar um terraço de cobertura intermédio, mesmo que a propriedade horizontal tivesse sido constituída em data anterior à entrada em vigência do referido DL 267/94, como sucede neste caso» - Ver em www.dgsi.pt.
[6] Propriedade Horizontal, 3.ª edição revista e actualizada. Almedina, 1998, pág. 156.
[7] Propriedade Horizontal. Almedina, 1996, pág. 57.
[8] Neste sentido ver o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 2003 (Luís Fonseca), em www.dgsi.pt, identificado sob o n.º 03B2567, onde se escreveu: «E tais terraços de cobertura tanto podem ser do último pavimento como de pavimentos intermédios pois onde a lei não distingue, também o intérprete não deve distinguir, salvo se houver razões para se concluir ser outro o espírito da lei, a vontade do legislador, o que se não verifica neste caso».
[9] Neste sentido Pires de Lima/Antunes Varela. Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 419.