Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3013/11.3TTLSB.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
PERICULUM IN MORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I – De acordo com o novo regime dos recursos, que não é contrariado pelo Código do Processo do Trabalho (cf. artigo 87.º, número 1, sem prejuízo das demais disposições que regulam, na especialidade, os recursos do foro laboral), os documentos apresentados pelo Apelante conjuntamente com as suas alegações de recurso de decisões procedimentos podem e devem ser admitidos, não estabelecendo o legislador qualquer restrição quanto à sua data de emissão ou obtenção, natureza ou teor.
II – Não se pode equiparar a remuneração do trabalhador, que se traduz na contrapartida do trabalho prestado ao empregador, a um qualquer crédito proveniente de um contrato civil ou comercial, o que quer dizer que na aferição de qualquer lesão à mesma, importa, por um lado, ser bastante rigoroso na sua avaliação e tolerância, mesmo que em termos meramente cautelares, pois estão em causa direitos constitucionais básicos, de índole patrimonial, social, familiar, pessoal e moral, que, no seu conjunto, se reconduzem, em última análise, à dignidade da pessoa humana, nas diversas vertentes consideradas na Constituição da República Portuguesa, não se podendo ter, por outro lado e consequentemente, uma perspectiva miserabilista ou muito restrita do fundamento e âmbito de aplicação das providências cautelares, em casos como o dos autos, em que estão em causa, ainda que parcialmente, as necessidades básicas de subsistência do Requerente (alimentação, vestuário, calçado, habitação, saúde, etc.).
III – A situação de incumprimento parcial por parte do Requerente gerará consequências que não são somente de cariz patrimonial (sendo estas, já por si, graves, por poderem implicar o vencimento imediato dos débitos em causa, com a sua exigibilidade imediata – capital, juros e outras prestações acessórias – e a penhora e venda executiva de bens do Apelante), pois não só existirão necessariamente reflexos ao nível da estabilidade emocional e psicológica do recorrente, como ainda afectará inevitavelmente a sua vida familiar e social, podendo “manchar” finalmente o seu bom nome e reputação na praça bancária, caso o mesmo não consiga liquidar todos os seus empréstimos, cartão de crédito e saldos negativos nas contas bancárias (ou, por exemplo, seja por ele emitido um cheque sem provisão).
IV – Muito desse danos são sérios, graves e, no período que a acção laboral, destinada a debater em definitivo a questão da legitimidade ou ilegalidade da redução das denominadas “despesas de deslocação”, irá presumivelmente demorar até ao trânsito em julgado da decisão aí proferida, alguns deles poderão ser irreparáveis ou de difícil recuperação, pelo menos em toda a sua extensão.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDA-SE NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

JUNÇÃO DE DOCUMENTOS: O Apelante, conjuntamente com as suas alegações de recurso veio juntar um conjunto de documentos (fls. 220 a 272), que, no entender do recorrente, visam demonstrar, em termos indiciários, alguns dos factos que não foram considerados pelo tribunal da 1.ª instância na sua sentença, objecto de impugnação pelo Requerente.
Conforme ressalta do Acórdão propriamente dito e atenta a data da propositura da acção (3/09/2009), é a versão do Código de Processo Civil actualmente em vigor que se aplica aos presentes autos.
No que se refere à junção de documentos, importa considerar os artigos 524.º, 693.º-B e 691.º do Código de Processo Civil, indo reproduzir-se, de imediato, tais dispositivos legais na parte que releva para aqui:

Artigo 524.º
Apresentação em momento posterior
1. Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
2. Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.
Artigo 691.º
De que decisões pode apelar-se
1 – (…)
2 – Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
a) (…)
l) Despacho que se pronuncie quanto à concessão da providência cautelar, determine o seu levantamento ou indefira liminarmente o respectivo requerimento;
n) (…)
3 – (…)
Artigo 693.º-B
Junção de documentos
As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º

Confrontando tal regime legal com a circunstância de nos encontrarmos face a um recurso de Apelação de uma sentença de indeferimento de uma providência cautelar requerida no âmbito de um Procedimento Cautelar Comum, parece que caiamos na previsão conjugada dos artigos 693.º-B e alínea l) do número 2 do artigo 691.º, ambos do Código de Processo Civil.
António Santos Abrantes Geraldes, em “Recursos em Processo Civil – Novo Regime – Decreto-Lei n.º 303/07, de 24/08”, Almedina, Dezembro de 2007, páginas 215 a 217, refere o seguinte: “3. A reforma do regime dos recursos ampliou as possibilidades de instrução documental dos recursos a que se reportam as alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do art. 691.º.
Mas, em comparação com o regime que constava do anterior art.º 706.º, apenas se admite agora a junção de documentos com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores.
A exclusão do recurso de apelação da decisão que ponha termo ao processo e do recurso do despacho saneador que, sem lhe pôr termo, conheça do mérito da causa revela a manutenção da regra geral na grande maioria das decisões, sendo o alargamento justificado relativa­mente aos demais casos por se tratar de decisões de cariz eminentemente formal.
É agora possível, por exemplo, instruir o recurso ou as contra-alegações com documentos destinados a apreciar a questão da competência absoluta ou relativa, a justificar por que razão determinado meio de prova deve ser admitido ou a contrariar os fundamentos de facto que levaram o juiz a quo a conceder ou a rejeitar a providência cautelar. (sublinhado nosso).
Esse mesmo autor, em “Temas da Reforma do Processo Civil – 5. Procedimento Cautelar Comum”, III Volume, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, Janeiro de 2010, Nota 217, a páginas 137 e, principalmente, a páginas 427 e seguintes (Anexo 11), numa Decisão Singular por si proferida, datada de 19/05/2008 e proferida no processo n.º 4430/2008-7, que também pode ser encontrada publicada em www.dgsi.pt: “2. Questionou a M.ª Juíza, no despacho que ordenou a remessa dos autos a esta Relação, a junção dos documentos apresentados pelo apelante com as alegações de recurso, considerando que, no âmbito de procedimentos cautelares, apenas são admissíveis com o requerimento inicial e com a oposição.
Não se acolhem tais objecções. Ao invés, porque entrou em vigor um novo regime processual impõe-se a necessária alteração de entendimentos, designadamente em matéria de apresentação de documentos, que, sendo correctos em face do anterior regime, se mostram desactualizados.
Nos termos do novo art. 693.º-B do CPC, as partes podem juntar documentos com as alegações nos casos excepcionais do art.º 524.º e nos casos em que a junção apenas se revele necessária em face da decisão recorrida, situações que já antes se encontravam acauteladas.
Todavia, com a reforma do regime dos recursos foram ampliadas as possibilidades de instrução documental dos recursos a que se reportam as alíneas a) a g) e i) a n) do nº 2 do art. 691º, sendo agora legítima junção de documentos fora daquele circunstancialismo mais apertado, com vista à instrução do recurso ou das contra-alegações, designadamente para efeitos de reapreciar a questão da competência absoluta ou relativa, de justificar por que razão determinado meio de prova deve ser admitido ou não ou de reponderar os fundamentos de facto que levaram o juiz a quo a conceder ou a rejeitar a providência cautelar.
Ainda que não se encontre na nota preambular justificação para esta modificação, a solução traduz uma atenuação da anterior rigidez do regime de apresentação de documentos previsto no art.º 706.º, ora revogado, e a ampliação dos poderes da Relação no que concerne à apreciação da matéria de facto.
Ora, em face desta norma, não existem motivos para suscitar as objecções levantadas pela M.ª Juíza.
As normas que mencionou (arts. 303.º e 384.º, n.º 3), reportam-se à junção de documentos na 1.ª instância, não fazendo sentido comprometer, a partir de tais normativos, um direito que a lei processual prevê para a fase de recurso.
O facto de decorrer do Código de Processo Civil que nos procedimentos cautelares os meios de prova devam ser apresentados com o requerimento inicial não preclude a possibilidade, ex novo introduzida, de a parte apresentar documentos na fase de recurso com o objectivo de levar à revogação ou à modificação da decisão recorrida.
Por conseguinte, ficarão nos autos, para oportuna ponderação, os referidos documentos.” (neste mesmo sentido e segundo indicação de Abrantes Geraldes, Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8.ª Edição, pág. 205; aparentemente contra, Cardona Ferreira em “Guia de Recursos em Processo Civil – o novo regime recursório civil”, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 2007, páginas 157 a 160).
O recorrente, nas suas conclusões de recurso, indica uma série de jurisprudência recente dos nossos tribunais superiores que vai no mesmo sentido interpretativo do sustentado por Abrantes Geraldes:XVI. No que não se concede, mais ainda que a junção não seja admitida por não provada a superveniência da documentação ora junta, sempre esta deve ser admitida nos termos do artigo 693.º-B do CPC, in fine – neste sentido cf. por todos, Acórdãos da Relação do Porto, 28.09.2009, Processo n.º 1985107.1TBVNG-C.P1; 29.09.2009, Processo n.º 98/09.6TBVLPA.P1; Relação de Lisboa, 18.06.2009, Processo n.º 9276108.4TBOER.L1-2; 19.05.2008, Processo n.º 4430/2008-7 e Relação de Coimbra, 23.09.2008, Processo n.º 1247/08.7TBFIG.C1”.
O primeiro Aresto do Tribunal da Relação do Porto, em que foi relator o Juiz-Desembargador Guerra Banha e que, como os demais, se mostra publicado em www.dgsi.pt, refere, em termos de primeira conclusão do seu Sumário:
I – Em face do segmento final constante da norma do artigo 693.º-B do CPC, aditado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007 em substituição dos anteriores artigos 706.º e 743.º, n.º 3, revogados pelo mesmo diploma, nos recursos compreendidos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º do CPC é sempre admissível a junção de documentos com as alegações do recurso.
Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra identificado em último lugar e em que foi relator o Juiz-Desembargador Teles Pereira, defende, em termos das duas primeiras conclusões do seu Sumário, o seguinte:
I – O art.º 693.º-B do CPC (introduzido pelo DL n.º 303/2007, de 24/08), remetendo para as alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do art.º 691º do CPC, alargou o leque das possibilidades de instrução documental de um recurso, particularmente nas situações (al. l) deste n.º 2) em que a decisão recorrida se pronuncie quanto à concessão ou rejeição de uma providência cautelar.
II – Em tais casos e independentemente da superveniência do seu conhecimento, podem ser juntos documentos que contrariem os fundamentos de facto nos quais assentou a decisão recorrida.
Sendo assim, de acordo com o novo regime dos recursos, que não é contrariado pelo Código do Processo do Trabalho (cf. artigo 87.º, número 1, sem prejuízo das demais disposições que regulam, na especialidade, os recursos do foro laboral), os documentos apresentados pelo Apelante conjuntamente com as suas alegações podem e devem ser admitidos, não estabelecendo o legislador qualquer restrição quanto à sua data de emissão ou obtenção, natureza ou teor.
Não se nega algumas perplexidades que um regime como este gera – cf., a este propósito, Cardona Ferreira, obra e local citados –, nomeadamente, relativamente a documentos emitidos em data anterior à Audiência Final e mesmo à instauração dos autos de procedimento cautelar, cuja junção se impunha no seu momento próprio, antes da sentença sob recurso, só se explicando tal abertura, porventura excessiva, pela circunstância de estarmos no quadro de processos em que se pretende o decretamento de providências cautelares imediatas e, às vezes, com prazos apertados de accionamento, o que condiciona fortemente a margem de manobra do interessado, em termos probatórios, visando tais medidas acautelar situações de perigo eminente e por vezes irreparável, sendo por isso de tramitação urgente e de prova meramente indiciária, o que introduz um grau não despiciendo de subjectividade na formação da convicção do julgador que importa, talvez, contrabalançar por via do recurso (designadamente, com a possibilidade de reapreciação da factualidade dada como perfunctoriamente assente, ainda que com base em documentos novos, a que o tribunal recorrido nunca teve acesso, numa prática que não deixa, apesar de tudo, de causar estranheza, por colocar o tribunal de recurso num desconfortável duplo papel simultâneo, de julgador em segunda e em primeira mão do litígio em presença).
Logo, pelos motivos expostos, entendemos que a apresentação dos documentos pela Apelante conjuntamente com as suas alegações, está legalmente autorizada, assim se deferindo a sua junção aos autos, devendo os mesmos, nessa medida, ficar nos autos.
*
SEGUNDA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS: O Apelante, conjuntamente com a resposta por si junta aos autos e no âmbito da qual se pronunciou acerca do parecer emitido pelo ilustre magistrado do Ministério Público, veio apresentar mais três documentos (fls. 322 a 329), que identificou sob os números 26 a 28 e que, naturalmente, face ao que se deixou acima exposto e defendido e apesar da sua natureza nova e superveniente (Outubro, Novembro de 2011 e Janeiro de 2012), não podem ser admitidos e considerados no quadro da presente Apelação (desde logo, porque não foram trazidos aos autos com as respectivas alegações de recurso).
Face a esta rejeição liminar e não consideração para quaisquer efeitos fácticos ou jurídicos de tais documentos, torna-se acto inútil notificar a recorrida para se pronunciar acerca da sua admissibilidade e conteúdo (cf. número 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil).
Logo, esses documentos deverão ser desentranhados e devolvidos ao recorrente.

I – RELATÓRIO

AA, (…), intentou, em 20/08/2011, Procedimento Cautelar Comum contra BB –, LDA., (…), pedindo, em síntese, o seguinte: “…intimação da Requerida para realizar o pagamento da “nota de despesa” respeitante ao pretérito mês de Julho de 2011, e bem assim, para realizar, pelo montante que vinha cumprindo até Maio último, o pagamento da “nota de despesa” do corrente mês de Agosto doravante, até à prolação de decisão final transitada em julgado na acção principal em que se discuta o objecto dos autos”.
Para tanto, invocou, em resumo, os seguintes fundamentos:
1) O Requerente recebe da Requerida, desde a data da sua admissão, juntamente com o recibo de vencimento, uma parcela hoje denominada “nota de despesa”.
2) A sobredita “nota de despesa”, sob a epígrafe de Despesas de Deslocação, consistia num documento extravagante, e por isso exógeno ao próprio recibo de vencimento do Trabalhador, até Maio de 2009.
3) Apenas em meados de 2009, por decisão da Requerida, conforme se alcança da comunicação interna da BB cuja cópia ora se junta sob a designação de Documento n.º 3, foi aquela processada, em rubrica autónoma, no respectivo recibo de vencimento do Requerente.
4) O Requerente exerce as funções de Encarregado de Refeitório de grau A, actividade essa que assenta necessária e injuntivamente numa localização fixa nas instalações de refeitório do cliente/adquirente do serviço da Requerida, aí esgotando a totalidade do seu desempenho profissional durante todo o período normal de trabalho.
5) Apesar de ter visto integrado no seu vencimento a “nota de despesa” atinente às despesas de deslocação, o requerente viu-se obrigado a continuar a processar uma quilometragem de deslocações ao serviço da Requerida que não realiza, nem nunca realizou.
6) E, no estrito cumprimento de uma instrução ou ordem da Requerida, veio o Trabalhador, visando o recebimento das quantias retributivas que sempre auferiu desde a data da sua admissão, a preencher e entregar no decurso da primeira quinzena de cada mês, a folha de quilómetros motivada pelas despesas de deslocação que naturalmente não realiza, nem nunca realizou, ao serviço da Entidade Empregadora.
7) O preenchimento e entrega daquela “nota de despesa”, em exemplar único que fica na posse da Requerida, constituíam assim conditio sine quan non do recebimento pelo Trabalhador daquela parcela retributiva que sempre auferiu.
8) No decurso da vigência do contrato de trabalho, o Requerente foi objecto de incrementos globais salariais, sendo que nalguns casos tal aumento foi computado no seu recibo de vencimento, na parcela atinente à remuneração base, e, noutros casos, tal melhoria salarial resultou do aumento do valor da “nota de despesa” paga, sendo certo que, em circunstância alguma, ou em qualquer momento temporal na vigência do contrato de trabalho, o Requerente tivesse realizado despesas de deslocação ao serviço da Requerida.
9) Alguns trabalhadores, ao contrário do Requerente, viram incorporadas tais “notas de despesa” no montante retributivo, assim processado como tal no recibo de vencimento, tal significando, como é apodíctico, que a sua natureza nunca poderia ser a de verdadeira “nota de despesa”; sendo que para esses casos a Requerida conformou-se com a sanação daquela ilegalidade, ad minus, com efeitos ex nunc.
10) Em meados de 2007 foi o Requerente, pela primeira vez, assediado pela sua hierarquia sobre a possibilidade de redução do montante pago exclusivamente a título de “nota de despesa”. Tal “investida”, perante a oposição do ora Requerente, nunca se concretizou.
11) Em finais de 2008, a Entidade Empregadora diligenciou numa nova abordagem junto do Requerente, movida pelo mesmo objectivo: eliminação parcial do pagamento respeitante à “nota de despesa”, fracassando também, atenta a defesa do Requerente que se escudou no provável recurso à via jurisdicional para repressão daquela violação.
12) A partir de meados de Junho de 2011, o Requerente é verbal e sucessivamente confrontado pela Entidade Empregadora, com nova possibilidade de ver reduzido unilateralmente o montante da sua retribuição, com efeitos a partir de Julho doravante, exclusivamente pelo montante pago a título de “nota de despesa”.
13) Nos primeiros dias de Julho do corrente ano, como constituía praxis, o Recorrente procede à entrega da “nota de despesa” reportada a esse mês, mas o responsável funcional da Requerida recusa-se a receber o predito mapa de quilómetros referente às despesas de deslocação.
14) Surpreendido com essa tomada de decisão, e inflexão no pagamento de uma das suas parcelas retributivas, o Requerente endereça à Entidade Empregadora carta datada de 11.07.2011, cuja cópia ora se junta sob a designação de Documento n.º 4, e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
15) Em face do sepulcral silêncio da Requerida, e bem assim, da falta de pagamento da “nota de despesa” respeitante a Julho de 2011, o Requerente, já comprometido com o pontual adimplemento da totalidade das suas obrigações, encargos e deveres pessoais e familiares, remete a 01.08.2011, E-mail que se junta sob a designação de Documento n.º 5, numa tentativa de alertar para as suas dificuldades de tesouraria e liquidez face ao incumprimento e violação pela Requerida da sua obrigação de pagamento da retribuição.
16) O Requerente obtém finalmente, uma pronúncia escrita da Requerida, também via E-mail, recebido a 01.08.2011 e que ora se junta como Documento n.º 6.
17) Do conteúdo dessa comunicação ressalva o seguinte: “Como o senhor AA bem sabe a folha de quilómetros que lhe foi atribuída, visava exclusivamente compensar a penosidade da deslocação da sua residência para o trabalho. Como o senhor AA bem sabe desde há vários anos que omitiu, conscientemente, a localização da sua residência, que não se situa nas fazendas de Almeirim, mas sim no Cacém, tendo recebido avultadas quantias da empresa, a título de compensação por uma deslocação que se veio a apurar era falsa (sic). Só por interferência do seu Director é que a sua folha não foi retirada de imediato, mantendo-se até ao início de Julho em 400€”.
18) O Requerente nunca ocultou o local da sua residência, embora este não seja legalmente intrometido ou esteja imiscuído para a realização das hipotéticas despesas de deslocação ao serviço da Requerida.
19) O Requerente também não tem residência, nem nunca teve no Cacém, conforme aparece narrado no citado Doc. n.º 6.
20) Por via do não pagamento da “nota de despesa”, a retribuição global do Requerente foi amputada em mais de 50%, por ser esse o valor que aquela representava na economia da relação juslaboral; o vencimento mensal médio líquido estimava-se num valor aproximado de €2.739,90 (conforme se corrobora pela análise da cópia do recibo de vencimento do mês de Maio de 2011, que ora se junta sob a designação de Documento n.º 7).
21) Com a decisão de não pagamento da “nota de despesa”, o vencimento mensal médio líquido sofre uma vertiginosa quebra para €1.335,08 (conforme resulta da análise da cópia do recibo de vencimento do mês de Julho de 2011, ora junto como Documento n.º 8 (foi subtraído o valor pago a título de horas extra em dia feriado, e deduzida a respectiva retenção daquele em sede de IRS e TSU).
22) O valor actual da “nota de despesa” ascende a €1.382,60, montante que é pago, pelo menos, desde meados de 2006.
23) A retribuição, tal como vem definida no artigo 258.º, n.º 1 do CT goza de assento constitucional no artigo 59.º da Lei Fundamental que a protege de forma especialmente blindada, atenta a articulação do n.º 3 daquela norma e o artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do CT.
24) Nos termos legais (cf. artigo 258.º, n.º 3 do CT) estará devolvida à Requerida a responsabilidade probatória de demonstrar que tal avantajamento ou atribuição patrimonial teve afinal um escopo individualizável “para lá do sinalagma contratual” (vide Menezes Leitão, Direito do Trabalho, Almedina, 2008, p. 347).
25) Ora, no caso dos autos, o Requerente sempre auferiu o pagamento daquela nota de despesa, ininterruptamente e durante os dezanove anos de vigência do presente contrato, sem ter realizado alguma vez qualquer deslocação previamente custeada por si ao serviço da Requerida.
26) Finalmente, e sobre o periculum in mora, cumpre alegar e demonstrar que a demora (12 meses, 18 meses, 24 meses ou mais?) na prolação de uma decisão jurisdicional final e transitada em julgado na acção principal em processo declarativo comum laboral não se compagina com o normal devir da vivência em sociedade, o qual pressupõe inelutavelmente o pontual cumprimento das obrigações e deveres pessoais e familiares que impendem sobre o cidadão médio, logo e também, sobre o Trabalhador, ora Requerente.
27) Por grave deve entender-se e subsumir-se que não basta toda e qualquer lesão, mas apenas aquela que comprima de forma nodal o conteúdo e extensão do direito subjectivo, e não produza somente danos marginais ou subjectivos.
28) Pelo que foi dito, a retribuição é um crédito alimentar que pela sua importância e indispensabilidade, deve ter-se por direito fundamental ou figura análoga, mormente, como é o caso, quando constitui o único rendimento disponível para o seu titular subsistir e conduzir o seu projecto de vida em condições de dignidade e sustentabilidade aceitáveis, dentro dos padrões da sociedade em que se insere, e na qual promove a sua realização enquanto pessoa humana (cf. cópia da declaração de rendimentos do Requerente do ano transacto, a qual se junta sob a designação de Documento n.º 9, e pela qual se quer fazer prova de que os rendimentos do trabalho dependente, e ao serviço da Requerida, constituem e esgotam a totalidade do rendimento auferido por aquele).
29) Parece-nos, pois, evidente que uma amputação superior a mais de 50% do seu rendimento mensal (e único) constitui uma violação séria e grave, porque directa e causalmente contende com o cumprimento de todo o acervo de obrigações, encargos, despesas e deveres inerentes à vida pessoal e familiar do Requerente em sociedade.
30) Porque o Requerente confia, como qualquer cidadão, num futuro evolutivo, na certeza da segurança jurídica e dos valores do Estado de Direito, toda a sua vida material foi orientada pragmaticamente pelo balizamento da sua retribuição que está (estava) fixada em mais de €2.700,00 mensais líquidos até Julho de 2011.
31) Nesta conformidade, o Requerente, tem um conjunto de créditos pessoais (contraídos para cobrir gastos de projectos familiares, bens imanentes a qualquer economia doméstica), de crédito imobiliário e multirriscos, e outros, que juntamente com as despesas correntes mais básicas (água, electricidade, gás, telefone, condomínio, televisão e Internet, telemóvel, combustíveis), e ao que ainda acresce uma pensão de alimentos de que é devedor a dois filhos menores, dos três que tem (sendo que para este não tem prova documental das despesas que naturalmente também realiza na qualidade de progenitor), totalizam somados um valor consideravelmente superior àquele que é agora o valor de retribuição pago (pouco mais de €1.300,00 mensais líquidos), não possuindo o próprio quantias aforradas ou investidas que almofadem a precariedade presente motivada pela redução em mais de 50% da sua retribuição e durante um período de tempo desconhecido.
32) Razões que determinam causal e adequadamente o imediato incumprimento bancário perante todos aqueles credores, e bem assim, a plausível como iminente (contas bancárias já apresentam saldo corrente devedor), possibilidade de perder a sua habitação e demais bens comprados a crédito, perspectivando-se, sem hipérbole, possível insolvência pessoal, donde a decisão proferida na acção principal já estaria despida da potencialidade para reparar os danos entretanto ocorridos e cujos efeitos estariam consumados irreversivelmente.
33) O perigo de retardamento da sentença (ou “perícolo del ritardo”, como é chamado na doutrina italiana) emerge assim de factos respeitantes ao Requerente, motivados exclusivamente pela violação do direito que ora se oferece ao douto escrutínio deste Tribunal, e que enunciam a incapacidade financeira da sua esfera jurídico/patrimonial para suportar, de acordo com um trem de vida condigna, o decurso do tempo até que seja decidida, em definitivo, a causa principal.
34) Para fazer prova do alegado supra nos artigos 111.º e 112.º, junto se remetem os comprovativos, sob a designação de Documento n.º 10 (pensão de alimentos – € 250,00), Documento nº 11 (despesas dos bens essenciais agregadas – € 269.81), Documento n.º 12 (crédito pessoal – obras na habitação – € 338,74), Documento n.º 13 (crédito imobiliário e de recheio da habitação – € 515,49 + crédito bens consumo – € 565,63), aos quais naturalmente acrescem as de alimentação, vestuário e outras inerentes ao custo de vida actual.
35) Se a única fonte de rendimento disponível mensal baixa de mais de €2,700,00 para pouco mais de €1.300,00, o Trabalhador, ora Requerente, vê-se confrontado com uma situação urgente e iminente de lesão de difícil reparação.
36) Por outro lado, não se diga que as despesas de cada cidadão e agregado familiar deviam obedecer a uma estrita lógica de racionalidade, porquanto tal implicaria abortar todo e qualquer sonho de projecção e realização pessoais, bem como, em imputar um juízo de previdência e antecipação de situações totalmente anómalas e imprevisíveis (como a dos autos, com uma redução superior a 50% do vencimento! – à qual é forçoso reconhecer - se um efeito corrosivo e “sísmico” sobre a vida de qualquer trabalhador), tanto mais que os modernos contratos de crédito bancário têm acopladas coberturas de situações de risco, para algum tempo, como a eventualidade de desemprego (daí os custos exorbitantes das prestações), mas nunca, como é lógico, situações como a dos autos – diminuição da retribuição em 50%, assim se esvaziando a principal (e única) garantia do cumprimento daqueles créditos.
37) Por outro lado, o eventual indeferimento da presente providência sempre constituiria uma dupla e injusta penalização para o Requerente, que não apenas se acha vulnerável aos abusos da Requerida no pagamento da sua retribuição, inter alia, com claro prejuízo dos seus direitos sociais, como veria a ordem jurídica a negar-lhe a única tutela idónea e cautelar para reprimir uma grosseira violação do mais elementar dos seus direitos (a discricionária atacabilidade do seu rendimento de trabalho, vulgo, retribuição).
Juntou documentos (fls. 41 a 91) e arrolou prova testemunhal (fls. 34).
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Citada a Requerida (fls. 98 e 99), veio a mesma, em 06/09/2011, deduzir oposição nos termos constantes da contestação de fls. 100 e seguintes, na qual concluiu pelo não decretamento da providência, alegando, em suma, o seguinte:
a) Os únicos pagamentos efectuados pela Requerida que extrapolam a respectiva retribuição dizem respeito a despesas de deslocação, juntando o Requerente o formulário de despesas de deslocação e a Comunicação Interna da Requerida relativa ao pagamento de tais despesas.
b) Consta claramente do formulário que o mesmo servia para que o Requerente fosse ressarcido das despesas suportadas pela sua deslocação desde Fazendas de Almeirim até ao Hospital de ... e deste até Fazendas de Almeirim, tanto que o número de quilómetros ali indicado corresponde precisamente a essa distância.
c) Neste sentido, é falso que o Requerente recebesse mensalmente uma quantia regular e constante por parte da Requerida como acréscimo à sua retribuição base.
d) Quando o Requerente, em 9 de Agosto de 2011 enviou uma comunicação com os formulários de despesas de deslocação relativas aos meses de Julho e Agosto de 2011, não incluiu o período de 15 a 31 de Julho, uma vez que se encontrava de férias e não existiam despesas de deslocação referentes a esse período.
e) Consta da ficha de empregado do Requerente, dos recibos e da declaração de rendimentos do ano de 2010, bem como da comunicação enviada pelo Requerente para a Requerida em 9 de Agosto de 2011, que o mesmo reside em Fazendas de Almeirim.
f) Em Junho de 2011, veio a Requerida a tomar conhecimento que o Requerente reside na Rua (…), no Cacém, na morada da também colaboradora da Requerida, CC, com a qual foi casado.
g) A partir do momento em que tomou conhecimento que o Requerente já não iria suportar as despesas de deslocação de Fazendas de Almeirim para o Hospital de ..., a Requerida deixou de as ressarcir e estabeleceu que passassem a ser pagas as despesas de deslocação do local da nova residência do Requerente, no Cacém, para o Hospital de ..., no valor de cerca de € 400,00.
h) A alegada situação financeira do Requerente, a existir, não passaria de um dano reflexo, o qual não merece protecção no âmbito cautelar.
i) Ainda que assim não se entendesse, a verdade é que o Requerente também não logrou alegar, nem demonstrar qualquer situação financeira merecedora de uma especial protecção.
j) O Requerente afirma suportar despesas mensais no valor de € 1.939,67, sendo contudo a documentação junta insuficiente para tal prova.
k) Relativamente aos supostos empréstimos contraídos, não junta um único contrato de mútuo que comprove tal realidade, sendo impossível aferir quem são os contraentes de tais alegados contratos, quais os prazos dos mesmos e se ainda se encontram em vigor e os valores das respectivas prestações.
l) Ainda que os documentos juntos fossem elementos suficientes não se retiram dos mesmos os valores de prestações mensais alegadas no requerimento inicial, mas o total das despesas do requerente seria de € 1.600,74 e não € 1.939,67.
m) Por outro lado, o Requerente vive maritalmente com CC, também colaboradora da Requerida, mãe dos respectivos filhos, pelo que eventuais despesas com estes serão suportadas por ambos, como também o serão as despesas com a casa de morada de família e eventuais restantes habitações.
n) A referida colaboradora da Requerida aufere uma retribuição mensal de € 1.264,85, acrescida de € 316,21 de retribuição especial por isenção de horário de trabalho., desconhecendo-se qual a idade dos filhos do requerente e se a alegada pensão de alimentos ainda se encontrará em vigor.
o) Ainda que tais despesas fossem assumidas unicamente pelo Requerente, este não logrou demonstrar encontrar-se em situação de insolvência ou de incumprimento das suas obrigações, limitando-se a descrever as suas despesas mensais, não se verificando qualquer perigo de lesão grave e dificilmente reparável.
Juntou documentos (fls. 126 a 138) e arrolou testemunhas (fls. 119).
*
Foi designada data para a Audiência Final (fls. 95), a que se procedeu com observância do legal formalismo (fls. 145 a 148), não tendo a prova aí produzida sido objecto de gravação-áudio.

Veio então a ser proferido a sentença de fls. 149 e seguintes, com data de 12/11/2011, que, por entender não ter o Requerente logrado fazer prova da existência de prejuízos de difícil reparação, ainda que somente em juízo de elevada probabilidade, decidiu o seguinte:
IV – Pelo exposto, indefiro a presente providência cautelar comum interposta pelo requerente AA.
Custas pelo requerente.
Fixo o valor da causa em 5.000,01 € (art.º 40.º, n.º 1 do C. P. Trabalho).
Notifique e registe.
*
O Requerente, inconformado com tal decisão, veio, a fls. 176 e seguintes e em 26/09/2011, interpor recurso da mesma.
O juiz do processo admitiu, a fls. 302, o recurso interposto, como de apelação, tendo determinado a sua subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
O Apelante apresentou alegações de recurso (fls. 177 e seguintes) e formulou as seguintes conclusões:
(…)
*
Notificado o Requerido para responder a tais alegações, veio o mesmo fazê-lo dentro do prazo legal, nos moldes constantes de fls. 178 e seguintes, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
*
O ilustre magistrado do Ministério Público proferiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso de Apelação (fls. 309 verso e 310), não tendo a Requerida se pronunciado acerca do mesmo, dentro do prazo legal de 10 dias, apesar de notificada para esse efeito, o que não aconteceu com o Requerente que, veio a fls. 313 a 329 reiterar a posição por si assumida nas alegações de recurso e juntar mais três documentos, que identificou como números 26 a 28 e que, conforme decisão constante noutra parte deste Aresto, não foram admitidos, por extemporâneos.
*
Tendo os autos ido a vistos, cumpre decidir.

II – OS FACTOS

O tribunal da 1.ª instância recorrido considerou indiciariamente provados os seguintes factos:

1 – O Requerente é trabalhador da Requerida desde 1992, desempenhando as funções de Encarregado de Refeitório, tendo sido integrado na Requerida vindo de um concessionário que explorava o refeitório do Hospital Garcia da Horta, em Almada, concessão que transitou para a Requerida; consta da ficha de empregado do requerente e dos respectivos recibos de vencimento que este reside em Fazendas de Almeirim.
2 – O Requerente desempenhou as suas funções em Almada, no Hospital Garcia da Horta, em Lisboa, no Hospital de S. José, em Palmela, na Auto-Europa, em Lisboa (Poço do Bispo), na Venda do Pinheiro (Cozinha Central da Requerida) e, actualmente, em Lisboa, no Hospital de ...; as funções do Requerente sempre foram exercidas em estabelecimento fixo, não necessitando de efectuar deslocações em serviço.
3 – Desde o final de 1992, a Requerida passou a pagar ao Requerente uma quantia mensal, de montante não apurado, paga 11 meses por ano, com excepção do mês de gozo de férias, a título de prémio por bom desempenho das funções; para o recebimento de tal quantia o trabalhador preenchia um impresso denominado folha de quilómetros ou despesas de deslocação.
4 – Aquando da mudança de local de trabalho do Requerente de Lisboa para a Venda do Pinheiro (Cozinha Central da Requerida) a referida quantia foi aumentada em montante não apurado; em 2007, aquando da mudança de local de trabalho do Requerente da Venda do Pinheiro (Cozinha Central da Requerida) para Lisboa, a Requerida, através do seu Director de Produção, propôs ao Requerente a redução da referida quantia em cerca de 100 Euros, mas tal redução não se veio a concretizar porque o Requerente argumentou que o retorno para Lisboa não lhe trazia qualquer diminuição de despesas de transporte da residência para o local de trabalho, visto morar em Fazendas de Almeirim.
5 – A referida quantia era paga ao Requerente mediante processamento efectuado pelos serviços de contabilidade da Requerida, mas a partir de 1 de Junho de 2009 passou a ser processada através do recibo do vencimento pelo Departamento de Recursos Humanos, com o código e descritivo “1253 – Pagamento de nota de despesa”, continuando o Requerente a preencher o impresso denominado folha de quilómetros ou despesas de deslocação, com indicação do número de quilómetros correspondente à distância (210 quilómetros) de ida e volta entre Lisboa e o local da sua residência, à data sita em Fazendas de Almeirim.
6 – Em Junho de 2011, o montante da referida quantia paga pela Requerida ao Requerente foi de 1.382,60 Euros.
7 – Em Maio de 2011, a Requerida pagou ao Requerente as seguintes quantias: € 1.174,50, (vencimento base), € 234,90 (isenção de horário de trabalho), € 362,50 (prémio de desempenho), € 1.382,60 (pagamento de nota de despesa) e 54,31 (subsídio para falhas).
8 – Em finais de Junho de 2011 a Requerida comunicou verbalmente ao Requerente que iria reduzir-lhe o pagamento da quantia que vinha sendo paga como “despesas de deslocação – folha de quilómetros” uma vez que a Requerida tinha conhecimento de que o Requerente não residia em Fazendas de Almeirim, mas residia no Cacém.
9 – Perante esta comunicação verbal, o Requerente manifestou a sua discordância e respondeu que iria defender-se em tribunal.
10 – Na sequência desta comunicação verbal, o Requerente, através de mandatário judicial, enviou, com data de 11 de Julho de 2011, à Directora de Recursos Humanos da Requerida a comunicação escrita cuja cópia consta de fls. 48/50 dos autos e se dá por reproduzida, na qual manifesta o entendimento de que a quantia que lhe é paga com a denominação de “nota de despesa” constitui parte da sua retribuição, não podendo ser reduzida de forma unilateral.
11 – Em Julho de 2011, a Requerida não pagou ao Requerente qualquer quantia a título de “pagamento de nota de despesa”, tendo-lhe pago as seguintes quantias: € 1.174,50, (vencimento base), € 234,90 (isenção de horário de trabalho), € 362,50 (prémio de desempenho), 54,31 (subsídio para falhas) e € 106,11 (horas extra dias feriados 200%).
12 – Em 1 de Agosto de 2011, o Requerente enviou ao Director-Geral da Requerida a comunicação escrita, via E-mail, cuja cópia consta de fls. 52 dos autos e é do seguinte teor: “Venho solicitar a V.ª Ex.ª uma reunião com carácter de urgência, porque a BB não pagou-me a folha de deslocação referente ao mês de Julho e por essa razão estou em incumprimento bancário, tendo um custo diário de 10,00 Euros por incumprimento. Devido à gravidade da situação, agradeço a sua compreensão”.
13 – A esta comunicação do Requerente respondeu a Directora de Recursos Humanos da Requerida em 1 de Agosto de 2011, mediante comunicação escrita, via E-mail, cuja cópia consta de fls. 54 dos autos e é do seguinte teor:
Por estar ausente de férias solicitou-me o DD que respondesse ao E–mail anexo.
Face ao conteúdo do E-mail cumpre esclarecer:
– O incumprimento bancário das contas tituladas pelo Sr. AA, só a si o responsabiliza. Não pode pretender assacar a terceiros essa responsabilidade.
– Se bem se recorda em Julho não entregou a folha de quilómetros de Junho.
Se bem me recordo, o Sr. AA procurou entregar ao Sr. EE folha de quilómetros com o valor de cerca de 1.300 €.
Nessa mesma altura o seu Director de Operações reiterou a sua decisão, ou seja a partir de Junho de 2011 a folha de quilómetros passava a ter um valor de 400 €.
O Sr. AA até à data não apresentou qualquer folha de quilómetros.
Como o Sr. AA bem sabe a folha de quilómetros que lhe foi atribuída, visava exclusivamente compensar a penosidade da deslocação da sua residência para o trabalho
Como o Sr. AA bem sabe desde há vários anos que omitiu, conscientemente, a localização da sua residência, que não se situa em fazendas de Almeirim, mas sim no Cacém, tendo recebido indevidamente avultadas quantias da empresa, a título de compensação por uma deslocação que se veio a apurar era falsa.
Só por interferência do seu Director é que a sua folha não foi retirada de imediato, mantendo-se até ao início de Julho em 400 €.
Estes factos vieram ao meu conhecimento no início de Julho”.
O conteúdo desta comunicação veio a ser reiterado ao Requerente por comunicação da Requerida de 22 de Agosto de 2011, cuja cópia consta de fls. 128 e 129 dos autos e se dá por reproduzida.
14 – Na declaração de IRS referente ao ano de 2010, consta a indicação de Fazendas de Almeirim como domicílio fiscal do Requerente.
15 – Em 2 de Dezembro de 2005, foi celebrado na Conservatória do Registo Civil de Almada entre o Requerente e CC um Acordo quanto ao Exercício do Poder Paternal relativamente aos filhos menores FF e GG, nos termos do qual os mesmos ficaram a viver com a mãe, pagando o Requerente a cada um dos filhos a quantia de 125,00 Euros, sendo todas as despesas pagas por ambos os progenitores.
16 – Consta de fls. 68 dos autos cópia de uma factura de electricidade em nome do Requerente do mês de Dezembro de 2009, relativa a um contrato de abastecimento para a Av. (…), ..., ..., Mafra, com o valor mensal de 21,00 euros para o ano de 2010.
17 – Consta de fls. 69 dos autos cópia de uma factura de telefone da PT Comunicações, em nome de CC, relativa ao mês de Julho de 2011, relativa à morada da Av. (…), ..., ..., Mafra, com o valor de 31,85 Euros.
18 – Consta de fls. 70 dos autos cópia de uma factura em nome do Requerente, referente ao mês de Julho de 2011, relativa a um contrato de abastecimento de água para a Av. (…), ..., ..., Mafra, com o valor de 12,35 Euros.
19 – Consta de fls. 71 dos autos cópia de uma factura em nome do Requerente, referente ao mês de Junho de 2011, relativa a um contrato de abastecimento de gás para a Av. (…), ..., ..., Mafra, com o valor de 29,70 Euros.
20 – Consta de fls. 72 dos autos cópia de uma factura em nome do Requerente, referente ao mês de Julho de 2011, emitida pela ZON TV CABO PORTUGAL, S.A, relativa a um contrato para a Av. (…), ..., ..., Mafra, com o valor de 45,00 Euros.
21 – Consta de fls. 77/80 dos autos cópia de um extracto bancário do ... BANK PLC em nome do Requerente, referente ao mês de Julho de 2011, do qual consta a indicação de que o mesmo é devedor dos seguintes empréstimos e créditos:
– Um empréstimo para aquisição de bens de consumo com início em 9.02.2011 e vencimento em 2.03.2017, com a prestação mensal de 338,74 €;
– Um empréstimo para aquisição de habitação com início em 28.05.2008 e vencimento em 28.05.2047, com a prestação mensal de 292,49 €;
– Um empréstimo para aquisição de bens de consumo com início em 28.05.2008 e vencimento em 28.05.2047, com a prestação mensal de 26,36 €.
22 – Consta de fls. 89/91 dos autos cópia de extractos bancários do Banco ..., SA em nome do Requerente, dos quais conta a indicação de que o mesmo é devedor dos seguintes empréstimos e créditos:
– Crédito Consumo Premium com vencimento em 1.12.2016, com a prestação mensal de 565,56 €;
– Um empréstimo de taxa variável com vencimento em 2.08.2042, com a prestação mensal de 414,02 €;
– Um empréstimo multifunções com vencimento em 2.08.2042, com a prestação mensal de 101,35 €.
23 – Da declaração de rendimentos – IRS entregue pelo Requerente ao Ministério das Finanças em 27.07.2011, relativamente ao ano de 2010, consta como rendimento do Requerente o montante de € 24.992,53, correspondente aos rendimentos do trabalho auferidos para efeitos de IRS no âmbito da Requerida.
24 – CC é trabalhadora da Requerida, tem a sua morada na Rua (…), Cacém, e auferiu em Agosto de 2008 as seguintes quantias: € 1.174,50 (vencimento base), € 234,90 (isenção de horário de trabalho), € 362,50 (prémio de desempenho), € 32,04 (subsídio de alimentação) e 54,31 (subsídio para falhas).
*
De entre os factos alegados pelo Requerente e pela Requerida com relevância para a decisão, não ficaram provados os seguintes:
(…)

III – O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 685.º-A e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).

A – REGIME PROCESSUAL APLICÁVEL

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância do presente procedimento cautelar comum ter dado entrada em tribunal em 20/08/2011, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010.
Esta acção, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjectivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor (que ocorreu no dia 1/1/2008) das alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, e que só se aplicaram aos processos instaurados a partir de 01/1/2008 (artigos 12.º e 11.º do aludido diploma legal) bem como da produção de efeitos das mais recentes alterações trazidas a público pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20/11 e parcialmente em vigor desde 31/03/2009, com algumas excepções que não tem relevância na economia dos presentes autos (artigos 22.º e 23.º desse texto legal) – cf., quanto ao complexo regime decorrente das normas de direito transitório constantes do último diploma legal indicado, Eduardo Paiva e Helena Cabrita, “O processo executivo e o agente de execução”, 2.ª Edição, Abril de 2010, Edição conjunta de Wolsters Kluwer Portugal e Coimbra Editora, páginas 19 e seguintes –, mas esse regime, centrado, essencialmente, na acção executiva, pouca ou nenhuma relevância tem para a economia deste processo judicial.
Será, portanto, de acordo com o regime legal decorrente do actual Código do Processo do Trabalho e, essencialmente, da reforma do processo civil de 2007 e dos diplomas entretanto publicados e com produção de efeitos até ao dia da instauração dos presentes autos, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27/08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28/08, Lei n.º 64-A/2008, de 31/12 e Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e aplica-se a processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido, quer na vigência do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho aprovado pelo Decreto n.º 49 408, de 24/11/1969 e legislação complementar, como do Código do Trabalho de 2003, bem como finalmente no de 2009 (o Código do Trabalho de 2009 entrou em vigor em 17/02/2009), sendo, portanto, o regime decorrente de qualquer um desses diplomas que poderá aqui ser chamado à colação, conforme os factos e questões concretas abordadas, em conjugação com as normas de aplicação da lei no tempo, o reclamem.

B – RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
(…)

D – OBJECTO MATERIAL DO RECURSO

D1 – REQUISITOS LEGAIS DAS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES NÃO ESPECIFICADAS

O Requerente e Apelante lançou mão dos autos de Procedimento Cautelar Comum com vista ao deferimento da pretensão que deixámos acima enunciada, tendo a Requerida, na sua oposição, sustentado que o montante deixado de pagar ao demandante não tinha a natureza jurídica de retribuição, visando somente pagar ao mesmo as despesas de deslocação entre a residência e o local de trabalho e vice-versa, vindo aquela a se alterar, com a correspondente diminuição do valor despendido, não se mostrando, por outro lado, demonstrada que a dita redução de rendimento do recorrente não lhe permita o seu sustento e a assunção dos compromissos reconhecidos.
Os artigos 381.º e 387.º do Código de Processo Civil, na parte que nos interessa, estatuem o seguinte:

Artigo 381.º
(Âmbito das providências cautelares não especificadas)
1. Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
2. O interesse do requerente pode fundar–se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.
3. (…).
Artigo 387.º
(Deferimento e substituição da providência)
1. A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
2. A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.
3. (…)

A interpretação conjugada do regime acima reproduzido permite–nos corroborar o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4/11/2009, processo n.º 2471–09.0TTLSB.L1–4, em que foi relatora a Juíza–Desembargadora Isabel Tapadinhas, publicado em www.dgsi.pt (Sumário), quando afirma o seguinte (cf., também, nesse mesmo sentido, a sentença impugnada):
“I – A solicitação de medidas cautelares não especificadas depende essencialmente da verificação de dois requisitos, nos termos dos arts. 381.º e 387.º do Cód. Proc. Civil:
a) Aparência ou verosimilhança de um direito do requerente carecido de tutela (fumus boni iuris);
b) Verificação de situação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não for decretada (periculum in mora). (…)”
António Abrantes dos Santos Geraldes, por seu turno, em “Temas da Reforma do Processo Civil – 5. Procedimento cautelar comum”, III Volume, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, Janeiro de 2010, página 99, afirma a este respeito, o seguinte:
Partindo do modo como vem regulada a matéria, o decretamento de providencias não especificadas esta dependente da conjugação dos seguintes requisitos:
a) Probabilidade séria da existência do direito invocado;
b) Fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito:
c) Adequação da providência a situação de lesão iminente;
d) Não existência de providência especifica que acautele aquela situação de perigo.

D2 – PRIMEIRO REQUISITO

Entrando na análise do primeiro requisito indicado (alíneas a) das duas transcrições), a decisão judicial recorrida, acerca da verificação do mesmo, sustentou o seguinte:
No caso presente, no que respeita ao primeiro requisito (“fummus bonni juris”), verifica-se, face às alegações acima transcritas, que o mesmo se mostra suficientemente alegado e provado indiciariamente pelo requerente.
Na verdade, em face da comprovação de que as funções do requerente sempre foram exercidas em estabelecimento fixo, não necessitando de efectuar deslocações em serviço, e do pagamento pela requerida ao requerente de uma quantia mensal, paga 11 meses por ano, com excepção do mês de gozo de férias, a título de prémio por bom desempenho das funções, mediante o preenchimento de um impresso denominado folha de quilómetros ou despesas de deslocação, impõe-se a conclusão de que tal quantia terá de ser entendida como integrando o conceito de retribuição e está abrangida pelo disposto no artigo 59.º da Constituição da República e no artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho, não podendo a mesma ser objecto de redução unilateral por parte do empregador.
Tendo em consideração a factualidade dada como indiciariamente provada e os documentos juntos aos autos, afigura-se-nos que tal decisão judicial faz uma correcta análise da existência do primeiro pressuposto para o decretamento da providência cautelar perseguida pelo Requerente (direito do trabalhador ao recebimento de uma determinada importância mensal a título de retribuição), não sendo tal sentença, aliás, colocada minimamente em crise pelo Apelante quanto à verificação desse elemento, não vindo, por outro lado, a Requerida lançar mão do mecanismo processual previsto no artigo 684.º-A do Código de Processo Civil, com vista à ampliação do objecto do recurso no que toca a esse aspecto.
Sendo assim, até porque está fora do objecto deste recurso, nada mais há a dizer quanto ao mesmo a não ser que se mostra indiciariamente comprovado o primeiro requisito de que o legislador faz depender o decretamento da providência cautelar aqui pretendida.

D3 – SEGUNDO REQUISITO

Olhando agora para o segundo requisito – Verificação de situação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não for decretada –, convirá, antes de mais, ouvir o juiz que proferiu a sentença aqui impugnada, acerca desta matéria (sem perder de vista que o tribunal recorrido fundou a sua decisão num quadro fáctico e documental diverso daquele que este tribunal de recurso ponderará):
“Porém, quanto ao requisito do justo e fundado receio de que a demora natural na solução do litígio acarrete um prejuízo grave ou de difícil reparação, traduzido nas alegadas lesões resultantes da redução do salário e que diminuem a capacidade do trabalhador em fazer face aos seus compromissos de natureza pecuniária, ou mesmo a sua insolvência, e afectam o nível de vida do requerente, entende o tribunal que o mesmo não se mostra preenchido.
Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-11-2009, proferido no processo nº 2471-09.0TTLSB.L1-4, disponível em www.dgsi.pt, «o facto de o legislador no art. 381.º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, ter ligado as expressões “lesão grave” e “dificilmente reparável” com o conjunção copulativa “e”, em vez da disjuntiva “ou”, deve levar-nos a concluir que não é apenas a gravidade das lesões previsíveis que justifica a tutela provisória, assim como não basta a lesão irreparável ou dificilmente reparável. Quer isto dizer que apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves que sejam simultaneamente irreparáveis ou de difícil reparação. Ficam afastadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, assim como as lesões que, apesar de se revelarem graves, não sejam dificilmente reparáveis ou irreparáveis (Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Volume, 2ª edição, Almedina, pág. 85 e Ac. do STJ, de 29.09.99, CJ/STJ, Ano VII, Tomo III, pág. 42)”. Há que ter em conta, porém, que o periculum in mora estabelecido pelo legislador não é um perigo genérico de dano, mas é um perigo qualificado que deve ser aferido numa perspectiva funcional, o que significa que só devem ter relevância os prejuízos que coloquem em risco a efectividade da sentença proferida no processo principal, pelo que o critério não pode ser o da susceptibilidade ou indestrutibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas deve ser o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a violação dos direitos do requerente não tivesse tido lugar.
No caso presente, o requerente não alegou quaisquer factos no sentido de demonstrar que após eventual decisão favorável, a proferir no processo principal, não seja possível à requerida ressarcir integralmente os prejuízos que se tenham verificado, pois, está em causa apenas uma questão de quantificação de valores monetários e o requerente nada alegou no sentido de demonstrar eventual dificuldade futura da requerida em proceder aos pagamentos a que seja eventualmente condenada.
Verifica-se, no entanto, que é insofismável que a diminuição da retribuição do requerente de € 1.382,60 para € 400,00, ou seja no montante de 932,60, no que respeita à parcela que lhe vem sendo paga desde finais de 1992 com a denominação de “folha de quilómetros”, constitui para o requerente uma lesão grave dos seus direitos, tendo em conta o montante da redução em causa e respectiva proporção em relação ao montante global da remuneração líquida auferida mensalmente nos 11 meses de recebimento quantia em causa, o qual ascende a 2.739,90 €, visto que, em face da experiência comum, será normal que o comportamento do trabalhador e respectivo modo de vida seja adequado ao montante da retribuição mensal auferida com regularidade pelo que, a redução operada implicará normalmente uma repercussão negativa sobre as respectivas condições de vida.
Porém, impendia sobre o requerente o ónus de alegar e provar factualidade reveladora das concretas condições económicas em que se encontra em razão da diminuição da sua retribuição no que respeita à capacidade de continuar a solver os seus compromissos e continuar a assegurar a satisfação das suas necessidades básicas e do seu agregado familiar.
Com efeito, ao requerente competia alegar e provar, ainda que de forma indiciária, que despesas (quantificadas) tem mensalmente (alimentação, vestuário e demais encargos correntes) e qual o valor dos rendimentos do seu agregado familiar para que, em face de tais elementos probatórios, o tribunal pudesse ajuizar acerca do impacto que a redução da remuneração teria na sua vida, de forma a aquilatar se consubstancia um prejuízo grave e de difícil reparação, o que apenas ocorreria caso resultasse da diminuição do vencimento a impossibilidade de satisfação das necessidades básicas do agregado familiar.
Verifica-se, contudo, que o requerente se limitou a juntar alguns elementos documentais sobre as suas despesas, os quais foram considerados provados e dos quais se extrai que o requerente contraiu empréstimos bancários que está a pagar e cujo montante mensal global ascende a 1.758,52 €.
Ora, sendo certo que tal montante consome a totalidade da retribuição que o requerente passou a auferir após a redução operada pela requerida, não pode o tribunal aquilatar sobe a impossibilidade de o requerente prover à satisfação das necessidades básicas do agregado familiar, uma vez que o requerente nada mais provou no que respeita às suas concretas condições económicas para além da entrega da declaração de IRS, pois, na audiência final nenhuma prova incidiu sobre as suas condições económico-financeiras e do seu agregado familiar e respectivas implicações sobre as suas condições de vida, bem como prejuízos irreparáveis daí decorrentes.
Nesta conformidade, impõe-se a conclusão de que não se verifica a existência de prejuízos de difícil reparação, ainda que somente em juízo de elevada probabilidade, o que implica o indeferimento da presente providência cautelar, visto que os requisitos acima apontados são de verificação cumulativa.”
Face ao novo quadro fáctico que se deu como perfunctoriamente demonstrado, bem como ao acervo documental que o complementa, quando filtrados pelo regime legal aplicável, quer de cariz adjectivo como de índole substantiva, será de inverter o juízo de improcedência da providência cautelar aqui requerida, efectuado pela sentença impugnada?
António dos Santos Abrantes Geraldes, obra citada, páginas 100 e seguintes, sustenta o seguinte, acerca do segundo requisito comum às providências cautelares inominadas:
22. Lesão grave e dificilmente reparável:
22.1. O fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável constitui, nas medidas cautelares atípicas, a manifestação do requisito comum a todas as providências: o " periculum in mora".
Tal como ocorre com a generalidade das providências, o receio tanto pode manifestar-se antes da propositura da acção como na sua pendência. Em qualquer das situações, o autor pode solicitar a adopção da medida que julgue mais adequada para acautelar o efeito útil que através do processo principal pretende ver reconhecido ou satisfeito.
Mas não é toda e qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da contraparte. Só lesões graves e dificilmente reparáveis, têm essa virtualidade de permitir no tribunal, mediante solicitação do interessado, a tomada de uma decisão que o defenda do perigo.
Compreende-se o cuidado posto pelo legislador no restringir a concessão da tutela provisória. É esse mesmo cuidado que deve guiar o juiz quando se debruça sobre a situação sujeita a apreciação jurisdicional. De facto, tratando-se de uma tutela cautelar decretada, por vezes, sem audiência contraditória, não é qualquer lesão que justifica a intromissão na esfera jurídica do requerido com a intimação para se abster de determinada conduta ou com a necessidade de adoptar determinado comportamento ou de sofrer um prejuízo imediato relativamente ao qual não existem garantias de efectiva compensação em casos de injustificado recurso à providência cautelar (art.º 390.º, n.° 1).
22.2. O interesse em agir, que constitui na generalidade das acções judiciais um pressuposto processual autónomo, atinge aqui uma especial relevância, de modo a evitar abusos na utilização desta forma de composição provisória dos conflitos. Daí que se imponha ao juiz a necessidade de colocar na balança dos interesses, a par dos prejuízos que o requerente pretende evitar, aqueles que a decisão possa provocar na esfera jurídica do requerido, seguindo o padrão referido no art.º 387.º, n.º 2, e, assim, indeferindo a providência quando o prejuízo dela resultante exceda consideravelmente o dano que com ela se pretende evitar.
Independentemente da ponderação destes factores, o juiz deve convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo dos danos futuros. A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado. (…)
22.3. A protecção cautelar não abarca apenas os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação, mas ainda os efeitos que possam repercutir-se na esfera patrimonial do titular.
Quanto aos prejuízos patrimoniais o critério deve ser bem mais restrito do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva. Apesar disto, não deve excluir-se, como aliás, a lei não exclui, a possibilidade de protecção antecipada do interessado relativamente a prejuízos de tal espécie, embora devam ser ponderadas as condições económicas do requerente e do requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados.
Importa ainda ponderar em que medida a reintegração do direito por via da reconstituição natural ou da indemnização se mostra eficaz, oportuna e realista, prevenindo pela via cautelar situações de perigo de lesão em que tal reparação não seja previsível ou se revele difícil ou morosa, deste modo dando relevo a susceptibilidade de tutela adequada.
22.4. O facto de o legislador ter ligado as duas expressões com a conjunção copulativa "e", em vez da disjuntiva "ou", determina que não é apenas a gravidade das lesões previsíveis que justifica a tutela provisória, do mesmo modo que não basta a irreparabilidade absoluta ou difícil. Apenas merecem a tutela provisória consentida através do procedimento cautelar comum as lesões graves que sejam simultaneamente irreparáveis ou de difícil recuperação.
Ficam afastadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento comum, ainda que se mostrem irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são excluídas as lesões que, apesar de graves, sejam facilmente reparáveis.
A utilização de tal conceptualização liga-se à própria natureza das providências cautelares comuns e à plasticidade que as caracteriza, a qual lhes atribui a capacidade de servirem uma diversidade de direitos e de relações jurídicas e lhes proporciona uma mais fácil adaptação às situações da vida real difíceis de catalogar de modo mais preciso. Tornando-se mais difícil a densificação desses conceitos, há-de reconhecer-se igualmente que o uso de semelhante técnica legislativa confere a norma uma maior capacidade de adaptação à vida real que antecipada e abstractamente se pretendeu regular.
É o juiz que, confrontado com a realidade projectada pelas partes nos procedimentos cautelares, está em melhores condições de ponderar a conexão entre a previsão normativa e essa realidade, sendo-lhe atribuída a tarefa de seleccionar, dentro da diversidade da vida real, as situações carecidas de tutela rápida e eficaz que se insiram nas mencionadas abstracções normativas. A evolução social, o surgimento de novos valores (v. g. relacionados com o bem estar social ou com a qualidade de vida), a par do esbatimento de outros, exigem dos tribunais uma constante atenção e adaptação, de forma a evitar insustentáveis situações de divórcio entre o raciocínio jurídico-formal e os sentimentos predominantes na sociedade. Só a utilização de conceitos indeterminados como aqueles permite manter razoavelmente actualizadas as normas jurídicas, sem prejuízo de, em certas situações, o legislador nelas introduzir determinadas clarificações e especificações.
Por conseguinte, na avaliação da gravidade da lesão deve o juiz verter para a decisão os valores que considere mais adequados em determinados momentos, tendo sempre em conta, no entanto, que a apreciação dos requisitos se deve pautar por um critério tão objectivo quanto possível. (…)
24. Fundado receio:
24.1. O receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável deve ser fundado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e a actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.
Não bastam, pois, simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efectivas lesões.
"Fundado receio" tem a mesma significação que a expressão utilizada no art.º 406.º, n.º 1, do CPC, ou no art.º 619.º do Código Civil, que, a propósito do arresto, exigem, respectivamente, o “justificado receio" ou o "justo receio" de perda da garantia patrimonial, pressupondo ambas as normas a iminência da verificação ou repetição de uma lesão no direito.
24.2. A qualificação do receio de lesão grave como “fundado" visa restringir as medidas cautelares, evitando que a concessão indiscriminada de protecção provisória, eventualmente com efeitos antecipatórios, possa servir para alcançar efeitos inacessíveis ou dificilmente atingíveis num processo judicial pautado pelas garantias do contraditório e da maior ponderação e segurança que devem acompanhar as acções definitivas.
Dai que se sustente correntemente que o juízo de verosimilhança deve aplicar–se fundamentalmente quando o juiz tem de se pronunciar sobre a probabilidade da existência do direito invocado, devendo usar um critério mais rigoroso na apreciação dos factos integradores do "periculum in mora".
Parece ser esta a melhor interpretação da expressão “fundado receio", se a confrontarmos com a letra do art.º 387.º, n.º 1, localizada no momento da decisão, onde se determina que a procedência pressupõe que se "mostre suficientemente fundado" o receio de Lesão, diversamente do que ocorre quanto ao direito tutelável, para cuja afirmação bastam juízos de “séria probabilidade"
No entanto, o critério de aferição não deve ser reconduzido a certeza inequívoca quanto à existência da situação de perigo dificilmente comprovada em processos com as características e objectivos dos procedimentos cautelares, bastando, por isso, que se mostre razoavelmente fundado esse pressuposto.
As circunstâncias em que o juiz deve ter por justificado o receio de lesões futuras devem ser apreciadas objectivamente, tendo em conta o interesse do requerente que promove a medida e o do requerido que com ela é afectado, as condições económicas de um e outro, a conduta anterior e a sua projecção nos comportamentos posteriores.”
Ora, tendo como pano de fundo a doutrina exposta pelo agora Juiz Conselheiro António Abrantes dos Santos Geraldes e embora compreendendo a argumentação desenvolvida pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa, não nos deixa de impressionar a circunstância do Requerente ver o seu rendimento laboral diminuído no montante de € 982,60, pois auferiu até Junho de 2011 a retribuição mensal habitual de € 3.208,21 e depois, a partir de Julho de 2001 e em termos de remuneração normal, passou a receber a quantia de € 1.826,21 (€ 1932,32, com as horas extra pagas, no valor de € 106,11), pois nem os prometidos 400,00 Euros percebeu (a dita remuneração, ao englobar essa importância de € 400,00, a título de “despesas de deslocação”, deveria ser de, pelo menos, € 2.226,21).
Tal redução salarial – de € 1.382,60 para € 00,00 – implica uma diminuição de 43,09% no rendimento mensal do Requerente x 11 meses por ano ou de 37,298% em termos anuais (menos € 15.208,60), pois apesar de o Apelante ter apresentado as suas despesas de deslocação relativas a Julho e Agosto de 2011, conforme ressalta de fls. 120 a 123 – muito embora nos moldes em que sempre o fez, com referência a 210 quilómetros diários e ao valor mensal de € 1.382,60 – nada consta dos autos que demonstre que a Requerida começou a liquidar-lhe, pelo menos, o novo valor de € 400,00.
De qualquer maneira, ainda que tais 400,00 € lhe sejam entregues 11 vezes ao ano, haverá sempre uma diferença negativa de 30,63% mensais ou de 26,51% anuais (menos € 10.808,60), o que representa um rombo violentíssimo na primeira modalidade considerada e ainda fortíssimo na segunda variante.
A manter-se a obstinação das partes – o Apelante reclamando as despesas de deslocação de sempre e a Apelada a recusar-se a pagar-lhe as mesmas, na sua totalidade, enquanto aquele não corresponder ao que lhe foi recentemente ordenado –, verificamos que o Requerente vê-se privado de uma fatia dos seus proventos superior à que, por exemplo, é permitida pelo artigo 824.º, número 1, alínea a) do Código de Processo Civil, em termos de penhora, o que não deixa de ser relevador da particular ilicitude, bem como das graves consequências, que nem sequer o legislador consente, derivadas da situação de redução da retribuição do trabalhador.
Importa talvez lembrar a esse respeito que, segundo a nossa melhor doutrina e jurisprudência, a remuneração do trabalhador, por constituir, na esmagadora maioria das vezes, a sua única fonte de rendimento – como é o caso do Requerente – possui uma natureza social e jurídica muito particular porque, como afirma António Monteiro Fernandes em “Direito do Trabalho”, 13.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2006, paginas 436 e seguintes, ainda que a propósito do regime constante do Código do Trabalho de 2003, “desde logo, o salário não é a mesma coisa para o trabalhador e para a entidade patronal: aquele tende a encará-lo como meio de subsistência e a estabelecer uma correlação entre a penosidade do trabalho e o grau de satisfação (ou insatisfação) das suas necessidades pessoais e familiares…Ou seja: entre os padrões de avaliação do trabalhador (necessidades próprias) e da entidade patronal (produtividade) não há coincidência, nem mesmo tendencial. Para um, o salário é algo como um crédito alimentar; para o outro, é o preço de um factor produtivo. A negociação colectiva sobre a matéria salarial encontra aqui uma parte das razões da sua dificuldade, por vezes insuperável em termos pacíficos: o critério de uma das partes é basicamente social – o da outra é sobretudo económico. (…)
A destinação do salário à satisfação das necessidades pes­soais e familiares do trabalhador constitui uma outra perspectiva a que o legislador atribui particular saliência. Pode dizer–se que é essa a concepção subjacente a todo o regime jurídico da retribuição no Código do Trabalho. Desde logo, o critério legal para a determinação qualitativa da retribuição é largamente tributário dela: ele assenta na ideia de regularidade do seu recebimento pelo trabalhador, ou seja, parte da existência de expectativas deste quanto ao grau de satisfação de necessidades correntes que os rendimentos do trabalho lhe asseguram.
Na perspectiva de se correlacionar o salário com as necessi­dades do trabalhador situa–se o regime da remuneração mínima garantida, cuja primeira versão constou do DL 217/74, de 27/5, e que hoje integra o art.º 266.º Código do Trabalho.
Esse regime tem raiz constitucional: o art. 59.º/2 a) CRP vincula o Estado a estabelecer e actualizar o salário mínimo nacional, atendo em conta, entre outros factores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida...». A verdade porém é que, não obstante a aparência criada (nomeadamente por diversas passagens dos preâmbulos dos diplomas que sobre o assunto foram surgindo, ao longo dos anos), não pode dizer-se que existe um autêntico salário mínimo nacional. O sentido normativo desta noção (como, de resto, ressalta do teor do preceito constitucional) engloba uma conotação de suficiência que, para ser correspondida, implicaria a correlação com um mínimo de subsistência familiar previamente determinado. Haveria, em suma, que fixar um quantitativo mínimo bastante para cobrir as necessidades tidas por essen­ciais dum agregado familiar com certa dimensão, face ao nível atingido pelo custo de vida. Não é, seguramente, esse o conteúdo da garantia existente: a lei fixa um quantitativo que (suficiente ou não) se tem por irredutível, obstando a que níveis remuneratórios inferiores sejam consig­nados na negociação colectiva ou nos contratos individuais.
E, ainda assim, o anterior regime, constante do DL 69-A/87, previa desvios para menos, relativamente a certas actividades (serviço doméstico, trabalho artesanal) ou em função de determinadas características dos trabalhadores (menores, praticantes, aprendizes, estagiários, ou com capa­cidade de trabalho reduzida) – que, no entanto, com o CT, deixam de ser aplicáveis.
Sublinhe-se, por outro lado, que, quanto aos critérios a adoptar na definição da remuneração mínima garantida, o CT se aproxima, mais do que a lei anterior, dos desígnios constitucionais relativos ao salário mínimo: devem ser objecto de ponderação "as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida e a evolução da produtividade" (art.º 266.º/2).
Todavia, as expressões mais significativas do nexo estabe­lecido entre a retribuição e as necessidades do trabalhador consistem num conjunto de normas legais que oferece uma especial tutela da integridade dos valores que compõem o salário. Essa tutela aponta mesmo para a limitação dos efeitos normais que a actividade jurídica do trabalhador teria sobre tal parte (essencial) do seu património.
Assim, vigora a regra da inadmissibilidade da compensação integral da retribuição em dívida com créditos da entidade patronal sobre o trabalhador (art.º 270.º): a compensação, quando admitida (n.º 2 do mesmo art.º), não pode exceder, em regra, um sexto do salário.
Por outro lado, os créditos salariais são parcialmente impenhoráveis (em dois terços do seu montante: art. 823.º/1 CPC) e também parcialmente insusceptíveis de cessão (art. 271.º), aliás em medida idêntica.
Além disso, a retribuição do trabalho beneficia de importan­tes privilégios creditórios (art.º 377.º CT), não apenas sobre os bens móveis do empregador mas também sobre os imóveis em que preste o seu trabalho. Os créditos dos trabalhadores são colocados em primeiro lugar tanto num caso como no outro. Deste modo, a situação dos créditos remuneratórios e indemnizatórios, anterior­mente bastante débil, resultou consideravelmente reforçada.
De qualquer modo, é patente que as disposições referidas assentam numa concepção não puramente «retributivas do salário – antes sublinhando a inerência deste último à satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador”. (não será despiciendo referir também, a este propósito, como aliás faz o autor citado, o Fundo de Garantia Salarial, instituído pelo Decreto-Lei n.º 212/99, de 15/06 e depois revogado pelo Código do Trabalho de 2003 – artigos 380.º e 316.º a 326.º da Lei n.º 35/2004, de 29/07 –, achando-se hoje previsto no artigo 336.º do Código do Trabalho de 2009 e nessas disposições da Regulamentação do anterior Código, bem como ainda o regime constante dos artigos 25.º a 31.º da Lei n.º 105/2009, de 14/09, como, por exemplo, a suspensão da execução fiscal ou da sentença de despejo).
Logo, pelos motivos jurídicos e sociais expostos, não se pode equiparar a remuneração do trabalhador, que se traduz na contrapartida do trabalho prestado ao empregador, a um qualquer crédito proveniente de um contrato civil ou comercial – sendo, nessa medida e em nossa opinião, mais legítimo aproximá-lo antes da prestação alimentar a menores ou maiores –, o que quer dizer que na aferição de qualquer lesão à mesma, importa, por um lado, ser bastante rigoroso na sua avaliação e tolerância, mesmo que em termos meramente cautelares, pois estão em causa direitos constitucionais básicos, de índole patrimonial, social, familiar, pessoal e moral, que, no seu conjunto, se reconduzem, em última análise, à dignidade da pessoa humana, nas diversas vertentes consideradas na Constituição da República Portuguesa, não se podendo ter, por outro lado e consequentemente, uma perspectiva miserabilista ou muito restrita do fundamento e âmbito de aplicação das providências cautelares, em casos como o dos autos, em que estão em causa, ainda que parcialmente, as necessidades básicas de subsistência do Requerente (alimentação, vestuário, calçado, habitação, saúde, etc.).
Olhando para os factos indiciariamente provados, verificamos que o recorrente, com o rendimento anual reduzido com que se vê agora (€1.826,21 x 14 meses, sem prejuízo de outras importâncias pagas a título de trabalho suplementar, no valor anual mínimo de € 25.566.94, que podemos arredondar para € 26.00,00, como forma de contabilizar prestações retributivas não regulares) tem de fazer face, desde logo, aos descontos para a Segurança Social e para o IRS (retenção na fonte), pois parte daquele montante anual é ilíquido, tendo depois, com o que recebe efectivamente, de fazer face às seguintes despesas, que iremos ponderar igualmente, em termos anuais, de forma a podermos confrontá-las com o dito rendimento anual:

a) Despesas mínimas de alimentação, vestuário e calçado (Ponto 25): € 2.280,00 (€ 190,00 x 12 meses);
b) Outras despesas essenciais mínimas (Ponto 27): € 2.527,32 (€ 210,61 x 12 meses);
c) Pensão de alimentos (Ponto 26): € 3.000,00 (€ 250,00 x 12 meses);
d) Prestações de natureza bancária (operações de crédito): € 20.861,52 (€ 1.738,46 x 12 meses);
Total anual: € 28.668,84.
Verifica-se assim que, anualmente, o Requerente registará um saldo negativo mínimo de € 2.668,84 na sua contabilidade pessoal e familiar (e, realce-se, com referência ao montante anual bruto da sua remuneração).
Dir-se-á que o mesmo tem ainda um Activo de € 6.133,70, que cobrirá facilmente tal saldo negativo, mas importará não olvidar que o Apelante tem já um saldo negativo de algumas suas contas bancárias de € 2.957,40, o que significa que daquele activo, depois de liquidado aquele défice, restará somente € 3.176,33 para enfrentar o aludido saldo negativo anual (€ 2.668,84), alcançando-se, depois de suportado este, o valor residual final de € 507,40.
Importa lembrar que o cenário factual considerado não esgota o universo de despesas que certamente o recorrente conhecerá no seu quotidiano pessoal e familiar, pois não foram equacionados os custos com a saúde, educação dos filhos, seguros vários, manutenção da viatura automóvel e da habitação, lazer, etc., sendo manifesto que os montantes acima considerados nos dois primeiros pontos pecam por defeito.
Ainda que se possa alçar o rendimento anual ilíquido do Requerente para € 30.400,00 (€ 26.000,00 + € 4.400,00, a título de despesas de deslocação, apesar de nada o indiciar nos autos), constata-se, ainda assim, uma muito reduzida (senão ainda nula) margem de manobra do Requerente para assumir todos os seus compromissos certos e regulares, bem como os imprevistos, dilatando-se somente no tempo a sua progressiva incapacidade de fazer face a todas as suas despesas, ainda que essenciais ou juridicamente obrigatórias.
Este cenário global (não nos competindo, nesta sede, fazer qualquer juízo de valor sobre o nível de endividamento em que se encontra o Requerente) facilmente insinua a situação deficitária permanente em que o Apelante vive já e que vai esgotar rapidamente as suas reservas e colocá-lo em situação reiterada de incumprimento relativamente a, pelo menos, algumas das operações de crédito em que é parte passiva.
Tal situação de incumprimento parcial gerará consequências que, salvo o devido respeito por opinião diversa, não são somente de cariz patrimonial (sendo estas, já por si, graves, por poderem implicar o vencimento imediato dos débitos em causa, com a sua exigibilidade imediata – capital, juros e outras prestações acessórias – e penhora e venda executiva de bens do Apelante), pois não só existirão necessariamente reflexos ao nível da estabilidade emocional e psicológica do recorrente, como ainda afectará inevitavelmente a sua vida familiar e social, podendo “manchar” finalmente o seu bom nome e reputação na praça bancária, caso o mesmo não consiga liquidar todos os seus empréstimos, cartão de crédito e saldos negativos nas contas bancárias (ou, por exemplo, conforme é referido nas alegações de recurso, seja por ele emitido um cheque sem provisão).
Muito desse danos são sérios, graves e, no período que a acção laboral, destinada a debater em definitivo a questão da legitimidade ou ilegalidade da redução das denominadas “despesas de deslocação”, irá presumivelmente demorar até ao trânsito em julgado da decisão aí proferida – 1 ano? 2 anos? – alguns deles poderão ser irreparáveis ou de difícil recuperação, pelo menos em toda a sua extensão.
Tudo isto para se concluir pela verificação desse segundo requisito e, consequentemente, pela procedência do presente recurso de Apelação, com a revogação da sentença impugnada e sua substituição por uma decisão que determine a providência cautelar requerida.


IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1 do Código do Processo do Trabalho e 712.º e 713.º do Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa, no seguinte:
a) Em admitir os documentos juntos pelo Apelante conjuntamente com as suas alegações;
b) Em não admitir a junção dos documentos juntos pelo Apelante conjuntamente com o requerimento apresentado ao abrigo do artigo 87.º, número 3 do Código do Processo do Trabalho (pronúncia sobre o parecer do Ministério Público), ordenando-se o seu desentranhamento e devolução à parte;
c) Em julgar parcialmente procedente o recurso de Apelação interposto por AA, na sua vertente da impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, que foi alterada nos moldes acima determinados;
d) Em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto por AA, na sua vertente jurídica, revogando-se, nessa medida, a decisão impugnada e determinando-se, em sua substituição, a providência cautelar requerida, intimando-se, nessa medida, a Requerida para realizar o pagamento da “nota de despesa” respeitante aos pretéritos meses de Julho de 2011 a Janeiro de 2012, pelo montante que vinha cumprindo até Maio de 2011 e nos termos habituais (11 meses ao ano, com exclusão do mês de férias), devendo continuar a fazê-lo no futuro e até à prolação de decisão final transitada em julgado na acção principal em que se discuta o objecto dos autos.
*
A sentença recorrida fixou o valor de causa em € 5.000,01, ao abrigo do artigo 40.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho, mas afigura-se-nos que o valor correcto é o estabelecido pelos artigos 313.º, número 3, alínea d) e 309.º, número 2, última parte, do Código de Processo Civil, a saber, o da alçada do Tribunal da Relação de Lisboa (€ 30.000,00 – artigo 24.º, número 1, da Lei n.º 3/99, de 13/01), que, nessa medida, aqui e agora se fixa, para todos os efeitos legais.
*
Custas do procedimento cautelar e do recurso a cargo da Apelada – artigos 453.º e 446.º do Código de Processo Civil.
*
Custas do incidente anómalo traduzido na junção ilegítima de três documentos com o requerimento apresentado ao abrigo do artigo 87.º, número 3, do Código do Processo do Trabalho, a cargo do recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2012

José Eduardo Sapateiro
Maria José Costa Pinto
Seara Paixão
Decisão Texto Integral: