Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
34/12.2TBPNI-B.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
PLANO DE PAGAMENTOS
INDEFERIMENTO LIMINAR
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Quando os devedores dizem, na petição inicial do processo de insolvência, que vão apresentar um plano de pagamentos depois da distribuição do processo, o juiz deve fixar-lhes um prazo para o fazerem - sob pena de, caso não o façam, se considerar que desistem da apresentação do mesmo (art. 252/8 do CPC) -, e não indeferir-lhes liminarmente a pretensão de apresentar um plano de pagamentos.
(da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

“A” e marido, “B” apresentaram-se à insolvência e requereram que fosse admitido e apensado “ao processo o incidente de plano de pagamentos que se juntará após a distribuição”.
Tal requerimento foi indeferido com o fundamento de que “o plano de pagamentos, apesar de formalmente autónomo, é necessariamente apresentado em conjunto com a petição inicial, conforme resulta do disposto no art. 251 do CIRE, sendo, então, autuado por apenso (art. 263 do CIRE), constituindo esse plano o primeiro elemento do apenso (cfr., neste sentido, Carvalho Fernandes/João Labareda, CIRE anotado, Quid Juris, 2ª Ed, pág. 837).”
E na sequência proferiu-se sentença de insolvência.
Os requerentes interpõem recurso daquele despacho para que seja revogado e substituído por outro que lhes conceda, sob pena de indeferimento, prazo para correcção da petição inicial, nos termos da al. b) do nº. 1 do art. 27 do CIRE, pois que ao não ter concedido tal prazo o processo vai prosseguir sem qualquer plano de pagamentos o que implicará a venda da [casa de] morada de família dos requerentes, com sujeição destes a consequências que não correspondem minimamente ao espírito da lei.
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Questões que importa decidir: se, dada a falta do anunciado plano de pagamentos, devia ter sido proferido despacho a dar prazo aos requerentes para o juntarem, e, no caso de se entender que sim, qual a consequência de não ter sido dado esse prazo.
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O despacho recorrido tem razão quando diz, citando Carvalho Fernandes/João Labareda, que “o plano de pagamentos, apesar de formalmente autónomo, é necessariamente apresentado em conjunto com a petição inicial, conforme resulta do disposto no art. 251 do CIRE […]”.
E quando não o for?
A lei não prevê a situação, mas prevê uma situação menos grave, que é a do plano apresentado não conter os elementos mencionados no nº. 5 do art. 252 do CIRE: ora, neste caso, o tribunal deve notificar o devedor para fornecer esses elementos no prazo que fixar (art. 252/8 do CIRE).
O despacho recorrido poderia apoiar-se nesta norma para dizer: se o CIRE apenas prevê esta hipótese, menos grave, e nada diz quanto à falta de apresentação do próprio plano, então é porque, nesta última, não se tem de notificar o devedor para o apresentar. Não havendo plano, o processo segue para a frente, sem ele.
Mas também se pode fazer o raciocínio contrário: se a lei prevê um “despacho de aperfeiçoamento” (a citação é da obra referida de Carvalho Fernandes/João Labareda, na 1ª edição, 2005, pág. 222), para aquela situação, não se vê porque é que ele não será possível no caso de falta de apresentação do próprio plano.
Note-se que o nº. 8 do art. 252 do CIRE diz ainda: Se o devedor não fornecer esses elementos naquele prazo, considera-se que desiste da apresentação do plano. Ou seja, a própria lei sugere que a falta de fornecimento daqueles elementos é a mesma coisa que a falta de apresentação do plano.
E a verdade é que não se vê diferença relevante entre as duas situações, uma diferença tal que deva dar lugar a consequências tão distintas: num caso, “despacho de aperfeiçoamento”, noutro “o indeferimento liminar” ou seja, a desconsideração da vontade da apresentação do plano.
Até porque a aplicação do “despacho de aperfeiçoamento” à situação da falta de apresentação do plano não terá efeitos para terceiros: a consequência é apenas a do atraso do processo e das inerentes vantagens para o devedor.
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Mais: os devedores fizeram, no caso, dois pedidos umbilicalmente ligados: de insolvência com plano de pagamentos. E como, sendo pessoas singulares não titulares de empresa, não têm obrigação de se apresentar à insolvência (mas apenas o ónus de o fazer) – art. 18/2 do CIRE – podiam querer apresentar-se apenas a um processo de insolvência com plano de pagamentos.
É que, como se diz no ponto 46 do preâmbulo do Dec.-Lei 53/2004, de 18/03, “[…] O incidente do plano abre caminho para que as pessoas que podem dele beneficiar sejam poupadas a toda a tramitação do processo de insolvência (com apreensão de bens, liquidação, etc.), evitem quaisquer prejuízos para o seu bom nome ou reputação e se subtraiam às consequências associadas à qualificação da insolvência como culposa.”
Ou, como dizem Carvalho Fernandes/João Labareda: “[…] a eficácia da declaração de insolvência é, neste caso, significativamente mitigada. Desde logo, pelo conteúdo da sentença, mas também pelos seus efeitos […] o devedor não fica privado da administração e disposição dos seus bens, ‘nem se produzem quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência’ segundo o CIRE. Não é também aberto o incidente de qualificação da insolvência, em nenhuma das suas modalidades, o que não deixa de constituir um benefício relevante para o devedor […] Além disso, não pode também esquecer-se o regime estatuído no nº. 5 [a sentença não é objecto de qualquer publicidade ou registo]” (pág. 236)
O que é mais uma razão para entender que um destes dois pedidos, que estão intrinsecamente ligados (de tal modo que se pode entender que fazem um só: pedido de “insolvência mitigada”), não podia ser indeferido, sem mais, pelo juiz (é o que está na base da antiga proibição do indeferimento liminar parcial: art. 474/2 do CPC na redacção anterior à reforma de 95/96). Só através do caminho legal previsto – que leva à consideração de que os requerentes desistem da apresentação do plano de pagamentos – é que se pode ultrapassar tal ligação entre aqueles pedidos.
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Por fim, a situação tem algum paralelo com a situação de uma petição de insolvência irregular, ou seja, aquela que careça de requisitos legais ou não venha acompanhada dos documentos que hajam de instrui-la, nos casos em que tal falta não seja devidamente justificada [art. 27/1b) do CIRE]. Ora, nesta hipótese, a lei prevê, não o indeferimento liminar, mas o despacho de aperfeiçoamento.
Diz-se algum paralelo porque a situação não é idêntica: o plano de pagamentos dá origem a um incidente processado por apenso (arts. 255 e 256 do CIRE). Por isso, a sua falta pode ser vista – e terá sido vista assim pelo despacho recorrido -, não como a falta de um documento de uma petição, mas antes como a falta da própria “petição”.
A verdade, no entanto, é que um indeferimento liminar de uma pretensão se baseia sempre na manifesta improcedência da mesma ou na existência de excepções dilatórias insupríveis, e não é disto que se trata no caso, mas antes da falta de apresentação, “conjuntamente com a petição inicial”, de um plano de pagamentos (art. 251 do CIRE).
Assim, de novo se volta à ideia da possibilidade do “despacho de aperfeiçoamento”, ou melhor, de um despacho com concessão de prazo para a apresentação do plano, sob pena de se considerar que os requerentes desistem da apresentação do mesmo.
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Assim, o despacho que decidiu em sentido contrário, deve ser revogado.
Em consequência da revogação do despacho recorrido, cai, por arrastamento, a sentença proferida, pois que o processo de insolvência não podia ter prosseguido até à decisão sobre o incidente do plano de pagamentos (art. 255/1 do CPC), incidente que, agora, com a revogação do despacho, se poderá ainda iniciar.
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(…)
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido e a sentença subsequente (e tudo o determinado por esta, que deve ser dado sem efeito, com as diligências necessárias), substituindo-se aquele por este: notifique os requerentes para, no prazo de 10 dias, apresentarem o plano de pagamentos aos credores, sob pena de, caso não o façam, se considerar que desistem da apresentação do mesmo.
Custas pelos recorrentes (já que não há vencido e foram eles que tiraram proveito do recurso – art. 446/1 do CPC), sem prejuízo da concedida protecção jurídica.

Lisboa, 8 de Março de 2012.

Pedro Martins
Sérgio Silva Almeida
Lúcia Sousa