Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
111/08.4TBMTA.L1-1
Relator: TERESA HENRIQUES
Descritores: COMPRA E VENDA
MOTOCICLO
DEFEITOS
REPARAÇÃO DA COISA
SUBSTITUIÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
CONSUMIDOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/14/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato tem o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato;
ii) Estes direitos são alternativos, pelo consumidor pode optar por qualquer um deles, não tendo sido transposta para o ordenamento jurídico nacional a hierarquização dos mesmos constante da Directiva n.º1999/441CE;
iii) O exercício deste direito encontra-se limitado apenas pela respectiva impossibilidade ou quando o mesmo constituir abuso de direito;
iv) Sendo ilegítimo o exercício de um direito quando respectivo o titular exceda manifesta­mente os limites imposto pela boa-fé , pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito , não se enquadra nesta previsão a opção de um consumidor em resolver um contrato de compra e venda de um motociclo que, comprado em estado novo apresentou ,de imediato e em duas ocasiões, a mesma deficiência(que originou que o mesmo derrapasse em circulação) que não foi solucionada atempadamente pelo vendedor, provocando no primeiro perda de confiança por sentir receio de o conduzir.
v) É irrelevante que a peça que provocou o defeito, e posteriormente substituída, lenha um valor muito inferior ao do motociclo atenta a falta de transposição para o ordenamento jurídico nacional do n.06 do art. 3° da Directiva nº 1999/44/CE ,que veda ao consumidor optar pela rescisão do contrato quando a falta de conformidade seja insignificante.
( Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

O apelado A intentou acção sumária contra a apelante B (…,Ldª ) pedindo que se declare resolvido o con­trato de compra e venda e a condenação da Ré a devolver o preço pago no valor de € 9.046,36, acrescida de juros de mora à taxa legal, assim como a titulo de danos não patrimoniais a quantia de €750,00.
Para tanto alega, em síntese, ter adquirido, em 02 de Julho de 2007, um veículo da marca Aprilia de matrícula 00-DX-00, tendo pago a quantia de €9.046,36.
Continua dizendo que levantou o motociclo em 03.07.2007 e, no dia seguinte, verificou que o óleo do motor se introduzia na caixa de filtro de ar e escorria para a roda traseira,
No dia 05/07/2007 entregou o motociclo nas oficinas da Ré, sem óleo e sem conseguir colocá-lo em ponto morto. Nesse mesmo dia foi informado que estava reparado e levantou novamente o veículo. No entanto, percorridos alguns quilómetros o veiculo começou a derrapar verificando que continuava derramar óleo.
Em 06/07/2077 regressou novamente à oficina sem óleo no motor. Perante os sustos que apanhou e após ter ido à oficina duas vezes com o veículo, perdeu a confiança no mesmo ficando com receio de o conduzir pelo que pretendeu a substituição daquele por outro com iguais características o que solicitou à Ré.
Não tendo obtido qualquer resposta comunicou pretender a resolução do contrato e a restituição do preço não tendo a Ré dado qualquer resposta.
Citada a Ré contestou, suscitando a intervenção provocada da ….,S.A, importadora da Aprilia, uma vez que a vingar a tese do Autor grande parte do valor a devolver será parte do valor que a Ré pagou ao importador tendo direito de regresso sobre.
Mais impugna a realidade invocada pelo Autor, alegando que o problema se deveu simplesmente a uma deficiência num retentor que como vedante tem a função de separar o circuito do óleo do motor do óleo da caixa de velocidades, cujo preço é de €12,00. A reparação foi assegurada pela Ré o que foi comunicado ao autor no dia 10 de Julho de 2007. O veículo foi reparado num prazo razoável não tendo havido nenhum estrago no motor.
Admitida a intervenção e citada a chamada ….,S.A, contestou esta, alegando em suma que é alheia à relação entre as partes, que foi informada pela Ré do sucedido, que após a reparação o Autor não se interessou por levantar o veículo sendo que o cumprimento defeituoso da reparação só pode ser imputado à Ré .
Julgada a causa foi proferida sentença que, dando parcial provimento à pretensão cio A, declarou a resolução do contrato de compra e venda celebrado entre este e a R , que condenou a restituir ao A. quantia de €9.046,36 (nove mil quarenta e seis euros e trinta e seis cêntimos),com afec­tação da propriedade do motociclo à segunda.
A Ré , inconformada, recorre concluindo no final das suas alegações que:
1- A decisão recorrida errou na interpretação apreciação da prova, conforme se deixou nos fundamen­tos do Recurso para onde se remete e se dá reproduzido
2 - A reapreciação da prova nos termos alegados nesta Apelação deverá merecer conclusão diversa da que consta na Sentença Recorrida
3 - Além do mais, a decisão é inexequível porquanto a propriedade do motociclo não pode ser, de novo, afecta à Recorrente
4 - Que dele nunca foi proprietário, violando a Sentença Recorrida o disposto no Art°874 do C.C. Com efeito,
5 - Conforme os documentos juntos com o presente Recurso, a propriedade transmitiu-se, por contrato verbal de compra e venda entre ambos celebrado, da Interveniente …SA para o Autor.
Por outro lado,
6 - É desproporcionada a pretensão do A., tanto em substituir o veículo adquirido como em resolver o contrato, tendo em consideração que a reparação foi possível, efectuada e nenhum dano resultou no motor do veículo
7 - A resolução do contrato de compra e venda, relativo ao motociclo Aprilia 00-DX-00 constitui manifes­to abuso de direito, conforme se deixou alegado na fundamentação e aqui se dá por reproduzido
8 - Decidindo como decidiu, em contrário do que exposto fica, a Sentença Recorrida viola o disposto nos Artºs, 4 ° 5 do Dec -Lei N° 6712003 de 8 de Abril, 334 do Código Civil e 432, 434 N° 1, 436, N° 1, 289 e 802, N02 do Código Civil.
9 - Sendo que a resolução do contrato, a assistir e esse em direito ao A. sempre devia ter sido dirigida ao primitivo proprietário do motociclo
Assim,
10 - Deverá a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por douto Acórdão que acolha as conclu­sões ora formuladas e melhor aprecie a prova bem como melhor enquadramento legal faça
11 - Absolvendo a Recorrente de todo o peticiona.
Em contra-alegações o Autor conclui que:
1. A douta sentença foi elaborada em 15-06-2010.
2. A notificação por transmissão electrónica presume-se feita no terceiro dia posterior ao da elaboração.
3. A douta sentença tendo sido elaborada em 15-06-2010, deverá considerar-se notificada a Recorrente no dia 18 de Junho de 2010.
4. A Recorrente, devido a apreciação da prova, dispunha de 40 dias para interposição do recurso, verifica-se que, descontando as férias judiciais e o interregno decretado entre 15 a 31 de Julho, o prazo para interpo­sição do recurso terminaria em 13 de Setembro de 2010.
5. Ora, o Recurso interposto no dia 14 de Setembro de 2010, um dia depois do prazo que o recorrente dispunha para o efeito.
6. Verifica-se, pois, que a interposição é intempestiva, o que se alega nos termos do artigo 6850 nº 6 do C.P.C.
7. A Recorrente põe em causa os n.os 1 e 2 da fundamentação dos factos provados, dizendo que sendo o motociclo um bem móvel sujeito a registo, só com o registo se transmite a propriedade.
8. Que sendo concessionária da marca Aprilia penas intermedeia a venda.
9. Os concessionários estão autorizados a vender não sendo obrigados a procederem ao registo em seu nome para poderem vender.
10. É a própria Recorrente que emite uma declaração de venda recebendo o preço, o registo é meramente declarativo tendo eficácia perante terceiros, o efeito constitutivo da compra e venda é concretizado com a entrega do preço e a transmissão da coisa.
11. O Tribunal "a quo” caracterizou bem o contrato de compra e venda, tendo o mesmo todos os elementos típicos consignados no art." 8740 do Código Civil.
12. Não pode a Recorrente pôr em causa o contrato de compra e venda pretendendo que seja qualificado como intermediação juntando para o efeito Certidão do Registo como doc.1.
13. Pois que, por força dos art.os 5230 e 5240 do C.P.C. a junção está-lhe vedada, pelo que o douto Tribunal não deve levar em conta a sua alegação e junção.
14. A Recorrente alega também que, além de se dar como provado que o dia 6 de Junho de 2007 o motociclo voltou para a oficina da Ré, deveria dar-se como provado que a reparação ficou terminada em 9-7- 2007.
15. Mas a Recorrente não respondeu ao fax enviado no mesmo dia que fixou um prazo para a substitui­ção do veículo que já tinha ido a reparar por duas vezes sem resultado.
16. A Recorrente nunca informou o Recorrido ou o seu representante, da situação do veículo objecto dos autos, ignorando todas as cartas enviadas.
17. O Tribunal "a quo” apenas poderia considerar como provado que o motociclo voltou para a oficina da Ré em 6 de Julho de 2007 e que em data não concretamente apurada entre 9 de Julho e 12 de Setembro de 2007 o motociclo ficou reparado, e que em data não concretamente apurada comunicou ao A. que o motociclo se encontrava reparado.
18. Recorrendo-se do valor insignificante da peça deficiente, vem a Recorrente alegar que é manifesto que o Recorrido, ao exigir a substituição do veículo ou a resolução do contrato, constitui um claro abuso de direito.
19. Ignora a Recorrente que o Recorrido percorreu todos os caminhos do artº 40 do Dec-Lei exigiu a reparação duas vezes, sem resultado, a sua substituição, deu prazo para a sua concretização, perdeu o interes­se no negócio esgotado aquele, e só depois pediu a resolução do contrato.
20. Perante o atrás dito, considerar que o Recorrido agiu com abuso de direito é escamotear a verdade dos factos, aliás como se depreende das considerações vertidas na douta sentença na sua alínea b) Direito que o Recorrido subscreve na íntegra.
II
O objecto do recurso, balizado pelas respectivas conclusões e decidida a questão da alegada extemporaneidade, é o seguinte:
i) Reapreciação da matéria de facto;
ii) Existência de fundamento para a resolução do contrato; iii) Verificação de abuso de direito por parte do A.
III
É a seguinte a matéria que a primeira instância deu como provada.
1. No dia 2 de Julho de 2007 o A. declarou adquirir à Ré B , um motociclo da marca Aprilia de matricula 00-DX-00, em estado novo, pelo preço de €9.046,36, que pagou por cheque emitido em 2007-07­03.- impugnado
2. Na data de emissão do cheque o A. levantou o motociclo .. - impugnado
3. Na data em que o A. levantou o motociclo, ao percorrer uma distância de cerca de 6 Km, o motociclo começou a derrapar por estar a perder óleo que saia do filtro de ar, escorria pelo depósito e atingia a roda trasei­ra:
4. No dia 05 de Julho de 2007, o A. entregou o motociclo nas oficinas da Ré B para reparação.
5. Nesse mesmo dia foi informado que o motociclo estava reparado e levantou o motociclo pelas 18 horas.
6. Convencido que o motociclo estava reparado, o A. percorreu a estrada da Baixa da Banheira ao Pinhal Novo, tendo o motociclo começado a derrapar:
7. Verificou, então novamente que o motociclo continuava a derramar óleo para o pneu traseiro.
8. A 06 de Julho de 2007 o motociclo voltou para a oficina da Ré.
9. Pelos sustos que teve e após duas idas à oficina sem resolução do problema o A perdeu a confiança que tinha no motociclo ficando com receio de o conduzir.
10. Por isso pretendeu a sua substituição por outro com as mesmas características.
11. O que solicitou à R. em 09 de Julho de 2007 fixando o prazo até 17 de Julho de 2007 para a substituição.
12. Informando que se tal não sucedesse perderia interesse no negócio resolvendo o contrato e deven­do ser restituído o valor pago.
13. O A. deu conhecimento à …SA do que se passava exigindo a restituição do preço.
14. A Ré B não procedeu à substituição do motociclo nem à devolução do preço até hoje.
15. Por duas vezes o A. se assustou com a derrapagem do motociclo devido ao óleo existente na roda traseira.
16. O A. sentiu-se irritado e apreensivo com esta situação.
17. O derrame de óleo derivava de uma deficiência de um vedante.
18. Peça que tem a função de separar o circuito de óleo do motor do óleo da caixa de velocidades.
19 .... cujo o preço era à data de €12,00.
20. Por via da anomalia do vedante algum óleo do motor que é de cárter seco passou para o reservatório da caixa de velocidades.
21 .... como esta apenas admite cerca de 600 cm3, o sistema expeliu o excesso através do tubo de respiro.
22. Foi devido ao excesso de óleo que o A. teve dificuldade de engrenar o ponto morto.
23. A reparação foi assegurada pela Ré B.
24. Em data não concretamente apurada entre 09 de Julho e 12 de Setembro de 2007, o motociclo ficou reparado .. -impugnado
25. Em data não concretamente apurada, a R. comunicou ao A. que o motociclo se encontrava repara­do.
26. Não tendo havido qualquer estrago do motor.
IV
Reapreciação da matéria de facto.
À modificabilidade da decisão de facto refere-se, na parte que ora interessa, o n° 1 do art. 7120 do C P C que dispõe o seguinte:"
1 - A decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685°-B a decisão com base neles proferida.
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se a recorrente apresentar documento novo superveniente e que por isso, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou."
Resulta, por seu turno, do preceituado no art. 6550 do CPC que o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para existência ou prova de facto jurídico qualquer formalida­de especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
O princípio da livre apreciação das provas só cede, pois, perante situações de prova legal que fundamentalmente se verificam nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais.
É que o Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro introduziu, no âmbito do Processo Civil, a documentação e registo da prova produzida na audiência final, assumidamente com o objectivo de permitir “ um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação da prova (…)", como se escreveu no seu preâmbulo. E nesse mesmo preâmbulo, o legislador reconheceu que "a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pon­tuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso".
No entanto, a Relação, no uso dos poderes que lhe são conferidos ao abrigo do art.712° do CPC, também forma a sua convicção, pelo que com os mesmos elementos pode decidir de forma diferente, assim assegurando um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto. (1)
Pretende a recorrente que se reapreciem os pontos de facto da sentença impugnada sob os n.ºs 1 e 2 e 24.
É o seguinte o seu teor:
1. No dia 2 de Julho de 2007 o A. declarou adquirir à Ré B , um motociclo da marca Aprilia de matricula 00-DX-00, em estado novo, pelo preço de €9.046,36, que pagou por cheque emitido em 2007-07-03.
2. Na data de emissão do cheque o A. levantou o motociclo. 1. No dia 2 de Julho de 2007 o A. declarou adquirir à Ré B um motociclo da marca Aprilia de matricula 00-DX-00, em estado novo, pelo preço de €9.046,36,que pagou por cheque emitido em 2007-07-03.
2. Na data de emissão do cheque o A. levantou o motociclo.
24. Em data não concretamente apurada entre 09 de Julho e 12 de Setembro de 2007,0 motociclo ficou reparado. Os autos são de processo sumário e não foi efectuada audiência preliminar. art.787º,n.°1, 508°-B ,510° e 511 ° do CPC.
O Mmo Juiz seleccionou a matéria assente e controvertida.
Nenhuma reclamação foi feita àquela selecção nos termos do art. 511°,n.º2 do CPC.
Ora bem, os dois primeiros factos correspondem às alªs a) e b) da matéria de facto assente.
No entanto, o Ac Unif de Jurisprudência n.º 14/94 de 26/05/1994 estabeleceu que "No domínio de vigência dos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1961 (considerado este último antes e depois da reforma nele introduzida pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho), a especificação, tenha ou não havido reclamações, tenha ou não havido impugna­ção do despacho que as decidiu, pode sempre ser alterada, mesma na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio."
Assim sendo, aprecia-se a pretensão da recorrente.
Diz esta parte que não podia ter sido considerada prova a venda do veículo em questão por­quanto "Não basta haver uma transmissão de uma coisa, sendo preciso que se transmita a propriedade ..... Um motociclo é um bem móvel sujeito a registo ... A real transmissão de propriedade só pode ser provada por via de documento escrito, .... O qual consiste no respectivo registo .... Se o Autor queria provar a compra e venda do motociclo, havia que juntar aos autos o título do registo de propriedade, designado por Documento Único Automóvel. ... Não o tendo feito, não podia a Mª Juíza "a quo" considerar estar-se perante um contrato de compra e venda ... “ .
O contrato de compra e venda encontra-se previsto no art.874° do C Civ e tem como efeitos essenciais: "a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito ; b)A obrigação de entregar a coisa e; c) A obrigação de pagar o preço."- art- 879° do C Civ.
Por outro lado o contrato de compra e venda de imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública.
Como se constata do texto da lei a validade do contrato não depende de qualquer registo.
Os documentos juntos aos autos, declaração de venda emitida pela recorrente, e cheque sacado pelo recorrido, são suficientes para integra o disposto naquele preceito legal..
E sendo válido o contrato subsistem os seus efeitos ...
No que respeita ao registo da aquisição diz-se o seguinte.
O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica (2) dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico. - art. 1 ° DL n.º 54/75 de 12 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelos DL n.º 242/82 de 22106, n.0 461/82 de 26/11, n.º 217/83 de 25/05, n.º 54/85 de 04/03, n.º 403/88 de 09/11,n.º 182/2002 de 20108, n.0 31-B/2002 de 20108, Rec n.º 31-B/2002 de 31/10, n.º 178-A/2005 de 28/10, nº 86/2006 de 23/05 e Lei nº 39/2008 de 11/08.
Assim a eventual omissão do registo de aquisição do motociclo em questão não é motivo da sua invalidade." (3)
A conduta da recorrente, que na declaração de venda que emitiu a fl. 14 consignou o seguinte" Para fazer fé perante as autoridades de trânsito de que está em curso nos competentes organismo oficiais processo de registo de matrícula documento único automóvel" ,é algo contraditória.
Do que se acaba de expor não existe qualquer fundamento para alterar o que foi decidido na primeira instância quan­to a aos dois primeiros pontos da sentença impugnada.
Apreciando o ponto n. ° 24 .
A recorrente socorre-se dos depoimentos das testemunhas …. e …. .
Ouvidas ambas as testemunhas constata-se o seguinte.
A testemunha … , engenheiro mecânico, director técnico e responsável pós­ venda da chamada …SA, explicou, como tomou conhecimento da deficiência(contacto da apelante) e explicou o mesma e respectivas consequências. Descreveu o veículo como potente. Contactou o fabricante em Itália e expôs o problema. No tocante à data de reparação do motociclo, não estava na oficina (o seu domicílio profissional é em Matosinhos ).
No entanto confirmou a autoria do email enviado à R em 09.07.2007,e junto a fl.37, sugerindo procedimentos a adoptar na reparação do motociclo.
Não pode confirmar a data em que o mesmo terá sido efectivamente reparado.
A testemunha ……, na ocasião funcionário da R , assistiu à reparação. Explicou a deficiência e disse que a substituição da peça foi imposta pela chamada …SA . Não pode afirmar a data em que o motociclo ficou efectivamente reparado.
Como se constata nenhuma das testemunhas precisou a data da reparação.
Esta indefinição das testemunhas não foi contrariada e nem a recorrente apresentou qualquer outro meio de prova susceptível de convencer da bondade da sua pretensão.
E tal era relativamente fácil - em qualquer oficina existe documentação relativa ao trabalho efectuado (folha de obra), a fim de se averiguar o custo das peças e da mão de obra ....
E no caso concreto sendo a deficiência de fabrico, faz todo o sentido guardar um suporte documental do ocorrido, tanto mais que a recorrente até suscitou a intervenção da chamada ( a con­cessionária da marca).
Ora a recorrente não apresentou qualquer documento que corroborasse o que alega.
Assim, também neste ponto não existe assim fundamento para alterar o decidido em primeira instância.
Existência de fundamento para a resolução do contrato.
Insurge-se a recorrente contra a declaração de resolução dizendo que a mesma "abre um prece­dente injusto e perigoso" atenta a interpretação que faz do DL n. ° 67/2003 .
Antes do mais há que dizer que prevê o artigo 913° do Cód. Civil, que: "1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvaloriza ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo ven­dedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as necessárias adaptações, o prescrito nas secção precedente em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes. 2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria"
No entanto, porque o presente contrato envolve a apelante que se dedica à assistência e venda de motociclos (profissional) e o apelado que adquiriu este veículo para seu uso pes­soal(consumidor), é também aplicável, ao caso em apreço, a Lei de Defesa dos Consumidores (Lei nº 24/96, de 31.07) e o DL nº 67/2003, de 08.04, que procedeu à transposição da Directiva nº 1999/44/CE (com a redacção que lhe foi introduzida pelo DL nº 84/2008, de 21.05).
Ora bem, o DL nº 67/2003 de 08/04 (Venda de Bens de Consumo e das Garantias a ela Rela­tivas) veio instituir um regime de garantia contratual de bens de consumo que é distinto do regime civil da venda de coisas defeituosas impondo uma garantia de conformidade nos contratos com os consumidores.
Este diploma legal procedeu à transposição da Directiva nº 1999/44/CE (Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 07-07-1999) e foi recentemente alterado pelo DL nº 84/2008, de 21.05.
Do seu preâmbulo consta que "Preocupação central que se procurou ter sempre em vista foi a de evitar que a transposição da directiva pudesse ter como consequência a diminuição do nível de protecção já hoje reconhecido entre nós ao consumidor. Assim, as soluções actualmente previstas na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, mantêm-se, designadamente o conjun­to de direitos reconhecidos ao comprador em caso de existência de defeitos na coisa."
Como do mesmo consta (art.1°-A), no seu âmbito de aplicação englobam-se os contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores.
Como se referiu supra, a recorrente enquadra-se na definição de vendedor o recorrido é o consumidor e o motociclo é um bem de consumo. - art.1° e 1°-B.ala a), b) e, c) do cit DL n.º 67/2003.
Dispõe o artigo 2°,n.º1, do DL n° 67/2003, de 08.04, que "O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda".
No nº 2 do mesmo preceito prevêem-se as situações em que se presume esta não conformidade, e que são ." a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; b) Não serem adequados ao uso especifico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavel­mente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concre­tas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem”.
O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue - artigo 3°, n° 1, do DL nº 67/2003, de 08.04.
"Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato tem o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato." -art. 4°, nº 1,do DL nº 67/2003, de 08.04.
Ao contrário do disposto no art. 3° da Directiva n° 1999/44/CE que coloca em primeiro a repa­ração (art.3°,nº 3) e a substituição e só depois a redução do preço e a resolução do contra­to (art.3°, nº 5), o DL nº 67/2003, não institui qualquer hierarquização, prevendo mesmo no nº 5, do artigo 4° que " o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito".
Deste modo só é de excluir o exercício de um destes direitos alternativos, do consumidor se tal for impossível ou se constituir no caso concreto um abuso do direito nos termos do artigo 334°do CCiv.
No caso dos autos o apelado comprou o motociclo e no mesmo dia em que o levantou, dia 03-07-2007, e depois de percorrer uma distância curtíssima, de cerca de 6 km, constatou que este começou a derrapar por estar a perder óleo que saía do filtro de ar , escorria pelo depósito e atingia a roda traseira.
Entregou o motociclo nas oficinas da apelante no dia 05 e, nesse mesmo dia foi-lhe dito que estava reparado.
O apelado percorreu a estrada da Baixa da Banheira ao Pinhal Novo e o motociclo começou a derrapar, tendo verificado que continuava a derramar óleo para o pneu traseiro ..
É assim evidente a falta de conformidade do bem adquirido - al c) e d) do n.º 2 do art. 2° DL nº 67/2003, de 08.04 .
E aqui cabe dizer o seguinte .
A perda de confiança do apelado e receio de condizer aquele motociclo, está provada ( facto n.º 9) .
Ora tendo-se gorado a reparação, pretendeu o apelado a substituição do motociclo por outro idêntico.
E tinha suporte legal no pretendido atento o que se expôs supra.
O apelado concedeu prazo à apelante para substituir o motociclo por outro igual.
A apelante nada fez, ou disse, limitando-se a reparar o motociclo em data não concretamente apurada.
O apelado tem assim direito à resolução do contrato (4) .
Alega a recorrente que a conduta do apelante ao resolver o contrato constitui abuso de direito porque " É desproporcionada a pretensão do A .. tanto em substituir o veículo adquirido como em resolver o contrato. tendo em consideração que a reparação foi possível, efectuada e nenhum dano resultou no motor do veículo" e ainda porque "A simples comparação entre o preço da peça (€ 12) e o pedido de devolução da peça logo pelo o motociclo (9.046.36€) .... A reparação ocorrida sem estrago do motor ... Evidenciam que a acção do A. constitui nítido abuso de direito"
O art. 334° do CCiv estatui que " É ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites imposto pela boa-fé .pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito".
O abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito por forma anormal quanto à inten­sidade ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as con­sequências que os outros têm que suportar.
Exige-se que, ao exercer o direito o seu titular exceda ostensivamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.(5)
Ora o apelado, depois de conceder uma oportunidade à apelante para reparar o motociclo , perdeu a confiança no mesmo(assustou-se ao conduzir o motociclo quando o mesmo derrapou) e exigiu um de substituição.
E só exerceu o seu direito à resolução após o silêncio da apelante.
A desproporção entre o peticionado pelo apelado e a circunstância de ter sido efectuada a reparação. o valor da peça e o valor do motociclo não existe.
Com efeito o legislador nacional não transpôs a limitação prevista no artigo 3°, nº 6 da Directi­va nº 1999/44/CE. que veda ao consumidor optar pela rescisão do contrato quando a falta de confor­midade seja insignificante.
Não se vê, assim, que a sua actuação integre qualquer das situações previstas no art.334 0 do CCiv.
As conclusões da recorrente improcedem pois na totalidade.
Em resumo diz-se o seguinte:
i) Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato tem o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato;
ii) Estes direitos são alternativos, pelo consumidor pode optar por qualquer um deles, não tendo sido transposta para o ordenamento jurídico nacional a hierarquização dos mesmos constante da Directiva n.º1999/441CE;
iii) O exercício deste direito encontra-se limitado apenas pela respectiva impossibilidade ou quando o mesmo constituir abuso de direito;
iv) Sendo ilegítimo o exercício de um direito quando respectivo o titular exceda manifesta­mente os limites imposto pela boa-fé , pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito , não se enquadra nesta previsão a opção de um consumidor em resolver um contrato de compra e venda de um motociclo que, comprado em estado novo apresentou ,de imediato e em duas ocasiões, a mesma deficiência(que originou que o mesmo derrapasse em circulação) que não foi solucionada atempadamente pelo vendedor, provocando no primeiro perda de confiança por sentir receio de o conduzir.
v) É irrelevante que a peça que provocou o defeito, e posteriormente substituída, lenha um valor muito inferior ao do motociclo atenta a falta de transposição para o ordenamento jurídico nacional do n.º 6 do art. 3° da Directiva nº 1999/44/CE ,que veda ao consumidor optar pela rescisão do contrato quando a falta de conformidade seja insignificante.


v.
Considerando o que se acaba de expor julga-se improcedente a apelação confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
*
(1) Ac. STJ de 3-02-2011, proc nº 29/04.0TBBRSD.P1.S1 ( rel Maria dos Prazeres Beleza); Ac. STJ de 24-05-2011, proc nº 376/2002.E1.S1 ( rel Garcia Calejo) ,disponíveis in www.dgsi.pt
(2) Trata-se de ma publicidade jurídica no sentido de que garante a verdade e a legalidade da situação jurídica que dá a conhecer - J.Seabra Lopes, Direito dos Registos e do Notariado, Almedina, 2005, p 161
(3) Ac. STJ de 12-01-2012, proc nº 74/1999.P1.S1 ( rel Serra Baptista) in www.dgsi.pt
(4) Ac. STJ de 30-09-2010, proc nº 822/06.9TBVCT.G1.S1 ( rel Maria dos Prazeres Beleza) in www.dgsi.pt
(5) Ac. STJ de 30-01-2012, proc nº 1358/08.9TBIHV.C1S1 ( rel Maria dos Prazeres Beleza) in www.dgsi.pt
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Lisboa, 14 de Fevereiro de 2012

Teresa Henriques
Isabel Fonseca
António Santos