Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6187/10.7TXLSB-G.L1-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PENA RELATIVAMENTE INDETERMINADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Em caso de condenação em pena relativamente indeterminada, não é aplicável o disposto no nº4, do art. 61, do Código Penal, que determina a colocação em liberdade condicional, do condenado em pena de prisão superior a seis anos, logo que cumpridos cinco sextos da pena.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO:

Não se conformando com o despacho de fls 19 dos presentes autos do Mm.º Juiz do 1.º Juízo do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, que indeferiu o requerimento do arguido A... no sentido de lhe ser concedida a liberdade condicional logo que atingisse os cinco sextos da pena, veio este interpor o presente recurso, rematando a concernente motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1- O MM° Juiz a quo entende que a Liberdade Condicional prevista para 12-2-2012 no quantum de 5/6 está arredada do ordenamento jurídico.
2- O art. 61-4 do C.P. impõe a Liberdade Condicional aos 5/6 e o recorrente está preso há 20 anos!
3- A pena nunca deve exceder a culpa - art 40 do Cod. Penal.
4- O Juiz deve atender aos Principies da Dignidade Humana, da Humanidade das penas, da Reinserção Social e á proibição de penas longas, indefinidas ou ao ergastolo, conforme arts. lo, 28°, 28° e 32° da Lei Fundamental.
5- A retenção numa jaula fria e húmida de 5 m2 por 20 anos consecutivos não serve a Sociedade, não conduz á Reinserção Social e ao respeito pela dignitas e pela proporcionalidade, pois: “o limite mínimo é justificado por considerações de proporcionalidade com a gravidade do facto e a perigosidade do agente” - Figueiredo Dias, in actas C.P. 1993, pag. 562
6- O parâmetro adequado é o meio da pena: é vedado punir ad eternum sem atender aos Principies dos arts. 1°, 28.º, 28° e 32° da Lei Fundamental.
7- O MM° Juiz a quo entende que a Liberdade Condicional prevista para 12-2-2012 no quantum de 5/6 está arredada do ordenamento juridico, o que viola ostensivamente os arts. 61-4 e 83 do Cod. Penal e 1° 28.º, 28° e 32° da C.R.P.
8- Uma pena de 20 anos não serve a Sociedade, não conduz á Reinserção Social e ao respeito pela dignitas e pela proporcionalidade - art. 18-2 CRP
9- Impõe-se que ao recorrente seja libertado aos 5/6 e, previamente, seja concedida uma medida de saída precária, pois a prisão não regenera e é uma "universidade" do crime.
O Douto Despacho recorrido é nulo por não atender aos normativos e princípios supra invocados pelo que deve ser revogado!»

Respondeu o Ministério Público, concluindo pela manutenção da decisão recorrida, porquanto “conforme resulta claro do despacho sub júdice, a fls.674, em caso de pena relativamente indeterminada não é aplicável a obrigatoriedade da liberdade condicional aos cinco sextos da pena, tendo em conta que o art. 90°, n° l, do Código Penal apenas remete para os nos 1 e 3 do art°61° do mesmo Código, e não para o n°4 deste último preceito legal.”

Admitido o recurso e lavrado despacho de sustentação da decisão recorrida, subiram os autos a este Tribunal, onde o Ministério Público, ao abrigo do art. 416.º, do CPP, apôs “visto”.
Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, teve lugar a Conferência, cumprindo decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
1. Conforme Jurisprudência uniforme nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que fixam o objecto do recurso, sem prejuízo da apreciação de quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Não se vislumbrando, porém, questões de conhecimento oficioso que devam ser aqui decididas, passemos de imediato à análise da única questão suscitada pelo recorrente neste recurso, que é a de saber se deve ou não beneficiar da liberdade condicional em 12 de Fevereiro de 2012.
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2. Segundo o que resulta dos autos, o arguido cumpre, desde 12/04/1991, uma pena relativamente indeterminada de 13 anos e 4 meses de prisão a 25 anos de prisão.

3. Na sequência do requerimento do arguido no sentido de ser aberto o processo gracioso para efeitos de concessão da liberdade condicional aos cinco sextos da pena, meta que será atingida em 12 de Fevereiro de 2012, foi proferida a seguinte DECISÃO RECORRIDA:

«Fls. 672: Informe-se o recluso de que para a Pena Relativamente Indeterminada está afastada a liberdade obrigatória prevista para os 5/6 das penas normais pelo argumento “à contrário senso”, pois o art. 90.°, n.°1 do Cód. Penal apenas remete para o n.1 e 3 do art. 61.° do mesmo diploma, e não, portanto, para o n.°4 deste último preceito onde está prevista a referida liberdade condicional obrigatória.
Mais se esclarece que a pena que concretamente caberia ao caso concreto foi fixada em 20 anos de prisão (v. fls. 213), sendo certo que o recluso está preso desde 12.04.1991. Ou seja, o recluso está preso há mais de 20 anos, estando o limite máxima da pena relativamente indeterminada previsto para o dia 12.04.2016.
Assim sendo, e de acordo com o previsto no art. 93.°, n.° 2 do Cód. Penal, aqui aplicável por remissão do art. 90.°, n.°3 do mesmo diploma, a instância de liberdade condicional renova-se obrigatoriamente em 30.06.2013, ou seja, dois anos sobre a ultima decisão que manteve o cumprimento de pena (cfr. fls. 658 e ss.).
Informe-se igualmente o EP, a DGRS e o digno MP.»

4. Apreciemos, pois:
Entendeu o tribunal, diversamente do pretendido pelo arguido ora recorrente, que em caso de pena relativamente indeterminada não tem aplicação o disposto no art. 61.º, n.º 4, do CP.
E assim é, efectivamente.
Sob a epígrafe de “Pressupostos e duração” da liberdade condicional, determina o mencionado art. 61.º:
1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.

Por sua vez, o art. 90.º, do mesmo Código, dispõe:
“1 - Até dois meses antes de se atingir o limite mínimo da pena relativamente indeterminada, a administração penitenciária envia ao tribunal parecer fundamentado sobre a concessão da liberdade condicional, aplicando -se correspondentemente o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 61.º e no artigo 64.º
2 - A liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo que faltar para atingir o limite máximo da pena, mas não será nunca superior a cinco anos.
3 - Se a liberdade condicional, a que se referem os números anteriores, não for concedida, ou vier a ser revogada, aplica -se correspondentemente, a partir do momento em que se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia ao crime cometido, o disposto no n.º 1 do artigo 92.º, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 93.º e nos artigos 94.º e 95.º”

Ou seja:
“Em atenção à dupla natureza da pena relativamente indeterminada, de pena e de medida de segurança, o regime de libertação é, também ele, misto. Assim, quando se atingir o limite mínimo da pena relativamente indeterminada (isto é, aos dois terços da pena concreta que caberia ao crime cometido), o tribunal de execução das penas avalia a existência dos pressupostos da liberdade condicional, isto é o consentimento do condenado e a compatibilidade da libertação com as necessidades de prevenção especial, sendo correspondentemente aplicáveis os arts. 61.º, n.º 1 e 3. Verificando-se esses pressupostos, ela é concedida. … Não sendo a liberdade condicional concedida quando se atinja o limite mínimo da pena relativamente indeterminada, prossegue a execução da pena relativamente indeterminada, mas a partir do momento em que se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia ao crime cometido aplicam-se as regras dos arts. 92.º, n.º 1, 93.º, 94.º e 95.º, como se de uma medida de segurança se tratasse” – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal”, pag. 263 (notas 2 e 3 ao art. 90.º).
No presente caso, o arguido não obteve a liberdade condicional quando atingiu o limite mínimo da respectiva pena relativamente indeterminada (13 anos e 4 meses de prisão), tendo já cumprido mais de 20 anos de prisão - pena que concretamente caberia ao crime cometido - , pelo que está, neste momento, sujeito ao regime do art. 90.º, n.º 3, do CP, o qual nos remete para as disposições legais que regem as medidas de segurança, das quais resulta que a medida finda “quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal”, sendo a apreciação de tal questão obrigatória sempre que invocada uma causa justificativa da cessação da medida ou, oficiosamente, quando se completa o período correspondente à pena que concretamente caberia ao crime cometido – neste caso aos 20 anos de prisão, momento que já está ultrapassado – e decorridos dois anos sobre a decisão que tenha mantido a medida. Ou seja, terá a questão da libertação – ponderando-se, nomeadamente, a aplicação do disposto no art. 94.º (liberdade para prova) - de ser oficiosamente reapreciada a cada dois anos.
Perante tal regime, é manifesto que o legislador afastou a aplicação da norma do n.º 4 do art. 61.º, do CP, à execução da pena relativamente indeterminada, cuja natureza é substancialmente distinta da normal pena de prisão, o que justifica um regime diferenciado no que concerne ao momento de libertação do condenado pela perigosidade que lhe está associada.
São, por isso, completamente destituídas de fundamento as considerações feitas pelo recorrente acerca da medida da culpa - ao invocar o art. 40.º, do CP - no momento da execução da pena anteriormente decretada por decisão transitada em julgada, não colhendo também a argumentação que incide sobre a dignidade da pessoa humana, a humanidade das penas ou sobre a reinserção social do arguido, para justificar a libertação imediata deste, libertação que está condicionada apenas à inexistência de perigosidade criminal.
Não foram, pois, violadas as normas acima citadas ou ainda as dos arts. 1.º, 28.º e 32.º, da CRP.
Não merecendo, por isso, censura a decisão impugnada, que será mantida, determinando a improcedência do presente recurso.

III – DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se improcedente o recurso do arguido A..., confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em três (3) UC.
Notifique.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2012

Relator: José Adriano;
Adjunto: Vieira Lamim;