Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
416130/10.2YIPRT.L1-1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ADIAMENTO
INTERRUPÇÃO
NULIDADE RELATIVA
ARGUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2012
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Da conjugação dos artºs 650º, nº4, 651º, 654º e 656º,nº2 , todos do CPC , imperioso é concluir que, o CPC, no que concerne à audiência de discussão e julgamento, estabelece por um lado um princípio básico ou regra geral, qual seja o da respectiva continuidade, mas , excepcionalmente, admite porém em concretas e típicas situações, a possibilidade, quer da respectiva interrupção, quer do seu adiamento.
II- E, no que a esta última “figura” concerne ( a do adiamento ) , e quando em causa está o oferecimento por uma parte de um documento, é também o legislador claro ( na alínea b), do nº1, do artº 651º,do CPC ) em determinar que, apenas será ele inevitável, se o tribunal entender que há grave inconveniente em que a audiência prossiga sem a resposta sobre o documento oferecido.
III- A interpretação vertida em II não padece de inconstitucionalidade ( por violação do princípio da igualdade ou do contraditório), pois que, trata ela igualmente qualquer das partes envolvidas num processo cível, admitindo não só a suspensão da audiência como também, se o tribunal entender que há grave inconveniente no seu prosseguimento, o seu adiamento, o que vale para qualquer das partes.
IV- Mas, decidindo o julgador, aquando do oferecimento de documento por uma parte , e quando a outra considera não poder examiná-lo no próprio acto, mesmo com suspensão dos trabalhos por algum tempo, pelo não adiamento da audiência ( por entender que não existe grave inconveniente no prosseguimento da audiência sem resposta sobre o documento oferecido ), obrigado está porém já ele ,antes de iniciados os debates, a interromper a audiência, respeitando o determinado no n.º4 do art.º 651 do CPC, e designando dia para a sua continuação ( decorrido o tempo necessário para o exame dos documentos), possibilitando assim o contraditório.
V- Não agindo o julgador em conformidade com o referido em IV, em violação do princípio do contraditório e incumprindo o disposto no art.º 651, n.º4, do CPC, e omitindo um acto ( não interrompendo a audiência) que a lei prescreve , incorre ele na prática de irregularidade que , porque tem evidente influência no exame e decisão da causa, consubstancia o cometimento de uma nulidade ( cfr. art.º 201, n.º1, do CPC).
VI- A nulidade referida em V [ porque de uma nulidade secundária se trata -prevista no n.º1 do art.º 201.º do CPC-, cujo conhecimento depende de arguição, e devendo esta ser deduzida em obediência ao disposto no artigo 205.º n.º 1, também do CPC ] , caindo sob a alçada do nº1, do artº 205º, do CPC, para ser conhecida, carece porém de pela parte ser invocada enquanto a audiência de julgamento não termine, sob pena de se considerar sanada.
( Da Responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1.Relatório.
A ( …Lda) ., com sede em Lisboa, intentou acção especial fundada em requerimento de injunção contra B (…,LDA.), com sede também em Lisboa, requerendo a notificação da requerida para lhe pagar a quantia total de € 20.374,56 de capital, sendo € 14 558,90 de capital, € 4 989,16 de juros de mora e o remanescente a titulo de outras quantias.
Alegou para tanto e em síntese que :
- No exercício da sua actividade comercial de preparação, venda e distribuição de carnes e charcutaria, celebrou com a requerida diversas transacções comerciais, fornecendo-lhe diversos produtos, o que tudo lhe foi facturado entre 21/4/2006 e 18/8/2006 ;
- Totalizando os referidos fornecimentos o valor de € 15.226,29, a esta quantia foram descontadas 5 notas de crédito que perfazem o valor de € 668,18, permanecendo assim em dívida pela requerida, até à presente data e ainda por pagar, o valor de € 14.558,91, não obstante já por diversas vezes a ter interpelada para proceder ao seu pagamento.
Notificada para o efeito, deduziu a requerida oposição, dizendo que “ todas as facturas reclamadas foram pagas pela requerida na sua totalidade “, pois que, “ Dada a relação de confiança entre os representantes das partes, e o pagamento ser efectuado directamente ao gerente da requerente, este era efectuado em dinheiro, normalmente com o numerário que existia em caixa no restaurante “ .
1.1.- Prosseguindo os autos a sua normal tramitação e designado dia para o julgamento, no seu decurso e após a inquirição de testemunhas da autora, e efectuadas as alegações das partes, foi ditada para a acta sentença sucintamente fundamentada, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
“ (…)
Decisão
Pelo exposto condena-se a ré a pagar à autora a quantia de € 14.558,91 acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 4.984,16 e ainda os juros vincendos.
Absolve-se a ré do demais peticionado.
Custas por ambas as partes pelo decaimento.
Registe e Notifique.”
1.2.- Inconformada com a referida sentença, veio a Ré interpor recurso de apelação, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
Pelo exposto formulam-se as seguintes CONCLUSÕES:
A. Nos termos do art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.
B. Já o n.º 2 do referido preceito legal determina que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
C. In casu, a ora recorrida requereu, na audiência de julgamento, a junção aos autos de documentos destinados a fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.
D. Recaía então sobre a recorrente o ónus de provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado.
E. Todavia, o direito invocado no caso em apreço apenas foi sustentado pelos documentos apresentados na referida audiência.
F. O mandatário da recorrente requereu então ao Tribunal a quo um prazo não inferior a 10 dias para os poder apreciar.
G. A concessão do prazo requerido foi indeferida pelo Tribunal a quo.
H. À recorrida foi, assim, vedado pelo Tribunal a quo o direito ao contraditório.
I. Pois, não basta dizer que se dá a palavra à parte para se poder defender.
J. É necessário que se dêem as condições mínimas necessárias para que a parte se possa defender com as mesmas “armas” do que a parte contrária.
K. Senão o Princípio do Contraditório seria um princípio meramente formal.
L. Pelo Tribunal a quo, julga-se suficiente “examinar os documentos no próprio acto, com a suspensão dos trabalhos por alguns minutos
M. “Alguns minutos” é um termo vasto, sem qualquer precisão.
N. E que in casu sem qualquer concretização, uma vez que foram dados “alguns minutos”,
O. Pois que após o segundo despacho que reforça o anterior “de seguida pela Mma Juiz foi ordenada que se procedesse à inquirição das testemunhas” (vide acta de julgamento)
P. Nestes termos, e sempre salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao dar como provados os factos alegados pela ora recorrida nos pontos 5 e 6 da matéria de facto, sem previamente ter facultado à parte contrária o exercício do contraditório, reflexo máximo do Princípio da Igualdade.
Q. Assim, violou o Tribunal a quo, o artigo 517.º do Código de Processo Civil, os artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
R. Devendo ser revogado o despacho que não admite o prazo de vista de 10 dias requerido pela recorrente, e substituído por outro que conceda o requerido prazo de vista, suspendendo-se a audiência para tal, e só após podendo prosseguir os autos os seus ulteriores termos.
S. Acresce que o Tribunal a quo, condenou a recorrente no pagamento de custas por um incidente, tendo entendido como tal, o simples requerimento do mandatário da recorrente pedindo a alteração do despacho que o antecede.
T. Um simples requerimento pedindo a alteração de um despacho não deve ser considerado um incidente, e como tal sujeito a tributação.
U. Não sendo considerado incidente autónomo tributável nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
V. Nestes termos foi também violado o artigo 7.º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais.
W. Devendo ser revogado o despacho que considera incidente sujeito a tributação com custas pela recorrente, um simples requerimento em que se conclui no pedido de alteração do despacho que o antecede.
1.3.- Já em sede de contra-alegações, concluiu a apelada A, da seguinte forma :
A)- A mui douta sentença, da qual foi interposto recurso que ora se responde, julgou procedente a petição da A., ora recorrida, condenando a R., ora recorrente a fazer o pagamento de € 14.558,91, acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 4.984,16 e ainda os juros vincendos até integral pagamento.
B)- Decidiu o Tribunal a quo conforme a lei processual, D.L. nº 269/98, e a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
C)- O recurso, a que ora se responde, pretende por em crise a matéria de facto dada como provada, começando por argumentar não ter sido provada a dívida de € 14.558,91 e a R., ora recorrente ter sido diversas vezes interpelada para proceder ao pagamento da dívida.
D)- Sem dúvida que, cumpre a quem invoca um direito fazer prova do direito alegado, art.342º, nº1 do C. Civil, desta forma a A., ora recorrida, em sede de audiência de discussão e julgamento juntou documentos e apresentou testemunhas; a contrário a R., ora recorrente, que em sede de oposição alegou ter sido feito o pagamento da quantia peticionada, não fez qualquer prova, não juntou qualquer documento, nem tão pouco apresentou testemunhas!
E)-A lei adjectiva que regula o processo de injunção, D.L. nº 269/98, determina expressamente no art. 3º, nº4, que a prova é apresentada em sede de audiência de julgamento.
F)-Pretende com o recurso, a R., ora recorrente invocar que só naquele momento teve conhecimento daqueles documentos, facto que não corresponde de forma alguma à realidade.
G)- Os documentos juntos são facturas numeradas e elencadas no requerimento inicial, e das quais a R., ora recorrente, tem na sua posse um duplicado, assinado e carimbado pela A., ora recorrida, fornecido por esta aquando da entrega da mercadoria encomendada pela R., ora recorrente.
H)- A R. ora recorrente a teve a possibilidade de impugnar e contrariar a prova documental apresentada pela A., ora recorrida desde o momento em que foi citada para se opor, querendo, e deduziu oposição, afirmando encontrar-se feito o pagamento.
I)- No entanto, ao não se fazer acompanhar de qualquer prova da pretensão invocada em oposição, pretendeu, ela sim por em causa o Direito de Igualdade das partes consagrado na nossa Lei Constitucional, pois ao ser-lhe concedido pela Meritíssima Juiz de Direito do Tribunal a quo, o prazo de 10 dias, que a Lei Adjectiva não contempla estaria, sim, a beneficiar a R. em detrimento da A..
J)- A R., ora recorrente, parece desconhecer que em Processo Civil, por estarem em causa direitos disponíveis pelas partes impera a verdade formal, em direito adjectivo civil, a perda da oportunidade de realização de um acto processual, por exemplo a citação, o processo contínua o seu curso e os actos processuais são praticados no momento certo, sob pena de se percutirem.
K)- Desde logo denota um comportamento insidioso de dilatório e por tanto configurador e passível, desde logo, de condenação por litigância de má fé (art. 456º do C.P.C.).
L)- O comportamento da R., ora recorrente ao longo do processo só tem uma qualificação litigância de má-fé (art. 266º, 266º-A e 456º do C.P.C.) pois, tal como a define a Lei Civil Adjectiva (C.P.C.), litiga de má fé quem alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa, fizer uso do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, nos termos do art. 456º, nº2, al. b) e d).
M)-Devendo a R., ora recorrente, ser condenada por V. Exas., Juízes Desembargadores do Egrégio Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do art. 456º nº1 do C.P.C., bem como deverá ser condenada a pagar uma indemnização à A., ora recorrida, pelos danos materiais e morais causados com a sua conduta ilegal, em quantia não inferior a € 3.000,00.
N)- Indemnização referente aos danos materiais que compreendem os valores materiais dispendidos com taxa de justiça e honorários da mandatária e morais conforme é disposto no artigo 457º do C.P.C..
O)-Perante o caso sub judice devem V. Excelências manter na íntegra a mui douta sentença não só porque se funda na prova produzida em sede de audiência de julgamento, mas também porque se encontra conforme o espírito e a letra da Lei - Constituição, Código Civil, Processo Civil e D.L. nº 269/98.
Nestes termos e nos mais de Direito sempre com o muito douto suprimento de V.Excelências deve o recurso ser julgado improcedente por falta de fundamento e a muito douta sentença recorrida mantida por ter decidido de acordo com a prova produzida em julgamento, e a R. ora recorrente condenada por litigância de má fé, em multa e indemnização à A ora recorrida no valor de €3.000,00 nos termos da Lei e Justiça!
*
Thema decidendum
1.1. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações ( daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória , delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem), dos recorrentes (cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A , nº 1, do Cód. de Proc. Civil ), sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código, as questões a apreciar e a decidir na instância recursória da apelação são apenas as seguintes :
a) Se bem/mal andou o tribunal a quo em indeferir (no decurso da audiência de julgamento) a concessão de prazo à apelante para examinar os documentos cuja junção aos autos fora requerida pela apelada, e , em consequência, decidiu não adiar a audiência ;
b) Se bem/mal andou o tribunal a quo em condenar a apelante em custas do incidente na sequência do indeferimento de pretensão deduzida pela apelante em sede de audiência de julgamento.
c) Se dos autos resulta ter a apelante assumido um comportamento insidioso de dilatório e por tanto configurador e passível de condenação por litigância de má fé, justificando-se assim a sua condenação no pagamento de multa e de uma indemnização à A., ora recorrida.
*
2.Motivação de Facto.
Porque não foi pela apelante impugnada ( pois que não se verifica desde logo qualquer das situações a que alude a alínea a), do nº1, do artº 712º, do CPC, não se olvidando ainda que não se procedeu à gravação dos depoimentos prestados ) a decisão relativa à matéria de facto (cfr. artº 685-B, do CPC), ao abrigo do disposto no art.º 713º, nº 6, do CPC, remete-se para os termos da decisão da 1 ª instância a factualidade provada (todos os factos alegados no requerimento de injunção).
Não obstante, porque directamente “atacadas” na apelação, recorda-se aqui quais as decisões interlocutórias impugnadas pela apelante ( cfr. Artº 691º,nº3, do CPC.).
2.1. - Após requerimento da apelada deduzido logo no início da audiência de julgamento - de 14/10/2011 - no sentido de juntar aos autos prova documental ( facturas, notas de crédito e certidão do registo comercial) , pedindo a palavra, requereu a apelante que :
" No pressuposto que a vontade da ré é poder confrontar as testemunhas com os documentos ora juntos pela autora a ré que só nesta data toma conhecimento deles requer a V. Exa. um prazo não inferior a 10 dias para os poder apreciar" ;
2.2.- No seguimento do requerimento da apelante referido em 2.1., proferiu o tribunal a quo o seguinte despacho :
“ Nos termos do disposto no artº 3º nº 4 do DL 269/98 as provas são apresentadas na audiência de julgamento pelo que a junção dos documentos não poderia ter sido anterior.
Por outro lado, no requerimento de injunção vêm descritas todas as facturas cujo pagamento é peticionado, não tendo a ré impugnado as mesmas ou alegado que não as recebeu. A ré defende-se dizendo que os montantes reclamados se encontram pagos, pelo que se pressupõe que conhece bem os fornecimentos que foram feitos, data dos mesmos, respectivos valores e factura respectiva.
Face ao exposto entende-se que o prazo de vista de 10 dias é desnecessário e excessivo, para além de implicar o adiamento da presente diligência, consequência que se entende como dilatória.
Dado o supra exposto e, porque é possível examinar os documentos no próprio acto, com a suspensão dos trabalhos por alguns minutos, indefere-se a concessão do prazo requerido e que implica o adiamento da presente audiência.”
2.3.- Após o despacho referido em 2.2., pelo ilustre mandatário da ré e ora apelante, foi dito:
"A ré, na pessoa do seu mandatário, não tem qualquer conhecimento técnico no âmbito do objecto prosseguido pelas sociedades partes nesta acção, pelo que não poderá em alguns minutos analisar as faturas e documentos ora juntos pela autora, exceto a certidão do registo comercial, documentos esses que, não obstante o entendimento deste tribunal, poderiam e deveriam ser juntos a quando da sua menção no requerimento.
Termos em que se requer a V. Exa. a alteração do anteriormente decidido".
2.4.- No seguimento do requerimento da ora apelante referido em 2.3, proferiu o tribunal a quo o seguinte despacho :
“ O requerimento de injunção nunca é apresentado com documentos de suporte. Trata-se de um formulário que é preenchido e enviado, e não de uma acção que se inicia com uma petição, com articulados e redigida por um advogado, sendo este o procedimento desde que entrou em vigor o DL nº 269/98.
Por outro lado as faturas dizem respeito a fornecimento de bens que são carnes, muito se estranhando que não se saiba a que se referem termos como "picanha", "lombos", "acém", "costeletas", "linguiça", "frango" e "bife de peru".
Por isso, mantém-se que a ré já sabia a que diziam respeito as faturas, visto que tal decorre com clareza da denominação social da autora e objecto da ré, e aliás vem descrito no requerimento inicial.
Não se trata assim de termos técnicos de difícil compreensão, pelo que se mantém e entende que tal adiamento seria puramente dilatório e apenas teria como objectivo colmatar uma falha da própria ré em apresentar testemunhas no presente acto.
O presente julgamento foi marcado em Maio e notificado no mesmo mês, pelo que a ré há muito sabia não só que tinha sido intentada a presente acção mas também a importância de fazer a prova que lhe competia, de maneira que se mantém o despacho anteriormente proferido.
Custas do incidente pela ré.”.
2.5.- Da sentença apelada fez-se constar, em sede de Motivação dos Factos Provados, que “Todas as testemunhas confirmaram o fornecimento de mercadorias à ré, e as duas últimas testemunhas confirmaram a existência de uma dívida entre 14 e 15 mil euros, e não tinham conhecimento do pagamento deste valor.
Considerou-se ainda o teor dos documentos juntos.(…)”
*
3.Motivação de direito.
3.1.- Se bem/mal andou o tribunal a quo em indeferir (no decurso da audiência de julgamento) a concessão de prazo à apelante para examinar os documentos cuja junção aos autos fora requerida pela apelada , e , em consequência, decidiu não adiar a audiência .
Recordando, e delimitando o objecto da presente apelação, temos que, no essencial, insurge-se a apelante contra a decisão do tribunal a quo que, aquando do início da audiência de discussão e julgamento, e no seguimento da requerida - pela ora apelada - junção aos autos de determinados documentos pela parte contrária, indeferiu a concessão de prazo para sobre eles poder pronunciar-se, não adiando assim a audiência [como implicitamente pretendia, tanto assim que era " vontade da ré é poder confrontar as testemunhas com os documentos ora juntos pela autora (…)“ ] e passando de imediato à inquirição das testemunhas da apelada.
Antes de mais, porém, importa verificar o que nos dizem as disposições legais com interesse relativamente ao objecto da apelação.
Ora, começando pelo artº 3º, nº3, do CPC, sob a epígrafe de “ Necessidade do pedido e da contradição”, é o legislador expresso em determinar que “ O Juiz deve e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
E, mais adiante, ao abordar especificamente a questão da “instrução do processo“, diz-nos o artigo 517º do CPC, com a epígrafe de “Princípio da audiência contraditória” ) , que :
“ 1- Salvo disposição em contrário, as provas não serão admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas.
2- Quanto às provas constituendas, a parte será notificada, quando for revel, para todos os actos de preparação e produção da prova, e será admitida a intervir nesses actos nos termos da lei; relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respectiva admissão como da sua força probatória. “
Porque no âmbito da presente apelação em causa está determinado tipo de prova, a documental, do disposto nos artºs 523º, 526º e 544º, todos do CPC ,resulta ainda que os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância e, após o conhecimento do respectivo conteúdo , pode a parte contrária, v.g., impugnar a letra ou assinatura do documento particular ou declarar que não se sabe se a letra ou a assinatura do documento particular é verdadeira, o que todavia deve fazer no prazo de 10 dias, contados da apresentação do documento quando esteja presente.
Finalmente, considerando que o objecto da apelação relaciona-se , é certo, com a junção aos autos de prova documental, mas com subjacente pretensão deduzida já em sede de audiência de julgamento ( logo após a sua abertura ) , importa agora atentar qual a respectiva influência no âmbito do seu decurso.
Assim, sob a epígrafe de “ causas de adiamento” , diz-nos a alínea b), do nº1, do artº 651º, do CPC, que feita a chamada das pessoas que tenham sido convocadas, é aberta a audiência, mas, deverá ser adiada :
“b) Se for oferecido documento que não tenha sido oferecido anteriormente e que a parte contrária não possa examinar no próprio acto, mesmo com suspensão dos trabalhos por algum tempo, e o tribunal entender que há grave inconveniente em que a audiência prossiga sem a presença dessa pessoa ou sem a resposta sobre o documento oferecido “.
Mas, prosseguindo a audiência ( porque o tribunal entendeu que não havia grave inconveniente em que a audiência prosseguisse sem a resposta sobre o documento oferecido) e iniciando-se desde logo a produção das provas que puderem de imediato produzir-se, deve porém ser ela interrompida antes de iniciados os debates, devendo o juiz desde logo designar dia para a sua continuação e decorrido o tempo necessário para o exame do documento ( cfr. nº 4, do artº 651º, do CPC ), interrupção que não pode porém ir além dos 10 dias.
Em consonância com o disposto no acabado de referir artº 651º, do CPC, diz-nos por último o nº2, do artº 656º, do CPC, que a “ A audiência é contínua, só podendo ser interrompida por motivos de força maior, por absoluta necessidade ou nos casos previstos no nº 4 do artigo 650.º, no nº 3 do artigo 651.º e no nº 2 do artigo 654.º. Se não for possível concluí-la num dia, o presidente marcará a continuação para o dia imediato, se não for domingo ou feriado, mas ainda que compreendido em férias, e assim sucessivamente. “.
Chegados aqui, e da conjugação de todas as acima indicadas disposições legais, imperioso é concluir desde logo que, o CPC, no que concerne à audiência de discussão e julgamento, estabelece por um lado um princípio básico ou regra geral, qual seja o da respectiva continuidade, mas , excepcionalmente, admite porém em concretas e típicas situações, a possibilidade, quer da respectiva interrupção, quer do seu adiamento.
E, no que a esta última “figura” concerne ( a do adiamento ) , e quando em causa está o oferecimento por uma parte de um documento, é também o legislador claro em determinar que , apenas será ele inevitável , se o tribunal entender que há grave inconveniente em que a audiência prossiga sem a resposta sobre o documento oferecido.
Tal equivale a dizer que, como bem adverte José Alberto dos Reis (1), que “ é ao presidente que compete, é claro, resolver se há-de suspender ou adiar a audiência (…)” , ainda que para tanto não deixe de “ (…) tomar em consideração as razões alegadas pelo advogado no sentido do adiamento”, razão porque apenas “ (…) quando as julgue de todo em todo inatendíveis, é que deve indeferir o pedido de adiamento”.
E, sendo assim como é, e não olvidando que em rigor não invocou sequer a apelante, perante o Juiz a quo, quaisquer razões fortes e pertinentes que o convencessem da inevitabilidade e conveniência do requerido adiamento da ausência, é caso para concluir que não padece a referida decisão de um qualquer vício que importe a respectiva revogação.
Acresce que, não obstante a invocada violação - pela primeira instância - dos artºs 13º e 20º , da Constituição da República Portuguesa, sobre tal matéria já se pronunciou de resto o próprio Tribunal Constitucional (2), e negativamente, considerando não padecer de inconstitucionalidade a interpretação conjugada do artigo 651º, nº1, alínea b), com as dos artigos 517º, nº2 e 544º, nº1, todos do CPC, no sentido de que cabe ao julgador e não à parte decidir se, no caso de esta entender que não pode examinar o documento no próprio acto, mesmo com suspensão dos trabalhos por algum tempo, existe ou não grave inconveniente no prosseguimento da audiência sem resposta sobre o documento oferecido.
É que, como bem se nota no referido Ac. do TC, e em termos abstractos, “ (…) a norma da alínea b) do n.º1 do artigo 651º do CPC, nada contém que permita afirmar a sua inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade ou do contraditório “ , pois que, “(…) trata ela igualmente qualquer das partes envolvidas num processo cível“, admitindo “ (…) não só a suspensão da audiência como também, se o tribunal entender que há grave inconveniente no seu prosseguimento, o seu adiamento, o que vale para qualquer das partes.
Dir-se-á ainda que, se in casu não logrou a apelante convencer (sibi imputet ) o tribunal da grave inconveniência no prosseguimento da audiência, fornecendo razões concretas, fortes e atendíveis para o adiamento da audiência, não pode agora aduzir que o não adiamento da audiência apenas se ficou a dever a uma interpretação inconstitucional efectuada pelo tribunal a quo de determinada disposição legal, maxime porque violadora do princípio da igualdade e/ou do princípio do contraditório.
Em conclusão , em face do exposto, têm necessariamente de improceder as subjacentes conclusões da apelante ( maxime as vertidas nas respectivas alíneas Q) e R ), não se impondo a revogação do despacho do tribunal a quo que não deferiu o pedido, expresso de concessão do prazo de vista e implícito de adiamento da audiência.
3.2.- Da não interrupção da audiência.
Não obstante o exposto em 3.1., e considerando as conclusões da apelante no sentido de que “ (…) mal andou o Tribunal a quo ao dar como provados os factos alegados pela ora recorrida nos pontos 5 e 6 da matéria de facto, sem previamente ter facultado à parte contrária o exercício do contraditório, reflexo máximo do Princípio da Igualdade “, importa porém reconhecer que, ao não determinar a interrupção da audiência ( que não o seu adiamento ) como o obriga a segunda parte do nº4, do artº 651º, do CPC, manifesto é que a primeira instância violou o princípio da audiência contraditória.
É que, não obstante ter feito prosseguir a audiência com a produção de prova testemunhal, não deferindo assim o pedido do seu adiamento formulado pela apelante, o que fez no entendimento de que não se verificava grave inconveniente em que a audiência prosseguisse sem a resposta da ora apelante sobre o mesmo (cfr. art.º 651, n.º1, alínea b), do CPC), obrigado estava porém o tribunal a quo em, antes de iniciados os debates, a interromper a audiência, respeitando o determinado no n.º4 do art.º 651 do CPC, e designando dia para a sua continuação ( decorrido o tempo necessário para o exame dos documentos), possibilitando assim o contraditório.
Acresce que, como resulta do item 2.5. da motivação de facto do presente Ac., a primeira instância serviu-se da prova documental junta pela apelada para sufragar a fundamentação de facto da sua decisão , e sem que, em consonância com o disposto no nº4, do artº 651º, do CPC , tenha permitido à ora apelante o efectivo contraditório, concedendo-lhe o tempo necessário para examinar os documentos juntos pela apelada.
Inquestionável é, assim, que incorreu o tribunal a quo em violação do princípio do contraditório, incumprindo o disposto no art.º 651, n.º4, do CPC, e , em última análise, omitindo um acto ( não interrompendo a audiência) que a lei prescreve , sendo que tal irregularidade, porque tem evidente influência no exame e decisão da causa, consubstancia o cometimento de uma nulidade ( cfr. art.º 201, n.º1, do CPC).
Sucede que, a referida nulidade [ porque de uma nulidade secundária se trata -prevista no n.º1 do art.º 201.º do CPC-, cujo conhecimento depende de arguição, e devendo esta ser deduzida em obediência ao disposto no artigo 205.º n.º 1, também do CPC ] , caindo sob a alçada do nº1, do artº 205º, do CPC, para ser conhecida, carecia de pela ora apelante ter sido invocada ( que não foi ) enquanto a audiência de julgamento não terminasse.
Designadamente, aquando da concessão ao respectivo mandatário da palavra para as “alegações”, podia e devia então o mesmo ter arguido a apontada nulidade, chamando a atenção do tribunal para o seu cometimento e, concomitantemente, impetrando a interrupção da audiência.
Não o tendo feito, tal obriga, para todos os efeitos, a considerar-se que a identificada nulidade se mostra sanada, não podendo ela agora ser atendida.
Destarte, na sequência do exposto, improcedem outrossim as subjacentes conclusões da apelante , v.g. a vertida na respectiva alíneas P).
*
3.3.- Se bem/mal andou o tribunal a quo em condenar a apelante em custas do incidente na sequência do indeferimento de pretensão deduzida pela apelante em sede de audiência de julgamento.
No âmbito da presente apelação, insurge-se ainda a apelante contra a decisão interlocutória do tribunal a quo que, ao indeferir um seu requerimento pedindo a alteração de anterior despacho, a sancionou no pagamento de custas por pretenso incidente.
É que, no entender da apelante, um simples requerimento pedindo a alteração de um despacho não deve ser considerado um incidente, e como tal sujeito a tributação, razão porque violou a primeira instância o artigo 7.º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais.
Adiantando desde já o nosso veredicto, não assiste qualquer razão à apelante.
Senão, vejamos.
Sendo aplicável aos presentes autos o RCP (3), recorda-se porém que, no âmbito do CCJ (aprovado pelo DL nº 224-A/96, de 26 de Novembro e com a redacção do Dec. Lei nº 324/2003, de 27.12 ), rezava o seu artigo 16º, no respectivo nº 1, que :
1- Nas ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributadas segundo os princípios que regem a condenação em custas e na incompetência relativa, nos impedimentos, nas suspeições, na habilitação, na falsidade, na produção antecipada de prova, no desentranhamento de documentos, bem como noutras questões incidentais não referidas no artigo 14.º, a taxa de justiça é fixada pelo juiz em função da sua complexidade, do valor da causa, do processado a que deu causa ou da sua natureza manifestamente dilatória, entre 1 UC e 20 UC.
Previa então, o nº1 da citada disposição legal, três tipos de situações susceptíveis de tributação em custas, a saber: a) as ocorrências estranhas ao normal desenvolvimento da lide, que devam ser tributadas segundo os apontados princípios (4) que regem a condenação em custas; b) a incompetência relativa, os impedimentos, as suspeições, a habilitação, a falsidade, a produção antecipada de prova e o desentranhamento de documentos; c) as outras questões incidentais não previstas no artº. 14.
No entendimento de Salvador da Costa (5) a disposição legal do CCJ referida, tinha por desiderato fundamental moderar a tributação de situações incidentais não tipificadas e/ou questões estranhas ao desenvolvimento normal da lide que não eram essenciais à respectiva resolução, e cuja utilidade económica não era determinável, razão porque eram tributáveis com uma taxa de justiça não aferida com base no valor da causa.
Ora, no âmbito do CCJ, entendia-se que a questão incidental integrava todo o processado de natureza contenciosa com um certo grau de conexão com alguns dos elementos que integram o processo, mas possuindo já alguma autonomia em relação ao seu objecto, pressupondo v.g. uma sequência própria de actos, ou uma intercorrência processual secundária, configurada como episódica e eventual em relação ao processo próprio da acção principal (6).
E, já a ocorrência estranha ao normal desenvolvimento da lide, consubstanciava toda a questão suscitada que surgisse no quadro da dinâmica normal do processo como de todo descabida, e que tivesse um mínimo de autonomia processual em relação ao processado da causa (7) .
Tal equivalia a dizer, clarificava então e ainda Salvador da Costa (8), que apenas não seriam objecto de tributação autónoma os actos que pela natureza das coisas se considerassem como estando já abrangidos pela tributação específica da causa.
Incidindo agora a nossa atenção sobre o RCP, e tendo em atenção o disposto no respectivo artº 7º, nºs 3 e 6 (com a redacção anterior ao DL nº 52/2011, de 13 de Abril), manifesto é que mantém-se a tributação dos procedimentos ou incidentes anómalos, isto por um lado e, por outro, continuou a entender-se , agora expressamente, que é anómalo aquele incidente que não cabe na normal tramitação do processo, o que é o mesmo que dizer que consubstancia ocorrência estranha ao normal desenvolvimento da lide.
Também o refere agora expressamente o RCP, que para efeitos de tributação, basta que o incidente se ampare em articulado ou requerimento autónomo, dêem origem à audição da parte contrária, e imponham uma apreciação jurisdicional de mérito.
Chegados aqui, porque em rigor e em face do exposto, manifesto é que o requerimento da apelante referido no item 2.3. do presente consubstancia um incidente anómalo, porque não cabe na normal tramitação do processo, e , de resto, descabido (em face do disposto no artº 666º,nº1 e 3, do CPC), tendo obrigado o juiz a quo à prolação de uma decisão de apreciação do respectivo “mérito”, inequívoco é que é ele passível de tributação em custas ( taxa de justiça).
De resto, no âmbito da ponderação que sempre incumbe ao julgador ( para efeitos de tributação) efectuar no que concerne à anormalidade em relação ao processamento da acção, à autonomia do seu processamento - em relação ao que é o normal processamento da acção- e à imputabilidade do respectivo processamento incidental, também nada há a apontar à decisão apelada, mostrando-se ela correcta e adequada em razão dos princípios da proporcionalidade e da causalidade que regem a tributação em custas ( cfr. artº 446º, do CPC).
Improcedendo, portanto, as conclusões S, T, U, V e W da apelação, tal equivale a dizer que improcede ela in totum.
*
3.4. - Se dos autos resulta ter a apelante assumido um comportamento insidioso de dilatório e por tanto configurador e passível de condenação por litigância de má fé, justificando-se assim a sua condenação no pagamento de multa e de uma indemnização à A., ora recorrida.
No âmbito das respectivas contra-alegações, vem a apelada “enxertar” a questão na litigância de má-fé da apelante (como que ampliando o âmbito do recurso), questão para todos os efeitos “nova” (porque jamais suscitada perante o tribunal a quo) e, ademais, relativamente à qual não foi ainda concedida à apelante a oportunidade de exercer o contraditório.
Para sustentar a pretendida condenação da apelante - por este tribunal da relação - no pagamento de uma multa e, bem assim, de uma indemnização à apelada [ em danos materiais e morais causados com a sua conduta ilegal, em quantia não inferior a € 3.000,00], invoca no essencial esta última todo o comportamento processual da apelante manifestado no decurso do processo, quer deduzindo oposição ( alegando que todas as facturas estavam pagas, o que não provou), quer já em sede de audiência ( fazendo alegadamente uso de manobra dilatória ao solicitar o prazo de 10 dias para a apreciação de documentos), quer finalmente no âmbito da apelação interposta ( ao invocar a disposição legal do artº 342º,nº1, do CC, pretendendo fazer crer que a prova documental junta pela A , bem como os depoimentos testemunhais, não tiveram qualquer valor probatório).
Ora bem.
Antes de mais importa precisar que, também no âmbito de instância recursória e por força do disposto no artº 660º,nº2, ex vi do nº2, do artº 713º, ambos do CPC, ao julgador impõe-se apreciar/ocupar-se não apenas das questões que as partes tenham submetido à apreciação do tribunal ad quem, como outrossim daquelas que a lei permite ou impõe o seu conhecimento oficioso.
E, no tocante à condenação por litigância de má-fé, manifesto é que de uma “questão” se trata que pelo tribunal pode ser conhecida oficiosamente, ainda que no que concerne à condenação em indemnização à parte contrária se exija que esta última o solicite (cfr. art. 456º nº 1 e 660º, nº2, in fine , do CPC).
Dito isto, e a propósito ainda da referida indemnização ancorada em litigância de má-fé, refere José Lebre de Freitas (9) que não carece o respectivo pedido (…) de ser deduzido nos prazos em que é admissível a dedução dos pedidos que constituem o objecto da acção, nomeadamente na réplica (artigo 273°,n.°2), ou em reconvenção (artigo 501º,n.º1), bastando tão só , acrescenta, que seja “ (…) deduzido antes da decisão final, em 1ª instância ou em recurso”.
É que, “adverte” Lebre de Freitas (10), “ Basta ver que a actuação por má-fé pode ser posterior ao momento da apresentação dos articulados em que tais pedidos são admissíveis e mesmo posterior ao encerramento da discussão da matéria de facto em 1ª instância”. (11)
Porém, ainda que a questão da má fé e as suas consequências nada tenha que ver com o julgamento do mérito da causa, e tal como decorre de resto do disposto nos artºs 660º, nº2 [ do qual resulta o dever do conhecimento/pronúncia relativamente às questões de conhecimento oficioso ] e 666º, nº1, ambos do CPC, é necessariamente na sentença que o Juiz há-de decidir se o litigante procedeu de má fé, sendo nela que, em caso afirmativo, há-de condená-lo no pagamento de multa e de uma indemnização à parte contrária, apenas podendo e devendo relegar para depois da sentença a fixação do quantitativo desta última. (12)
E, nada decidindo o julgador no âmbito da sentença relativamente a tal matéria, quiçá por mero lapso, quer porque aquando da apreciação/análise da conduta processual assumida pelas partes até então, nada de relevante e susceptível de configurar litigância de má fé logrou descortinar, manifesto é que sobre a referida e mesma conduta ( a desenvolvida pelas partes em sede de tramitação do processo na primeira instância ) já não poderá o tribunal ad quem debruçar-se , emitido um qualquer juízo/sindicância. (13)
Não se olvida , como de resto vimos já, que possível é que a parte venha a enveredar por um comportamento processual de má fé numa fase já posterior à prolação da sentença pela primeira instância, maxime em sede de interposição de recurso e até no decurso da respectiva tramitação.
Quando tal suceda, óbvio é que caberá já à 2 dª instância agir/decidir em conformidade, mesmo ex officio, mas, então, apenas poderá sindicar o comportamento das partes que seja posterior à prolação da sentença pelo tribunal a quo, não podendo no âmbito da respectiva apreciação debruçar-se sobre o comportamento que desenvolveram elas em fase anterior.
Que assim deve ser, e bem, decidiu já este mesmo tribunal da Relação (14) , dizendo que “ Quando reportado à má-fé processual da A. revelada até à prolação da sentença recorrida (…) o pedido da condenação daquela em indemnização por um tal título, formulado pelo R. em contra-alegações de recurso não é já admissível.”, o que é o mesmo que dizer que “ (…) não pode a Relação conhecer em via de recurso, da má-fé do recorrente revelada até à interposição daquele, quando nada tendo sido requerido a propósito na 1ª instância, também dela se não haja ali oficiosamente conhecido.
Ora, chegados aqui, e sendo para efeitos do disposto no artº 456º do CPC, totalmente irrelevante o comportamento processual da Ré revelado até à prolação da sentença recorrida, a verdade é que, no âmbito da instância recursória, nada de significativo importa destacar no comportamento da apelante capaz de integrar a previsão do citado preceito legal , a que acresce que, em rigor, a litigância de má fé não se confunde com a manifesta improcedência da pretensão e/ou oposição deduzida, antes exige ela um desrespeito pelo tribunal, pelo processo e até pela justiça, sendo imputável ao litigante a título de culpa ( dolo ou negligência grave, cfr. nº2, do artº 456º, do CPC).
De resto, nas conclusões da respectiva apelação, não apenas não dirige a apelante qualquer oposição directa à decisão do tribunal a quo relativa à matéria de facto, mas tão só a duas concretas decisões – e anteriores - pelo mesmo proferidas em seu desfavor , sendo que relativamente à primeira não se pode também+em dizer ( em face do exposto no item 3.2. do presente Acórdão ) que assentava ela em fundamento manifestamente destituído de razoabilidade.
Em suma, porque não decorre de todo o processado no âmbito da instância recursória que nela agiu a apelante com má fé, pois que nenhuns e concretos elementos o demonstram , nada justifica a condenação da apelante nos termos gizados pela apelada , assim se compreendendo agora, também, a razão de, relativamente a tal matéria, não se ter observado o contraditório ( cfr. artº 3º e 137º, ambos do CPC).
***
4- (…)
***
5. Decisão.
Em face do supra exposto, acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa , em , não concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado pela Ré :
5.1.- Manter a decisão/sentença do tribunal a quo .
*
Custas pela apelante.
(1) In Código de Processo Civil, anotado, Coimbra 1987, Vol. IV, pág. 521.
(2) Cfr. Ac. nº 379/99, de 22 de Junho de 1999, relatado pelo Exmª Juiz Conselheiro Vítor Nunes de Almeida.
(3) Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL nº 34/2008, de 26/2.
(4) O art. 446º, do CPC , estipula que “ a decisão que julgue a acção, ou algum dos seus incidentes ou recursos, condenará em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento na acção, quem do processo tirou proveito “ .
(5) in CCJ Anotado,1997, págs. 138 e segs..
(6) Cfr. Gama Prazeres, in Os Incidentes de Instância no actual CPC, 1963, 13 .
(7) Cfr. Salvador da Costa , no seu CCJ Anotado,1997, págs. 138 e segs..
(8) ibidem, págs. 138 e segs.),
(9) In Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 2º, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 221 .
(10) Ibidem , pág. 221.
(11) Cfr. ainda José Alberto dos Reis, in CPC anotado, Vol. II, 3ª Edição, pág. 279.
(12) Cfr. José Alberto dos Reis, ibidem, pág. 281.
(13) Como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, o ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
(14) V.g no Ac. de 30/6/2011, in www.dgsi.pt/jtrl.
***

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2012

António Santos
Eurico José Marques dos Reis ( 1º Adjunto)(*) voto vencido
conforme declaração junta
Ana Maria Fernandes Grácio ( 2º Adjunto)

(*) DECLARAÇÃO DE VOTO
No processo n.º 416130/10.2YIPRT.L1-visto n.º 07/2012(1) -, voto vencido com os seguintes fundamentos:
a) em primeira linha e como argumento principal, não é acertado, quer sob o ponto de vista teleológico quer enquanto perspectiva de regulação social, entender de forma irrestrita que há no comércio jurídico conflitos eticamente menos dignos que os outros – o princípio constitucional da proibição da desigualdade injustificada (art.º 13º da Constituição da República) e a certeza que existem princípios éticos superiores a outros (art.º 335º do Código Civil) não o autorizam;
b) mas mesmo que se entenda o contrário, a diminuição de direitos por parte desses“filhos de um deus menor” não pode significar a derrogação de salvaguardas estabelecidas para assegurar o cumprimento de princípios e valores estruturantes do próprio Estado de Direito, sendo que o direito ao contraditório – o princípio do contraditório – é um dos pilares fundamentais do direito a um julgamento leal e mediante processo equitativo que se encontra protegido não apenas na Constituição da República (art.º 20º n.º 4) mas igualmente na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.º 10º), na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.º 6º n.º 1) e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, anexa ao tratado de Lisboa (art.º 47º);
c) a referência a documentos que é feita no requerimento inicial da injunção não substitui a exibição dos mesmos – por isso estes foram juntos em audiência – e a impossibilidade de uma sua análise crítica por parte da demandada constitui uma severa violação do supra aludido direito a um julgamento leal e mediante processo equitativo.
E, por estas razões, teria revogado a decisão recorrida e determinado o adiamento da audiência para que a sociedade recorrente pudesse exercer o devido contraditório quanto aos documentos com que só nessa data foi confrontada.
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2012
Eurico José Marques dos Reis