Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
597/10.7TTLSB.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. Para a validade de um contrato de trabalho a termo não basta a remissão para os termos da lei para satisfazer a exigência legal da indicação do motivo justificativo, sendo indispensável a indicação concreta da factualidade real que motiva a necessidade de tal contratação, pelo que, também, não é legalmente admissível o contrato a termo em que os motivos indicados não correspondam à realidade
2. No caso, dos factos apurados não resulta coincidente a justificação invocada no contrato a termo celebrado com o autor e a prestação de serviços celebrada com o Metro de Lisboa que a ré invocou como justificação para a aposição do termo no referido contrato, o que não permite ao trabalhador compreender das razões da sua precariedade, mas também não permite ao tribunal concluir pela veracidade da justificação invocada para o termo estipulado, o que o torna nulo, pelo que autora e ré encontram-se vinculadas por um contrato sem termo, ao abrigo do art.º130, n.º 1 do CT e art.º131, n.º1, al. e) e nºs 3 e 4 do mesmo diploma.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AA, residente na ..., intentou a presente acção declarativa com processo comum, contra.
BB – Vigilância e Prevenção Electrónica, Lda., com sede (…), em Lisboa, pedindo que a ré seja condenada a: a) Reintegrá-lo no seu posto de trabalho sem prejuízo da opção pela indemnização por despedimento e ainda; b) A pagar-lhe as retribuições já vencidas de 746,78, acrescidas das que se vencerem até à decisão final e c) Juros à taxa legal de 4% ao ano desde a citação até integral pagamento.

Para o efeito alega que foi admitido ao serviço da ré em 29 de Maio de 2008 mediante contrato de trabalho a termo certo como vigilante. Auferia ultimamente por mês a retribuição base de € 629,60, acrescido de € 117,18 a título de subsídio de alimentação perfazendo o montante total de € 746,78, para um horário de trabalho a tempo completo. Por carta datada de 9 de Novembro de 2009, a ré comunicou-lhe a rescisão do contrato de trabalho com efeitos a partir de 30 de Novembro de 2009. Porém, o termo aposto no contrato não era válido pelo que a denúncia configurou um despedimento ilícito.

Na contestação a ré sustentou, em síntese, que o termo era válido uma vez que a contratação do autor se deveu ao aumento da necessidade de segurança em determinado local (Clube Desportivo ... e ...) em decorrência de obras por alargamento da linha vermelha do Metro de Lisboa.

Após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julga-se a acção procedente e, consequentemente:
a. condena-se a ré a pagar ao autor, a título de indemnização pela ilicitude do despedimento, a quantia correspondente ao produto da retribuição base (€ 629,60), pelo número de anos completos ou fracção, decorridos desde 29.05.2008 até ao trânsito em julgado da decisão, acrescida de juros de mora vincendos desde 04.04.2011 (data da sentença) até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é actualmente de 4% ao ano, a liquidar em execução de sentença;
b. Condena-se a ré a pagar ao autor as retribuições vencidas o 30.º dia antes da propositura da acção até à data do trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros desde a data da propositura da citação para as vencidas até tal data e das respectivas datas de vencimento para cada uma das restantes retribuições até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é actualmente de 4% ao ano. A tal valor deve ser deduzido o montante das importâncias atinentes a rendimentos de trabalho auferido pelo autor em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento e ainda o montante do subsídio de desemprego.”

A ré, inconformada, interpôs recurso, tendo nas respectivas alegações elaborado as a seguir transcritas
Conclusões:
(…)

Nas contra-alegações o autor pugna pela confirmação da decisão recorrida
Colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir

I. Tal como resulta das conclusões do recurso interposto que delimitam o seu objecto, a única questão suscitada é sobre a validade do termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre autor e ré.

II. Fundamentos de facto
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. O autor trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré desde 29 de Maio de 2008 até 30 de Novembro de 2009, no âmbito de um contrato de trabalho vigente entre as partes;
2. Possuía a categoria profissional de Vigilante;
3. Auferia ultimamente por mês a retribuição base de € 629,60, acrescido de € 117,18 a título de subsídio de alimentação perfazendo o montante total de € 746,78, para um horário de trabalho a tempo completo;
4. No dia 29 de Maio de 2008 o autor e a ré outorgaram o escrito de fls. 21 e 22 dos autos, com o seguinte teor: - «O presente contrato é celebrado pelo prazo de 186 dias e tem o seu início em 29 de Maio de 2008 e termo em 30 de Novembro de 2008, estando sujeito ao período experimental de 30 dias, especificamente convencionado e considerado necessário para a aprendizagem e adaptação às normas e técnicas de serviço, bem como ao enquadramento na actividade de segurança privada» (cl. terceira);
- «O prazo de vigência do presente contrato é justificado pela natureza do serviço prestado pelo Primeiro Outorgante a Metropolitano de Lisboa E.P. com instalações sitas na área geográfica de Lisboa, mediante contrato de prestação de serviços de segurança privada, com carácter não duradouro e a cujo período de duração o presente contrato corresponde previsivelmente» (cl. quinta);
- «Decorrido o prazo de vigência, este contrato renovar-se-á por 12 meses até ao limite de duas renovações, se nenhuma das partes comunicar à outra, por escrito, até oito dias, ou quinze dias, antes do termo do seu período inicial ou de alguma das suas prorrogações, a sua vontade de não o renovar, consoante a iniciativa do trabalhador ou da Entidade Patronal, respectivamente» (cl. sexta);
5. Ao serviço da R. o A. trabalhou nos seguintes locais de trabalho e horário de trabalho:
a. Metropolitano de Lisboa EP linhas “verde” e “vermelha”;
b. Clube Desportivo ... e ...;
6. A ré celebrou com o Metropolitano de Lisboa, E.P. contrato para vigilância do estacionamento colocado no Clube Desportivo ... e ...;
7. Tal estacionamento foi acordado pelo Metropolitano de Lisboa, E.P. com o referido Clube Desportivo ... e ... durante a execução das obras de extensão da linha vermelha do Metro de Lisboa;
8. E era utilizado pelos veículos dos residentes na zona da estação do Metro em ..., cuja via pública foi ocupada pelo estaleiro de execução das obras referidas em 7.;
9. As obras iniciaram-se em Agosto de 2008;
10. E cessaram em Julho de 2009;
11. Por carta datada de 9 de Novembro de 2009, constante de fls. 20 dos autos, a ré comunicou ao autor a rescisão do contrato de trabalho com efeitos a partir de 30 de Novembro de 2009 “Dado não subsistirem presentemente as circunstâncias que viabilizarem a sua celebração, vimos comunicar – lhe para os devidos efeitos, a nossa decisão de rescindir o contrato em referência a partir daquela data”.

III. Fundamentos de direito
Como acima se referiu a única questão que importa apreciar é sobre a validade do termo aposto no contrato trabalho celebrado entre autor e ré
A sentença recorrida deu procedência ao pedido formulado pelo autor pois considerou que “ (…) resulta não só que do teor do contrato não resulta exactamente qual “o serviço prestado” pela ré ao “Metropolitano de Lisboa E.P. com instalações sitas na área geográfica de Lisboa, mediante contrato de prestação de serviços de segurança privada, com carácter não duradouro e a cujo período de duração o presente contrato corresponde previsivelmente que permita ao trabalhador aquilatar das razões da precariedade do seu emprego como ainda não se apuraram factos suficientes para aquilatar a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, ónus que se impunha à ré. Pelo que o termo é nulo - art. 130.º, n.º 1 do CT e 131.º, n.º 1, al. e); n.º 3 e n.º 4 do CT. Consequentemente, autora e ré encontravam-se vinculadas por um contrato sem termo.
A sentença recorrida sustenta assim que os motivos justificativos da celebração do contrato a termo não permitem ao trabalhador aquilatar da precariedade da sua relação laboral e ainda que não resultaram apurados factos que permitam concluir que aqueles motivos são verdadeiros.
O princípio da liberdade contratual é, no âmbito do direito do trabalho e no que respeita à estabilidade da relação laboral subordinada, condicionado por imperativos legais sustentados em interesses de ordem pública, que surgem como corolários do princípio constitucional da Segurança no Emprego, consagrado no art. 53 da Constituição.
A legislação ordinária tem, então, colocado aos empregadores diversos entraves à liberdade de desvinculação, bem como restrições nas admissões que proponham à partida a existência de uma vinculação precária, e neste contexto, tem surgido toda uma legislação relativa à contratação a termo, que começou com DL n.º 787/76, de 28.10, permitindo o denominado contrato a prazo. Mais tarde o DL n.º 64-A/89 de 27.2, passou a regular de forma mais completa o agora denominado contrato a termo. Este diploma legal sofreu, entretanto, no que respeita à contratação a termo as alterações introduzidas pela Lei n.º38/96, que consagrou no seu artigo 3°, a necessidade da concretização factual do motivo justificativo para celebração de um contrato de trabalho a termo, cuja redacção foi alterada pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, no sentido de exigir que na redacção do motivo justificativo se estabeleça com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
O Código do Trabalho/2003, em vigor à data de celebração do contrato de trabalho em apreço, veio alargar a admissibilidade da contratação a termo e sua duração. No entanto, exige os mesmos requisitos de forma para a sua validade e manteve os requisitos da indicação do motivo justificativo, nos moldes consignados no art. 3º da Lei n.º38/96, na redacção introduzida pela Lei n.º 18/2001, tal como resulta do n.º3 do seu art.º131, tendo consignado, expressamente, que a prova dos factos que justificam a celebração do contrato a termo cabe ao empregador – n.º1 do art.º130.
Quer isto dizer que para a validade de um contrato de trabalho a termo não basta a remissão para os termos da lei para satisfazer a exigência legal da indicação do motivo justificativo, sendo indispensável a indicação concreta da factualidade real que motiva a necessidade de tal contratação, pelo que, também, não é legalmente admissível o contrato a termo em que os motivos indicados não correspondam à realidade. Por outras palavras, não basta para a validade do termo estipulado no contrato de trabalho a termo que se indique o motivo justificativo do termo, pela concretização factual dos trabalhos e funções que o trabalhador seja contratado, sendo ainda necessário que tais motivos sejam verdadeiros. Assim, num primeiro momento há que saber se o contrato se apresenta formalmente válido no que respeita à indicação do motivo justificativo e num segundo momento há que averiguar se esse motivo corresponde à verdade, ou seja, se houve correspondência entre a situação invocada para a celebração do contrato e a situação real.
No caso em apreço resultou provado que no dia 29 de Maio de 2008 autor e ré outorgaram o contrato (fls. 21 e 22) denominado de contrato a termo pelo prazo de 186 dias, com início em 29 de Maio de 2008 e termo em 30 de Novembro de 2008, o qual foi sucessivamente renovado até 30 de Novembro de 2009. A justificação do termo consta das cláusulas 5ª e 7ª.
Assim, da cl 5ª consta que: «O prazo de vigência do presente contrato é justificado pela natureza do serviço prestado pelo Primeiro Outorgante a Metropolitano de Lisboa E.P. com instalações sitas na área geográfica de Lisboa, mediante contrato de prestação de serviços de segurança privada, com carácter não duradouro e a cujo período de duração o presente contrato corresponde previsivelmente» (facto n.4º)
Da cl 7ª, não transcrita na matéria de facto, consta que: “ O contrato é celebrado a termo certo ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º2 do art. 129 do CT: contratação de trabalhador para execução do serviço de vigilância contratado pelo primeiro outorgante e o seu cliente, Metropolitano de Lisboa E.P., para as instalações deste correspondentes às linhas designadas “verde” e “vermelha” durante o período de tempo requerido pelo cliente, cuja duração máxima previsível corresponde aos prazos de vigência e de renovação convencionados no presente contrato de trabalho a termo certo.”
Ora, destas cláusulas resulta que a ré justificou a contratação do autor a termo certo pela necessidade de ter que dar cumprimento a um contrato que celebrou com Metropolitano de Lisboa E.P., contrato de prestação de serviços de vigilância nas instalações deste, correspondentes às linhas verde e vermelha, num período de tempo delimitado, requerido pelo cliente, e por isso com um carácter não duradouro.
Assim, o motivo invocado para aposição do termo é admissível, ao abrigo da al. g) do art.º129 do CT, pois destina-se a satisfazer necessidades temporárias da ré (prestação de serviços ao Metro de Lisboa) pelo período necessário à sua satisfação, configurando a execução de um serviço determinado e não duradouro.
Vejamos agora se esse motivo se verificou.
Da factualidade apurada resultou provado que a ré celebrou com o Metropolitano de Lisboa, E.P. contrato para vigilância do estacionamento colocado nas Clube Desportivo ... e ..., durante o período de execução das obras de extensão da linha vermelha do Metro de Lisboa, sendo que tais obras se iniciaram em Agosto de 2008 e cessaram em Julho de 2009 – factos nºs 6 a 10.
No entanto, da matéria apurada resulta que o autor começou a prestar a sua actividade ao serviço da ré em Maio de 2008, e que a prestou, quer nas instalações do Metropolitano de Lisboa EP, linhas “verde” e “vermelha”, quer no Clube Desportivo ... e ..., até 30 de Novembro de 2009 – factos n.º5 e 11.
Deste modo, apurou-se que o contrato de prestação de serviços celebrado entre a ré e o Metro de Lisboa, invocado para justificar a contratação a termo do autor, destinava-se apenas à vigilância do estacionamento colocado no Clube ... e ..., durante a execução das obras na linha vermelha que só se iniciaram em Agosto de 2008. Todavia, o contrato de trabalho do autor iniciou-se em Maio de 2008, tendo o autor prestado a sua actividade também nas instalações do Metro nas linhas verde e vermelha, ou seja, para além das que prestou no Clube Desportivo ... e ....
Assim, dos factos apurados não resulta coincidente a justificação invocada no contrato a termo celebrado com o autor e a prestação de serviços celebrada com o Metro de Lisboa que a ré invocou como justificação para a aposição do termo no referido contrato, o que, como se concluiu na sentença recorrida, não permite ao trabalhador compreender das razões da sua precariedade, mas também não permite ao tribunal concluir pela veracidade da justificação invocada para o termo estipulado, ónus que se impunha à ré, pelo que o termo é nulo e, consequentemente, autora e ré encontram-se vinculadas por um contrato sem termo, ao abrigo do art.º130, n.º 1 do CT e art.º 131, n.º 1, al. e) e nºs 3 e 4 do mesmo diploma.

IV. Decisão
Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2012

Paula Sá Fernandes
José Feteira
Filomena de Carvalho
Decisão Texto Integral: