Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
956/08.5YXLSB-A.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
TRIBUNAL DO TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Não estando em causa questão emergente da relação de trabalho, mas a efectivação de responsabilidade civil por factos ilícitos nesse âmbito eventualmente cometidos, não se acha a mesma abrangida pela competência dos tribunais de trabalho, mas sujeita ao conhecimento da jurisdição comum.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa :

1. A .. propôs, contra B… , acção seguindo forma sumária, distribuída ao 7º Juízo Cível de Lisboa, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de € 20.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, alegadamente por si sofridos, em consequência de conduta àquele imputada.
Contestou o R., excepcionando, nomeadamente, a incompetência do tribunal em razão da matéria e a sua ilegitimidade - concluindo pela improcedência da acção.
No despacho saneador, foi proferida decisão, considerando improcedente qualquer das excepções invocadas.
Inconformado, veio o R. interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões :
- O recorrente discorda da solução adoptada pelo Tribunal, porquanto está efectivamente em causa matéria do foro laboral, sendo por isso competentes os tribunais de trabalho, reportando-se tal matéria à relação estabelecida entre o A., como trabalhador, e o R., enquanto seu superior hierárquico, razão pela qual o R. é parte ilegítima.
- É ao nível da relação laboral que as questões suscitadas pelo A. se colocam.
- Os pedidos formulados pelo A. têm por causa de pedir o vínculo laboral que o ligou à …- Companhia de Seguros, SA.
- Ao longo dos arts. 31° a 108º da p.i., o A. mais não faz do que apresentar uma resposta à nota de culpa que lhe foi entregue pela … - Companhia de Seguros, SA, no processo disciplinar a que alude.
- Os prejuízos de natureza não patrimonial que o A. alega ter sofrido resultariam do processo disciplinar que lhe foi movido e da intervenção do R. (sempre e enquanto Presidente do Conselho de Administração) no mesmo.
- Ao contrário do que decidiu a decisão recorrida, o tribunal cível é absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer dos pedidos que vêm formulados na presente acção.
- Deve, assim, ser revogado o despacho saneador e substituído por decisão que julgue procedente a excepção da incompetência do Tribunal, em razão da matéria.
- Na presente acção, o A. pede que o R. seja condenado a pagar-lhe uma determinada importância a título de danos não patrimoniais, alegadamente sofridos em virtude do processo disciplinar que lhe foi movido pela …Companhia de Seguros, SA, e pela alegada intervenção, por acção ou omissão, que o R. teve nesse processo.
- O R. exerce, e exercia à data dos factos relatados na p.i., o mandato de Presidente do Conselho de Administração executivo da referida … – Companhia de Seguros, SA.
- No que se refere à factualidade em causa na presente acção, o R. actuou, sempre e apenas, no exercício das funções de Presidente do Conselho de Administração executivo da … - Companhia de Seguros, SA.
- Se alguma responsabilidade houvesse a assacar, sempre seria sobre a …Companhia de Seguros, SA e não sobre o R. como pessoa individual.
- Nos presentes autos, o R. é, assim, parte ilegítima quanto ao pedido formulado pelo A.
- Deve, assim, ser revogado o despacho saneador e substituído por decisão que julgue procedente a excepção de ilegitimidade do R.
- Decidindo como decidiu, o despacho saneador violou os arts. 85º b) e 94º da Lei 3/99, de 13/1, e 26º, nºs 2 e 3, 493º, 494º e 495º do C.P.Civil.
Em contra-alegações, pronunciou-se o apelado pela confirmação do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Nos termos dos arts. 684º, nº3, e 685º-A, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente.
A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação das arguidas excepções de incompetência material do tribunal recorrido e ilegitimidade do R., ora apelante.
Em conformidade com o disposto no art. 85º b) da Lei 3/99, de 13/1 (LOFTJ), compete aos tribunais de trabalho o conhecimento das questões emergentes de relações de trabalho subordinado.
A competência do tribunal em razão da matéria, no confronto do tribunal do trabalho com o tribunal de competência genérica ou a vara ou juízo cível é, pois, “essencialmente determinada à luz da estrutura do objecto do processo, envolvida pela causa de pedir e pelo pedido formulados na petição inicial, independentemente da estrutura civil ou laboral das normas jurídicas substantivas aplicáveis” (ac. STJ, de 18/11/2004, www.dgsi.pt - SJ200411180038477).
No caso concreto, constitui objecto do processo o pedido de ressarcimento do A., ora apelado, por danos não patrimoniais, alegadamente decorrentes da imputação de factos, em processo disciplinar laboral, contra aquele movido.
Pese embora a natureza do procedimento em que se funda, claro, pois, se torna não se achar aqui em causa questão emergente da relação de trabalho, mas a efectivação de responsabilidade civil por factos ilícitos nesse âmbito eventualmente cometidos.
E, assim sendo, impor-se-à concluir, como decidido, não se achar a questão a apreciar abrangida pela competência dos tribunais de trabalho, mas sujeita ao conhecimento da jurisdição comum.
De acordo com a definição contida no art. 26º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil, o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, expresso pelo prejuízo que lhe advenha da procedência da acção.
Esclarecendo o nº3 desse preceito serem considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
A legitimidade tem, assim, de “ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor” (M. Teixeira de Sousa, “A Legitimidade Singular”, BMJ, 292º- 10S).
Pedida, no caso, a condenação do apelante no pagamento de indemnização, visando o aludido ressar- cimento, forçoso assim se torna considerá-lo sujeito da relação controvertida, tal como vem configurada pelo autor.
E, independentemente da sua procedência, se haveria, pois, de igualmente concluir pela respectiva legitimidade na acção.

3. Pelo acima exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se, consequentemente, a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2012

Ferreira de Almeida – relator
Silva Santos - 1º adjunto
Bruto da Costa - 2º adjunto