Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
446/11.9TTFUN.L1-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I Ainda que se entenda que a notificação da decisão condenatória deva ser feita (também) ao advogado, quando o arguido se encontre representado, essa notificação não dispensa de forma alguma a que tem de ser feita ao arguido, imposta pelo art. 8º nº 1, por só assim se assegurar devidamente as garantias de audiência e de defesa que resultam da norma constitucional ínsita no art. 32º nº 10.
II Não tendo a decisão da autoridade administrativa sido notificada, nem comunicada à arguida, mas apenas ao respectivo mandatário, o prazo de impugnação não começou sequer a correr.
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

     AA- Comércio Alimentar, Ldª, arguida no processo de contra-ordenação laboral nº 623/10 da Inspecção Regional do Trabalho da Região Autónoma da Madeira impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa que a condenou na coima unitária de € 900, correspondente ao cúmulo jurídico das coimas unitárias de € 250 e € 750, bem como no pagamento ao seu ex-trabalhador BB da quantia de € 4394,17 e à Segurança Social € 1699,92 e nas custas.
     Apresentado o processo ao Sr. Juiz do Tribunal do Trabalho do Funchal, emitiu o seguinte despacho:
«AA, Comércio de Produtos Alimentares, Lda, foi notificada da decisão administrativa que lhe aplicou a coima no dia 08-07-2011 (fls. 94).
O requerimento de interposição de recurso dessa decisão deu entrada na Inspecção Regional do Trabalho no dia 09-08-2011 (fls. 99).
De acordo com o disposto no art.º 33º nº2 da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro “a impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima, no prazo de 20 dias após a sua notificação”.
Por sua vez, do art.º 6º daquela da Lei acima mencionada, resulta que aquele prazo é contínuo, não se suspendendo aos sábados, domingos e feriados, nem durante as férias judiciais.
Deste modo, o prazo de 20 dias terminou no dia 28 de Julho de 2011.
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no art.º 38º, nº1 da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, rejeito o presente requerimento de interposição de recurso por o mesmo ser intempestivo.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de Justiça em 1UC».
          A arguida veio recorrer para este Tribunal, deduzindo no final da respectiva motivação as seguintes conclusões:
(…)
            O M.P. no Tribunal recorrido respondeu à motivação, concluindo que deve ser negado provimento ao recurso.
            No mesmo sentido se pronunciou o M.P. neste Tribunal.

            O objecto do recurso, como decorre das conclusões antecedentes, consiste na reapreciação do despacho de rejeição do recurso e porque a única questão nele conhecida foi a da (in)tempestividade  da impugnação, é essa a única questão a apreciar.

            Os factos relevantes para a decisão são os seguintes:
1- A decisão condenatória da Inspecção Regional do Trabalho foi notificada por carta registada com aviso de recepção dirigida apenas ao mandatário da arguida, nos termos que constam de fls. 92, a qual foi recebida em 8/7/2011.
2- A impugnação judicial dessa decisão deu entrada na Inspecção do Trabalho no dia 9/8/2011.

            Apreciação
     Nos termos do art. 33º nº 2 do regime aplicável às contra-ordenações laborais aprovado pela L. 107/2009, de 14 de Setembro, a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa é apresentada a esta autoridade no prazo de 20 dias a contar da notificação. Sobre contagem dos prazos, o art. 6º do mesmo regime dispõe que se aplicam aos actos processuais nele previstos as disposições constantes do processo penal, ou seja, por força do art. 104º do CPP, as disposições da lei do processo civil, mais precisamente o art. 144º do CPC. Nos termos deste preceito, a contagem dos prazos é contínua.
Ao contrário da regra geral do processo civil e penal - que determina a suspensão da contagem durante as férias judiciais - o art. 6º nº 2 da L. 107/2009 determina que a contagem não se suspende durante as férias judiciais.
     Mas, para ajuizar se, no caso, o prazo de impugnação judicial foi ou não ultrapassado importa previamente averiguar se esse prazo se iniciou, ou seja, se a decisão foi devidamente notificada como determina a lei.  A questão vem, e bem, suscitada nas conclusões 11ª e 12ª.
        Ora, a notificação da decisão da autoridade administrativa que aplique uma coima não pode deixar de ser feita ao arguido, como expressamente decorre do art. 8º nº 1 da L. 107/2009 e, no caso, foi efectuada apenas ao respectivo mandatário.
     Se é certo que o nº 6 do art. 9º estabelece “sempre que o arguido se encontre representado por defensor legal as notificações são a este efectuadas”, importa salientar que este nº se insere num artigo que, como claramente resulta do seu nº 1, se refere às notificações efectuadas na pendência do processo não referidas no nº 1 do art. anterior, entre as quais se conta a notificação da decisão condenatória, que sempre tem de ser feita ao próprio arguido.
     Ainda que se entenda que a notificação da decisão condenatória deva ser feita (também) ao advogado, quando o arguido se encontre representado, a nosso ver essa notificação não dispensa de forma alguma a que tem de ser feita ao arguido, imposta pelo art. 8º nº 1, por só assim se assegurar devidamente as garantias de audiência e de defesa que resultam da norma constitucional ínsita no art. 32º nº 10.
     Em conformidade com esta interpretação pode ler-se na anotação de João Soares Ribeiro[1] ao art. 9º da L. 107/2009 “Se até aqui não havia dúvidas sobre a aplicação subsidiária do art. 47º/3 do DL 433/82 que manda que a notificação seja dirigida ao defensor e comunicada por cópia ao arguido, agora, face à redacção do nº 6, a dúvida poderia suscitar-se. Mas é nossa opinião que tal prática continuará a impor-se, já que para lá de constituir uma garantia de defesa não despicienda, parece resultar da conjugação dos nºs 3 e 4 quando são utilizadas as novas tecnologias de comunicação. Na verdade, mesmo que o arguido tenha constituído defensor, ainda assim, aquele deverá ser notificado pela mesma via quando tenha contactado a Administração por telefax ou correio electrónico”.
     Somos assim levados a concluir que, no caso vertente, porque a decisão da autoridade administrativa não foi notificada, nem comunicada à arguida, mas apenas ao respectivo mandatário, o prazo de impugnação não começou  sequer a correr pelo que, salvo o devido respeito, o Sr. Juiz recorrido incorreu em erro quando o considerou esgotado à data da apresentação do requerimento de fls. 99.
     Merece pois provimento o recurso, com este fundamento, ficando prejudicadas as demais questões nele suscitadas, que, aliás, em grande medida não poderiam ser conhecidas por este tribunal por não terem sido objecto de apreciação na decisão recorrida.

     Decisão
     Pelo exposto se acorda em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que ordene a devolução dos autos à IRT a fim de ser notificada a decisão do processo à própria arguida, só então se iniciando o prazo de impugnação judicial.
     Sem custas.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2012

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
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[1] In Contra-Ordenações Laborais, Regime Jurídico, Almedina, 2011, pag.27.
Decisão Texto Integral: