Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
903/08.4TVLSB.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: LOCAÇÃO FINANCEIRA
CONTRATO SINALAGMÁTICO
OBRIGAÇÃO PRINCIPAL
OBRIGAÇÕES SECUNDÁRIAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - - A configuração dos contratos sinalagmáticos assenta na ideia de interdependência entre as obrigações que deles reciprocamente emergem para ambas as partes, impondo a justiça comutativa que o devedor de cada uma dessas obrigações só possa ser compelido a executá-la se o devedor da outra também cumprir.
II - Nos contratos sinalagmáticos estabelecer-se-á uma relação de interdependência entre as obrigações principais assumidas por cada um dos contraentes.
- Nas relações obrigacionais complexas, ao lado da obrigação que directamente prossegue o interesse do credor (obrigação principal), podem surgir outras obrigações que, não visando directamente aquele fim – funcionalmente a servem, isto é, que são meramente instrumentais em relação àquela, por ex., preparando o cumprimento ou assegurando a perfeita execução da prestação: são as chamadas obrigações secundárias.
III - A relação sinalagmática não abrange estas obrigações secundárias, que têm objecto acessório ou complementar em relação à estrutura do contrato e ao escopo fundamental prosseguido pelas relações obrigacionais dele derivadas.
IV - A obrigação correspectiva da autora, face à concessão à mesma do gozo do bem num contrato de locação financeira, cifra-se no pagamento da respectiva renda, enquanto que a obrigação de actualização das rendas em função da variação das taxas indexantes não é mais do que uma obrigação acessória da ré, que não colide com a sua obrigação essencial de facultar o referido gozo.
V - Assim, a aceitar-se a posição da autora de não pagar as rendas enquanto a locadora financeira não proceder à sua actualização, estar-se-ia a pôr em causa o equilíbrio das prestações que o artº 428º do C. Civil precisamente visa permitir que se mantenha ao longo da relação contratual.
VI - Constituindo a obrigação de pagamento das rendas por parte da autora uma obrigação principal, nunca a mesma poderia invocar a não actualização das rendas por parte da ré para se eximir ao cumprimento da sua obrigação, por inexistir o nexo de correspectividade entre as obrigações em causa (nexo este que existiria unicamente entre a obrigação de proporcionar à autora o gozo do bem locado – obrigação que foi satisfeita pela ré– e a obrigação de pagamento das rendas, que não foi satisfeita pela autora).
(ISM)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO

A…, Ldª intentou acção ordinária contra B…, S. A, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 7.392.025,22 até 2007 e ainda o que se vier a liquidar em execução de sentença, considerando os resultados positivos que poderia ter alcançado entre 2007 e 2017.
Alegou, em síntese, que celebrou com a ré (à data com outra denominação) três contratos de locação financeira e que a mesma deveria actualizar as rendas de acordo com a Euribor.
A pedido da autora, a ré não o fez, estando assim numa situação de incumprimento contratual. A autora deixou de lhe pagar as rendas de um dos contratos (estando os outros já findos). Mais alega que, face a tal não pagamento, a ré comunicou o não cumprimento da autora ao Banco de Portugal e à Apelease, tendo tais informações circulado e que, por isso, os seus franquiados deixaram de lhe pagar e deixou de lograr crédito, tendo tido prejuízos no valor pela mesma pedido, tendo cessado a sua actividade.

Contestando, quer por impugnação, quer por excepção, veio a ré alegar que a correcção das rendas não foi tempestivamente por si feita, por lapso informático, mas que a fez posteriormente e que, de qualquer modo, o valor total da referida correcção, quanto ao contrato vigente era de cerca de € 400,00 e, quanto a todos de pouco mais de € 1.000,00 quando cada renda era, no essencial, de cerca de € 3.000,00.
Termina, pedindo a improcedência da acção por, de qualquer modo, a autora não poder, ainda que provasse todos os factos por si alegados, pretender obter os valores por si peticionados apenas com base num plano de negócios que mais não é do que uma previsão e que nem estava a correr como previsto.
Houve réplica, mantendo o pedido formulado na petição inicial.
Foi proferida SENTENÇA que julgou improcedente a acção e absolveu a ré do pedido.
Não se conformando com a douta sentença, dela recorreu a autora, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
1ª - Nos contratos que estabeleceram entre si a autora assumiu a obrigação de pagar rendas à ré e esta assumiu a obrigação de, ocorrendo certas circunstâncias (variação contratualmente relevante da taxa Lisbor, mais tarde Euribor), liquidar o montante das rendas futuras.
2ª - As rendas que a autora tinha obrigação de pagar tinham sido liquidadas no próprio contrato e constavam dele mas, se ocorressem as mencionadas circunstâncias contratualmente definidas, a ré estava obrigada a liquidar novamente essas rendas de acordo com o teor e extensão dessas circunstâncias.
3ª - É certo que a autora recusou prestar à ré uma outra prestação, mas que já lhe não devia, uma vez que tinham ocorrido as tais circunstâncias contratualmente previstas que impunham nova liquidação, que a ré não realizou.
4ª - A autora jamais recusou prestar à ré o que legalmente lhe devia; a ré é que, tendo obrigação de lhe transmitir o resultado da liquidação a que estava obrigada o não fez e com isso impediu a autora de cumprir, pelo que não são as regras do artigo 428º do código civil que estão em causa, mas sim a do nº 3 do artigo 805º do mesmo código.
5ª - Não se compreende a não correspondência entre as duas obrigações referida na sentença em recurso, uma vez que elas estão ligadas num aspecto e apenas num: a obrigação da autora só poderia ser cumprida demais de a ré cumprir a sua.
6ª - As comunicações da ré ao Banco de Portugal e à Applease no sentido de que a autora tinha incumprido foram abusivas e praticadas apenas com a finalidade de coagir a autora a pagar quantias que não tinha a obrigação de lhe pagar.
7ª - Essas comunicações não foram legítimas: foram ilegítimas e, tenham os seus efeitos sido queridos ou não pela ré o certo é que conduziram à cessação da actividade da autora, ao desmembramento do seu projecto de actividade plasmado no plano de negócios com o prejuízo potencial de quase oito milhões de euros e com o prejuízo real de quatrocentos e oitenta mil euros.
8ª - A sentença em recurso fez errada interpretação e aplicação da lei e com isso violou pelo menos o disposto no artigo 428º e no nº 3 do artigo 805º, ambos do Código Civil.
9ª - Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que condene a ré como vem pedido na petição inicial ou, caso se entenda que a ré não provou com suficiente relevância os prejuízo que acima menciona, então que seja a ré condenada no pagamento à autora da indemnização a liquidar em execução de sentença,
A parte contrária respondeu, pugnando pela manutenção da sentença.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir

II -  FUNDAMENTAÇÃO
A) Fundamentação de facto
A)A primeira instância considerou assente a seguinte matéria de facto:
A)1º- Por escritura pública lavrada no dia 31 de Dezembro de 1997 no --- Cartório Notarial de Lisboa CM...…, AM… e JC… declararam constituir entre si uma sociedade por quotas que adoptava a firma “ M…., Lda. “, cuja sede se situaria na Av. …, nº …, em …, freguesia de …, sendo o seu objecto social o da difusão e inovação de negócios nacionais e internacionais, gestão e exploração de franquias, gestão e administração de negócios, importação, exportação e comercialização de grande variedade de mercadorias, realização de estudos empresariais, consultoria não jurídica, representações comerciais e prestação de serviços tecnológicos e de marketing, sendo o respectivo capital social de 3.000.000$00, correspondente à soma de três quotas iguais no valor nominal de 1.000.000$00, da titularidade de cada um dos sócios - (A).
A)2º - Nos termos da escritura referida em 1 - a gerência da sociedade aludida em 1 – seria exercida por um ou mais gerentes a designar em assembleia geral, tendo à data referida em 1   sido designados gerentes todos os sócios, obrigando-se a sociedade pela assinatura conjunta de dois deles - (B).
A)3º- Com data de 6 de Dezembro de 2004 foi averbada a cessação de funções dos sócios gerentes da autora aludidos em 2 - por exoneração, verificada em 20.8.2004, tendo sido nomeado gerente CS… - (C).
A)4º - No dia 4 de Agosto de 1998 a B… SA... acordou com a autora ceder a esta o uso de determinado equipamento pelo prazo de 48 meses contra o pagamento de 16 rendas trimestrais postecipadas e indexadas, no valor, cada uma, de 586.368$00, quantia acrescida de I.V.A. à taxa legal e com a faculdade de, no fim do referido prazo, a autora adquirir o referido equipamento à autora contra o pagamento de um valor residual correspondente a 2% e no valor total de Esc. 194.117$00, com I.V.A. incluído -(D).
A)5º - Nos termos do acordo referido em 4º, as rendas, quando indexadas, seriam actualizadas em função das alterações que viessem a ocorrer na Lisbor a 3 meses e sempre que o valor acumulado fosse superior a 1 ponto percentual em relação à última alteração, devendo as mesmas alterações ter lugar no final de cada trimestre civil e produzir efeitos na renda imediatamente seguinte, sendo a primeira data de referência para indexação a da data da comunicação à autora do valor das rendas para o presente contrato - (E).
A)6º - Para garantia do cumprimento do acordo referido em 4 -, com o nº 20598, foram entregues duas livranças em branco subscritas pela autora e avalizadas pelos sócios da mesma e seus cônjuges, com autorização de preenchimento -( F).
A)7º - Por carta datada de 20.12.1998 dirigida à autora e que a mesma recebeu, a ré comunicou-lhe o plano de pagamentos do acordo aludido em 4º, com as datas das transferências e respectivo montante unitário, sendo cada uma das rendas no valor de Esc. 653.855$00, com I.V.A. incluído, com excepção da primeira, no valor de Esc. 596.701$00, também com I.V.A. incluído, tendo-se feito constar que o valor residual se cifrava em Esc. 183.705$00, com I.V.A. incluído -  (G).
A)8º - Por carta datada de 9 de Julho de 1999, que a autora recebeu, a MC …, S. A. comunicou à autora que a B…SA fora incorporada na mesma, por fusão e que, por isso, a denominação da B…SA  passara a ser a de MC …, S. A. e que, por motivos informáticos, se procedera à remuneração do contrato celebrado entre a Autora e a mesma, remuneração a que se procedera mediante a soma do nº 50.000 ao nº do contrato à data por forma a que se o contrato tivesse o nº 23.000, por exemplo, passara a ter o nº 73.000, mantendo-se no mais todas as condições contratuais estabelecidas - (H).
A)9º - Por carta data de 2 de Abril de 2001 dirigida à autora e que a mesma recebeu a S…comunicou à autora que as sociedades participadas da MC …, SGPS, S. A. estavam, desde o ano anterior, integradas no grupo “ S…… “ e que iriam proceder à alteração da denominação social de “ MC …., S. A. “, que se passaria a chamar “ S……, S. A. “ e que toda a correspondência e remessas de valores fosse emitida utilizando tal designação - (I).
A)10º - A autora pagou à té, pelo menos, as primeiras 12 rendas referidas em 4º e 7º - ( J).
A)
B) 11º - Por carta datada de 15 de Novembro de 2002 a ré comunicou à autora, relativamente ao acordo referido em 4 -, que dada a situação de grave incumprimento em que o mesmo se encontrava transitara para a Direcção de Contencioso, cujo gestor de processo passara a ser a Drª EF… e que deveria proceder à regularização, no prazo máximo de 8 dias, da quantia em dívida de 10.830,90 euros, sem prejuízo dos juros de mora, prazo findo o qual procederia à cobrança coerciva e que caso o incumprimento fosse superior a 90 dias procederia de imediato à informação dessa situação à Applease – Associação Portuguesa de
B)Empresas de Leasing, que processaria automaticamente essa informação e a divulgaria por todas as associadas para conhecimento, assim como comunicariam ao Banco de Portugal a sua situação de mora - (L).
B)12º – Por mail datado de 18 de Novembro de 2002 dirigido por EF - da Ré – e dirigido a CF…, da autora, a primeira comunicou ao segundo o seguinte:
B)“ Vimos por este meio solicitar um contacto da parte de V. Exa. com urgência para o nº 21-... ou fax: 21-... pois já foram feitos vários contactos telefónicos e enviados faxes em relação ao contrato de leasing nº ... devido à vossa situação de incumprimento.
B)Neste momento e após a carta enviada em 15/11/02 por correio e fax, o vosso incumprimento é no valor de 10.830,90 Euros, sem prejuízo dos juros de mora, relativamente às rendas 13 (15/12/01), 15 (15/6/02), 16 (15/9/02) e valor residual (15/10/02 ).
B)Em conformidade aguardamos que entrem em contacto com EF para a regularização da quantia em dívida.
B)Com os melhores cumprimentos,
B)EF “,
B)mail a que CF..., da autora, respondeu na mesma data, pela mesma via, nos seguintes termos:
B)“ Exma. Senhora,
B)Provavelmente deve existir alguma falta de informação interna na vossa sociedade que justifique o envio deste e-mail.
B)Neste momento e desde 2001, é esta empresa que sente lesada em vários milhares de euros. Talvez não conheça o processo na totalidade!
B)A esta data continuamos a aguardar que V. Exas. respondam a procedam em conformidade com as nossas cartas/faxes de 13 de Abril de 2001, de 6 de Dezembro de 2001 e de 5 de Maio de 2002, bem como aos vários contactos telefónicos havidos.
B)Relembramos que estamos também a ser prejudicados porque não recebemos do I… um incentivo relativo a contratos de locação financeira e a financiamentos directos dado que V. Exas. não responderam às suas solicitações. Aliás, é nossa intenção recorrermos a outras vias, caso a situação se mantenha, exigindo a indemnização respectiva, pelos danos provocados por V. Exas.
B)Esperamos ainda, tal como já o referimos nos diversos contactos telefónicos, que qualquer situação de incumprimento não seja comunicada ao Banco de Portugal, em virtude de serem V. Exas. que estão em incumprimento perante esta empresa. Caso tal venha a suceder, seremos forçados a apresentar a respectiva situação à Direcção de Supervisão Bancária do Banco de Portugal.
B)Melhores cumprimentos
B)CF…s “ - (M).
B)13º - Com data de 5.12.2002 na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal constava que a autora tinha um crédito concedido pela ré no valor de 9.540 Euros e que se encontrava em situação de incumprimento - (N).
B)14º - Por carta datada de 16.12.2002, registada com A/R e dirigida à ré, que esta recebeu, a autora comunicou à ré que tomara conhecimento que a mesma tinha vindo a comunicar ao
B)Banco de Portugal créditos em mora e abatidos ao activo em nome da M… Lda, situação de que tomara conhecimento por um dos bancos com que trabalhava lhes ter comunicado que não iria renovar as linhas de crédito por a autora ter informação de créditos em mora e abatidos ao activo no sistema financeiro e por um dos seus fornecedores lhe não ter concedido crédito por a C… lhe ter referido que não faria a cobertura dos riscos de crédito associados à autora por a mesma ter incumprimentos registados no Banco de Portugal.
B)A autora referia ainda que entendia que quem estava em incumprimento era a ré, solicitando a imediata regularização da comunicação ao Banco de Portugal, devendo dar-lhe disso conhecimento - (O).
B)15º - Por carta datada de 20 de Fevereiro de 2003 dirigida à autora e que a mesma recebeu, a
B)ré comunicou à mesma que, respondendo à sua solicitação, concluía que a indexação do acordo referido em 4 - não fora efectuada de acordo com o estabelecido contratualmente e que apurara o valor de 481,97 euros referente à rectificação das rendas anteriormente facturadas e que, por tal razão, iria proceder à emissão de uma nota de crédito do mesmo valor, a deduzir no valor actualmente em dívida, cifrando-se por isso o valor da dívida total da autora à ré em 11.296,10 euros, com juros de mora e valor residual incluídos.
B)Na carta em causa a ré comunicava ainda à autora que ficava a aguardar que a mesma se deslocasse às suas instalações até 26.3.2003 para assinar a referida nota de crédito e proceder ao pagamento do valor total em aberto, facultando o contacto da gestora do processo -( P).
B)16º - Juntamente com a carta referida em 15 - a ré enviou à autora um documento de que fazia constar a data de vencimento das rendas e valor facturado, além do valor das correcções das mesmas rendas de acordo com a indexação aplicável e qual o valor total de tal indexação, com I.V.A. - (Q).
B)17º - Por carta datada de 7.4.2003 dirigida à ré e que esta recebeu, a autora comunicou à mesma que entendia que a ré ainda não procedera à regularização de todas as incorrecções havidas uma vez que a autora celebrara com a ré três contratos de locação financeira e não apenas o referido em 4 - e que durante a sua vigência a demandada não procedera a  quaisquer indexações pelo que tinha de proceder à indexação relativa aos demais contratos e que a taxa de I.V.A. a aplicar, referida no documento referido 16 - devia ser a de 19% e que os juros de mora calculados pela ré não eram devidos pela razão de as indexações não terem sido feitas atempadamente e a pedir ( ou pedindo ) que a ré cessasse a difusão do incumprimento da autora pelo sistema financeiro - (R).
B)18º - Por carta datada de 13 de Maio de 2003 dirigida à autora e que a mesma recebeu, a S…., S. A., ora ré, comunicou à autora que efectivamente as indexações dos demais contratos referidos pela autora não haviam sido efectuadas conforme acordado contratualmente e que calculara o valor de 1.205,97 euros referente a correcções às rendas de tais contratos, discriminando as respectivas parcelas e que o valor total em débito pela autora à mesma, deduzido o valor das correcções, se cifrava em 10.816,18 euros - (S).
B)19º- Por correio electrónico de 30 de Junho de 2003 a ré comunicou à autora que iria remeter o processo aos seus advogados para ser accionada a devida acção executiva uma vez que até à data não obtivera da mesma o pagamento dos valores em aberto, mensagem a que a autora respondeu referindo que uma vez que a ré lhe não havia enviado a base de cálculo das correcções efectuadas e referida em 18 -, quanto aos demais contratos tivera de pedir a terceiros a informação da Lisbor à data das indexações e que tal informação lhe havia sido disponibilizada há cerca de três semanas, estando a verificar a correcção das rectificações efectuadas pela demandada e que entendia que não era legítimo qualquer cálculo de juros de mora uma vez que se encontrava a aguardar as indexações e que propunha a celebração de um outro contrato de locação financeira, por 36 meses, que lhe permitisse regularizar os valores em aberto e referente ao equipamento aludido em 4 - (T).
B)
20º- Por carta datada de 13 de Novembro de 2003 dirigida à autora e que a mesma recebeu, a ré comunicou à mesma que o valor residual se vencera em 15 de Outubro de 2002 e que se ainda se encontrava interessada em adquirir o equipamento objecto do acordo referido em 4 - solicitava o pagamento das rendas 13 a 16, acrescido de juros de mora e do valor residual, tudo no valor de 12.345,60 euros, no prazo de 8 dias e que caso o não fizesse deveria devolver o equipamento no mesmo prazo sob pena de, não o fazendo, ser instaurada a competente acção judicial com vista ao preenchimento da livrança - (U).
21º - Por comunicação electrónica datada de 3 de Dezembro de 2003 a Drª EF…, em nome da ré, comunicou à autora que se propunha efectuar uma reestruturação financeira do contrato com um prazo de 12 meses, pagando apenas os juros remuneratórios sobre o capital vencido e que ficava a aguardar uma resposta até 5.12.2003 sobre tal proposta - (V).
22º - Por comunicação electrónica datada de 5 de Janeiro de 2004 CF, em representação da autora, comunicou à ré que por motivos de ausência só agora respondia à comunicação referida em 21 - e que considerava que as condições que melhor se adequavam ao contexto actual se traduziriam numa reestruturação financeira do contrato aludido em 4 - por um prazo de 24 meses, com inclusão dos juros remuneratórios e que agradecia que confirmasse se concordava com tal solução e, na afirmativa, quais os passos a dar  -(X).
23º - Por comunicação electrónica datada de 5.1.2004 a Drª EF…, em nome da ré, comunicou à autora que o processo já transitara para o contencioso devido ao desfasamento temporal entre a proposta efectuada e a resposta aludida em 22 - e que a autora se deveria dirigir ao colega da mesma CM…e apresentar a sua proposta, facultando o contacto telefónico - (Z).
24º - Por comunicação electrónica datada de 5 de Janeiro de 2004 dirigida por CF…, da autora, a CM…., a autora comunicou ao mesmo que enviava ao mesmo a proposta que apresentara à ré sobre a situação referida de reestruturação financeira do contrato - (AA).
25º - Por carta datada de 31 de Março de 2004 dirigida à autora e que a mesma recebeu, a ré comunicou à autora que não tendo a mesma exercido o direito de opção de compra, com vencimento em 15.10.2002, a informava de que iria proceder ao preenchimento da livrança que estava em seu poder e que fora subscrita para garantia do bom e integral cumprimento do acordo referido em 4 - e que o valor actualmente em dívida se cifrava em 12.088,60 euros, valor pelo qual a livrança iria ser preenchida e que caso o mesmo não fosse pago em 10 dias, iria ser intentada a competente acção para cobrança de tal valor - (BB).
26º - Por carta datada de 8 de Abril de 2004 dirigida pela autora à ré e que esta recebeu, a autora comunicou à demandada que estranhava o teor da carta referida em 25 - uma vez que aguardava resposta ao e-mail referido em 24 -, de que referia enviar cópia e que pretendia regularizar o seu débito para com a ré mas que o valor nem seria o referido pela Ré e que pretendia fazer tal regularização pela forma referida dado que fora fortemente lesada pela situação criada pelos serviços da demandada - (CC).
27º - Em 7 de Junho de 2002 e em 24 de Novembro de 2002, respectivamente, a ré comunicou ao Banco de Portugal e à Apelease que a autora se encontrava em situação de incumprimento - (DD).
28º - As alterações às rendas-prestações aplicáveis aos contratos de leasing em causa, à semelhança dos demais contratos de leasing, eram e são efectuadas informaticamente e sempre que das alterações à Lisbor a 3 meses resultasse que o valor acumulado fosse superior a 1% em relação à última alteração o sistema informático da ré automaticamente actualizava as rendas devidas pelos locatários, quer essa renda aumentasse quer diminuísse, efectuando-se o débito em conta pelo valor automaticamente actualizado - (EE).
29º - Por falhas nesse sistema informático não foram actualizadas devidamente algumas das rendas referentes ao contrato referido em 4 - e aos demais celebrados com a autora e supra referidos, só o vindo a ser no momento referido em 15º, quanto àquele - (FF).
30º - A Autora pagou ainda à ré a 14ª renda referente ao acordo aludido em 4 -, renda vencida em 15 de Março de 2002, não tendo, porém, a 13ª renda do mesmo acordo sido paga por si no momento previsto – 15 de Dezembro de 2001 -, com a menção bancária de recusa de débito de pagamento da mesma renda, não tendo a autora feito o pagamento da mesma até à emissão da livrança aludida em 25 – (Resposta ao quesito 1º).
31º - Por carta datada de 31 de Dezembro de 2002 a Apelease comunicou à autora que tinha conhecimento de que a mesma se encontrava em situação de incumprimento contratual relativamente à ré - (18º).
32º - E que por isso fora incluída na listagem de incumprimento em contencioso existente na mesma entidade - (19º).
33º - E que se a situação não fosse regularizada junto de tal locadora o nome da autora seria mantido em tal lista, mensalmente divulgada junto das suas associadas - (20º).
34º - Com data de 13 de Janeiro de 2003 a autora enviou à Applease uma carta em que lhe comunicava que entendia não se encontrar em situação de incumprimento perante a ré conforme a mesma poderia ver pelos documentos que referia anexar - (21º).
35º - E que comunicasse às suas associadas não o incumprimento da autora e sim o da ré -  (22º).
36º - A informação centralizada de incumprimento da autora comunicado ao Banco de Portugal foi recebida no mês de efectivação da comunicação em causa pela ré, sendo a mesma informação facultada às entidades participantes desde que tenham obtido um pedido de concessão de crédito ou uma autorização para a realização dessa consulta, sendo que as comunicações de incumprimento feitas pela ré, quanto à autora, foram feitas para os meses de Junho de 2002 a Janeiro de 2003 e de Novembro de 2004 a Outubro de 2007 - (23º a 27º).
37º - E a Apelease publicou o nome da autora na sua listagem de incumprimento e contencioso - (28º).
38º - E passou a divulgar mensalmente essa listagem por todas as empresas suas associadas, verificando-se a comunicação 15 dias após a comunicação efectuada pela Applease à ré e referida em 31º a 33º – (29º).
39º - As instituições financeiras e de leasing associadas da Applease passaram a ter conhecimento de que a autora tinha uma comunicação de incumprimento no Banco de
Portugal e na Applease nos termos referidos em 36 a 38 – (33º).
40º - O conhecimento da existência de comunicações de incumprimento de créditos ao Banco de Portugal e à Applease dificulta o acesso ao crédito por parte da entidade ou pessoa objecto de tal comunicação por as demais instituições financeiras e de leasing poderem decidir – e frequentemente decidirem – pela não concessão de crédito devido a tal situação de incumprimento registada - (34º e 35º).
41º - A partir de momento não concretamente apurado mas situado entre 2003 e 2004 houve conversas de fornecedores – em quantidade não apurada – com pelo menos uma sócia gerente de uma das empresas que celebrara um contrato com a autora no âmbito do negócio da mesma, conversas essas em que era referido que a autora não estava a pagar ou tinha dificuldades de pagamento - (36º).
42º - A autora celebrou com a P… o acordo a que se referem fls. 167 a 216 dos autos - (39º).
43º - A autora mandou elaborar o Plano de Negócios a que se referem fls. 79 a 158 dos autos, em que previa os fluxos financeiros que esperava obter e carecer, em termos previsionais, para o exercício da actividade em causa, anual e globalmente quanto ao período de tempo nele previsto - (40º).
44º - O Plano de Negócios constante de fls. 79 a 158 dos autos englobava os anos de previsão referentes a 1998 a 2007, aí se esclarecendo em que consistia a P…  e designadamente a data da sua criação com vista à expansão do negócio para além dos E.U.A. e quais os serviços da P…, designadamente a nível de serviços postais, de escritório e de telecomunicações, abrangendo envio de correspondência, acesso à Internet, serviços de fax, cópia e impressão, utilização de computadores e serviço de correio electrónico - (42º e 46º).
45º - E fez o resumo breve da sua evolução histórica, da expansão do seu negócio e dos seus eixos estruturantes - (43º).
46º - E determinou as razões motivadoras da sua existência - (44º).
47º - E do mesmo Plano de Negócios consta a visão da P…. relativamente ao negócio em causa e à sua expansão e os objectivos da autora, que consistiam em reproduzir o conceito P… - (45º).
48º - A autora apresenta, no Plano de Negócios de fls. 79 a 158 dos autos, quadros referentes à sua alegada viabilidade económica e financeira, em que indicava quais os activos da mesma e o respectivo passivo, tudo em termos previsionais, referindo os valores que seriam necessários em termos de valores a pagar a pessoal, quais as vendas que esperava obter e o número de lojas que previa abrir em cada ano, quer no país quer em Espanha e nos Palop, bem como os resultados que previa, tudo discriminado relativamente a cada ano - (47º).
49º - No Plano de Negócios constante do documento de fls. 79 a 158 dos autos a autora esclarecia como pretendia atingir os seus objectivos pela forma aí constante - (48º).
50º - Como Ponto VII do Plano de Negócios constante de fls. 79 a 158 dos autos consta como indicado o pacto social da autora - (49º).
51º - A Autora previa abrir, no prazo de 10 anos e entre 1998 e 2007 84 centros franchisados em Portugal, 96 em Espanha, 7 quer em Angola quer em Moçambique, para além de um em cada um dos seguintes países: Cabo Verde, São Tomé e Guiné - (50º).
52º - No Plano de Negócios constante de fls. 79 1 158 dos autos a autora previa obter os volumes de negócios (correspondente às vendas e prestações de serviços) e os resultados pela mesma referidos no mesmo documento e que também previa, no mesmo documento, obter os resultados desse documento constantes designadamente a fls. 102 dos autos -( 51º) .
53º - Do documento de fls. 79 a 158 dos autos constam os valores previstos pela autora como sendo os dos seus volumes de negócios e os de resultados acumulados - (52º a 53º).
54º - A autora era também cliente do BANCO B… e este concedera-lhe crédito - (56º).
55º - A autora iniciou a sua actividade em 1998 mas entre 1998 e 2001, apesar de a autora prever os resultados referidos a fls. 102 dos autos, a mesma tinha, em 2001 21 centros franchisados abertos em Portugal quando de acordo com o Plano de Negócios deveria ter, no país, 37 abertos, não tendo então nenhum em Espanha nem em qualquer dos países dos Palop por ter optado por não avançar com o negócio para Espanha nem para aqueles outros países.
Mais se provou que estavam então para abrir mais quatro centros em Portugal na altura da apresentação das contas de 2001, tendo os resultados da autora desse ano de 2001 sido de um volume de negócios de 138.714.807$00 e tido um resultado liquido da mesma, também nesse ano, negativo, no valor de 8.896.333$10, sendo que o número de lojas previstas abrir entre 1998 e 2001 em Espanha e nos Palop era de 15 em Espanha, 2 em Angola, 3 em Moçambique e um em cada dos demais países referidos a fls. 103 dos autos, havendo assim uma divergência entre o nº de lojas abertas e as que deveriam estar abertas em 2001 que se cifrava em menos 39 lojas abertas do que o previsto relativamente à totalidade do Plano de Negócios - (57º a 59º).
56º – No ano de 1999 a autora teve um volume de negócios de 174.361.557$00 - (60º).
57º – A autora teve, no ano de 2000, um volume de negócios de 261.661.090$00 e um resultado líquido (após impostos) de 852.381$80 - (61º).
58º – Houve artigos sobre a autora e o seu negócio pelo menos numa revista da especialidade e no Jornal … - (63º).
59º - A autora conseguiu interessar o número de clientes interessados no seu negócio correspondentes ao número de lojas abertas pelo menos em 2001 - e respectivos clientes – e aos quatro centros que na altura da apresentação das contas de 2001 estavam referidos como estando para abrir - (64º).
60º - No seu relatório de gestão referente ao exercício de 2001 a autora referia que seria necessário reestruturar alguns passivos de curto prazo para uma maturidade mais longa, carecendo de apoio das instituições financeiras para tal, referindo nesse relatório que houvera uma quebra do negócio a partir essencialmente do segundo semestre do ano - (66º).
61º - A autora previa, no relatório referido em 60 – a abertura total, após encerramento de duas lojas, de 3 novas lojas no ano de 2002 - (67º).
62º - Relativamente a pelo menos uma das franquiadas da autora houve fornecedoras e pelo menos dois – sendo um de material informático – que passaram a não entregar as mercadorias na sua loja e outros que passaram a exigir o pronto pagamento para proceder às entregas dos produtos e que também em relação à autora a mesma passou a ter dificuldades em continuar a pagar nas mesmas condições por também lhe exigirem, alguns fornecedores, o pronto pagamento - (74º).
63 - Segundo uma das franquiadas da autora alguns dos outros fornecedores, em número não apurado, passaram a tentar negociar novas condições com os fornecedores - ( 76º e 78º).
64º - Algumas lojas ou franquiados da autora deixaram, a partir de momento não apurado, de lhe pagar os valores que lhe estavam obrigados a pagar - (77º).
65º - Alguns centros ou lojas, em número não apurado, fecharam, sendo que um fechou por a loja não ter rentabilidade face aos valores das vendas e ao valor dos custos e outro por razões pessoais da gerente da sociedade franquiada - (79º).
66º - A autora deixou de pagar as rendas referentes a um espaço que tinha arrendado na Rua …, nº …, em … e reportadas aos meses de Setembro de 2002 a Novembro de 2003, tendo acabado por entregar o espaço ao locador em 31 de Dezembro de 2003 - (  80º e 82º).
67º - A autora começou a ter dificuldades cada vez maiores em satisfazer os seus compromissos, até com pessoal - (81º).
68º - Em momento não concretamente apurado a autora cessou os contratos de trabalho com os seus trabalhadores - (83º).
69º - A partir de 28 de Junho de 2005 a autora passou a ter a sua sede, em termos registrais, como sendo na Rua …, …, …, em …-( 84º e 85º).
70º - A autora teve um volume de negócios (venda de mercadorias e venda de prestação de serviços), no ano de 2002, de 405.728,53 euros e um proveito total de 418.317,96 euros, apresentando um resultado líquido, nesse ano, negativo, de 175.872,86 euros - (86º).
71º - A autora teve um volume de negócios (venda de mercadorias e venda de prestação de serviços), no ano de 2003, de 144.326,49 euros e um proveito total de 200.263,52 euros, tendo tido, nesse ano, um resultado líquido negativo de 190.313,33 - (87º).
72º - No ano de 2004 a autora teve um volume de negócios da autora atingiu o valor de
20.886,33 euros e um proveito total de 21.686,48 euros e um resultado líquido negativo de
32.854,96 euros -(88º).
73º – A autora cessou a sua actividade em momento não apurado -(89º).
B) Fundamentação de direito
O objecto do recurso afere-se do conteúdo das conclusões de alegação formuladas pelo recorrente (artigos 684º nº 3 e 685º-A, do Código de Processo Civil).
Isso significa que a sua apreciação deve centrar-se nas questões de facto e ou de direito nelas sintetizadas e que consiste em saber se a sentença recorrida fez errada aplicação da lei, com violação do disposto nos artigos 428º e 805º nº 3 do Código Civil.
Cumpre decidir.

A autora pede que a ré seja condenada a pagar-lhe um determinado montante a título de indemnização por, alegadamente, ter deixado de conseguir exercer a sua actividade comercial, na sequência da comunicação pela ré ao Banco de Portugal e à Applease do incumprimento, pela autora, de um contrato de locação financeira. Mais alega que era a ré que estava em incumprimento contratual por não ter procedido à alteração das rendas face à variação das taxas Euribor e ou Lisbor.
Pretende a autora demonstrar que deixou de proceder ao pagamento das rendas do contrato de locação financeira, invocando a excepção de não cumprimento do contrato, nos termos do artigo 428º do Código Civil. A autora considera legítima essa recusa de cumprimento e, por isso, não poderia originar a comunicação do incumprimento por, em suma e segundo defende, as rendas não serem devidas nem exigíveis, face à sua não reindexação e ou actualização, tendo em conta as variações da Lisbor e, após, Euribor.

Autora e ré celebraram entre si um contrato de locação financeira, por força do qual decorriam obrigações para ambas as partes; sobre a autora incidia essencialmente a obrigação de pagamento das rendas em causa; sobre a ré incidia essencialmente a obrigação de proporcionar à autora o gozo dos bens locados, devendo, como obrigação acessória sua, actualizar as rendas em caso de variação das taxas Lisbor e, depois, Euribor.
A ré, por falha informática da sua responsabilidade, não o fez na altura devida, mas isso não é motivo para a autora deixar de pagar as rendas que são devidas à ré em virtude de um contrato de locação financeira.

Ora, a questão em apreço prende-se com a excepção do não cumprimento do contrato, encontra-se prevista no nº 1 do artº 428º do Código Civil:
“Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento em simultâneo”.
A excepção de incumprimento do contrato consiste na faculdade de, nos contratos sinalagmáticos, cada um dos contraentes recusar a prestação enquanto não ocorrer a prévia realização da prestação da contraparte, ou a oferta do seu cumprimento simultâneo[1].
A configuração dos contratos sinalagmáticos assenta na ideia de interdependência entre as obrigações que deles reciprocamente emergem para ambas as partes, impondo a justiça comutativa que o devedor de cada uma dessas obrigações só possa ser compelido a executá-la se o devedor da outra também cumprir.
“Nestes contratos, cada uma das partes assume obrigações tendo em vista obrigações da outra, de sorte que se romperia o equilíbrio contratual, encarado pelas partes, se acaso uma delas pudesse exigir da outra o cumprimento sem por seu lado ter cumprido ou se prestar para cumprir. As obrigações foram consideradas como recíprocas ou correspectivas e, portanto, àquele que não cumpre deve poder o outro recusar uma prestação a que esse não cumprimento tira, de certo modo, a razão de ser[2]
No interior da economia contratual, a obrigação assumida por cada um dos contraentes é, assim, correspectiva, contrapartida ou equivalente da obrigação assumida pelo outro.
Contudo, ainda que o contrato seja bilateral, nem todas as obrigações que dele derivam para uma parte estarão sempre em relação de reciprocidade com as da outra.
Nos contratos sinalagmáticos estabelecer-se-á uma relação de interdependência entre as obrigações principais assumidas por cada um dos contraentes, ainda que estes próprios não tenham disso noção ou até a pretendam afastar[3].
Contudo, nas relações obrigacionais complexas, ao lado da obrigação que directamente prossegue o interesse do credor (obrigação principal), podem surgir outras obrigações que, não visando directamente aquele fim – funcionalmente a servem, isto é, que são meramente instrumentais em relação àquela, por ex., preparando o cumprimento ou assegurando a perfeita execução da prestação: são as chamadas obrigações secundárias.
Ora, “a relação sinalagmática não abrange estas obrigações secundárias, que têm objecto acessório ou complementar em relação à estrutura do contrato e ao escopo fundamental prosseguido pelas relações obrigacionais dele derivadas[4]”.

Ora, como refere e bem a douta sentença recorrida, “ tendo presente que a obrigação de actualização das rendas a efectuar pela demandada não era mais do que uma obrigação contratual acessória da mesma e que a Autora manteve sempre o gozo dos bens locados, nunca se poderia dizer não serem devidas as rendas apenas por a actualização não ter sido efectuada tempestivamente…. Com efeito, não apenas a obrigação correspectiva da demandante, face à concessão à mesma do gozo do bem, num contrato de locação financeira, cifra-se no pagamento da respectiva renda como ainda a obrigação de actualização das rendas em função da variação das taxas indexantes não é mais do que uma obrigação acessória da demandada, que não colide com a sua obrigação essencial de facultar o referido gozo. Assim, a aceitar-se a posição da demandante, estar-se-ia a pôr em causa o equilíbrio das prestações que o artº 428 do C. Civil precisamente visa permitir que se mantenha ao longo da relação contratual.
É que subjacente à excepção de não cumprimento encontra-se o princípio da boa-fé a que se refere o artº 762 do C. Civil, que obriga as partes a, no cumprimento das suas obrigações, agirem em conformidade com tal principio e a admitir-se a interpretação dada ao artº 428 do
C. Civil pela demandada qualquer incumprimento de uma qualquer obrigação acessória contratual por uma das partes poderia permitir à outra o total incumprimento da sua obrigação até ao cumprimento, pela primeira, da parte em falta da sua prestação quando o que se visa evitar com tal preceito legal é apenas e tão só que em caso de incumprimento da obrigação essencial de uma parte num contrato a outra se possa escusar a proceder ao cumprimento da sua própria obrigação contratual até à reposição do cumprimento pela primeira.
Num caso como o dos autos, se a demandada tivesse, por qualquer forma, privado a demandante do gozo da coisa objecto do contrato de locação financeira, privação essa total, aí sim poderia a autora recusar-se a pagar, de forma legítima, a renda contratual até que o gozo do bem ou bens lhe fosse de novo facultado. O que não pode é, com base numa pequena variação do valor total das rendas (referentes a todo o contrato em vigor de 481 Euros) pretender ser legítima a recusa de pagamento de qualquer montante de renda”.

Em suma, enquanto a ré cumpriu a sua obrigação principal, cedendo à autora o gozo temporário da coisa, esta não cumpriu a sua obrigação principal, pois deixou de pagar a retribuição devida.

Ou seja, constituindo a obrigação de pagamento das rendas por parte da autora uma obrigação principal, nunca a mesma poderia invocar a não actualização das rendas por parte da ré para se eximir ao cumprimento da sua obrigação, por inexistir o nexo de correspectividade entre as obrigações em causa (nexo este que existiria unicamente entre a obrigação de proporcionar à autora o gozo do bem locado – obrigação que foi satisfeita pela ré– e a obrigação de pagamento das rendas, que não foi satisfeita pela autora).
A excepção supõe, por outro lado, que a prestação exigida e a que se invoca para justificar são correlativas, recíprocas ou correspectivas: deve estar-se em face de prestação e contraprestação, pois só então, por haver interdependência, se justifica que o não cumprimento de uma baseie a recusa da outra[5].

Alega ainda a autora, ora apelante que jamais recusou prestar à ré o que lhe devia; a ré é que, tendo obrigação de lhe transmitir o resultado da liquidação a que estava obrigada o não fez e com isso impediu a autora de cumprir, pelo que não são as regras do artigo 428º do código civil que estão em causa, mas sim a do nº 3 do artigo 805º do mesmo código.
Não tem razão a apelante.
A obrigação não deixou de ser líquida apenas porque deixou de ser oportunamente actualizada, impondo-se concluir, tal como consta da sentença, pela verificação de mora - e não incumprimento por se tratar de uma obrigação que ainda era susceptível de ser cumprida, como foi em Fevereiro e em Maio de 2003 - no cumprimento de uma obrigação acessória da demandada na execução do contrato de locação financeira, mora essa que determinou a não alteração das rendas a pagar pela demandante no momento em que as mesmas deveriam ter ocorrido.

Concluindo, a invocação da excepção de cumprimento do contrato para se eximir ao pagamento das rendas do contrato de locação financeira, surge como absolutamente destituída de qualquer fundamento.

SÍNTESE CONCLUSIVA
- A configuração dos contratos sinalagmáticos assenta na ideia de interdependência entre as obrigações que deles reciprocamente emergem para ambas as partes, impondo a justiça comutativa que o devedor de cada uma dessas obrigações só possa ser compelido a executá-la se o devedor da outra também cumprir.
- Nos contratos sinalagmáticos estabelecer-se-á uma relação de interdependência entre as obrigações principais assumidas por cada um dos contraentes.
- Nas relações obrigacionais complexas, ao lado da obrigação que directamente prossegue o interesse do credor (obrigação principal), podem surgir outras obrigações que, não visando directamente aquele fim – funcionalmente a servem, isto é, que são meramente instrumentais em relação àquela, por ex., preparando o cumprimento ou assegurando a perfeita execução da prestação: são as chamadas obrigações secundárias.
- A relação sinalagmática não abrange estas obrigações secundárias, que têm objecto acessório ou complementar em relação à estrutura do contrato e ao escopo fundamental prosseguido pelas relações obrigacionais dele derivadas.
- A obrigação correspectiva da autora, face à concessão à mesma do gozo do bem num contrato de locação financeira, cifra-se no pagamento da respectiva renda, enquanto que a obrigação de actualização das rendas em função da variação das taxas indexantes não é mais do que uma obrigação acessória da ré, que não colide com a sua obrigação essencial de facultar o referido gozo.
- Assim, a aceitar-se a posição da autora de não pagar as rendas enquanto a locadora financeira não proceder à sua actualização, estar-se-ia a pôr em causa o equilíbrio das prestações que o artº 428º do C. Civil precisamente visa permitir que se mantenha ao longo da relação contratual.
- Constituindo a obrigação de pagamento das rendas por parte da autora uma obrigação principal, nunca a mesma poderia invocar a não actualização das rendas por parte da ré para se eximir ao cumprimento da sua obrigação, por inexistir o nexo de correspectividade entre as obrigações em causa (nexo este que existiria unicamente entre a obrigação de  proporcionar  à autora o gozo do bem locado – obrigação que foi  satisfeita pela ré– e a obrigação de pagamento das rendas, que não foi satisfeita pela autora).

III - DECISÃO

Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa 1 de Março de 2012

Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida Costa 
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[1] Cfr., entre outros, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, Vol. II, 3ª ed., pag. 254.
[2] Jacinto Rodrigues Bastos, “Das Obrigações Em Geral”, I, 2ª, ed., 1977, pág. 95.
[3] Cfr., neste sentido, José João Abrantes, “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, Conceito e Fundamento”, Almedina, 1986, pág. 41.
[4] José João Abrantes, obra citada, pág. 42.
[5] Jacinto Rodrigues Bastos, obra citada, pag. 97.