Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1162/11.7YXLSB-D.L1-8
Relator: CATARINA MANSO
Descritores: INSOLVÊNCIA
APREENSÃO
VENCIMENTO MENSAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: É admissível a apreensão para a massa insolvente da parte correspondente até um terço do vencimento ou salário, assim como das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, até que o processo de insolvência seja encerrado.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – A…, veio requerer a sua insolvência que foi declarada por sentença proferida em 7 de Julho de 2011, após foi decretada a apreensão de 1/3 do seu vencimento.
Notificada dessa apreensão, a insolvente veio requerer o seu levantamento, com fundamento na sua inadmissibilidade legal.
Sobre esse requerimento foi proferido despacho a indeferir a sua pretensão.
Não se conformando com a decisão interpôs recurso e nas suas alegações concluiu:
- a questão que se coloca é a de saber se não devem ser apreendidos a favor da massa rendimentos obtidos pelos insolventes no exercício da sua actividade ao, único sustento da requerente, o seu vencimento), após a declaração de insolvência, designadamente, os seus salários/Pensões de reforma;
- no processo de insolvência, não podem ser apreendidos a favor da massa insolvente os rendimentos auferidos pela insolvente no exercício da sua actividade laboral e após a declaração de insolvência, designadamente os salários, as prestações periódicas a título de aposentação ou de regalia social, ou pensão de natureza semelhante – cf., entre outros, Acórdãos da Relação de Coimbra de 24-10-2006 e Acórdãos da Relação do Porto de 23-03-2009 e 26-03-2009 ambos wnvw.dgsi.pt;
- existe um regime especial ao do processo executivo, na medida em que existe impenhorabilidade total e não apenas, tal como na acção executiva, uma impenhorabilidade relativa;
- essa impenhorabilidade baseia-se desde logo no facto de que, enquanto no processo executivo, o executado tem uma mera indisponibilidade relativa dos bens ou direitos penhorados, não ficando privado de receber os proventos ou rendimentos dos restantes bens ou mesmo de os alienar, no processo de insolvência isso não ocorre;
- a vontade do legislador pareceu clara ao separar os rendimentos provenientes do trabalho do insolvente de outros meios de garantia patrimonial dos credores, protegendo o insolvente do dever de entregar à massa insolvente o rendimento que obtém fruto do seu trabalho - Acórdão do TRC de 06.03.2007 disponível em ww.dgsi.pt;
- Oliveira Ascensão, in "Efeitos da Falência Sobre a Pessoa e Negócios do falido conclui pela impenhorabilidade total da remuneração recebida pelo insolvente ainda com a lei anterior em vigor: partindo da existência de um património do falido um património remanescente e geral, que se contrapõe à massa falida como património autónomo e separado, defende que o património do falido será composto “pelos bens impenhoráveis, pelos proventos que angariar, a remuneração que lhe for atribuída em consequência do auxílio que preste ao liquidatário judicial (art.143/3CF) os alimentos que lhe forem atribuídos; os rendimentos dos cargos sociais que lhe seja autorizado a exercer (art. 148°/2), e o que angariar se os efeitos patrimoniais da falência forem levantados nos termos do art. 238°/1, C.F..";
- a apreensão do único sustento da insolvente (até encerrada a liquidação do activo) hipotecará, de forma irreversível, a possibilidade de início de uma nova vida para a insolvente que se quer digna, tranquila e pautada pela estabilidade económica financeira;
- a exoneração do passivo restante (benefício que é concedido ao devedor pessoa singular) obriga que, durante o período de cinco anos subsequente ao encerramento do processo, os rendimentos do devedor, com excepção de valores destinados a garantir a sua sobrevivência, dignidade e bem-estar familiar na medida vão ficar afectados ao pagamento dos créditos não satisfeitos no processo de insolvência, mediante a figura jurídica da cessão do rendimento um fiduciário;
- decorridos 5 anos da cessão do rendimento disponível, o Juiz exonera do valor que não foi liquidado durante aquele período, começando, então, os insolventes uma nova vida sem qualquer crédito;
- a exoneração do passivo restante é um beneficio concedido pelo legislador, desde que estejam verificados determinados requisitos consagrados na lei, não se podendo encarar o mesmo como uma forma de desobrigar a liquidação das dívidas dos devedores mas sim como um privilégio, provado que ficou nos autos o merecimento de tal instituto, sensato e razoável;
- se fosse possível a realização de apreensões no processo de insolvência, surgiria logo um problema de a ser admitida, poderia sempre perdurar, pelo menos, até ao termino da liquidação do activo dos bens dos insolventes, liquidação que, na maior parte dos casos se prolonga por vários anos;
- ficariam os insolventes com o seu vencimento apreendido em 1 /3 durante vários anos;
- a natureza urgente do processo de insolvência, que se quer célere;
- caindo por terra o argumento de que a apreensão poderá ser efectuada até ao encerramento da liquidação do activo dos insolventes;
- a questão coloca-se após a realização da liquidação dos bens apreendidos, no facto do processo de insolvência poder permanecer em aberto, com o objectivo de se continuar a proceder à apreensão mensal de parte do salário, até à liquidação integral dos créditos;
- a jurisprudência tem-se, debruçado sobre esta questão na medida em que os processos perdurariam ad eternum;
- o Tribunal a quo errou ao ter proferido o despacho no sentido de ordenar a apreensão de parte (1/3 no caso) dos rendimentos da insolvente, na medida em que não só o rendimento fruto do trabalho dos insolventes é absolutamente impenhorável (na medida em que é posterior à sentença de insolvência) mas também porque a mesma traria, por si só, consequências nefastas para uma situação pior daquela em que se encontravam anteriormente ao processo do liquidação;
- ao proceder à apreensão viria contradizer decisões de Tribunais Superiores, mente, entre outros, Acórdãos da Relação de Coimbra de 24-10-2006 e 06- Acórdãos da Relação do porto de 23-03-2009 e 26-03-2009 ambos em www.dgsi.pt que se têm manifestado pela impossibilidade de apreensão dos vencimentos dos insolventes.
Houve contra alegações defendendo a manutenção da decisão
Dispensados os vistos legais, nada obsta ao conhecimento
II – Apreciando
A questão que se coloca é a de saber se a apelante declarada insolvente e deferido o pedido de exoneração do passivo restante, pode ou não ser-lhe apreendido 1/3 dos rendimentos obtidos no exercício da sua actividade ou se, pelo contrário, tal apreensão só deverá ocorrer após o encerramento do processo de insolvência.
A questão suscitada, nomeadamente no âmbito do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), tem vindo a ser objecto de alguma controvérsia na jurisprudência, entendendo-se, por um lado, que a apreensão abrange todos os bens susceptíveis de penhora, como se defende, designadamente, na decisão desta Relação de 29 de Julho de 2010, acessível em www.dgsi.pt (Processo n.º 682/09.8TBLNH-D.L1-7) e no P.17858/11.0T2SNT-A.L1-7 de 15 de Novembro de 2010; mais recentemente 465/10.2TBLNH-D.L1-6 de 10.6.2011 e, por outro, que, após a declaração de insolvência, não podem ser apreendidos os rendimentos resultantes da actividade laboral, designadamente os salários, como se decidiu, entre outros, no acórdão desta Relação de 16 de Novembro de 2010, acessível em www.dgsi.pt (Processo n.º 1030/10.0TJLSB-C.L1-7).
Seguimos a primeira corrente jurisprudencial, entendemos que a decisão fez uma correcta interpretação da lei.
Por massa falida deverá tender-se a totalidade dos bens (com excepção dos impenhoráveis) e direitos (salvo os exclusivamente pessoais estranhos à falência), que no momento da declaração desta, integravam ou venham a integrar o património do falido.
Por sua vez, o art. 46.º, n.º 1, do CIRE, que define o conceito de massa insolvente, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo. A massa insolvente destina-se, essencialmente, à satisfação dos credores da insolvência, mediante a liquidação universal do respectivo património. Ou seja, resulta claramente que a massa insolvente não abrange apenas os bens ou direitos que existam no património do insolvente à data da declaração de insolvência, mas também os direitos e rendimentos que venham a ser adquiridos na pendência do processo. Segundo o nº 2 os bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor os apresentar voluntariamente e a impenhorabilidade não for absoluta. No caso vertente sendo bens provenientes da sua actividade profissional apenas são impenhoráveis2/3 art.824, al.a) do CPC.
Nos termos da garantia geral das obrigações, pelo cumprimento das obrigações respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora (art. 601.º, n.º 1, do Código Civil).
É através desse princípio geral de direito substantivo que se possibilita a delimitação do objecto da penhora de bens e, por remissão, da sua apreensão, no âmbito do processo de insolvência, e que inclui os bens imóveis, os bens móveis e também os direitos – artigos 838.º, 848.º e 856.º, todos do Código de Processo Civil (CPC).
Na lei encontramos bens que são absolutamente impenhoráveis (art. 822.º), outros relativamente impenhoráveis (art. 823.º) e outros ainda parcialmente penhoráveis (824.º). Nos bens parcialmente penhoráveis, naqueles que uma parte é penhorável e outra impenhorável, identificam-se os vencimentos ou salários, assim como as prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de outra qualquer regalia social – art. 824.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC.
Neste tipo de bens, permite-se a penhora de um terço do seu valor. Excepcionalmente, porém, ponderadas certas circunstâncias, como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz reduzir, temporariamente, a parte penhorável ou, mesmo, isentar de penhora (art. 824.º, n.º 4, do CPC).
Do exposto resulta que a massa insolvente não abrange apenas os bens ou direitos que existam no património do insolvente à data da declaração de insolvência, mas também os direitos e rendimentos que venham a ser adquiridos na pendência do processo. Os créditos laborais auferidos na pendência do processo devem ser abrangidos e integra a massa. Como entender a possibilidade de um executado que tem uma penhora a correr termos, após a sua apresentação à insolvência conseguir o que não foi deferido na oposição. Nem colhe a eternização do processo para o seu indeferimento, nem inútil a concessão do benefício da exoneração do passivo. A diferença entre activo e passivo é tão díspar que nunca o pagamento do fiduciário com parte do seu rendimento penhorável será alcançável.
De harmonia com o disposto no art. 46.º do CIRE é a partir da delimitação dos bens penhoráveis que se torna possível identificar também os bens integrantes da massa insolvente e, por isso, susceptíveis de apreensão, à semelhança do que sucedia antes no regime adoptado pelo CPEREF (art. 175.º). Mais do que isso, até mesmo os bens relativamente impenhoráveis podem ser integrados na massa insolvente, mas apenas na condição do insolvente os apresentar voluntariamente, como prescreve o n.º 2 do art. 46.º do CIRE.
Assim, é admissível a apreensão para a massa insolvente da parte correspondente até um terço do vencimento ou salário, como das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, até que o processo de insolvência seja encerrado. Com tal solução ficam acautelados, tanto quanto possível, os interesses dos credores, e também as necessidades essenciais do insolvente e do seu agregado familiar, com respeito nomeadamente pelo princípio da dignidade humana. Por outro lado, sendo o critério da apreensão dos bens o da susceptibilidade da sua penhora, é indiferente a distinção que possa fazer-se entre a penhora e a apreensão, não podendo daí retirar-se qualquer consequência no sentido de, ao contrário do que se alegou, excluir a solução a que nesta sede se chegou. Acresce ainda que, no CIRE, não existe qualquer disposição, expressa ou tácita, em sentido contrário ao da solução propugnada, nomeadamente de que tais bens não integram a massa insolvente. No Ac. do STJ, de 15 de Março de 2007, na aplicação do art. 175.º do CPEREF, que não difere do art. 46.º do CIRE (Colectânea de Jurisprudência, STJ, Ano XV, T. 1, pág. 127).
Assim, conclui-se que o despacho impugnado não violou qualquer disposição legal, nomeadamente o disposto no art. 46.º do CIRE, improcedendo o recurso.
Concluindo
É admissível a apreensão para a massa insolvente da parte correspondente até um terço do vencimento ou salário, assim como das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, até que o processo de insolvência seja encerrado.

III – DECISÃO
Decide-se: negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2012

Maria Catarina Manso
Maria Alexandrina Branquinho
Ana Luísa Geraldes