Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2722/03.5TCSNT.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: RELATÓRIO PERICIAL
SEGUNDA PERÍCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A apreciação de um segundo relatório pericial, por parte do Tribunal, não é vinculativa. Trata-se, apenas, de mais um dos elementos de prova a considerar, sendo a força probatória das respostas dadas pelos senhores peritos livremente fixada pelo Tribunal, nos termos do artigo 389.º do Código Civil.
II. Não se tratando de matéria vinculativa para o Tribunal, este pode formar a sua convicção de forma distinta daquela que foi a encontrada pela perícia desde que tenha elementos que a possam contrariar e que, sendo convincentes, permitam um raciocínio lógico e compreensível, patentes na respectiva fundamentação apresentada à questão. Trata-se, pois, de uma apreciação que, embora livre, tem de ser ponderada e não arbitrária e/ou discricionária.
III. Quando, numa perícia colegial, o Tribunal adere a uma das teses apresentadas pelos peritos, e quando nessa adesão se inclui a posição do perito nomeado pelo próprio Tribunal, podemos considerar que se verifica uma maior garantia de imparcialidade, principalmente se nessa apreciação tiver sido também considerada a demais prova produzida nesse mesmo sentido e constante dos autos.
IV. Não há uma hierarquia entre a 1.ª e a 2.ª perícia, mas sim, a apresentação de dois elementos de prova a serem apreciados livremente pelo Tribunal, nos termos dos artigos 589.º a 591.º do Código de Processo Civil, tal como poderia haver dois depoimentos distintos que teriam a mesma regra em termos de apreciação por parte do Tribunal.
V. O facto de um determinado imóvel estar ou não construído de acordo com as normas legais e regulamentares vigentes não é, por si só, requisito da sua boa construção. Com efeito, qualquer construção tem de obedecer, antes de mais, às necessidades impostas pela qualidade do solo, exposição ao Sol, características próprias do clima e outras, factores esses que determinam se uma determinada construção está ou não em condições de servir o fim a que se destina.
VI. É imposto ao empreiteiro que, de acordo com a sua arte, escolha e aplique os materiais próprios à construção do imóvel respectivo, para que o mesmo possa garantir a qualidade exigida para o fim a que se destina.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

A…. intentou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra a B…, Lda, pedindo a condenação desta a proceder à integral eliminação de todos os defeitos de construção surgidos no 3° andar esquerdo do prédio identificado nos autos, devendo designadamente:
• eliminar as infiltrações das humidades no seu interior;
• proceder ao seu isolamento térmico-acústico;
• proceder à completa substituição de toda a caixilharia posta e existente por outra de boa qualidade e estanque, tudo de modo a que o dito andar fique em boas e perfeitas condições de uso e habitabilidade.

Pediu ainda que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 2.464,22 correspondente aos danos que sofreu até à propositura da acção, e nos danos que no futuro vierem a verificar-se, conforme a respectiva liquidação.

Para o efeito, referiu, em síntese, que comprou à Ré o 3° andar esquerdo do prédio urbano sito na …, em …, prédio esse que havia sido construído pela Ré, sucedendo que desde finais de 2002 se começaram a revelar alguns defeitos na dita fracção, que importa eliminar. Acrescentou ainda que por causa de tais defeitos foi obrigado a suportar as despesas que descriminou nos autos, motivo por que peticiona o respectivo reembolso.

Contestando, a Ré suscitou a excepção dilatória da ilegitimidade activa, por o A. se mostrar desacompanhado de sua esposa, tendo a referida excepção sido já conhecida e julgada improcedente. Mais excepcionou a caducidade do direito de acção pelo decurso do prazo de seis meses após a denúncia a que alude o artigo 12º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho, sendo certo, diz, que a denúncia teve lugar em 27/11/2002 e a petição deu entrada em juízo em 16/10/2003.

O A. replicou, defendendo a improcedência das excepções invocadas.

Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida a seguinte sentença:

«Em face do exposto e por aplicação das mencionadas normas jurídicas, julgo a acção parcialmente procedente e, em conformidade:

1. Condeno a Ré a proceder à execução das obras que se revelarem necessárias para a eliminação dos defeitos demonstrados nos autos, designadamente as destinadas à obtenção dos padrões de temperatura e humidade relativa do ar interior em conformidade com os padrões da época assinalados nos autos, incluindo;

a) a eliminação das humidades já existentes e tratamento das respectivas zonas com vista à não renovação de humidades ou infiltrações;
b) a remoção das caixilharias existentes e a colocação de novas caixilharias que garantam a completa estanquidade, sem entrada defrio, humidade ou água;
c) reforço do isolamento térmico das fachadas exteriores.

2. Absolvo-a do mais peticionado».

Inconformada, a Ré apelou do assim decidido tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:

1. Enferma de erro a decisão de facto na resposta ao quesito 2° afirmando aí a "insuficiência do isolamento" das fachadas exteriores do prédio e, sobretudo, que essa insuficiência é causa das humidades presentes no interior da casa, quando o certo é que a prova pericial produzida impunha, no caso, uma resposta categoricamente negativa a tal quesito 2°, considerando a ausência de prova e as regras de repartição do ónus da prova;

2. A afirmação conclusiva apresentada pelos Peritos indicados pelo Autor e pelo Tribunal na 2ª perícia, no sentido da existência de "isolamentos deficientes por deficiência de construção, ao nível da fachada e/ou da cobertura", (i) não estando suportada em qualquer razão de facto ou em qualquer explicação técnica, (ainda que abreviada) e (ii) dividindo a possibilidade do nexo de causalidade se situar no isolamento da fachada exterior ou na cobertura, não deveria ser adoptada pelo Tribunal para fundar a resposta dada ao quesito 2º, que só por isso já se imporia que fosse anulada.

3. Impõe-se a alteração da resposta ao quesito 2º no sentido de lhe ser dada resposta negativa (não provado), já que do total das duas perícias levadas a efeito nos autos, englobando os oito peritos nelas participantes, apenas três peritos (um do tribunal e dois da Autora), afirmaram - conclusivamente - que as humidades interiores são devidas a "insuficiente isolamento" nas fachadas, contra cinco peritos (três indicados pela Ré, um indicado pelo tribunal e um indicado pela própria Autora) que afirmaram que a causa das humidades se situa em factores estranhos ao isolamento da fachada exterior (e considerando este adequado ao tipo de construção).

4. Ao contrário do que o Tribunal a quo parece assumir na decisão da matéria de facto aqui impugnada, não existe qualquer hierarquia de valor probatório entre as duas perícias realizadas nos autos, ambas subsistindo com o seu igual valor probatório, valendo a segunda perícia tanto quanto a primeira.

5. Concluir se o isolamento existente nas fachadas exteriores do edifício é "suficiente" ou "insuficiente" convoca uma pluralidade de outras variáveis e envolve a resolução de uma questão de facto complexa que supõe a comparação do isolamento que existe no local (tido como insuficiente) com o isolamento que ai deveria existir para ser considerado "suficiente".

6. A matéria de facto assente nos autos é insuficiente para permitir concluir pela existência de "insuficiência de isolamento" nas fachadas exteriores, afirmada no quesito 2°, o que reclama a comparação entre o isolamento que existe no local (tido como insuficiente) e o isolamento que aí deveria existir para ser considerado suficiente, não existindo factos provados que permitam uma tal operação, impondo-se desse modo a ampliação da base factual para suprir tal insuficiência.

7. Mesmo que fosse de aceitar como acertada e suportada em factos concretos a decisão de facto que afirmou a "insuficiência do isolamento" das fachadas exteriores, sempre os factos provados estariam longe de poder demonstrar a existência de um defeito construtivo, estando por demonstrar a ilicitude do isolamento aplicado, pelo que sempre se imporia a ampliação da matéria de facto.

8. Ao julgar improcedente a excepção de caducidade do direito de propositura da acção, entendendo ser aplicável ao caso o prazo de um ano previsto no artigo 1225° do Código Civil e não o prazo de seis meses previsto nos artigos 917.° e 1225° do Código Civil e 12.°/3 da Lei 24/96, a decisão recorrida enferma de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação os citados normativos, já que no caso concreto é inequívoco que a Ré não agiu perante o Autor na qualidade simultânea de construtora e vendedora a que apela o artigo 1225°, n.º 4 do Código Civil, tendo-se limitado a vender o imóvel já construído e com licença de utilização.

9. A Ré não é sequer titular de alvará de empreiteira nos termos do Decreto-Lei n.º 12/2004 ou legislação que o antecedeu (Cf. documento autêntico junto aos autos com a réplica, como Doc. 2 e 3), não podendo haver-se, também por isso, como entidade que tenha construído, modificado ou reparado na acepção a que alude o artigo 1225.º, no 4 do Código Civil.

10. Ao julgar procedente o pedido de reparação de "defeitos de construção" formulado pelo recorrido, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, já que não existe - não se provou - qualquer defeito construtivo no imóvel, designadamente em matéria de isolamento das fachada exteriores como era ónus do Autor provar.

11. Ao contrário do que ao Autor competia provar, está demonstrado nos autos que o andar em causa cumpre a qualidade térmica que ao momento era a exigida pelo Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edifícios, estando o mesmo construído em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis e apto para o fim a que se destina" (art.° 62.º/1 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dez.).

12. A sentença recorrida violou o disposto no art. 798.° do Cód. Civil, que determina que apenas o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelo prejuízo que causa ao devedor, pelo que o vendedor/construtor não será responsável por vício da construção se tal vício não resultar de culpa sua, como se verificou nos autos.

13. A sentença recorrida ao condenar a Ré, viola o art. 12.° da Lei 24/96, na medida em que consubstancia abuso de direito exigir do vendedor características do bem que lhe não foram atribuídas em conformidade com o previsto na lei, porquanto tal exercício do direito excederia manifestamente os limites impostos pela boa fé (cf. art. 334.° do Código Civil e art.° 12.° da Lei 24/96).

O A. apresentou recurso subordinado, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

1. Como melhor está desenvolvido no contexto destas alegações e resulta dos factos dados como provados,

2. foi da defeituosa edificação do prédio e posterior venda do 3° andar pela Ré aos AA.,

3. que necessária e suficientemente emergiram ou resultaram para estes, gravosos prejuízos materiais e até morais ou pessoais, no presente e para o futuro, como é público e notório dispensando por isso prova.

4. Tais danos (materiais e morais) são ressarcíveis, como tal tendo a sociedade Ré a obrigação legal de indemnizar os AA.. nos termos gerais de Direito, por força do estipulado nos arts. 1223°e 562° e segs. do Cód. Civil, pois que,

5. a mera circunstância desses danos (materiais e morais) não estarem ainda quantificados, não obsta à condenação imediata da sociedade Ré, pois esses danos são quantificáveis em fase posterior, em liquidação de execução de sentença, por aplicação do n.º 2 do art. 564° do C.C.; sem prejuízo da eventual aplicabilidade do preceituado no n° 3 do art. 566° do C.C. se assim for judicialmente entendido suprir.

Por conseguinte,

6. atento às sobreditas disposições legais, pode e deve a sociedade Ré ser de imediato condenada a pagar aos AA. uma indemnização compensatória destinada ao ressarcimento integral de todos os prejuízos materiais e morais, de montante a ser quantificado ou fixado em fase de liquidação de execução de sentença,

7. podendo ainda e desde já a mesma sociedade Ré ser condenada também a reembolsar os AA. da quantia de € 2.464,22 correspondente às despesas por estes feitas, como consta dos autos e da douta sentença "a quo".

Para além de contra-alegar face ao recurso interposto pela Ré, defendeu também a extemporaneidade das alegações apresentadas pela mesma e a sua improcedência.

Ainda no Tribunal de 1.ª Instância, foi proferido despacho a julgar tempestiva a apresentação das alegações pela apelante Ré.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. FACTOS PROVADOS

1. Em 14 de Setembro de 2000, a Câmara Municipal de … emitiu para o prédio construído no lote n° …, o alvará de licença de utilização n° … - alínea A) da matéria assente.

2. Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca celebrada em 24/0812001 no Cartório Notarial da …, o A. adquiriu para habitação própria e por compra à sociedade Ré, pelo preço de Esc. 21.400.000500, o terceiro andar esquerdo, com uma arrecadação ao nível da esteira, correspondente à fracção autónoma letra "…" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na .… lote …, em …s, actualmente Rua …, nº …, freguesia de …, concelho de …a, descrito sob a ficha nº .. daquela freguesia na Conservatória do Registo Predial de …z, estando actualmente inscrito na matriz sob o art. 9911 - alínea 4) da matéria assente.

3. Aquisição esta realizada mediante empréstimo hipotecário contraído pelo A. e esposa, de igual montante perante a Caixa Geral de Depósitos - alínea B) da matéria assente.

4. Ainda por escrituro pública de mútuo com hipoteca da mesma data e do mesmo Cartório Notarial, o A. e esposa contraíram um empréstimo da quantia de Esc. 3.240.000$00, perante a Caixa Geral de Depósitos) - alínea C') da matéria assente.

5. O mencionado prédio urbano (lote 72) confronta a norte com o lote 73 e a sul como lote 7L está edificado parcialmente sobre uma elevação de terreno tipo morro, com uma única entrada pelo piso O no seu lado nascente que deita para a actual Rua … com 4 pisos habitacionais acima desta entrada; e, no lado poente, tem outros 4 pisos habitacionais abaixo da única entrada do piso 0-alínea ü) da matéria assente

6. No sótão localizam-se as arrecadações dos fogos mais elevados (rés-do-chão, t°, 2° e 3° andares) e a sala do condomínio, As restantes arrecadações, pertencentes aos fogos habitacionais das caves (1°, 2°, 3° e 4° caves) situam-se no mesmo piso -- alínea E) da matéria assente.

7. O mencionado prédio urbano (lote 72) é um das três prédios urbanos edificados pela sociedade deles proprietária e construtora Ré, por esta comercializados para venda ao público por andares - alínea F) da matéria assente

8. O edifício do Lote …, incluindo a fracção do autor, foi construído pela empresa Ré e também por outras empresas com quem esta celebrava contratos de empreitada - respostas aos artigos 26° (7 °.segmento) e 41 ° da Base Instrutória

9. A fracção foi construída em conformidade com os projectos aprovados pela Câmara Municipal de … - resposta ao artigo 26° (2° segmento) da Base Instrutória.

10. Na parte poente do edifício, numa faixa de 2.5m e ao longo de 2 fachadas, a casa do A. funciona como caixa-de-ar isolando o lado esquerdo do prédio - resposta ao artigo 3°da Base Instrutória.

11. Ambos os lados do prédio (esquerdo e direito) têm na sua parte superior as arrecadações e a sala de condomínio - resposta ao artigo 5°da Base Instrutória

12. Antes da celebração da escritura pública de compra e venda referida, o A. e a sua esposa visitaram por diversas vezes o prédio construído no lote n° 72 e a fracção correspondente ao 3° andar esquerdo, onde puderam ver e avaliar o tipo de construção, os materiais utilizados e o tipo e natureza dos acabamentos e equipamentos que integravam tal andar - resposta ao artigo 27° da Base Instrutória.

13. Quando adquiriu o andar o A. sabia que o mesmo não tinha janelas duplas nem aquecimento central, tendo apenas uma lareira na sala, sabendo ainda que uma das suas paredes estava exposta a fraca incidência solar e ventos dominantes - resposta ao artigo 39° do Base Instrutória.

14. Os projectos de especialidade do edifício construído por terceiras empresas no lote 72 em causa, designadamente os projectos de águas e esgotos, electricidade, segurança, estudo térmico, ventilação (natural) e exaustão de fumos não foram elaborados pela Ré - resposta ao artigo 37° da Base Instrutória.

15. Por ocasião de Novembro de 2002 surgiram humidades nas paredes interiores, humidades essas que se alastraram a bolores e fungos em diversas paredes (interiores e exteriores), com desenvolvimento de infiltrações de água e afectação de mobílias e roupa - resposta ao artigo 1.º da Base Instrutória.

16. O referido no artigo anterior foi devido à insuficiência de isolamento nas fachadas exteriores na construção do prédio, o que contribuiu para condensações e infiltrações - resposta ao artigo 2º da Base Instrutória.

17. Devido à insuficiência de isolamento térmico das fachadas exteriores, as temperaturas no interior do 3° andar esquerdo rapidamente atingiam temperaturas baixas no Inverno, em valores não concretamente apurados - resposta ao artigo 6°da Base Instrutória.

18. O interior da fracção do autor atinge a humidade relativa do ar em valores não concretamente apurados mas situados acima dos 70% às 13:00 horas dos dias de Primavera - resposta ao artigo 7°da Base Instrutória

19. As caixilharias permitem entradas de ar frio e águas da chuva - respostas aos artigos 8º e 9º da Base Instrutória.

20. O Autor comunicou à Ré pela primeira vez as deficiências da obra em Novembro de 2002 - resposta ao artigo 10° da Base Instrutória.

21. O A. solicitou à Ré a eliminação dos respectivos defeitos detectados, a fim de ver melhorado o comportamento hidrófugo e térmico do edifício - alínea G) da matéria assente.

22. Em princípios de Novembro de 2002, após informação da existência de humidade e bolor por parte do autor, o gerente da Ré e seus colaboradores deslocaram-se ao andar do A. a fim de verificar a ocorrência - resposta ao artigo 29°da Base Instrutória.

23.Tendo concluído que a humidade existente no andar se devia, em grande parte, à falta de arejamento da casa, bem como ao facto de se tratar de um ano com muita humidade e a casa, pelo sua disposição no terreno, ter pouca insolação natural - resposta ao artigo 30° da Base Instrutória.

24. E que a temperatura existente no interior se devia apenas e só ao facto da casa beneficiar mais intensamente dos ventos e da falta de aquecimento interior - resposta ao artigo 31 ° da Base Instrutória

25. Tendo esta informado o A. de que as humidades se deviam a causas externos à construção - resposta ao artigo 11ºda Base Instrutória.

26. Na sequência de conversas havidas entre o genro do legal representante da Ré e o A., a Ré disponibilizou-se a suportar até €300,00 o custo da aquisição de um desumidificados ou aquecedor pura a casa - resposta ao artigo 32°da Base Instrutória.

27. Disponibilizou-se ainda a fazer urna verificação com calafetagem das juntas das janelas e portas exteriores, bem como afinações das ligas da janela - resposta ao artigo 33° da Base Instrutória

28. O A. requereu a competente vistoria de segurança e salubridade à Câmara Municipal de Sintra, a qual, em 20/01/2003, processo n.º 459102, concluiu o seguinte (alínea I) da matéria assente):

"1. As mobílias do quarto estão cheias de humidade
2. A luz do tecto do quarto não acende devido ao excesso de humidade.
3. O tecto e a parede da cozinha têm fungos
4. A roupa que está dentro dos roupeiros está cheia de bolor.
5. As paredes e o tecto dos quartos têm fungos devido à humidade.
6. É convicção da Comissão que vistoriou o 3° andar esquerdo que as paredes exteriores não terão o isolamento adequado.
7. Há queixas (do requerente) de que as janelas deixam passar ar pelas frestas, contribuindo assim para a baixa temperatura que se faz sentir na habitação".

29. Entre o A. e a Ré foi trocada a correspondência constante dos autos de fls. 52 a 66 (alínea H) da matéria assente):

a) Por carta datada de 14/11/2002, remetida ao A. e por este recebida, a Ré comunicou além do mais que "conforme n/ conversa de há dias e em conformidade com o combinado, venho por esta carta reiterar o previsto, que seria a oferta de 50% da aquisição do aparelho que o Senhor precisa, até ao valor de € 300,00 (trezentos euros). Mais informamos V Exa. que após várias visitas à s/ casa, não verificámos qualquer tipo de anomalia na execução da mesma. (...). Aconselhamos que a casa seja o mais arejada possível, uma vez que os últimos Verões têm sido de pouco calor e os Invernos muito rigorosos (..) ".

b) Por carta datada de 27/11/2002, remetida à Ré e por esta recebida, o A. comunicou além do mais que "Acuso a recepção da sua carta de 14/11/2002. Apesar de lhe ter manifestado o meu total desacordo sobre todo o conteúdo da sua carta (...), venho por este meio repor toda a verdade (…). O principal problema na minha casa é a existência de valores de humidade relativa muito elevados, com formação de camadas de bolor e bichinhos em diversas superfícies e nos tecidos. Além do problema de formação de humidade verifica-se igualmente uma temperatura ambiente muito baixa, originando deste modo condições de desconforto muito acentuadas e não recomendáveis para as funções a que esta habitação se destina. Devo referir que a temperatura dentro de casa é de 15° a 16° e a humidade varia entre 82 e 95% (..). Estes (..) factos anómalos já foram testemunhados por 2 funcionários seus que estiveram em minha casa, sem que V Exa. tomasse qualquer medida. Outro problema detectado e por mim referido diversas vezes, foram os erros de montagem das caixilharias das janelas e da qualidade das mesmas, (..) A referida anomalia foi facilmente detectada pelos profissionais do ramo. Transcrevo um desses relatórios: (..) Solução: Janelas duplas em todas as janelas com vidro simples (...) Este erro foi confirmado pelo profissional da firma de caixilharia responsável pela colocação de janelas no prédio e que, por insistência minha, V. Exa. acedeu finalmente enviar a minha casa. Uma semana decorrida e qual o ponto da situação? Além de não aparecer quem resolva o problema da caixilharia, V. Exa. também não comunica a sua posição, o que é grave. Outro problema são os isolamentos exteriores. (…) Pelos motivos expostos e pela gravidade da situação da qual V. Exa. é culpado, pela sua negligência até hoje e que está a pôr em risco não só a saúde dos meus familiares como a minha própria, concedo-lhe 15 dias até 13- 12-2002 para resolver todos os problemas, alguns dos quais acima referidos, ou V. Exa. marca uma reunido e apresenta-me uma proposta concreta que seja demonstrativa da s/ tão apregoada boa vontade em resolver este caso, definindo a data em que iniciará as reparações na minha casa (…) "

c) Por carta datada de 30/01/2003, o A. comunicou à Ré, além do mais, que "Confrmo a minha carta (…) datada de 27/11/02, da qual V Exa. não deu qualquer resposta. Os defeitos nas caixilharias das janelas, que até foram assumidas pelo responsável que V. Exa. contratou e a humidade proveniente da falta de isolamentos, continuam a agravar, não só o estado das paredes e tectos da m/ casa, como também as roupas, o mobiliário e a saúde (...). Para lhe dar um exemplo, em dias de chuva e vento, a temperatura dentro de casa há poucas semanas chegou a atingir os 11° e 12º e a humidade subia aos 96% (..). Assim, venho por este meio exigir que até ao dia 15/02/03 dê início às reparações das caixilharias, colocação de vidros exteriores e reparação dos isolamentos. Caso isso não aconteça (..) tomarei eu próprio a iniciativa (...) de mandar reparar e colocar 5 janelas com vidro simples (…), cujo valor importa em € 997.52. Irei também comprar um desumidificador, cujo valor ascende a € 300,00, caso V Era, não o faça até 15/02/03. Quanto ao isolamento, darei até à data referida o tempo para V. Exa. se pronunciar sobre a reparação e quando pensa iniciar a obra(...)"

d) Por carta datada de 1010212003, remetida ao A. e por este recebida, a Ré comunicou além do mais que "Não se viu qualquer tipo de humidade vinda do exterior (...) na casa que habita. Como tal, retiramos totalmente a oferta que mencionámos na n/ carta com data de 24/11/2002. (..) Por exemplo, se tem frio poderá acender a lareira (…). Sobre as peças de alumínio que faltavam nas janelas, fui eu próprio que pedi à empresa F... aquando da montagem dos alumínios no imóvel, que não as pusesse, para que as casas arejassem mais e desse mais comodidade aos Clientes, ao retirarem as janelas para as limpar. Se, eventualmente, essa casa for alvo de vistoria feita por qualquer instituição Oficial de Fiscalização de gás e verifiquem que a casa tenha falta de ventilação, encontramo-nos completamente indisponíveis para fazer qualquer trabalho com isso relacionado (...)

30. Logo de imediato à carta do A. datada de 27 de Novembro de 2002, a Ré comunicou que estava apenas disponível para cumprir nos termos referido em 26. e 27. resposta ao artigo 34° da Rase instrutória.

31. Em 30 de Janeiro de 2003 o A. voltou a insistir junto da R. para que esta resolvesse as infiltrações e humidades da casa, o que renovou por alturas de Maio do mesmo ano -resposta ao artigo 13°da Base Instrutória.

32. Em 25/11/2002 o A. dirigiu carta ao Sr. Presidente do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, expondo a sua situação e pedindo uma peritagem, com vista a averiguar e elaborar relatório que especificasse quais as causas anómalas de humidade e como combater as mesmas - alínea J) da matéria assente.

33. Exposição que teve como resposta a carta deste organismo público, nos termos da qual se menciona, entre o mais, que: "lamento informar que não é possível satisfazer a vossa consulta por indisponibilidade do Serviço e dos técnicos do LNEC competentes na matéria para ((fazerem em tempo útil. Sugiro pois que recorra a um técnico qualificado em profissão liberal ou a uma empresa de consultoria para a realização do parecer solicitado e eventualmente para a actividade de projecto subsequente. Admitindo que poderá ser-lhe útil, junto envio uma lista de empresas que, face à natureza do problema, poderão ser consultadas para o efeito", a qual remeteu em anexo, entre outros, o nome da empresa "OZ - Diagnóstico, Levantamento e Controlo de Qualidade em Estruturas e Fundações, Lda. " alínea K) da matéria assente.

34. De entre as entidades indicadas como idóneas pelo LN.E.C., o A. escolheu e contratou a firma "O… Lda. ", sedeada na Rua … …, … ... … - alínea L) da matéria assente.

35. Feita a competente peritagem por esta firma indicada pelo L.N.E.C., foi elaborado o relatório pericial, datado de Maio de 2003, do qual consta, além do mais, o seguinte:

Da inspecção visual efectuada, verificou-se a presença de anomalias relacionadas com a presença de humidades (condensações superficiais) caracterizadas por manchas escuras de bolores nas paredes exteriores (zonas circundantes aos vãos das janelas, cantos e junto aos tectos) e nas paredes interiores (despensa e I.S. interior). Foram, também, observados bolores no mobiliário existente (mobiliário dos quartas e armários da cozinha) e nas roupas guardadas nos roupeiros (..). As leituras foram efectuadas entre as 12:00h e as 13:00h do dia 16 de Abril de 2003 (...) e indicam valores elevados da humidade relativa do ar (em regra, superiores a 70%) e temperaturas baixas (inferiores a 18º) não cumprindo os padrões de conforto termo-higrométrico. ( ..) O corredor do sótão útil apresenta uma humidade relativa elevada, com valores perto dos 75%. (..) O quarto sul poente apresenta uma concentração de vapor de água de 8,8 g/Kg de ar seco, para uma temperatura ambiente de 15,9°C e uma humidade relativa de 76,6%. (...) Conclui-se que as condensações existentes são provenientes de condições mais gravosas que as da amostra, possivelmente com tempo mais frio (meses de Inverno) ( ..) A solução ideal consistirá na conjugação do reforço da resistência térmica das paredes e reforço da ventilação/aquecimento das espaços. O isolamento térmico da envolvente deverá ser reforçado de modo a melhorar o comportamento térmico do edifício, em especial nas zonas das pontes térmicas. A intervenção deve ser frita ao nível da parede opaca (alvenaria dupla) e da zona envidraçada (janelas e portas)" - alínea M) da matéria assente.

36. A Ré recusou resolver os problemas referidos - resposta ao artigo 14° da Base

37. Na obtenção da certidão do registo predial, o A. despendeu a quantia de € 28,25.

38. Na obtenção da certidão fiscal, o A. despendeu a quantia de € 4,52.

39. A presente acção deu entrada em Juízo no dia 16 de Outubro de 2003.



III. FUNDAMENTAÇÃO

As questões colocadas pela Apelante/Ré circunscrevem-se, no essencial, à reapreciação da matéria de facto no que se reporta à resposta dada ao quesito 2.º da Base Instrutória, resposta esta que pretende ver corrigida no sentido de “Não Provado”, bem como à decisão judicial que concluiu pela não verificação da caducidade do direito do A. a propor a presente acção.

Analisando separadamente cada uma destas questões, e desde já procedendo ao conhecimento da primeira, passa-se a transcrever o quesito 2.º da Base Instrutória, resposta dada ao mesmo e respectiva fundamentação, antecedendo, porém, para melhor compreensão, o teor do quesito 1.º daquela mesma Base Instrutória, cuja resposta não está posta em causa.

“Quesito 1.º - A partir de Novembro de 2002, surgiram e alastraram as infiltrações de água, humidades, bolores e outros fungos nas paredes (interiores e exteriores), mobílias e nas próprias roupas?

Resposta: Por ocasião de Novembro de 2002 surgiram nas paredes interiores, humidades essas que se alastraram a bolores e fungos em diversas paredes (interiores e exteriores), com desenvolvimento de infiltrações de água e afectação de mobília e roupa.

Quesito 2.º - Devido à ausência de isolamento das fachadas exteriores na construção do prédio?

Resposta: O referido no artigo anterior foi devido à insuficiência de isolamento nas fachadas exteriores na construção do prédio, o que contribuiu para condensações e infiltrações”.

Fundamentação aos quesitos 1.º e 2.º - “Na parte relativa às questões técnicas submetidas a perícia foi tido em conta o teor do Relatório junto a fls. 491 a 533, aliás não abalado pela demais prova produzida.
Assim sucedeu designadamente no artigo 1°, assentando a convicção do Tribunal quer no referido Relatório (fls. 493) quer ainda no depoimento de parte e no que mais foi dito pela generalidade das testemunhas ouvidas. Efectivamente, afigurou-se-nos pacífico que logo em Novembro de 2002 o A. terá chamado a atenção da Ré para umas humidades, existentes no prédio - e assim foi confirmado pelo representante legal da própria Ré, que afirmou ter visto nessa data uns fungos na casa-de­banho, e o seu pedreiro DP que afirmou ter visto, também por essa época, uns "pontinhos negros" ou fungos no tecto dê um quarto. Também se nos afigurou pacífico, quando cotejados o Relatório e a generalidade das testemunhas ouvidas, que a humidade inicial tomou as proporções que referimos. De facto, e independentemente de quem as tinha arrolado, as testemunhas foram espontâneas e consentâneas quando afirmaram ter visto as roupas estragadas com bolor (DP) e que a casa se encontrava num estado de "difícil habitabilidade, sem condições de alguém viver lá dentro" (Eng° MB), parecendo que "tinha havido um incêndio" (FP). Contudo, e pese embora tamanha clareza quanto à proporção dos efeitos gerados pela humidade, ficou por precisar no tempo o início de cada um deles. Daí se ter respondido ao artigo 1° alterando parcialmente o texto do perguntado - o que se fez no intuito de ser fiel à prova produzida sem desvirtuar o facto levado à Base Instrutória.
Na resposta ao artigo 2° foi ponderada a resposta pericial que fez maioria (fls. 494). Acresce dizer que a resposta dos Senhores Peritos indicados pela Ré não colocam em crise o facto assente, principalmente quando no confronto se vê que a resposta maioritária foi peremptória na afirmação da existência de "isolamentos deficientes" enquanto a destes Senhores Peritos assentou na "análise do processo judicial" e na reprodução parcial de dois relatórios juntos aos autos.. Sem prejuízo, não podemos deixar de consignar que as conclusões a extrair dos ditos relatórios não podem ser retiradas do seu contexto para, através desta acção, se obterem conclusões não permitidas pelos mesmos relatórios. De facto, perguntando-se se as hurnidades/infiltrações derivavam da ausência de isolamento das fachadas exteriores, o relatório efectuado pela "O… Ldª" refere o mencionado pelos Senhores Peritos da Ré mas refere mais:
- logo no parágrafo anterior (1° parágrafo de fls. 3 ou 88 dos autos / 3° parágrafo de fls. 9 ou 94 dos autos) descreve que "embora as medições termo-higrométricas tenham sido efectuadas em condições ambientais menos gravosas (à hora de almoço e na Primavera), indicam valores elevados de humidade relativa do ar (superiores a 70%) e temperaturas interiores baixas (inferiores a 18%), não cumprindo os padrões de conforto exigidos";
- no 3° parágrafo de fls. 3 (e 2° de fls. 11 ou 96 dos autos) acrescenta que "as condições superficiais, os bolores existentes e o desconforto interior sentido no fogo são fenómenos devidos a deficiências de ventilação/aquecimento do interior do fogo e deficiente resistência térmica das paredes da envolvente, em especial nas zonascircundantes aos vãos, elementos estruturais e áreas envidraçadas (pontes térmicas)";
- no 6° parágrafo da mesma fls. 11 refere que as paredes exteriores da envolvente apresentam problemas de isolamento térmico, nomeadamente nas pontes térmicas;
- no 3° parágrafo de fls. 12 (fls. 97 dos autos) conclui que as condensações e bolores são devidos ao insuficiente isolamento térmico das paredes exteriores.
Donde, e sem necessidade de maior aprofundamento, se concluiu como na perícia, conclusão aliás reforçada com o depoimento da testemunha MB Eng° Civil, que afirmou que a pedido da Ré foi há cerca de 4 anos a casa do A. para ver se descobria a fonte das infiltrações, tendo verificado que inexistiam telhas partidas e que a tela do algeroz não se encontrava degradada”.

Como podemos verificar, as respostas dadas aos qu4sitos 1.,º e 2.º da Base Instrutória são indissociáveis para que se possa realizar uma correcta apreciação da prova.

Por outro lado, cumpre desde já assinalar, há acordo das partes quanto à existência dos defeitos assinalados pelas diversas perícias realizadas, bem como pelas testemunhas e outros estudos constantes dos autos, sendo que o desacordo das partes centra-se, tão só, na origem desses mesmos defeitos.

Defende a Apelante, no que se reporta à resposta a esse quesito 2.º por parte do Tribunal que, “a afirmação conclusiva apresentada pelos Peritos indicados pelo Autor e pelo Tribunal na 2ª perícia, no sentido da existência de "isolamentos deficientes por deficiência de construção, ao nível da fachada e/ou da cobertura", (i) não estando suportada em qualquer razão de facto ou em qualquer explicação técnica, (ainda que abreviada) e (ii) dividindo a possibilidade do nexo de causalidade se situar no isolamento da fachada exterior ou na cobertura, não deveria ser adoptada pelo Tribunal para fundar a resposta dada ao quesito 2º, que só por isso já se imporia que fosse anulada” – Ponto 2 das suas conclusões de recurso.

Relativamente às questões colocadas pela Apelante cumpre ter presente que a reapreciação das questões em apreciação tinha já sido efectuada por uma primeira perícia, que foi objecto de esclarecimentos, que não foram aceites, tendo determinado a realização de uma segunda perícia.

Estamos, pois, neste momento, perante uma segunda perícia, esta efectuada por cinco peritos, que determinaram a apresentação de um relatório em Tribunal a 29 de Janeiro de 2010, e cujas respostas não podem ser objecto de uma leitura linear, como o pretende a Apelante, uma vez que as mesmas se encontram interligadas, pelas respostas dadas às questões colocadas pelas partes.

Assim, apenas a leitura conjunta das respostas dadas aos quesitos apresentados pelo A. e pela Ré permite compreender o conteúdo de cada uma delas. Por outro lado, cumpre ter presente que cada uma destas respostas teve na sua base “para além dos conhecimentos técnico profissionais, a legislação vigente, a documentação que lhes foi facultada, incluindo a consulta ao processo no Tribunal e a observação directa no local” – introdução ao relatório que foi redigida pelos peritos nomeados e que consta de fls.492 dos autos.

A resposta encontrada pelos senhores peritos, no caso, dos peritos do A. e do perito do Tribunal, à questão colocada no quesito 2.º da Base Instrutória, encontra-se nas respostas dadas aos Pontos 1.º, 2.º, 3.º, 7.º, 8.º, 12.º e 13.º, apresentados pelo A. e nas repostas aos Pontos 6.º, 10.º e 11.º, apresentados pela Ré.

Ora, o que podemos constatar é que a resposta encontrada pelos senhores peritos do Tribunal e do A. para a questão colocada no quesito 2.º da Base Instrutória encontra-se fundamentada e tem na sua base a apreciação de uma questão técnica, que foi ali identificada. O facto de tal posição técnica não obter a concordância da Ré e dos peritos pela mesma nomeados, não tem o condão de determinar, por si só, uma resposta distinta por parte deste Tribunal de recurso.

Por outro lado, a apreciação deste segundo relatório pericial, por parte do Tribunal, não é vinculativa. Trata-se, apenas, de mais um dos elementos de prova a considerar, sendo a força probatória das respostas dadas pelos senhores peritos livremente fixada pelo Tribunal, nos termos do artigo 389.º do Código Civil.

Tanto bastaria esta premissa para podermos concluir que, não se tratando de matéria vinculativa para o Tribunal, este pode formar a sua convicção de forma distinta daquela que foi a encontrada pela perícia desde que tenha elementos que a possam contrariar e que, sendo convincentes, permitam um raciocínio lógico e compreensível, patentes na respectiva fundamentação apresentada à questão. Trata-se, pois, de uma apreciação que, embora livre, tem de ser ponderada e não arbitrária e/ou discricionária. E sobre esta questão nada foi dito que pudesse por em causa a isenção do Tribunal nesta apreciação.

De qualquer forma, tenha-se presente que, neste caso, o Tribunal não discordou do relatório da segunda perícia, tendo-se limitado a aderir a uma das teses avançadas pelos senhores peritos, posição que se encontra alicerçada na demais prova considerada, quer documental, quer testemunhal, referida na respectiva fundamentação aos quesitos 1.º e 2.º da Base Instrutória e que acima se encontram transcritos.

Concluindo, não se trata, pois, de uma discordância quanto ao laudo apresentado pelos peritos, mas sim, da sua adesão a uma das teses ali apresentadas, sendo certo que nesta adesão encontra-se a apreciação do perito nomeado pelo Tribunal, o que sempre dará uma melhor garantia de imparcialidade, para além de ter sido considerada a demais prova produzida nesse mesmo sentido e que consta dos autos.

Relativamente à contagem do número de peritos que a Apelante leva a cabo para sustentar a sua tese, cumpre deixar expresso que, nem a convicção tem que ver com o número de peritos a dizer “A” ou “B”, num os peritos em causa na segunda perícia discordaram do que foi dito pelos que integraram a primeira perícia. O que fizeram foi responder, de forma distinta, às questões, sem que com tal tenham entrado em contradição.

De qualquer forma, não há uma hierarquia entre a 1.ª e a 2.ª perícia, mas sim, a apresentação de dois elementos de prova a serem apreciados livremente pelo Tribunal, nos termos dos artigos 589.º a 591.º do Código de Processo Civil, tal como poderia haver dois depoimentos distintos que teriam a mesma regra em termos de apreciação por parte do Tribunal.

Improcedem, assim, os fundamentos alegados pela Apelante para reapreciação da resposta dada ao quesito 2.º da Base Instrutória, resposta essa que se mantém.

Referindo que não é detentora de alvará de empreiteira, a Apelante defende ainda que não se mostra provado que actuou, perante o Apelado, na qualidade simultânea de construtora e de vendedora pelo que, o prazo de caducidade do direito do A. a propor a acção caducava no prazo de seis meses e não de uma ano, conforme foi entendido pelo Tribunal de 1.ª Instância. Conclui, assim, pela caducidade do direito do Apelado.

Sendo inquestionável que a matéria provada respeitante ao facto de ter sido a Apelante a construir e a vender o andar dos autos ao Apelado não foi objecto de pedido de reapreciação da prova, nos termos legalmente determinados para esse efeito, não se compreende como pretende a Apelante ver essa realidade alterada.

Com efeito, conforme consta dos Pontos 7, 8 dos Factos Provados, foi a Apelante quem construiu e vendeu o andar dos autos ao Apelado revestindo, assim, a dupla qualidade de empreiteira e vendedora do imóvel pelo que, a aplicação ao caso do disposto no artigo 1225.º do Código Civil corresponde à decisão correcta.

Por outro lado, as razões que determinaram a conclusão de que o empreendimento em que se encontra o andar dos autos foi construído pela Apelante corresponde a uma afirmação realizada pela própria, em carta registada com a/r enviada ao Apelado e assinada pelo punho do próprio gerente da empresa, documento esse que se encontra a fls. 58 dos autos.

Para além de tal facto pessoal, há ainda a considerar toda a prova produzida, nomeadamente a testemunhal, que foi objecto de análise na fundamentação constante de fls. 610 e 611 dos autos, bem como o próprio facto de o objecto da sociedade Apelante prever também “a construção de edifícios para venda, construção civil em todas as modalidades quer por conta própria quer por empreitada, compra, venda e revenda de bens imóveis, (…)”, conforme certidão do Registo Comercial constante de fls. 183/ss, junta pela própria Apelante.

Assim sendo, dificilmente se compreendem as dúvidas da Apelante quanto ao facto de o Tribunal ter concluído que estávamos perante uma situação em que o construtor é também o vendedor, assim se aplicando a previsão do artigo 1225.º, n.º 4, do Código Civil, ou seja, concedendo ao adquirente do imóvel o prazo de um ano para denunciar os defeitos junto do construtor, pedindo a respectiva eliminação.

Sendo matéria assente que em Novembro de 2002 o Apelado comunicou à Apelante, pela primeira vez, as deficiências de que padecia o andar dos autos e que a presente acção deu entrada em Tribunal no dia 16 de Outubro de 2003, só podemos concluir, como o fez o Tribunal de 1.ª Instância, que não se verificou a caducidade dos direitos do Apelado uma vez que, entre a denúncia de tais defeitos e o accionamento da Apelante, não tinha ainda decorrido o prazo de um ano – Pontos 20 e 39 dos Factos Provados.

Refere ainda a Apelante que há um evidente erro de julgamento uma vez que, na sua óptica, “não existe – não se provou – qualquer defeito construtivo no imóvel, designadamente em matéria de isolamento das fachadas exteriores como era ónus do Autor provar”.

Salvo o devido respeito, a questão colocada prende-se com a definição de defeito. O facto de um determinado imóvel estar ou não construído de acordo com as normas legais e regulamentares vigentes não é, por si só, requisito da sua boa construção. Com efeito, qualquer construção tem de obedecer, antes de mais, às necessidades impostas pela qualidade do solo, exposição ao Sol, características próprias do clima e outras, factores esses que determinam se uma determinada construção está ou não em condições de servir o fim a que se destina.

Assim, qualquer imóvel que não sirva cabalmente a função para a qual foi destinado, no caso dos autos, para a habitação, padecendo de vícios que impedem a sua normal utilização, leva-nos a concluir por uma construção defeituosa. Com efeito, a todos os empreiteiros é exigido que, antes de iniciar a respectiva construção, se munam de todas as informações técnicas necessárias para que a respectiva construção sirva o fim a que se destina. Assim é que, conforme o tipo de terreno para construção, podemos precisar de ter fundações mais ou menos fundas, tipos de materiais mais ou menos resistentes às temperaturas, com telhados mais inclinados ou superfícies planas de terraços, exigência ou não de utilização de determinado tipo de materiais, etc.

Podemos assim afirmar que é imposto ao empreiteiro que, de acordo com a sua arte, escolha e aplique os materiais próprios à construção do imóvel respectivo, para que o mesmo possa garantir a qualidade exigida para o fim a que se destina.

No caso dos autos, o que mais temos são relatórios a comprovar os defeitos de construção: quer o realizado pelos serviços de segurança e salubridade da Câmara Municipal de …, quer o realizado por uma empresa da especialidade, indicado pelo LNEC, quer pelos nove senhores engenheiros que integraram a primeira e a segunda perícia realizadas ao andar dos autos e que fundaram as respostas à matéria de facto onde podemos constatar a existência, de entre outras, das seguintes deficiências do andar dos autos:

“Por ocasião de Novembro de 2002 surgiram humidades nas paredes interiores, humidades essas que se alastraram a bolores e fungos em diversas paredes (interiores e exteriores), com desenvolvimento de infiltrações de água e afectação de mobílias e roupa - Ponto 15 dos Factos Provados.

O referido no artigo anterior foi devido à insuficiência de isolamento nas fachadas exteriores na construção do prédio, o que contribuiu para condensações e infiltrações - Ponto 16 dos Factos Provados.

Devido à insuficiência de isolamento térmico das fachadas exteriores, as temperaturas no interior do 3° andar esquerdo rapidamente atingiam temperaturas baixas no Inverno, em valores não concretamente apurados - Ponto 17 dos Factos Provados.

O interior da fracção do autor atinge a humidade relativa do ar em valores não concretamente apurados mas situados acima dos 70% às 13:00 horas dos dias de Primavera - Ponto 18 dos Factos Provados.

As caixilharias permitem entradas de ar frio e águas da chuva - Ponto 19 dos Factos Provados.

O A. requereu a competente vistoria de segurança e salubridade à Câmara Municipal de … a qual, em 20/01/2003, processo n.º 459102, concluiu o seguinte (alínea I) da matéria assente):

"1. As mobílias do quarto estão cheias de humidade
2. A luz do tecto do quarto não acende devido ao excesso de humidade.
3. O tecto e a parede da cozinha têm fungos
4. A roupa que está dentro dos roupeiros está cheia de bolor.
5. As paredes e o tecto dos quartos têm fungos devido à humidade.
6. É convicção da Comissão que vistoriou o 3° andar esquerdo que as paredes exteriores não terão o isolamento adequado.
7. Há queixas (do requerente) de que as janelas deixam passar ar pelas frestas, contribuindo assim para a baixa temperatura que se faz sentir na habitação" - Ponto 28 dos Factos Provados.

Feita a competente peritagem por esta firma indicada pelo L.N.E.C., foi elaborado o relatório pericial, datado de Maio de 2003, do qual consta, além do mais, o seguinte:

Da inspecção visual efectuada, verificou-se a presença de anomalias relacionadas com a presença de humidades (condensações superficiais) caracterizadas por manchas escuras de bolores nas paredes exteriores (zonas circundantes aos vãos das janelas, cantos e junto aos tectos) e nas paredes interiores (despensa e I.S. interior). Foram, também, observados bolores no mobiliário existente (mobiliário dos quartas e armários da cozinha) e nas roupas guardadas nos roupeiros (..). As leituras foram efectuadas entre as 12:00h e as 13:00h do dia 16 de Abril de 2003 (...) e indicam valores elevados da humidade relativa do ar (em regra, superiores a 70%) e temperaturas baixas (inferiores a 18º) não cumprindo os padrões de conforto termo-higrométrico. ( ..) O corredor do sótão útil apresenta uma humidade relativa elevada, com valores perto dos 75%. (..) O quarto sul poente apresenta uma concentração de vapor de água de 8,8 g/Kg de ar seco, para uma temperatura ambiente de 15,9°C e uma humidade relativa de 76,6%. (...) Conclui-se que as condensações existentes são provenientes de condições mais gravosas que as da amostra, possivelmente com tempo mais frio (meses de Inverno) ( ..) A solução ideal consistirá na conjugação do reforço da resistência térmica das paredes e reforço da ventilação/aquecimento das espaços. O isolamento térmico da envolvente deverá ser reforçado de modo a melhorar o comportamento térmico do edifício, em especial nas zonas das pontes térmicas. A intervenção deve ser frita ao nível da parede opaca (alvenaria dupla) e da zona envidraçada (janelas e portas)" - Ponto 35 dos Factos Provados”.

Assim, de toda esta matéria de facto dada como provada sempre teremos de concluir que o andar dos autos padece de defeitos graves que o tornam inadequado ao fim a que se destina: à habitação do Apelado e da sua família -, e que tais defeitos são da inteira responsabilidade do Apelante, enquanto construtor e, assim, responsável pelos materiais utilizados na mesma construção, que se mostrem inadequados à sua utilização, responsabilidade essa que se estende à correcta utilização e aplicação de tais materiais.

E a tal conclusão não obsta o facto dado como provado no Ponto 9 – a fracção foi construída em conformidade com os projectos aprovados pela Câmara Municipal de … – uma vez, conforme acima já deixamos assinalado, cumprir normas legais e regulamentares não corresponde à mesma realidade de proceder a construção adequada à situação de implantação do imóvel.

Nem a tal obsta, também, a realidade constante do ponto 13 dos factos Provados – “quando adquiriu o andar o A. sabia que o mesmo não tinha janelas duplas nem aquecimento central, tendo apenas uma lareira na sala, sabendo ainda que uma das suas paredes estava exposta a fraca incidência solar e ventos dominantes” - uma vez que o que aí está em causa são factores de conforto e não de adequação dos materiais usados à construção.

Acresce que, apesar de ser conhecedor de toda esta realidade e lhe ter sido solicitado, pró diversas vezes, a eliminação dos apontados defeitos, o Apelante não só não os resolveu como, inclusivamente, se recusou a fazê-lo – Ponto 36 dos Factos Provados.

Podemos, assim, concluir, como o fez o senhor Juiz de 1.ª Instância, que o Apelante actuou com culpa, nos termos do artigo 798.º do Código Civil, devendo, nessa conformidade, responder pela eliminação dos respectivos defeitos, tal como foi definido na condenação proferida e em apreciação.

O facto de se negar provimento ao recurso principal não obsta a que se conheça do objecto do recurso subordinado apresentado pelo A., o que se passa a fazer.

Este recurso subordinado está centrado em dois pontos: quanto à improcedência do pedido de condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 2.464,22 correspondente às despesas que realizou até à data da instauração da acção, bem como na improcedência do pedido de condenação da Ré a pagar-lhe a quantia correspondente aos danos que, no futuro, se viessem a verificar, estes a liquidar em execução de sentença.

Em relação a estes pedidos, o senhor Juiz de 1.ª Instância, lapidarmente, referiu:

“(…)

Pede ainda o A. que a Ré seja condenada ao reembolso das despesas que teve que suportar, no valor de €2.444,22, referentes a Relatórios, assessoria técnica, limpeza de roupas e pedidos de certidões.

Destas, ficaram demonstradas duas verbas: €28,25 por extracção de certidão do registo predial e €4,52 por cópia da caderneta predial, ambas destinadas a instruir, como instruíram, o presente processo.

Sucede que este último pedido não tem acolhimento legal porquanto, como se mostra evidente, respeita a despesas que não se mostram intimamente ligadas com a conduta da Ré, antes são um reflexo dessa conduta - como haveriam de ser, não fora o apoio judiciário; as demais despesas com o presente processo, incluindo honorários. Porém, o legislador apenas reconhece o direito a tal reembolso na eventualidade de a outra parte ter litigado de má-fé [art. 457°, n° 1, alínea a), do CPC], o que não se coloca nos presentes autos.

Donde, o pedido tem de improceder nessa parte.

(…)

Como não há em relação ao pedido de condenação na reparação dos "danos que se verificarem no futuro, a liquidar em execução de sentença", porquanto tal pedido não tem qualquer suporte factual que permita sequer concluir a que danos se refere o peticionante, designadamente se se refere a novos gastos como os mencionados na petição (com relatórios, assessorias técnicas, certidões, etc) ou se os directamente resultantes dos defeitos que resultaram provados.”

Ora, esta é também a posição deste Tribunal da Relação sendo certo que não há qualquer elemento novo nas conclusões das alegações apresentadas que determine uma apreciação distinta.

Com efeito, entendemos que as despesas reclamadas apenas poderiam ter cobertura no âmbito da condenação da Ré como litigante de má fé. Ora, o que se provou foi que estamos perante uma parte que não cumpriu com o seu dever de reparação dos defeitos sem que com tal conduta de inadimplemento, tenha ultrapassado os limites impostos pela boa fé processual.

No que se reporta aos danos não patrimoniais verificamos que o respectivo pedido não foi acompanhado da alegação de quaisquer factos que a pudessem sustentar.

Com efeito, o A. confunde duas realidades distintas: uma coisa é o dever de alegação que sobre o mesmo impende de individualizar os danos sofridos e/ou a sofrer, em decorrência da actuação da Ré; coisa distinta é a alegação e prova que deve incidir sobre os factos notórios que, sendo do conhecimento geral, não carecem de alegação nem de prova – artigos 342.º do Código Civil, 513.º e 514.º do Código de Processo Civil.

Porém, não é este o caso correspondente ao pedido de ressarcimento dos danos peticionados pelo A. uma vez que tais danos não foram individualizados e, nessa medida, tornou-se impossível a sua apreciação. Assim, face ao comportamento assumido pelo A., a decisão do tribunal de 1.ª Instância só poderia ser aquela que foi proferida e que, pelas razões que se deixam expostas, se mantém.

IV. DECISÃO
Face ao exposto, julgam-se improcedentes as Apelações apresentadas pela Ré e pelo A., respectivamente, recurso principal e subordinado, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Custas pelos Apelantes, fixando-se a proporção de 4/5 para a Ré e de 1/5 para o A.

Lisboa, 07 de Fevereiro de 2012

Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo
José Gouveia Barros