Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1743/06.0TCLRS.L1-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: QUESITOS
RESPOSTAS AOS QUESITOS
OMISSÃO
FACTOS CONCRETOS
ANULAÇÃO DE SENTENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A DECISÃO
Sumário: A resposta a um quesito sobre matéria de facto, não pode deixar de ser objecto de resposta em sentido positivo, negativo, restritivo ou explicativo, sob pena de se incorrer em omissão de decisão sobre esse concreto ponto de facto, consequência poderá ser, ao abrigo do disposto no art. 712º, nº 4 do CPC, a anulação da decisão proferida em 1ª instância.
( Da responsabilidade da Relatora )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I - RELATÓRIO
A ( ….Empresa de Produtos .., Lda) , intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B  (….Sociedade…, Lda) , peticionando que seja judicialmente decidida a demarcação dos prédios em causa.
Para tanto, alegou, em síntese, que A Autora é dona e legitima possuidora de um prédio rústico denominado "Quinta ….", que confronta do Norte com a …; do Sul com a Rua … e ….; do Nascente com Estrada … e …; do Poente com os Herdeiros de …. e …., inscrito na matriz cadastral da freguesia de C... sob o art. 45.°, secção C, pendente de rectificação, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures, sob o n.° 00000/000000 da dita freguesia, e inscrito a favor da Autora através da inscrição G-2, cuja a área é de 135.000 m2, tudo conforme certidão da Conservatória do Registo Predial de Loures que ora se junta sob doe. 1.
 A Ré, B é dona e legitima possuidora de um prédio rústico denominado “Quinta …..ou da "…..", que confronta do Norte e Nascente com a Estrada da Charneca para C...; do Sul, com a ….; do Poente com a Azinhaga dos …, inscrito na matriz cadastral da freguesia de C... sob o art. 00° C, pendente de descriminação, descrito na Conservatória do Registo Predial desta Comarca sob o n.º 00000/ 000000, da dita freguesia, e inscrito a favor da Ré pela inscrição G-4, cuja a área é de 56.210,50 m2, tudo, também, conforme certidão da Conservatória do Registo Predial de Loures. Acontece que o prédio, ora propriedade da Autora foi em tempos, a 11.05.76, desanexado do da Ré, descrito sob o n.º 0000, a fls. 38 do Livro B-10, ou sob o n.º 00000/87.12.12, da freguesia de C..., embora se encontre, ainda, pendente o respectivo processo de destaque. Tais prédios, propriedade da Autora e da Ré são, assim, confinantes entre si, porque resultaram da desanexação a que se fez referência no artigo anterior do presente petitório. Sucede, porém, que o prédio propriedade da Autora não tem marco algum, pelo que se acham confundidos os seus limites com os do prédio confinante pertencente à ora Ré. Ou seja, não se encontra definida uma linha divisória entre os atrás referidos prédios. Com efeito, tentou a Autora, em vão, diga-se de passagem, após um levantamento topográfico que efectuou, através da construção de um muro, tentar demarcar limites dos prédios em causa. Tentativa, essa, que se revelou infrutífera já que a Ré passado pouco tempo de a Autora o ter construído, o destruiu.
Citada, regularmente, veio a Ré contestar a presente acção, alegando, em síntese, que a petição inicial é inepta, uma vez que dos títulos não é possível proceder a qualquer demarcação ou linha divisória, nem a Autora especifica em que deve consistir tal demarcação. Acresce que o processo de destaque ainda se encontra pendente, razão pela qual não é possível proceder juridicamente a qualquer demarcação ou linha divisória entre os dois prédios.
Por sua vez, a Autora veio responder à contestação deduzida pela Ré, nos termos constantes de fls. 31 a 38.
Por despacho judicial proferido a fls. 44 46, a petição inicial foi considerada inepta e declarado nulo todo o processado, absolvendo-se a Ré da instância.
Nos termos do Acórdão da Relação de Lisboa constante de fls. 72 a 76, foi revogada a decisão judicial referida no ponto 1.4. e, nessa sequência, elaborou-se despacho saneador e seleccionou-se a matéria de facto relevante considerada assente e a que constituía a base instrutória (cfr. fls. 92).
 Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento com observância do legal formalismo, como se alcança da respectiva acta, tendo-se respondido à matéria de facto da Base Instrutória pela forma constante de fls. 475.
1.7. A Ré apresentou alegações de direito (cfr. fls. 482 e segs.).
Foi proferida decisão que julgou a acção improcedente, por não provada e, consequentemente, absolveu a Ré, B do pedido deduzido pela Autora A.
A A. recorreu da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
1. Na Douta sentença recorrida considera-se um enquadramento da matéria de facto provada nos presentes autos que, com o devido respeito, é erróneo;
2. Com textualidade diferente da que consta da resposta aos quesitos da Base Instrutória, diz-se na Douta sentença recorrida que:
           “6. Do relatório pericial constante de fls. 353 a 356, resulta que não é possível afirmar que os prédios referidos em 1. e 2. são confinantes entre si (Quesito 4º)
            (…)
           8. Do relatório pericial constante de fls. 353 a 356, resulta que os prédios referidos em 1. e 2. não se confundem (Quesito 6º)”
3. No relatório pericial de fls. 347 a 350, denominado apenas “Relatório Pericial”, os senhores peritos escrevem, no que aqui importa, o seguinte:
           “Quesito 4º
            Os prédios A) e B) são confinantes entre si ?
            Resposta
            Na delimitação feita (Anexa 1), sim.”
4. No relatório pericial de fls. 353 a 357, denominado “Relatório Pericial (complemento)”, os senhores peritos escrevem, no que aqui importa, o seguinte:
            “Quesito 4º
            Os prédios A) e B) são confinantes entre si ?
            Resposta
            Não nos é possível afirmar, em rigor, em face dos pressupostos anteriores que os prédios são confinantes. Na delimitação provável (planta anexa), sim.”
5. Assim se conclui que tendo os senhores peritos sido confrontados com diversas dificuldades, nomeadamente e como assinalam nos seus relatórios, em consequência das múltiplas desanexações a que os prédios em apreço foram sendo sujeitos ao longo do tempo, o que lhe causou naturais dificuldades de apreciação das questões que foram submetidas à sua apreciação técnica, alcançaram ao menos o que qualificaram como “delimitação provável”, constante das plantas que se encontram junta aos autos a fls. 349, 350 e 369, acabando portanto por concluir no relatório pericial com uma resposta positiva à questão colocada no Quesito 4º;
6. Acresce que na gravação digital da sessão da audiência de julgamento realizada a 1 de Junho de 2009, em face dos esclarecimentos solicitados pelo mandatário da recorrente quanto à resposta ao quesito 4º, os senhores peritos (cerca de 9:50 minutos da gravação) dizem: “A nossa ideia é que confronta com a A ”, referindo-se ao prédio propriedade da recorrida;
7. Do depoimento da testemunha …. (assinalado na acta da audiência de julgamento de 19 de Março de 2007, com identificação e depoimento da testemunha registo em cassete áudio, lado A) resulta expressamente a afirmação de que o prédio da recorrente e o da recorrida são confinantes;
8. Do depoimento da testemunha …. (assinalado na acta da audiência de julgamento de 19 de Março de 2007, com identificação e depoimento da testemunha registo em cassete áudio, lado A) resulta expressamente a afirmação de que o prédio da recorrente e o da recorrida são confinantes;
9. A própria recorrida, mau grado o ter inicialmente impugnado na sua contestação, acabou por aceitar e confessar que, pelo menos em dada parte, os dois prédios são efectivamente confinantes, conforme se encontra assinalado na planta que veio juntar aos autos a fls. 328, importando em todo o caso sublinhar que a recorrente não concorda com a delimitação sugerida pela recorrida;
10. Decorre do supra alegado que considerando a prova pericial produzida, o depoimento de duas das testemunhas arroladas pela recorrente e por confissão da própria recorrida, que, ao contrário do que erradamente sustenta da Douta sentença recorrida, os dois prédios em apreço, ditos A) e B), respectivamente propriedade de recorrente e recorrida, são efectivamente confinantes;
13. Ora, por dúvidas que subsistam, mesmo no que se refere aos senhores peritos, o certo é que encontrando-se provado nos presentes autos que o prédio propriedade da recorrida tinha a data da constituição da respectiva ficha registral (1987), com o número 440, uma área rústica de 56210,50 m2 e uma área urbana de 10410 m2, tendo-lhe sido em 2003 expropriados pela Estradas de Portugal 26.776m2 da área rústica e um total de 1.917,00 m2 da área urbana, como a terra não cresce, é logicamente impossível que a recorrida seja actualmente proprietária dos 85.773 m2 de área que os senhores peritos identificaram na planta de fls. 350, situada para além da linha de demarcação (dita de “delimitação provável”) entre os prédios da recorrente e da recorrida, que assinalaram longitudinalmente na dita planta;
14. Assim sendo, como a recorrente sempre alegou, desde início, a demarcação do seu prédio e do que é propriedade da recorrida exige que encontre igualmente e concretize, para além da dita linha longitudinal traçada pelos senhores peritos, uma linha adicional de demarcação, restando agora saber se na área entretanto expropriada pelas Estradas de Portugal, no quadrante Norte, - caso no qual a recorrida recebeu indevidamente o pagamento da dita expropriação – ou se na área que confina, no quadrante Sul, com a Estrada …… de C...;
15. Acabando os intervenientes processuais, nos presentes autos, por concordar que os prédios propriedade da recorrente e da recorrida são confinantes, permanecem dúvidas sérias sobre a sua delimitação exacta, em amplíssima medida pela sobreposição das múltiplas desanexações de terrenos ocorridas, pelo que a evidência das dúvidas expressas sobre tal delimitação inevitavelmente conduz a que se conclua que os limites dos prédios em apreço nos presentes autos, ditos A) e B), respectivamente propriedade da recorrente e da recorrida, acham-se confundidos, prevalecendo a dúvida e incerteza acerca da localização das suas extremas;
16. Termos em que, ao abrigo nomeadamente do disposto no artigo 712º do C.P.C., deverá a resposta aos Quesitos 4º e 6º, no âmbito das Resposta aos Quesitos da Base Instrutória, passar a ter a seguinte formulação:
           Provado que os prédios referidos em A) e B) são confinantes entre si.
           Provado que os seus limites (do prédio referido em A)) acham-se confundidos com os do prédio identificado em B).
17. Do depoimento da testemunha ….. (assinalado na acta da audiência de julgamento de 19 de Março de 2007, com identificação e depoimento da testemunha registo em cassete áudio, lado A) resulta que existiu uma rede metálica colocada pela recorrente para delimitar o seu prédio do da recorrida, a qual veio a ser derrubada;
18. Do depoimento da testemunha …. (assinalado na acta da audiência de julgamento de 19 de Março de 2007, com identificação e depoimento da testemunha registo em cassete áudio, lado A), resulta que existiu uma rede metálica colocada pela recorrente para delimitar o seu prédio do da recorrida, a qual veio a ser derrubada;
20. Termos em que, ao abrigo nomeadamente do disposto no artigo 712º do C.P.C., deverá a resposta aos Quesitos 7º e 8º, no âmbito das Resposta aos Quesitos da Base Instrutória, passar a ter a seguinte formulação:
Provado que a A. tentou, através da construção de uma rede metálica, demarcar os limites de tais prédios.
Provado que a R., passado pouco tempo, destruiu essa rede metálica.
21. Reformulada a resposta à matéria de facto proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, conforme se alegou e requereu, nos termos supra exposto encontra-se provado nos presentes autos que os prédios propriedade de recorrente e recorrida são confinantes, encontrando-se confundidos os seus limites, havendo dúvida e incerteza acerca da localização das suas estremas;
23. Não está em causa na presente acção o título de aquisição da propriedade, pelo que não estamos em face de uma acção de reivindicação, antes se discutindo a extensão dos prédios propriedade da recorrente e da recorrida, pelo que, conforme indicam jurisprudência e doutrina, o meio próprio para resolver este litígio é a presente acção de demarcação;
24. Nos termos supra alegados, estão reunidos os pressupostos legais que, conforme ensinam jurisprudência e doutrina, constituem a causa de pedir da acção de demarcação, pelo que assiste à recorrente o direito consagrado no artigo 1353º do Código Civil (CC), no sentido de através da apresente acção obrigar a recorrida, dona do prédio confinante com o seu, a concorrer para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o dela;
25. Para tanto deve proceder-se à demarcação, nos termos do disposto no artigo 1354º do CC;
27. Nestes termos, a Douta sentença recorrida, por força da incorrecta decisão sobre os factos dados como provados nos presentes autos, aplicou inevitavelmente o Direito de forma injusta e, assim, incorrecta, pelo que deve ser revogada e substituída por acórdão que condene a recorrida nos exactos termos do pedido.
Contra-alegou a Recorrida para concluir pela manutenção da sentença recorrida.
Corridos os Vistos legais,
            Cumpre apreciar e decidir.
            (…)
            Cabe ,assim, decidir se existe  fundamento quanto á impugnação da matéria de facto, e , se for caso disso, verificar da existência dos pressupostos da procedência da presente acção de demarcação.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. Pela inscrição G-2 Ap. .../88.03.22, encontra-se registada a favor da A., A ., a aquisição, por compra, do prédio descrito sob a ficha 00000/000000 da freguesia de C..., concelho de Loures que fazia parte do art. 45 Secção C. Alínea A)
2. Pela inscrição G-4 e averbamentos n.ºs 1 e 2 a esta inscrição, encontra-se registada a favor da R., B , a aquisição, por compra, do prédio descrito sob a ficha n.° 00000/00.00.00 da freguesia de C..., concelho de Loures, cuja parte rústica está inscrita no art. 45 da secção C. (Alínea B)
3. O prédio identificado em 1., em 1997, à data da propositura da acção tinha 135.000 m2 (Quesito 1.º)
4. O prédio identificado em 2. tinha em 1997, à data da propositura da acção a área total de 52.680.50 m2. (Quesito 2.º)
5. Do relatório pericial constante de fls. 353 a 356, resulta que o prédio referido em 1. não foi desanexado do prédio referido em 2. (Quesito 3.º)
6. Do relatório pericial constante de fls. 353 a 356, resulta que não é possível afirmar que os prédios referidos em 1. e 2. são confinantes entre si (Quesito 4.º)
7. O prédio referido em 1. não tem marco algum. (Quesito 5.º)
8. Do relatório pericial constante de fls. 353 a 365 resulta que os prédio referidos em 1. e 2. não se confundem. (Quesito 6.º)
III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
            1. Impugnação da matéria de facto
1.1. A decisão da primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada nas situações previstas o art. 712º/1 do CPC, nomeadamente se do processo constarem todos os elementos probatórios em que se baseou a decisão recorrida quanto à matéria de facto em causa.
Sendo inquestionável que o legislador consagrou, com as reformas no processo civil desencadeadas a partir de 1995, com o DL nº 39/95, de 15/2, um efectivo segundo grau de jurisdição em sede de apreciação da matéria de facto, para que tal suceda carece o recorrente de observar/cumprir determinadas regras processuais, a que acresce (para que a modificação da matéria de facto seja possível) a necessidade de verificação de determinados pressupostos.
Assim, tendo presente o art. 685º-B, nº1, alíneas a) e b), do CPC) deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar: a) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Depois, exigível é, outrossim, que se constate verificar-se qualquer um dos pressupostos previstos no art. 712º, nº1, alíneas a), b) e c), do CPC, a saber: a) constarem do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-A, a decisão com base neles proferida; b) resultar dos elementos fornecidos pelo processo, necessariamente, prolação de decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Ter o recorrente apresentado documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Finalmente, necessário é ainda que o apelante indique qual o sentido diverso da decisão impugnada quanto aos concretos pontos de factos indicados e a que conduz necessariamente a reavaliação dos meios de prova que indica.
            1.2. Para além do disposto no art. 685º-B do CPC, importa, ainda, ter presente que a garantia do duplo grau de jurisdição não pode subverter o princípio da livre apreciação das provas, constante do art. 655º do CPC. De acordo com este princípio, a prova é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios preestabelecidos. As provas são livremente valoradas, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação quanto à natureza de qualquer delas, respondendo o julgador de acordo com a sua convicção, excepto se a lei exigir para a prova do facto, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Só neste caso está o julgador obrigado a observar a hierarquização legal[1].
Assim, na modificação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve actuar-se com prudência, só devendo suceder quando se demonstre através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório.
Mostram-se cumpridos os requisitos formais previstos na lei supra referidos.
Em causa estão, fundamentalmente, as respostas aos arts. 4º e 6º da base instrutória.
2. Das respostas aos arts. 3º 4º e 6º da base instrutória
Sob o título “IV. DOS FACTOS”, a sentença recorrida refere que, com “interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
(…)
“5. Do relatório pericial constante de fls. 353 a 356, resulta que o prédio referido em 1. não foi desanexado do prédio referido em 2. (Quesito 3.º)
6. Do relatório pericial constante de fls. 353 a 356, resulta que não é possível afirmar que os prédios referidos em 1. e 2. são confinantes entre si (Quesito 4.º)
(…)
8. Do relatório pericial constante de fls. 353 a 365 resulta que os prédio referidos em 1. e 2. não se confundem. (Quesito 6.º)”
Porém se considerarmos a redacção dos quesitos e das respostas, verificamos que o que consta da sentença sob os pontos 5., 6. e 8. dos factos provados, não corresponde ao que se deu por provado, no despacho decisório da matéria de facto.
Assim, a redacção do Quesito 3º, tal como consta da base instrutória é a seguinte:
Quesito 3º: “O prédio identificado em A) foi, em tempos, a 11.5.1976, desaenxado do prédio idenficado em B)?
Este quesito mereceu a seguinte resposta:
“Provado apenas o que resulta dos relatórios dos senhores peritos”.
A redacção do Quesito 4º, tal como consta da base instrutória é a seguinte:
Quesito 4º: Os prédios idenficados em A) e B) são confinantes entre si?
            A este quesito respondeu o Tribunal da seguinte forma:
“Provado apenas o que resulta dos relatórios dos senhores peritos”.
A redacção do Quesito 6º, tal como consta da base instrutória é a seguinte:
Quesito 6º: Os seus limuites acham-se confundidos com os do prédio idenficado em B)?
Este quesito mereceu a mesma resposta que os anteriores:
“Provado apenas o que resulta dos relatórios dos senhores peritos”.
2.1. O Tribunal da Relação pode, nos termos do nº. 4 do art. 712º do CPCivil, ex officio, determinar a anulação da decisão, nos casos em que não constarem do processo todos os elementos probatórios que serviram de base à dita decisão. Assim sendo, pode usar da faculdade que o art. 712º, nº. 4 lhe confere de, oficiosamente, ordenar a repetição do julgamento, quando repute obscura, deficiente ou contraditória, a decisão sobre os pontos determinados da matéria de facto.
Como é bom de ver, o que se transcreve como matéria de facto provado não corresponde minimamente com o que consta das respostas aos quesitos em causa, sendo certo que tão pouco a referência ao teor dos relatórios periciais permite que se considerar como assente o que agora consta, como matéria provada nos pontos 5., 6. e 8. deste acórdão e que transcrevem (em itálico) o que consta da sentença recorrida.
Basta atentar que dos autos constam dois Relatórios Periciais – um de fls. 347 a 350 (Relatório Pericial) e outro de fls. 353 a 356 (Relatório Pericial Complementar) - cujas respostas à mesma matéria não vão em sentido completamente coincidente.
Com efeito, a prova pericial, tal como, outros meios de prova, como as inspecções judiciais, os documentos não dotados por lei de particular força probatória, os depoimentos testemunhais, é avaliada pelo tribunal, livremente.
Mas se assim é na fundamentação da matéria de facto que deve constar de modo claro, as razões pelas quais se deu maior ou menor relevância a determinado ou determinados meios de prova, para se aquilatar das razões que convenceram o julgador.
Com efeito, a motivação das respostas aos quesitos exige a concretização do meio probatório gerador da convicção do julgador (o depoimento do autor ou do réu, o laudo de um dos peritos, o depoimento de certa testemunha, o trecho de determinada carta, etc.).
Além do mínimo traduzido na menção especificada (relativamente a cada facto provado) dos meios de concretos de prova geradores da convicção do julgador, deve este ainda, para plena consecução do fim almejado pela lei, referir, na medida do possível, as razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova.
Assim, o Tribunal, ao declarar que a sua convicção quanto aos factos que julgou provados, deve, por exemplo, indicar expressamente, quais dos factos provados cada testemunha revelou conhecer; deve explicitar quais os elementos que dos mesmos permitem inferir a interpretação e conclusão a que o tribunal chegou; porque razão julgou relevantes, ou irrelevantes, certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória a prova resultante de documentos particulares; ou, ainda porque razão da inspecção ao local, por exemplo, retirou certas ilações ou conclusões.
E os Relatórios perícias são um dos meios de prova em que o julgador pode alicerçar a sua motivação.
Na sentença recorrida o Mmo Juiz a quo, perante a remissão para o teor dos ditos Relatórios, acabou por, tanto quanto se afigura, dar maior relevância às respostas constantes do Relatório Complementar. Só que essa análise, esse convencimento deveria ter sido feito e justificado, em momento próprio, isto é, na decisão da matéria de facto.
De facto, perante a obscuridade e ambiguidade das respostas, pretendeu colmatar-se a lacuna das respostas, que remetiam para o teor dos dois relatórios e procedeu-se, à revelia da lei, a um novo julgamento da matéria de facto.
Trata-se de vício insanável que pressupõe que exige a repetição do julgamento relativamente a esta matéria e a consequente anulação da sentença.
Concluindo:
A resposta a um quesito sobre matéria de facto, não pode deixar de ser objecto de resposta em sentido positivo, negativo, restritivo ou explicativo, sob pena de se incorrer em omissão de decisão sobre esse concreto ponto de facto, consequência poderá ser, ao abrigo do disposto no art. 712º, nº 4 do CPC, a anulação da decisão proferida em 1ª instância.

IV – DECISÃO
Assim sendo, e ao abrigo do artigo 712º, nº 4 do CPC, impõe-se a anulação oficiosa da sentença e a devolução do processo à 1ª instância, a fim de sanar as dúvidas, com relação aos quesitos 3º, 4º e 6º e de harmonia com o atrás exposto, mediante repetição parcial do julgamento, de modo a clarificar-se a questão em torno dessa matéria, e tendo em conta o que consta do ponto 2 da fundamentação de direito deste acórdão, de acordo com o teor dos quesitos em causa,  ainda que, e se necessário, mediante correcção do alegado a tal propósito na petição inicial,
Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.
Não havendo, por ora, vencimento de nenhuma das partes, por efeito da regra da causalidade consagrada no artigo 446º, nºs 1 e 2 do CPC, as custas do recurso ficarão a cargo da parte vencida a final.

Lisboa, 15 de Março de 2012

Fátima Galante
Manuel José Aguiar Pereira
Gilberto Santos Jorge
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[1] Vide Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV, pags. 544 e segs.