Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
32/12.6YRLSB-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: COMISSÃO ARBITRAL
VIAGEM TURÍSTICA
AGÊNCIA DE VIAGENS
DEVER DE INFORMAR
VISTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A lei impõe às agências de viagens, em caso de viagem turística, o dever de informar o cliente – antes da venda daquela – e designadamente, da necessidade de vistos e do prazo legal para a respetiva obtenção.
II – Podendo tal dever ser cumprido através da entrega do programa de viagem que inclua aquela informação.
III - Não é porém assimilável a tal informação a mera referência, na documentação entregue, à necessidade de os clientes não portugueses deverem consultar o consulado ou embaixada correspondente sobre a necessidade de “Passaporte em ordem”… ser por conta do cliente, sempre que as viagens o requeiram, a obtenção de vistos…deverem os clientes assegurar-se, antes de iniciar a viagem, de ter todas as normas e requisitos cumpridos, afim (sic) de poder entrar sem problemas em todos os países que vão visitar…e se para o país que vai visitar são necessários vistos ou vacinas…
IV – Em qualquer caso, nunca se poderia considerar cumprido tal dever de informação, com a entrega de documentação contendo tais esclarecimentos apenas no próprio dia da venda da viagem e dois dias úteis antes da partida.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação

I – “A” e mulher, “B”, requereram ao Turismo de Portugal, I.P., a demanda da “entidade garante”, nos termos do art.º 47.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 209/97, de 13 de agosto (na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 263/2007, de 20 de julho), e, assim também, implicitamente, a intervenção da Comissão Arbitral prevista no art.º 48.º, do mesmo diploma.
Instruindo tal requerimento com dez documentos, entre eles o duplicado da reclamação relativa aos “serviços prestados na viagem organizada (viagem-alojamento), pacote especial noivos de Madrid-Cancun, 5 de maio a 12 de maio (de 2008), tudo incluído, pela agência de viagens “C”-Viagens e Turismo, sita na Rua ..., n.º ..., ..., ...”.
Reportando-se assim, e em suma, à falta de informação por parte da reclamada, quanto à necessidade de visto de entrada no México, relativamente à requerente mulher, que veio a ocasionar o “repatriamento” do casal, daquele país, sem ali chegar a usufruir dos serviços contratados.
Pretendendo o reembolso de todas as despesas suportadas com o pacote de viagens, e das ocasionadas, com alojamento, transporte e taxa de saída do México, no montante global de € 3.230,00.

Reunida a Comissão Arbitral, aprovou a mesma, por maioria – com o voto contra da Apavt – a proposta da sua Presidente, de condenação da agência reclamada no pagamento aos requerentes da peticionada quantia de € 3.230,00.
Inconformada, recorreu a “C”, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
“A) A decisão em crise dá como provada a aquisição à Apelante uma viagem, ao México, no Hotel Grand Bahia Príncipe Akumal, a decorrer entre 5 e 12 de Maio, pelos Apelados, tendo sido paga pela mesma a quantia global de € 2980,00.
B) Não ficou provado, face à dificuldade em confirmar os factos alegados pelos Apelados, que a Apelante recebeu fotocópia dos passaportes, mas que não deteve a necessária atenção em relação à nacionalidade da Apelada mulher.
C) Não se pode concluir que a Apelante violou o dever de informar os Apelados sobre a documentação necessária para se deslocarem ao estrangeiro, tenda em consideração que o Apelado marido confessou que foi informado pela Apelante de que deveria verificar junto da embaixada/consulado exigência de visto para entrar no país ou de quaisquer outros requisitos.
D) A Apelante entregou aos Apelados e este reconheceram ter recebidos, um documento da Apelante, com INFORMAÇÕES PARA O VIAJANTE e também entregou o catalogo ... onde tem as informações gerais incluídas e no item PASSAPORTES, VISTOS E DOCUMENTAÇÃO é afirmado claramente que a responsabilidade pela obtenção de visto de entrada no país de destino é do cliente, neste caso dos Apelados.
E) Com a entrega dos documentos referidos na aliena supra, a Apelante cumpriu o dever de informação, consagrada no artigo 18° do Decreto-Lei 263/2007 de 20 de Julho.
F) Por isso a responsabilidade de diligenciarem a obtenção do visto de entrada no México era dos Apelados, bem como as consequências decorrentes da falta do mesmo.”.

Requer a revogação da decisão recorrida e a sua absolvição “de restituir qualquer importância aos apelados.

Contra-alegaram os Recorridos, pugnando pela manutenção do julgado.

II – Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se é de alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, nos termos propugnados pela Recorrente;
 - se ocorreu violação, por parte da Recorrente do dever de informação do viajante sobre a documentação necessária para a deslocação ao estrangeiro em causa.
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Extrai-se da decisão recorrida – ultrapassando a ausência de indiferenciação formal nesse plano – ter-se considerado assente que:
- os Recorridos adquiriram junto da Recorrente, como operadora, uma viagem organizada, em lua de mel, ao México, Hotel Grand Bahia Príncipe Akumal, no México, a decorrer no período compreendido entre 5 e 12 de maio de 2011;
- para além do “pacote” referido, a viagem incluía passagens aéreas Porto/Madrid, de ida e volta, e uma noite de estadia num hotel em Madrid, porquanto a viagem a Cancun tinha início nessa cidade;
- em 20 de março de 2011 os Recorridos procederam às reservas, pagando € 450 a título de sinal;
- no dia 28 de abril procederam ao levantamento da documentação, pagando a quantia remanescente, € 2.530,00;
- no dia 4 de maio de 2008, ao chegarem ao aeroporto de Cancun foi impedida a entrada da requerente uma vez que necessitava de visto por ser cidadã brasileira;
- conseguindo embarcar às 20h15 num voo de regresso que chegou a Madrid ás 12h30 do dia seguinte;
- no ato da reserva, os clientes devem deixar sempre uma fotocópia dos passaportes;
- a agência Recorrente recebeu as cópias dos passaportes e não prestou atenção ao pormenor da nacionalidade da cliente ora recorrida;
- não tendo informado os ora Recorridos sobre a necessidade de obtenção de visto para entrada da Recorrida mulher, de nacionalidade brasileira, no país de destino, o México;
- por via disso viram-se os Recorridos impedidos de realizar a viagem organizada contratada;
- suportando ainda despesas com alojamento de € 150,00; com transporte de € 50,00; e com taxa de saída do México, de € 10,00.
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II – 1 – Da impugnação da decisão da Comissão Arbitral do Turismo de Portugal quanto à matéria de facto.
1. Pretende a Recorrente – numa tal sede formal – não ter ficado provado que “recebeu fotocópia dos passaportes, mas que não deteve a necessária atenção em relação à nacionalidade da Apelada mulher”.
Nem que haja deixado de cumprir “o seu dever de informação” sobre a necessidade de passaporte e….”vistos”.
Antes se devendo considerar provado que “a Apelante desconhecia, à data dos factos, a nacionalidade da Apelada mulher, que os passaportes ou fotocópias dos mesmos nunca foram entregues à Apelante e que esta informou que a responsabilidade de verificar a exigência de visto impende sobre os clientes/viajantes.”.

Procurando sustentar o assim propugnado:
- com o suposto contraditório das versões dos apelados – alegadamente declarado pela Comissão;
- com a circunstância – concedida pelos Apelados – de lhes ter entregue, dois dias úteis antes da realização da viagem, o documento “Informações para o viajante”.
E mais lhes ter entregue o catálogo ... do verão de 2008, em cuja última página “está escrito de forma clara” ser “responsabilidade do cliente a obtenção de vistos”.  
Tal como nas Condições Gerais se afirma essa responsabilidade de “verificar a exigência de visto para entrar no país que se pretenda visitar.”.
- com a “existência de declarações dos Apelados que levam a concluir que os passaportes nunca foram mostrados na agência.”, a saber, “no último parágrafo da página 3 da sua reclamação.”.

 2. Ora – e sendo certo que se não cuidará aqui da apreciação de factos ou questões novas, entendendo-se como tais as que se não documenta haverem sido suscitadas oportunamente perante a entidade recorrida – temos que:

2.1. Quanto às assinaladas “contradições”.
Entra a Recorrente por terrenos muito próximos – pelo menos… – da má-fé, em termos que, desejavelmente, não serão comuns à generalidade dos agentes intervenientes nesta área.
Com efeito o excerto a propósito transcrito – declaradamente extraído da página 3, segunda linha, da ata da Comissão Arbitral – e onde se refere que “conforme foi visível pela presente Comissão, o depoimento do reclamante aqui presente, foi tudo menos esclarecedor, sendo aliás repleto de contradições que ficaram por esclarecer”, corresponde ao referido “Pela representante da Apavt” (Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo).
Não se lobrigando, na mesma ata, qualquer declaração de concordância com tal perspetiva, de banda dos demais elementos integrantes da Comissão…

2.2. Quanto às declarações dos Apelados “que levam a concluir que os passaportes nunca foram mostrados na agência.”, consubstanciadas “no último parágrafo da página 3 da sua reclamação.”.
É facto ter-se ali consignado que “entre a última semana de março e a primeira de abril efetuámos a reserva do Hotel para pernoitar em Madrid (…) e questionei a agência no sentido de averiguar se era necessário um passaporte válido pelo mínimo de 6 meses (já que o da minha noiva só tinha validade de 2 meses). Foi-me confirmado pela Sra. “D” que realmente era necessário e que poderia tratar do assunto na loja do cidadão. Contrapus que a minha noiva brasileira teria que se deslocar ao consulado do Brasil para tratar do assunto.”.

Aqui, as razões aduzidas pela Recorrente seriam do domínio da mera especulação – v..g. “Se foi ao consulado do Brasil porque não foi informado que necessitava de visto para entrar no México” “Se a apelante tivesse o passaporte da apelante (leia-se, apelada) mulher com certeza que a informação não seria para se dirigir à loja do cidadão (…)” – se não revelassem, desde logo, a tal atitude litigante próxima da má-fé.
Com efeito omite a Recorrente, não o podendo ignorar, que mais atrás, no § 2.º da página 2 da mesma reclamação – e assim em antecedência cronológica – haviam os Recorridos afirmado que “No dia 17 de março, dirigi-me a esta agência de viagens, para formalizar a reserva, com o passaporte da então minha noiva, que é cidadã brasileira, e, consequentemente, o passaporte também brasileiro (…)”.
E, no § 3.º, “No dia seguinte, levei comigo novamente o passaporte da minha noiva, e foi-me, entretanto, pedido também o certificado para casamento, onde consta todos os nossos dados, nomeadamente a nacionalidade brasileira da minha então noiva (…) sendo certo que tais documentos foram exibidos e fotocopiados e arquivados pela funcionária da agência.”.
Tratando-se pois, no tal “último” parágrafo da página 3 da reclamação, tão somente da questão da necessidade de passaporte brasileiro com validade mínima de seis meses.
O que em nada contradiz ou anula o anteriormente referido quanto à efetividade da exibição do passaporte brasileiro da Reclamante, com a validade de apenas dois meses, à ora Recorrente.

2.3. Quanto à entrega 2 dias úteis antes da realização da viagem, do documento “Informações para o viajante”.
Nada é referido, no dito documento – vd. folhas 64 – no tocante à necessidade de obtenção de visto para entrada de viajantes não oriundos na U.E., no país de destino, o México.
Ali se havendo consignado, em matéria de vistos, e tão só: “Verifique se para o país que vai visitar são necessários vistos ou vacinas”.

E se uma tal advertência – distinta da informação cuja falta se deu como provada – e nos termos e circunstâncias em que teve lugar, é bastante para efeitos de cumprimento de dever de informação, nesta área imposto às agências de viagens, é já matéria de direito, a apreciar infra.

2.4. O mesmo cabendo observar quanto ao catálogo “C” do verão de 2008 – entidade aparentemente distinta da Recorrente – que na sua “Informação Geral” apenas refere, quanto a passaportes, a necessidade de “Passaporte em ordem para cidadãos portugueses (validade mínima 6 meses). Outras nacionalidades, deverá consultar o consulado ou embaixada correspondente. No ato da reserva deverá deixar sempre uma fotocópia do seu passaporte.”.
E, nas “Condições Gerais do Contrato de Viagens Combinadas”, sob a epígrafe “Passaportes, vistos e documentação”: “Todos os clientes, sem exceção (incluindo crianças), deverão levar sempre consigo a sua documentação pessoal e familiar correspondente, ou seja, o passaporte ou bilhete de identidade, segundo as leis do país ou países que se visitem. Será por conta do cliente, sempre que as viagens o requerem, a obtenção de vistos, passaportes ou certificados de vacinas (…) Relembra-se igualmente a todos os clientes, e em especial aos que possuem nacionalidade distinta da portuguesa, que devem assegurar-se, antes de iniciar a viagem, de ter todas as normas e requisitos cumpridos, afim (sic) de poder entrar sem problemas em todos os países que vão visitar.”.

Pois também aqui se não refere a necessidade, para quem não seja cidadão da U.E., e designadamente para cidadãos brasileiros, de obter previamente visto de entrada no México.

Não se vislumbrando, em qualquer caso, as declarações do “reclamante marido” – que documentadas estejam nos autos – afirmando (?) conhecer que “as condições gerais aconselhavam a consulta da embaixada/consulado para confirmar se existia algum requisito especial para a viagem”.

3. Diga-se ainda, e por último quanto a esta matéria, que a própria Recorrente, forneceu elementos para o provado seja da apresentação dos passaportes, seja da não prestação da informação da necessidade dos vistos respetivos.

Pois, por um lado, e como visto, nas “Informações Gerais” do catálogo pela mesma assumido e invocado, é referido que “No acto da reserva deverá deixar sempre uma fotocópia do seu passaporte”, seja cidadão português ou não.
Sendo logo por isso de presumir que a Recorrente não teria aceite a reserva sem ficar na posse de fotocópia dos passaportes, incluído o da Reclamante brasileira.
Na verdade, consagra a nossa lei processual o princípio da livre apreciação das provas, “decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, ressalvada apenas a hipótese de a lei exigir, para a existência ou prova de facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que aquela não poderá ser dispensada, cfr. art.º 655º, do Cód. Proc. Civil.
Tal princípio de livre apreciação das provas, recorda-se, “situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração...: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis”.[1]
Máximas de experiência aquelas, assim inspiradoras das presunções judiciais...
Que, como é sabido, são ilações que o julgador tira de um facto conhecido, para firmar um facto desconhecido – vd. art.ºs 349º e 351º, do Cód. Civil – baseando-se “nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana”.[2]
Certo sendo que, como meios de prova por sua natureza falíveis e precários, a sua força persuasiva pode, por isso mesmo, ser afastada por simples contraprova.
Que, in casu, se não mostra feita.

Nesta linha devendo ser entendida a afirmação da senhora presidente da Comissão quando – depois de referir resultar “inequívoco do depoimento dos requerentes, e confirmado pela fotocópia do catálogo ... do verão de 2008 junto aos autos pela agência reclamada, que no acto da reserva, os clientes devem deixar sempre uma fotocópia dos passaportes – afirma que “Desta feita, não obstante a dificuldade em confirmar os factos, parece inquestionável que a agência recebeu as cópias dos passaportes e não prestou a devida atenção ao pormenor da nacionalidade da cliente ora reclamante.”

Por outro lado, a mesma Recorrente, e em rigor, não pretende ter informado os Recorridos da necessidade de obtenção de visto de entrada no México, para a Reclamante mulher.

Sustentando, diversamente, ter cumprido o dever de informação imposto pela lei reguladora – à época – do funcionamento das agências de viagem, através da entrega aos recorridos da documentação antecedentemente analisada, e em vista do teor da mesma, no tocante à matéria de passaportes e vistos.
*
Improcedem assim, e nesta parte, as conclusões da Recorrente.

II – 2 – Da violação, pela reclamada do dever de informação do viajante.
Nos termos do art.º 18.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 209/97, de 13 de agosto, vigente à data dos factos – com as alterações sucessivamente introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 12/99, de 11 de janeiro, 76-A/2006, de 29 de março, e 263/2007, de 20 de julho – (n.º 1) “Antes da venda de uma viagem turística, a agência deve informar, por escrito ou por qualquer outra forma adequada, os clientes que se desloquem ao estrangeiro sobre a necessidade de documento de identificação civil, passaportes e vistos, prazos legais para a respetiva obtenção e formalidades sanitárias e, caso a viagem se realize no território dos estados membros da União Europeia, a documentação exigida para a obtenção de assistência médica ou hospitalar em caso de acidente ou doença.”.
E, (n.º 3), “Considera-se forma adequada de informação ao cliente a entrega do programa de viagem que inclua os elementos referidos nos números anteriores.”.

No confronto de tal normatividade – integradora do conteúdo do contrato de venda de viagem organizada, previsto na conjugação dos art.ºs 17.º, n.º 2, e 22.º, do sobredito Dec.-Lei – não vemos como se possa reconduzir ao cumprimento do dever de informação dest’arte consagrado, a entrega ao cliente de documentação em que se refere, tão só, a necessidade de os clientes não portugueses deverem consultar o consulado ou embaixada correspondente… ser por conta do cliente, sempre que as viagens o requeiram, a obtenção de vistos…deverem os clientes assegurar-se, antes de iniciar a viagem, de ter todas as normas e requisitos cumpridos, afim (sic) de poder entrar sem problemas em todos os países que vão visitar…

Na verdade, e como se considerou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência, n.º 1/2009,[3] “Interpretar um preceito consiste, antes do mais, em tirar das palavras usadas na sua redação um certo sentido, um certo conteúdo de pensamento, uma significação; em extrair da palavra - expressão sensível de uma ideia - a própria ideia nela condensada. Não se tratará, porém, de colher da lei um qualquer sentido, o primeiro que o texto legal traga ao espírito do jurista.
É que a lei não se destina a alimentar a livre especulação individual; é um instrumento prático de realização e de ordenação da vida social, que se dirige sempre a uma generalidade mais ou menos ampla de indivíduos, não concretamente determinados, para lhes regular a conduta (Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, I, 1973, p. 144 - Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 5.ª ed., 1951, p. 24).
Diversos elementos contribuem para esse objectivo.
O elemento gramatical com uma primeira função de natureza negativa, eliminadora: a de eliminar dos sentidos possíveis da lei todos aqueles que, de qualquer modo exorbitam do texto respetivo (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., p. 159), tendo presente que, quanto às normas que comportam mais de um significado (sentido, pensamento), nem todos esses sentidos recebem do texto legislativo igual apoio; uns hão-de naturalmente caber dentro da letra da lei mais à vontade do que outros; os primeiros corresponderão ao sentido natural das expressões utilizadas, os outros a um sentido arrevesado, forçado.

O intérprete deve, em princípio, admitir que a lei procede de um legislador que sabe exprimir com suficiente correcção o seu pensamento [...]; do simples texto da lei recebe maior impulso o sentido que melhor corresponde ao seu significado natural, ao seu alcance normal (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pp. 159 e 160).”.

Sem que a interpretação da lei deva cingir-se à letra da mesma, antes devendo reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, além de que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas”, cfr. artigo 9.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil.

Mas em qualquer caso, e a reter, como também ensina Oliveira Ascensão,[4] “A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação”, funcionando o texto “também como limite da busca do espírito.”.

Ora, isto posto, e presente ainda o escopo do reforço da “protecção do consumidor”, assinalado no preâmbulo do Dec.-Lei n.º 263/2007, de 20 de julho,[5] outra coisa não podemos senão reiterar o entendimento de que a lei impõe às agências de viagens, em caso de viagem turística, o dever de informar o cliente – antes da venda daquela – e designadamente, da necessidade de vistos e do prazo legal para a respetiva obtenção.
Que não apenas remeter o cliente para a indagação, de per si, da necessidade de tais vistos.

E nem, de qualquer modo – o que assim apenas marginalmente se assinala – valeria como informação a entrega ao cliente, dois dias úteis antes da partida, de documentação onde constasse a correspondente referência.
Pois sempre teria a indicação ao cliente da necessidade de visto, de ter lugar com a antecedência razoável, na perspetiva da obtenção daquele.
Sob pena de se retirar efetivo alcance à exigência legal, deixando o cliente absolutamente desprotegido, na circunstância da manifesta insuficiência do prazo disponível para obtenção dos vistos respetivos.
Isso mesmo estando pressuposto na lei quando determina que a informação ao cliente, sobre a necessidade de vistos e prazos legais para a respetiva obtenção, deverá ter lugar “Antes da venda” da viagem.
O que, in casu, não está provado que tenha ocorrido – sendo esse, na circunstância de nos movermos na área da responsabilidade contratual, um ónus da Recorrente/reclamada, cfr. art.ºs 342.º, n.º 2, do Código Civil.
Antes estando admitido pela própria Recorrente que tal entrega teve lugar no próprio dia da venda, a saber, 28-04-2011.
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Com improcedência, por igual nesta parte, das conclusões da Recorrente.

II – 3 – Conquanto se trate de questão não incluída nas conclusões das alegações de recurso, mas tão só abordada no corpo daquelas, não deixará de se dizer – apenas en passant, na circunstância – que sempre seria de indeferir a arguição da violação do princípio do contraditório.
Que a Recorrente equacionou – vd. § 5 de folhas 2 das suas alegações – na circunstância de os Reclamantes haverem apresentado “a sua versão dos factos escrita perante a Comissão arbitral” – como de resto a lei expressamente prevê, cfr. art.º 47.º, n.º 1, alínea c), do Dec.-Lei n.º 263/2007, de 20 de julho – e o mesmo não haver sido “permitido à Apelante”.
A recorrente foi convocada, em 2011-06-22 – vd. folhas 80 – “para estar presente na reunião” da Comissão arbitral para prestar os esclarecimentos que entenda por convenientes”, tendo comparecido a tal diligência – que teve lugar em 2011-07-01 – onde lhe foi dada a oportunidade de se pronunciar, tendo “refutado convictamente as alegações do reclamante”.
Sem que haja, então, arguido a correspondente nulidade processual…logo “apreensível” – do seu ponto de vista – aquando da sua sobredita notificação para comparência.
Apenas o havendo feito, de algum modo, nas suas alegações de recurso.
Apresentadas em 2011-07-18, quando, em qualquer caso, decorrido estava o prazo para tal arguição, cfr. art.ºs 205.º, n.º 1 e 153.º, n.º 1, do Código de Processo Civil
Visto o que sempre uma tal nulidade teria de se julgar sanada.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.
Taxa de justiça nos termos da tabela I-B anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
*
(…)
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Lisboa, 15 de Março de 2012

Ezagüy Martins
Maria José Mouro
Maria Teresa Albuquerque
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[1] Vd. José lebre de Freitas. A. Montalvão Machado. Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 635.
[2] Apud P. Lima e A. Varela, in “Código Civil, Anotado”, Vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, 1982, pág. 310.
[3] Processo n.º 1954/08-5, relator: Simas Santos, in DR, I Série, n.º 11, de 16 de janeiro de 2009.
[4] In “Introdução ao estudo do Direito”, Edição dos Serviços Sociais da Universidade de Lisboa, Ano letivo de 1970/1971, revisão parcial em 1972/73, 1.º ano-1.ª turma.
[5] E renovadamente, no preâmbulo do Dec.-Lei n.º 61/2011, de 6 de maio, que estabeleceu o novo regime de acesso e de exercício da atividade das agências de viagem e turismo, e cujo art.º 48.º revogou o Dec.-Lei n.º 209/97, de 13 de agosto.