Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2128/09.2TJLSB.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
COMODATO
POSSE
MERA DETENÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
BENFEITORIA
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O acolhimento do R. em casa do A., seu pai, com o consentimento deste, interessa ao domínio dos chamados atos facultativos, que não qualificam a posse, apenas estando em causa o seu enquadramento nas várias situações de detenção previstas no art.º 1253.º.
II – O ter o R. suportado algumas despesas relacionadas com a fruição daquela casa – com substituição da canalização do r/c Dtº, bem como de todo o chão, do autoclismo e das louças da casa de banho, com o restauro das paredes, e com móveis de cozinha, não exprime uma posse exercida contra o reivindicante, seu pai.
III - Quem efetua um incremento de valor numa coisa alheia só pode recorrer à ação de enriquecimento se as despesas tiverem sido suportadas pelo seu património, sobre ele recaindo o ónus da prova das correspondentes despesas.
IV - O direito à habitação consagrado no art.º 65.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, tem fundamentalmente, como sujeito passivo o Estado em sentido amplo e não, ao menos em princípio, os proprietários ou senhorios.”.
V – Não constitui fundamento legal para o reconhecimento ao Réu, em ação de reivindicação, do direito ao arrendamento de frações que ocupa sem título, contra a vontade do proprietário reivindicante, a circunstância da indisponibilidade, por parte do Réu, filho do A., de meios económicos para adquirir uma habitação ou sequer a possibilidade de pedir um empréstimo para esse fim, e ter o A. outras habitações onde poderá morar, residindo e utilizando o Réu aquelas frações há mais de vinte anos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação

I - “A” intentou ação declarativa, com processo comum, sob a forma sumária, contra “B”, pedindo:
a) Se declare ser o Autor legitimo dono e possuidor das frações autónomas que identifica e a posse das mesmas pelo Réu insubsistente, ilegal e de má fé, por falta de qualquer título que a legitime.
b) Se condene o Réu ou quem eventualmente ocupar as ditas frações a reconhecer ao Autor o direito de propriedade das mesmas e a restitui-las no estado em que se encontravam, bem como todos os bens móveis que ali se encontravam e ainda na totalidade das custas a que o processo dê causa e em procuradoria condigna.
c) Se condene ainda o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 1.200,00, por cada mês que decorre desde o dia 20 de outubro de 2009 e durante o período de tempo em que subsistir a ocupação e ainda na quantia de € 525,00 por mês, a título de rendas por este dispendidas, também enquanto subsistir a ocupação ilegítima e ilegal descrita.
Alegando, para tanto e em suma, que é dono e legítimo possuidor das duas frações autónomas “B” e C””, de prédio urbano em regime de propriedade horizontal, que identifica, as quais comprou em 9 de maio de 2002.
Sendo anteriormente arrendatário das ditas frações, destinadas a escritório.
Tendo autorizado o Réu, seu filho, no ano de 2000/2001, a mudar a sua oficina de reparação de máquinas fotográficas de uma das salas da fração B –que o A. lhe havia emprestado, em 1998-1999, para nela montar tal oficina – para a fração C, assim também a título precário.
Ficando A. e R. a habitar a fração B.
Tendo o A., que passava a maior parte do tempo em Angola, regressado definitivamente a Portugal em 2009, o Réu impediu-lhe a entrada em qualquer das frações, recusando-se a deixar aquelas.
Assim obrigando o Autor a arrendar, por € 525,00 mensais, um andar, para ele e seu filho menor de oito anos nele habitarem.

Contestou o Réu, “retificando” datas e dizendo, no essencial, que o A. “comprou e deu verbalmente” as frações em causa àquele para o mesmo aí exercer a sua atividade profissional, em compensação do que tinha dado às irmãs do Réu.
O qual, há mais de vinte anos assumiu o pagamento de rendas à anterior proprietária, dos contratos de fornecimento, um em nome do A, e outros até em nome de terceiros, bem como dos IMI e do condomínio.
Dizendo ainda, em reconvenção, que na sequência de uma inundação no rés do chão Dt.º se viu obrigado a fazer obras necessárias e urgentes de restauro, que orçaram em € 12.770,00.
Tendo ainda pago por conta do A., de IMI, às Finanças, a quantia de € 774,10, e, de condomínio, a quantia de € 1170,00.
Para além de haver gasto € 1.986,05, em móveis de cozinha, de que a mesma fração não dispunha.

Remata pedindo:
- que seja decretado o direito ao arrendamento a favor do Réu , cuja renda deverá ser fixada pelo Tribunal, requerendo-se a nomeação de perito avaliador do Tribunal para o referido efeito;
- que seja o Reconvindo condenado no pagamento (está implícito) ao Réu da quantia de € 16.682,15 acrescidos dos juros legais que se venceram a contar da citação e até efetivo e integral pagamento.

Houve réplica do A., sustentando a improcedência das “exceções invocadas pelo Réu – quando, de forma confusa, pretende fazer-se passar por arrendatário numa primeira fase e como proprietário numa segunda fase das frações dos autos – bem como do pedido reconvencional.

Por despacho de folhas 133-134, considerando que tendo em atenção a reconvenção deduzida, o processo, atento o novo valor da causa, passava a seguir a forma ordinária, ordenou a remessa dos autos, para distribuição, às Varas Cíveis de Lisboa.

Onde prosseguiram os autos seus termos, com saneamento e condensação.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença decidindo:
“a) julgar a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência,
a.1) declarar o autor legitimo dono e possuidor das frações id. nos autos e a ocupação das mesmas pelo réu insubsistente e ilegal, por falta de titulo que a legitime;
a.2) condenar o réu a reconhecer ao autor o direito de propriedade sobre as mesmas e a restitui-las no estado em que se encontravam, bem como todos os bens móveis que aí se encontravam;
a.3) condenar o réu a pagar ao autor a quantia de 525,00 euros, a título de renda por este dispendida, enquanto subsistir a ocupação pelo réu.
b) julgar o pedido reconvencional parcialmente procedente, por provado, e, em consequência, condenar o autor a pagar ao réu a quantia de 1,944,10 euros, relativa ao pagamento de IMI e condomínio, acrescida de juros legais, desde a citação até efetivo pagamento, no mais se absolvendo o autor dos pedidos contra si formulados.”.

Inconformado, recorreu o Réu, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
“1.ª Face ao supra exposto em defesa da dignidade do ora Recorrente e a uma condigna habitação e atendendo que o mesmo sempre residiu naquelas fracções e cumpriu com as suas obrigações legais e, maxime, face ao mesmo não deter condições para poder mudar-se para outra habitação deve o Tribunal constitui-lo arrendatário das fracções com renda compatível com o mercado;
2.ª O ora Recorrente em razão da profissão que exerce não tem forma de obter rendimentos que lhe possibilitem a mudança de residência por os mesmos serem mesmo muito parcos;
Assim sendo,
3.ª Em total respeito com a Lei fundamental, conforme o estatuído no Art. 65.º n.º 1 CRP, deve o Tribunal para a garantia e defesa da validade do ius permitir ao ora Recorrente que a este seja Locado as fracções em apreço melhor identificadas supra;
4.ª Face aos factos e considerandos supra vertidos deve concluir-se que o ora Recorrente era titular do direito de “posse” das referidas fracções a partir do momento em que o ora Recorrido lhe transmitiu que lhe as doava;
5.ª O ora Recorrente sempre exerceu o poder de facto sobre as identificadas fracções desde finais da década de 1980, na convicção de que eram suas as fracções;
6.ª Comprovada pelo comportamento e conduta adoptada publicamente e à vista de todos os vizinhos e moradores que detinha sobre as fracções um valido direito;
7.ª Direito esse, mais uma vez manifestado aquando da realização das obras efectuadas nas fracções e com o pagamento de todas as despesas inerentes às mesmas;
9.ª Resulta da prova produzida em audiência que ora Recorrente efectivamente teve despesas e gastos com a manutenção e conservação das fracções;
10.ª Despesas essas, das quais não restam dúvidas que as mesmas serviram para fazer face à conservação e prevenção da deterioração das fracções, cujo custo foi suportado na integra pelo ora Recorrente;
Assim,
11.ª Em respeito e obediência pela Lei nos termos do Art. 1273.º CC, deve o ora Recorrente ser indemnizado de todas as despesas que efectuou;
12.ª Devendo, o ora Recorrido ser condenado a ressarcir o Recorrente pelas despesas que efectuou nas fracções
13.ª A CRP. Dispõe no n.º 1 do art.º 65 que todos têm direito para si e para a sua família a uma habitação, de dimensão adequada…e o recorrente não tem outra nem meios económicos para a adquirir ou sequer possibilidade de pedir um empréstimo para esse fim;
14.ª É filho do recorrido tendo estes outras habitações onde poderá morar sempre que vem a Portugal, pois é totalmente falso que alguma das vezes tivesse ficado alojado em Arroios;
Finalmente, salvo melhor por douta opinião contrária, a Sentença recorrida entre outras, violou as seguintes disposições legais:
- Art. 65.º n.º 1 CRP;
- Art. 216.º, 1251.º e 1273.º CC;
- Art. 265.º n.º 3, 579.º, 582.º CPC.
- art.º 65 n.º 1 da CRP“.

Requer a revogação parcial da decisão Recorrida “Condenando-se o recorrido a dar de arrendamento as frações com rendas compatíveis com as de mercado e ainda a indemnizar o ora recorrente de todas as despesas relativas a benfeitorias efectuadas nas identificadas frações;”.

Contra-alegou o Recorrido, pugnando pela manutenção do julgado.

II – Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se o Réu exerceu a sua posse sobre as identificadas frações desde finais da década de 1980.
- se o Réu tem o direito de ser indemnizado, pelas obras a que procedeu nas ditas frações.
- se deverá ser reconhecido ao Réu o direito a que lhe sejam dadas de arrendamento as frações em causa, e com rendas “compatíveis com as de mercado”.
*
Considerou-se assente, na 1.ª instância, a matéria de facto seguinte:
A) O autor é dono e legitimo possuidor de duas fracções autónomas, designadas pelas letras “B” e “C” correspondentes, respectivamente ao rés do chão direito e rés do chão esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ... ns.º 168 a 168 A em Lisboa.
B) Tais fracções encontram-se inscritas a favor do autor pelas inscrições ... de 2002/96/19 a fls. 107 V do livro G – 123 – 2.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, onde se encontram descritas sobre os ns.º ... – B e ... – C.
C) Tais fracções encontram-se também inscritas a favor do autor na matriz predial urbana da freguesia de ..., do concelho de Lisboa, sob os artigos ... A e ... B.
D) A fracção B tem o valor patrimonial de € 13.497,55, enquanto a fracção “C” tem o valor patrimonial de € 3.777,65.
E) Tais fracções foram adquiridas por compra feita pelo autor a “C” no dia 29 de Maio de 2002.
F) Tais fracções destinavam-se a escritório.
G) Antes de o autor adquirir as ditas fracções as mesmas estavam arrendadas à sociedade ““D”, Lda.”, de que era sócio e gerente o autor e seus dois irmãos, aí funcionando os escritórios dessa sociedade comercial.
H) O réu vivia com o autor numa casa de que este era proprietário na ..., 7º andar em Lisboa, freguesia do ..., conjuntamente com sua mãe e uma irmã.
I) Entretanto, com o evoluir da vida, o Réu deslocou-se para ... onde, num estabelecimento de especialidade aprendeu o ofício de reparação de máquinas fotográficas.
J) Local este, ..., onde o Réu conjuntamente com a pessoa que lhe ministrou o ofício atrás descrito, começou a desenvolver a actividade comercial de reparação de máquinas fotográficas.
L) A partir de certa altura o réu passou a exercer a sua actividade profissional de reparação de máquinas fotográficas no prédio id. em A), com autorização do autor.
M) No ano de 2000 o autor – que era homem com negócios em África, onde passava grande parte do tempo, mas vinha com frequência a Lisboa – vendeu a casa onde residia e de que era proprietário, id. em H).
N) O autor através do seu mandatário e subscritor da presente petição, em 16 de Setembro de 2009 endereçou ao réu carta registada com aviso de recepção, que por este foi recebida em 18 do mesmo mês e ano.
O) Por essa carta o réu era informado que não dispunha de qualquer título legítimo para continuar a usar as fracções em causa, a não ser o mero consentimento verbal do pai/Autor e que as deveria entregar a este no prazo de 30 dias, prazo esse que terminaria em 20 de Outubro de 2009.
P) Mais era advertido que por cada mês de ocupação das ditas fracções, a partir daquela data, ser-lhe-ia exigida indemnização de € 600,00 mensais por cada um dos locais ocupados correspondente ao valor locatício dos mesmos e ainda no valor que o Autor tivesse que despender por casa que fosse obrigado a arrendar para nela viver com o seu filho menor.
Q) A tal carta respondeu o réu, por missiva datada de 19/10/2009 e recebida no dia 20 do mesmo mês e ano, na qual refere, entre outras coisas, que está fora de questão a entrega das lojas ao Autor, fundamentalmente por se destinarem a escritório e por ali exercer actividade comercial há mais de 20 anos, pagando até os respectivos impostos ao Estado.
R) O réu instalou a sua oficina de reparação de máquinas fotográficas numa das salas da fracção B do prédio id. em A), nos finais dos anos 80, inícios dos anos 90.
S) Continuando as restantes divisões do rés-do-chão direito a ser usadas para escritório da sociedade id. em G), assim como o rés do chão esquerdo.
T) Após vender a casa id. em H) o autor passou a habitar na fracção B – rés-do-chão direito – do prédio sito na Rua ..., n.º 168 em Lisboa.
U) Como o autor ali passou a habitar, o réu pediu-lhe se podia mudar a dita oficina de reparação de máquinas fotográficas, da sala desta fracção, para a fracção C – rés-do-chão esquerdo.
V) O que o autor permitiu.
X) E desde essa data o réu passou a deter a sua oficina no rés-do-chão esquerdo, enquanto ambos passaram a habitar no rés-do-chão direito.
Z) Aquando duma das suas deslocações de Angola a Lisboa, o autor, que entretanto tinha a seu cargo um filho menor ficou instalado na casa duma das suas filhas para o ajudarem a tratar do menor.
AA) E foi nesta data, que remonta a Maio de 2009, que o réu lhe pediu as chaves da dita fracção B, invocando que se tinha esquecido das suas dentro de casa e ali não podia entrar sem a intervenção dos bombeiros ou sem que tivesse que arrombar a porta.
BB) Tendo-lhe o autor emprestado as chaves da casa.
CC) Chaves essas que o réu nunca mais devolveu ao autor, apesar das insistências deste.
DD) Quando o autor regressou definitivamente de Angola, no ano de 2009, pretendeu entrar na id. fracção B).
EE) Tendo sido impedido de entrar na fracção B.
FF) O Autor insistiu várias vezes com o Réu para o deixar entrar e permanecer na sua habitação.
GG) Tendo o réu sempre recusado deixá-lo entrar em qualquer das fracções.
HH) A conduta o réu obriga o autor e o seu filho menor de oito anos, a dormir no sofá duma sala de casa duma das suas filhas.
II) Situação que não podendo manter-se obrigou o autor a arrendar uma pequena fracção a cujo senhorio pagará € 525,00 por mês.
JJ) O réu desde que instalou a oficina na sala da fracção B pagou algumas rendas das fracções à proprietária, em nome dos arrendatários.
LL) Tendo pago, também, algumas facturas de água electricidade e telefone, embora estes se encontrassem em nome de terceiro.
MM) O réu pagou contribuições às Finanças (IMI) das fracções dos autos no valor de 774,10 euros.
NN) Após a compra das fracções pelo autor houve uma inundação no r/c Dtº.
OO) O réu substituiu a canalização do r/c Dtº.
PP) Bem como todo o chão, o autoclismo e as louças da casa de banho.
QQ) O réu mandou proceder ao restauro das paredes.
RR) Os trabalhos foram orçados em 12.770,00 euros.
SS) O réu pagou por conta do autor a quantia de € 1.170,00 a título de condomínio.
TT) Como a fracção não tinha móveis de cozinha, o réu teve de comprar tais móveis para ali poder habitar, despendendo para tal a quantia de € 1.986,05.”.
Tendo assim resultado não provado, e designadamente, que:
- Após o autor ter comprado as ditas frações o réu deixou de pagar a renda por indicação deste, mas continuou a pagar os contratos de fornecimento referidos no quesito 20.º (resposta negativa ao art.º 23.º da base instrutória).
- O autor nunca habitou em nenhuma daquelas frações e quando vinha a Portugal ficava em casa da filha mais nova (“E”) (resposta negativa ao art.º 24.º da base instrutória).
- O autor após ter comprado as id. fracções deu-as verbalmente ao réu para este aí desenvolver a sua atividade profissional (resposta negativa ao art.º 26.º da base instrutória).
- A fim de compensar os montantes em dinheiro e bens móveis, que ofereceu as filhas “E” e “F” (resposta negativa ao art.º 27.º da base instrutória).
- Tendo-se rompido a tubagem da canalização e não estando o réu presente ficou toda a casa inundada (resposta negativa ao art.º 29.º da base instrutória).
- Perante o sucedido, o réu teve de substituir toda a canalização, a qual já tinha mais de 50 anos (provado apenas que “O réu substituiu a canalização do r/c Dtº.”, vd. resposta restritiva ao art.º 30.º da base instrutória).
- Bem como todo o chão e ainda aproveitou para substituir o autoclismo e as louças da casa de banho, por a sanita se encontrar estalada devido a um parafuso de fixação que partiu (provado apenas que “Bem como todo o chão, o autoclismo e as louças da casa de banho.”, vd. resposta restritiva ao art.º 31.º da base instrutória).
- Como os tubos da água passam por cima das portas, a fuga da água danificou também as paredes (resposta negativa ao art.º 32.º da base instrutória).
- O que obrigou o réu a mandar proceder ao restauro das paredes (provado apenas que “O Réu mandou proceder ao restauro das paredes.”, vd. resposta restritiva ao art.º 33.º da base instrutória).
- Pela realização dos trabalhos o réu pagou a quantia de 12.770,00 euros provado apenas que Os trabalhos foram orçados em 12.770,00 euros”, vd. resposta restritiva ao art.º 34.º da base instrutória.
*
Sendo que, e não havendo o Recorrente deduzido impugnação da decisão da 1.ª instância quanto à matéria de facto, também não cabe conhecer, nesta sede de recurso, seja de factos não provados, seja de factos não alegados nos articulados.
E certo, quanto àquela última vertente, que no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.[1]
São meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.[2]
Deles se dizendo, por isso, que são recursos de revisão ou reponderação.
Não sendo, assim, admissível, a invocação de factos novos, nas alegações de recurso[3], sem prejuízo das hipóteses, de que nenhuma aqui se configura, de factos novos de conhecimento oficioso e funcional bem como dos factos notórios, vd. art.º 514º do Cód. Proc. Civil.

Isto posto:
II – 1 – Da arrogada posse do Réu.
1. Sustenta aquele, e como visto, ser “titular do direito de “posse” das referidas frações a partir do momento em que o ora Recorrido lhe transmitiu que lhe as doava”, exercendo assim “o poder de facto sobre as identificadas frações desde finais da década de 1980, na convicção de que eram suas as frações, comprovada pelo comportamento e conduta adoptada publicamente e à vista de todos os vizinhos e moradores que detinha sobre as frações um valido direito, direito esse, mais uma vez manifestado aquando da realização das obras efectuadas nas frações e com o pagamento de todas as despesas inerentes às mesmas” (o sublinhado é nosso).

Com o que, dir-se-á, estaria verificada uma situação de posse titulada, de boa-fé, pacífica, e pública, conducente à aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre as frações autónomas respetivas, cfr. art.º 1296.º, do Código Civil.

Por um tal caminho não enveredando porém o Recorrente, que invoca a sua pretendida posse para fundamentar o pedido de indemnização por benfeitorias, nos quadros do art.º 1273.º, n.º 2, do Código Civil.

2. Mas nem essa sustentada posse se verifica.

Aquela “é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real.”, cfr. art.º 1251.º, do Código Civil.

Sendo elementos da posse, para a doutrina subjetivista, largamente maioritária, na doutrina e na jurisprudência portuguesas, e com a qual enfileiramos, o corpus – constituído pela atuação de facto correspondente ao exercício do direito, por parte do possuidor – e o animus, a intenção de ser proprietário, mesmo que o não seja e o saiba, vd. Henrique Mesquita,[4] Orlando de Carvalho,[5] Pires de Lima e Antunes Varela.[6]
Assinalando-se que iniciais defensores da chamada teoria objetivista – para os quais, havendo corpus em princípio há posse, sendo porém que o corpus possessório “alude simplesmente ao estado de facto em que um sujeito tem o controlo material da coisa e pode actuar sobre ela nos termos de um direito.” –como Menezes Cordeiro,[7] vieram a rever essa sua posição, defendendo agora que o sistema português é um sistema “sobreposto”.
Referindo o assumido objetivista Carvalho Fernandes,[8] que o corpus implicaria a posse, “salvo quando a actuação do possuidor revele uma vontade segundo a qual ele age sem animus possidendi. É este elemento negativo que desvaloriza ou descaracteriza o corpus.”…

Ora, não se mostram reunidos os assinalados elementos da posse, face à matéria de facto provada.

Recorde-se que o Réu passou a exercer a sua atividade profissional de reparação de máquinas fotográficas no prédio id. em A), com autorização do autor.
Instalando a sua oficina de reparação de máquinas fotográficas numa das salas da fração B desse prédio, nos finais dos anos 80, inícios dos anos 90.
E que as restantes divisões do rés do chão direito continuaram a ser usadas para escritório da sociedade ““D”, Lda.”, assim como o rés do chão esquerdo.
Sendo que após vender, no ano de 2000, a casa de que era proprietário, na ..., 7º andar em Lisboa, freguesia do ..., o Autor passou a habitar na fração B – rés do chão direito – do prédio sito na Rua ..., n.º 168 em Lisboa.
E como o Autor ali passou a habitar, o Réu pediu-lhe se podia mudar a dita oficina de reparação de máquinas fotográficas, da sala desta fração, para a fração C – rés do chão esquerdo.
O que o autor permitiu.
Passando o R., desde essa data a deter a sua oficina no rés do chão esquerdo, enquanto ambos passaram a habitar no rés do chão direito.
E na circunstância de aquando de uma das deslocações do A. de Angola a Lisboa, ter aquele ficado instalado, com um filho menor que tinha a seu cargo, na casa duma das suas filhas, para o ajudarem a tratar do menor, o R., em maio de 2009, pediu-lhe as chaves da dita fração B, invocando que se tinha esquecido das suas dentro de casa e ali não podia entrar sem a intervenção dos bombeiros ou sem que tivesse que arrombar a porta.

Na sequência do que veio a suceder o mais que da fatualidade assente consta.

3. Tendo-se pois, e por um lado, que a fração C foi entregue ao R. pelo A., a título gratuito, para que aquele nela instalasse e tivesse a funcionar a sua oficina de reparação de máquinas fotográficas.
No âmbito pois do que, conforme bem julgou a 1.ª instância, se deverá caracterizar como um contrato de comodato da correspondente fração C, vd. art.º 1129.º, do Código Civil.
Que na circunstância de não conter a delimitação temporal do uso que o comodato visa proporcionar – e tratando-se como se trata de uso dirigido à prática de atos continuados, como é o exercício de uma atividade de reparação de certo tipo de artigo – ficará sujeito ao regime do art.º 1137.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, com obrigação de restituição ao comodante logo que exigida ao comodatário.
Assim tendo o Supremo Tribunal de Justiça decidido, v.g., no seu Acórdão de 16-12-2010,[9] ser “entendimento corrente, na doutrina e na jurisprudência, que, relativamente a empréstimo “para uso determinado”, a determinação do uso, contém, ela mesma, a delimitação da necessidade temporal que o comodato visa satisfazer, não sendo de considerar como determinado o uso de certa coisa se não se souber - nos casos em que o uso não vise a prática de actos concretos de execução isolada, mas de actos genéricos de execução continuada - por quanto tempo vai durar, caso em que se haverá como facultado por tempo indeterminado.
Deste modo, o uso só tem fim determinado se o for também temporalmente determinado ou, pelo menos, por tempo determinável.”.

Confrontando-nos assim com a consagração no Código Civil, da figura do precarium, que, nas palavras do Conselheiro Rodrigues Bastos[10] “é o comodato sem determinação de data, expressa ou tácita, que no direito romano se não considerava verdadeiro comodato, conservando o concedente do uso o direito de cessação do contrato “ad nutum””.

Ora, como resulta do disposto no art.º 1253.º, alíneas b) e c), do Código Civil, e, em situação paralela, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 13-11-2007,[11] "o R. ao ser investido na posse da coisa pela entrega gratuita e temporária do respetivo uso e fruição exerceu uma posse precária, alieno nomime, ou seja, exerceu-a por mera tolerância dos donos.”.

Sem que invocada haja sido a inversão do título de posse – “interversio possessionis”, a qual se verifica se, a partir de certo momento, o detentor passar a exercer o domínio, contra quem atuava como dono, com a intenção, agora, de atuar, inequivocamente, como titular daquele direito, vd. art.ºs 1263.º, alínea d) e 1265.º, do Código Civil – e sendo, em qualquer caso, que a questão da existência de posse em nome próprio apenas relevaria, na economia das alegações do Recorrente, em sede de arrogado direito a ser indemnizado pelas despesas suportadas com obras realizadas numa das frações …em data assumidamente anterior à da recusa do Réu em facultar a entrada ao A. naquelas, cfr. art.º s 46 a 53 e 56, da contestação e documentos para que naqueles se remete.

4. Por outro lado, e no tocante à fração B, nem de comodato cabe falar, posto que inexiste “entrega” da mesma ao R., tratando-se, tão-só, do acolhimento do R. em casa do A., seu pai, com o consentimento deste, fora de qualquer âmbito contratual.
Estando-se já no domínio dos chamados atos facultativos, compreendendo, segundo a doutrina dominante, como dá conta Carvalho Fernandes, “os praticados ao abrigo de uma autorização concedida pelo titular do direito, livremente revogável, e os permitidos por virtude do não exercício, pelo respetivo titular, de certas faculdades que integram o conteúdo de certo direito.”, que “não qualificam a posse”, apenas estando “em causa o seu enquadramento nas várias situações de detenção previstas no art.º 1253.º”.[12]

Certo sendo ainda que, pese embora o ter-se considerado provado haver o R. suportado algumas despesas relacionadas com a fruição daquela fração – com substituição da canalização do r/c Dtº, bem como de todo o chão, do autoclismo e das louças da casa de banho, com o restauro das paredes, e com móveis de cozinha – tal, como igualmente se julgou no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-11-2007, para além de não ser incompatível com a gratuitidade do contrato de comodato – quando fosse esse aqui também o caso – “sobretudo, não exprime uma posse exercida contra aqueles em nome de quem possuíam – os reivindicantes.”.

Improcedendo pois, nesta parte, as conclusões do Recorrente.

II – 2 – Do direito do Réu a indemnização pelas obras realizadas na fração B.
Arroga-se o Recorrente tal direito, na consideração de se tratarem aquelas de efetivas benfeitorias, “umas necessárias e outras úteis”.
Convocando a propósito o disposto no art.º 1273.º, do Código Civil.
Normativo nos termos do qual: “1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. 2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.”.
Não sofre dúvidas que o disposto no transcrito normativo só se aplica, de modo direto, à posse propriamente dita, e não à mera detenção ou posse precária.
Sem embargo de, como assinalam P. Lima e A. Varela,[13] os seus preceitos serem mandados aplicar em vários daqueles casos.
Sendo, e designadamente, que o comodatário é igualmente equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de má-fé, cfr. art.º 1138.º, n.º 1, do Código Civil.

Simplesmente, e como visto, a situação do Réu relativamente à fração B estranha a qualquer relação de comodato.
Não se vislumbrando disposição legal que, para efeitos de benfeitorias, equipare o familiar do proprietário, com ele convivente, por tolerância do mesmo, ao possuidor, ainda que de má-fé.

Poder-se-ia então pretender ser caso de recurso ao instituto do enriquecimento sem causa.
E certo que tratando-se, aquele, de instituto subsidiário, e não estando o Tribunal sujeito às qualificações jurídicas das partes, desde que os correspondentes factos se mostrem alegados e provados, nada obstará ao conhecimento de tal fonte da obrigação de restituição.[14]
Nos termos do art.º 473º, n.º 1, do Código Civil, “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.
E (n.º 2), “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”.

No confronto de tal normatividade, e como dá conta Luís Manuel Telles de Menezes Leitão,[15] a doutrina vem distinguindo no âmbito do enriquecimento sem causa, o enriquecimento por prestação, o enriquecimento por intervenção, e ainda o enriquecimento por despesas efetuadas por outrem e o enriquecimento por desconsideração de um património intermédio.
E, pelo que agora aqui poderia interessar, subdistingue-se, no enriquecimento por despesas, o enriquecimento por pagamento de dívidas alheias e o enriquecimento por incremento de valor de coisas alheias.
No âmbito daquele último “encontram-se situações em que alguém efectua despesas (gastos de dinheiro, trabalho ou materiais) em determinada coisa, que se encontra na posse do benfeitorizante ou, mesmo não se encontrando na sua posse, ele acredita que a coisa lhe pertence. Pode ainda considerar-se ocorrer uma hipótese de enriquecimento por incremento do valor de coisas alheias, na situação de alguém, embora conhecendo o caráter alheio da coisa, desconhece que se encontra a realizar as despesas com materiais seus e não com materiais alheios.”.[16]
E “Por outro lado, ao contrário do enriquecimento por prestação, em que a própria autoria da prestação dispensa a aplicação do requisito "à custa de outrem", no âmbito do enriquecimento por incremento de valor em coisa alheia não se pode dispensar esse requisito. Quem efectua um incremento de valor numa coisa alheia pode recorrer à ação de enriquecimento se as despesas tiverem sido suportadas pelo seu património, já não lhe cabendo qualquer ação se, por exemplo, tiver utilizado materiais alheios ou força de trabalho de outrem. Haverá, portanto, que encontrar outra fundamentação dogmática para a restituição nestes casos do enriquecimento sem causa (…) Assim, ao contrário, do que se passa no enriquecimento por prestação, onde é a frustração do fim visado com a prestação que dá lugar à restituição, nesta categoria de enriquecimento sem causa o que determina a restituição é o facto de o incremento patrimonial do enriquecido ter origem em despesas suportadas pelo empobrecido, sendo por esse motivo que se considera esse enriquecimento "à custa de outrem".”.[17]

Ora – e para lá de se tratar, in casu, de obras feitas em coisa alheia, por quem não era possuidor, nem desconhecia tal caráter alheio da coisa – ponto também é, e desde logo, que se não provou ter o Réu/recorrente, suportado o pagamento de tais obras, vd. “resposta” restritiva ao art.º 34.º, da base instrutória.

E não se tratando de benfeitorias necessárias – recorda-se não haver resultado provado que a realização das ditas obras, fosse um imperativo decorrente da inundação verificada, cfr. art.º 216.º, n.º 3, do Código Civil – também nada na fatualidade provada implica um efetivo incremento patrimonial do A., com as obras realizadas, pelo aumento do valor da fracção autónoma em causa, ou com a poupança de despesas.
Isto para lá de nada acarretando o interesse do A. na instalação de móveis de cozinha na fracção em causa, aqueles – como é facto notório – serem, de há muitos anos a esta parte, simplesmente aparafusados à parede, ou pendurados em peças aparafusadas àquela, quando não apenas encostados, permitindo a sua remoção sem estragos significativos na mesma.

Não havendo dest’arte lugar à restituição por enriquecimento sem causa do A.

Com improcedência, por igual nesta parte, das conclusões do Recorrente.

II – 3 – Do arrendamento “forçado” das frações em causa.
Apela o Recorrente ao disposto no art.º 65.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Invocando ainda circunstâncias não alegadas na 1.ª instância – como sejam a indisponibilidade, por parte do Réu, de meios económicos para adquirir uma habitação ou sequer a possibilidade de pedir um empréstimo para esse fim, ou ter o A. outras habitações onde poderá morar – e como tal, na linha do que se deixou já dito supra em sede de “factos novos”, aqui inconsideráveis.
 Para além de outras em frontal oposição à fatualidade apurada, como quando refere que o A. tem outras habitações onde poderá morar, sempre que vem a Portugal, sendo totalmente falso que alguma das vezes tivesse ficado alojado em Arroios, vd. alíneas T), U), X), DD), HH), II), da matéria de facto provada.

Em qualquer caso, e desde logo, como anotam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira,[18] o direito à habitação consagrado no citado normativo constitucional “não justifica por si mesmo a edificação em violação dos limites ao uso da terra e do planeamento urbanístico, nem legitima a ocupação de edifícios alheios, nem impede a demolição de habitações clandestinas. Do mesmo modo, o direito à habitação não preclude o funcionamento de um mercado de arrendamento, através da possibilidade de despejos em casos justificados e da liberdade de fixação das rendas. O direito à habitação justifica seguramente limitações à propriedade no caso de prédios arrendados, e não só (por ex., a penalização fiscal ou, no limite, a expropriação de prédios arrendados em favor dos inquilinos). Mas essas limitações devem obedecer a um princípio de equidade e de proporcionalidade. Os titulares passivos do direito à habitação, como direito social, são primacialmente o Estado e as demais colectividades públicas territoriais e não principalmente os proprietários e senhorios.”, (o sublinhado é nosso).

Também Jorge Miranda e Rui Medeiros[19] assinalando, com citação do Acórdão do T.C. n.º 374/02, mostrar-se o direito à habitação configurado, em larga medida, “como um direito a prestações (do Estado) de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efetividade está dependente da reserva do possível, em termos políticos, económicos e sociais.”.
Tendo tal direito “fundamentalmente, como sujeito passivo o Estado em sentido amplo e não, ao menos em princípio, os proprietários ou senhorios”.
Apresentando-se não só como constitucionalmente inexigível, mas, em rigor, interdita, “a realização do direito à habitação através da imposição de limitações intoleráveis e desproporcionadas ao direito de propriedade”, (Acórdão do T.C., n.º 633/95).
E, assim, “ainda que o executado se veja privado da casa de habitação principal em consequência do despejo, não pode retirar-se da consagração constitucional do direito à habitação "a oponibilidade ao legítimo proprietário de um imóvel, abusivamente ocupado e fruído, ao longo do tempo, sem qualquer título – e que acabou de ver o seu direito reconhecido –, de uma pretensão ao diferimento da desocupação, que seja susceptível de paralisar a imediata exequibilidade da sentença condenatória proferida". É ao Estado que cabe, em face da iminência da desocupação, providenciar uma habitação alternativa (Acórdãos n.ºs 151/92, 685/99 e 465/01).”.

De tal intervenção do Estado se tratando nos art.ºs 930.º-B – suspensão da execução para entrega de coisa certa – e 930.º-C – diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação – ambos do Código de Processo Civil.

Carecendo pois de fundamento legal o peticionado “decretamento” do direito do Réu ao arrendamento das frações reivindicadas pelo A.

Com improcedência, e por último também aqui, das conclusões do Recorrente.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.
Taxa de justiça nos termos da tabela I-B anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
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(…)
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Lisboa, 15 de Março de 2012

Ezagüy Martins
Maria José Mouro
Maria Teresa Albuquerque
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[1] Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, LEX, 1997, pág. 395.
[2] Vd. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-02-1999, proc. n.º 98A1277, relator: Aragão Seia, e de  11-04-2000, proc. n.º 99P312, relator: José Mesquita, in www.dgsi.pt/jstj.nsf; e desta Relação, de 08-02-2000, proc. n.º 0076737, relator: Ponce Leão, e de 12-12-2002, proc. n.º 0054782, relator: Lúcia De Sousa, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf .
[3] Assim, Teixeira de Sousa, op. cit. págs. 395 e 454; Armindo Ribeiro Mendes, in “Os Recursos no Código de Processo Civil Revisto”, LEX, 1998, pág. 52; e João de Castro Mendes, in “Direito Processual Civil (Recursos), Ed. da AAFDL, 1972, págs. 23-24.
[4] In “Direitos Reais”, Coimbra, 1967, pág. 68.
[5] In “Introdução à Posse”, in RLJ, Ano 122.º, págs. 67 e seguintes.
[6] In “Código Civil, Anotado”, Vol. III, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1984, pág. 5.
[7] In “A Posse – Perspetivas Dogmáticas Atuais”, 3.ª ed., págs. 51 e seguintes.
[8] In “Lições de Direitos Reais”, Quid Juris, 5.ª Ed., 2007, págs. 286-287.
[9] Proc. 1584/06.5TBPRD.P1.S1, relator: Alves Velho, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[10] In “Notas ao Código Civil”, vol. IV, pág. 250/251.
[11] Proc. 07A3580, relator: Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[12] Cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, in op. cit., págs. 289-290.
[13] In “Código Civil, Anotado”, Vol. III, 2.ª ed., Coimbra Editora, Lda., 1984, pág. 44.
[14]Isto, assim, sem prejuízo de a matéria do ónus da prova constituir um dos “raros oásis de consenso” no âmbito do enriquecimento sem causa, sendo doutrina praticamente pacífica e jurisprudência largamente dominante a tese de que cabe ao autor demonstrar a ausência de causa da sua prestação – quando esteja em causa o enriquecimento por prestação – não obstante tratar-se de um facto negativo, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-10-2006 Proc. 06A2741, relator: Nuno Cameira, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[15] In “Direito das Obrigações”, Vol. I, 4ª Ed., Almedina, 2005, págs. 395 e seguintes. 
[16] Idem, págs. 413-414.
[17] Idem, págs. 414-415.
[18] In “Constituição da República Portuguesa, Anotada”, Vol. 1.º, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, págs. 836-837.
[19] In “Constituição da República Portuguesa, Anotada”, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, págs. 667, 669, 670 e 671.